Tributação em Revista 57

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ributação T EM REVISTA

Ano 16

N° 57

Jul–Dez 10

Distribuição Dirigida

Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional

ISSN 1809-3426

Seguridade Social

Entrevista

A falácia do déficit

Denise Gentil defende o conceito constitucional de Seguridade Social Páginas 6 a 12

Edição Especial CONAF 2010


PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICA E CONDIÇÕES DE TRABALHO Projeto O Auditor e a Sociedade A Previdência Social é indispensável para a sociedade brasileira. São 32 milhões de beneficiados que, dentre os idosos com mais de 65 anos, correspondem a 80% da populaçãao brasileira. A DEN compreende que um debate acerca dos desafios do regime previndeciário, que contemple relação à discussão das fontes de financiamento como dos benefícios e das políticas sociais decorrentes da execução do orçamento da Seguridade Social são essenciais para a sociedade brasileira. programa de integração e valorização Diretoria Executiva Nacional

Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publicações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interessados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para editor.revista@sindifisconacional.org.br. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.


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EDITORIAL

ENTREVISTA

Professora Denise Lobato Gentil ARTIGO

Financiamento da Seguridade Social Análise Sob a Constituição Federal de 1988 Eduardo Tanaka

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ARTIGO

A Previdência Social Como Renda Social no Brasil Célio Favoni e Solange de Cássia Inforzato de Souza

ARTIGO

Previdência Social e Constituição Federal: Qual é a Visão dos Juristas? Eduardo Fagnani

ARTIGO

Financiamento da Seguridade Social: do “Déficit” da Previdência ao Superávit da Seguridade Álvaro Luchiezi Jr.e Osmar Rodrigues de Aquino Jr.

As Contribuições Previdenciárias, o Emprego e a Garantia de uma Aposentadoria de Base para Todos os Trabalhadores Rosa Maria Marques

A Proposta de Reforma Tributária e seus Impactos na Arrecadação Previdenciária e no Mercado de Trabalho

Leonardo Alves Rangel, Graziela Ansiliero, Luis Henrique Paiva, Matheus Stivali e Edvaldo Duarte Barbosa

Tributação da folha salarial no exterior e no Brasil André Gonçalves Diôgo de Lima

ARTIGO

Uma Nova Forma de Financiamento da Previdência Social Luigi Nese

ARTIGO

A Desoneração da Folha e a Reforma Previdenciária Floriano José Martins

ARTIGO

O Fator Previdenciário Celecino de Carvalho Filho

QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Supremo Tribunal Federal confirma a inconstitucionalidade de contribuição previdenciária de inativos durante a EC nº 20/1998


Tributação em Revista é uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.

DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL (DEN) Presidente Pedro Delarue Tolentino Filho 1º Vice-Presidente Lupércio Machado Montenegro 2º Vice-Presidente Sergio Aurélio Velozo Diniz Secretário-Geral Claudio Marcio Oliveira Damasceno Diretor-Secretário Mauricio Gomes Zamboni Diretor de Finanças Gilberto Magalhães De Carvalho Diretor-Adjunto de Finanças Agnaldo Neri Diretora de Administração Ivone Marques Monte Diretor-Adjunto de Administração Eduardo Tanaka Diretor de Assuntos Jurídicos Sebastião Braz da Cunha Dos Reis 1º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos Wagner Teixeira Vaz 2º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos Luiz Henrique Behrens Franca Diretor de Defesa Profissional Gelson Myskovsky Santos 1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissional Maria Cândida Capozzoli de Carvalho

2º Diretor-Adjunto de Defesa Profissional Dagoberto da Silva Lemos Diretor de Estudos Técnicos Luiz Antonio Benedito Diretora-Adjunta de Estudos Técnicos Elizabeth de Jesus Maria Diretor de Comunicação Social Kurt Theodor Krause 1ª Diretora-Adjunta de Comunicação Social Cristina Barreto Taveira 2º Diretor-Adjunto de Comunicação Social Rafael Pillar Junior Diretora de Assuntos de Aposentadoria, Proventos e Pensões Clotilde Guimarães Diretora-Adjunta de Assuntos de Aposentadoria, Proventos e Pensões Aparecida Bernadete Donadon Faria Diretor do Plano de Saúde Carlos Antonio Lucena Diretor-Adjunto do Plano de Saúde Jesus Luiz Brandão Diretor de Assuntos Parlamentares João Da Silva dos Santos Diretor-Adjunto de Assuntos Parlamentares Geraldo Marcio Secundino Diretor de Relações Intersindicais Carlos Eduardo Barcellos Dieguez

Diretor-Adjunto de Relações Intersindicais Luiz Gonçalves Bomtempo Diretor de Relações Internacionais João Cunha da Silva Diretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social Maria Amália Polotto Alves Diretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social Rogério Said Calil Diretor de Políticas Sociais e Assuntos Especiais José Devanir De Oliveira Diretores-Suplentes Eduardo Artur Neves Moreira Kleber Cabral Conselho Fiscal Membros Titulares Ricardo Skaf Abdala Jose Benedito de Meira Maria Antonieta Figueiredo Rodrigues Membros Suplentes Iran Carlos Toneli Lima Norberto Antunes Sampaio José Yassuo Hashimoto

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Conselho Editorial Lupércio Machado Montenegro, Elizabeth de Jesus Maria; Kurt Theodor Krause; Tarcízio Dinoá Medeiros; João Cunha da Silva; Hélio Socolik, Roberto Barbosa de Castro e Luiz Antonio Benedito.

Projeto Gráfico Erika Yoda

Tiragem desta edição 3.000 mil exemplares

Fotolito e Impressão Kaco Gráfica

Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.

Capa Núcleo Cinco

Produção Editorial Publicação Dirigida. Acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br , link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email: estudostecnicos@sindifisconacional.org.br

Revisão Ana Carolina Pinheiro da Silva

Diagramação Washington Ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF

Edição Álvaro Luchiezi Jr.

Redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 BrasíliaDF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255

Colaboração: Os artigos, inéditos, devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).


e DITORIAL Uma das maiores conquistas da humanidade, nos tempos modernos, praticamente em sequência às revoluções industrial e urbana, reside na construção de redes de proteção social, das quais a seguridade social, abrangendo ações de saúde, previdência e assistência, é a mais importante. No Brasil, inclusive, a atual Constituição Federal faz a sua instrumentalização a partir do conceito básico da solidariedade e do pacto intergeracional. A partir da existência de supostos ou reais déficits crônicos, não apenas financeiros, mas também atuariais, ultimamente aprofundou-se a discussão sobre o problema de esquematizar o financiamento da previdência em harmonia com a política econômica e, em particular, com a política tributária. Historicamente, o financiamento da previdência tem-se assentado na contribuição do próprio segurado e na de seu empregador, sendo esta calculada sobre o total da folha de pagamentos. A conveniência de reduzir-se essa forma de contribuição, substituindo-a por recursos originados dos impostos gerais, está no centro das discussões e desponta como tendência. Com carradas de razão, preocupam-se os especialistas e a academia, que vislumbram risco na perda da principal fonte de financiamento da previdência. Sem embargo, há um sério problema de foco na discussão. Com efeito, a disputa centra-se na questão da espécie tributária (contribuição sobre a folha) ficando esquecida ou completamente relegada a absoluta necessidade de fonte de recursos exclusiva e desvinculada do orçamento geral. Embora a contribuição sobre a folha seja, juridicamente, encargo do empregador, do ponto de vista econômico finda sendo um imposto sobre o consumo, na medida em que é integrada ao custo dos bens e serviços produzidos e/ou um imposto pessoal do próprio trabalhador, na proporção em que ele supostamente poderia auferir salário maior, se não fosse o encargo. Em princípio, portanto, do ponto de vista estrito de técnica tributária, a contribuição poderia, em último caso, até mesmo vir a ser substituída por outra espécie. O importante a ser preservado é aquilo que um século atrás os fundadores do sistema perceberam como fundamental: a absoluta necessidade de independência administrativa e financeira da previdência social. Não foi por mero acaso que o advento

da previdência no Brasil representou, também, o nascimento do gênero autarquia no nosso direito administrativo – ressaltando-se que o conceito de autarquia, hoje, está completamente deturpado e deixou, há muito, de ser um braço autônomo do Governo, como, realmente, era no início, assim como a parafiscalidade no campo do direito financeiro e depois tributário. A Previdência Social, por definição, lida com fundos, expectativas, direitos e obrigações de longo prazo, medido em gerações. A atuária é sua ferramenta principal. Um segurado que ingressa no sistema por volta de vinte anos de idade espera, com toda razão, que o retorno de suas contribuições se projete até sessenta, oitenta anos depois. Em contraste, o Governo é obrigado a enfrentar, preponderantemente, problemas de curtíssimo, ou, no máximo, médio prazos, por mais que suas ações possam e devam ser guiadas por visão estratégica. No entrechoque com a administração de curto prazo, no atendimento da legítimas pressões e da necessidade de atuação sobre problemas agudos nascidos da dinâmica econômica e social do País, é inevitável que a administração de longo prazo seja sacrificada. Na ordem natural das coisas, os problemas e necessidades emergentes passam a ter preferência sobre problemas e necessidades situadas num ponto qualquer do futuro. Por isso, por exemplo, os fundos da previdência foram utilizados na construção de Brasília e em outras ações de Governo. Lamentavelmente, a tendência de todas as medidas relativas à previdência, seja quanto à sua administração, seja quanto ao seu financiamento, têm apontado no sentido de ignorar a necessidade de autonomia. Atualmente, a gestão previdenciária encontra-se incrustada na administração geral e o Governo chegou a propor, oficialmente, no bojo da reforma tributária, que a fonte de financiamento da previdência seja integrada no orçamento geral. Mesmo que protegida por regra de vinculação automática, essa integração não pode deixar de ser vista como um péssimo augúrio. Se a previdência, que administra o longo prazo, precisar disputar recursos orçamentários com a administração de curto prazo, com toda certeza vai perder. Isso é claro prenúncio de crises e de decadência no futuro – e de retrocesso para a população brasileira.

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e ntrevista Denise Lobato Gentil “O déficit da Previdência é um falso argumento. É uma construção ideológica, uma arma de luta política dos conservadores.”

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esta entrevista a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do IPEA, Denise Lobato Gentil, questiona o “déficit” da Previdência Social, defendendo a aplicação do conceito constitucional de Seguridade Social. A entrevistada também critica a manutenção do Fator Previdenciário, a criação da previdência complementar dos servidores públicos e defende a contribuição sobre a folha de pagamentos.

Tributação em Revista: Uma questão que está no cerne das discussões acerca do financiamento da Seguridade Social no Brasil são as divergências entre aqueles que defendem o princípio da totalidade estatuído na Constituição Federal (artigos 194 e 195) e os defensores da separação das fontes de custeio das políticas de previdência, assistência social e saúde. Qual destas duas abordagens a Sra. considera a mais apropriada? Denise Gentil: Não posso tomar outra posição senão a defesa do que diz a Constituição Federal e, como cidadã, exi-

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gir seu cumprimento. No artigo 195 da Constituição, está claramente dito que a seguridade social será financiada por várias fontes de recursos como a contribuição dos empregadores e trabalhadores à seguridade social (contribuição ao INSS), a COFINS inclusive sobre importações, a CSLL e a receita de concursos de prognósticos. Até 2007 a CPMF também era uma fonte de recursos para a seguridade social. É importante ressaltar que a Constituição Federal de 1988, no mesmo artigo 195, também diz que a Seguridade Social será financiada mediante recursos provenientes do


orçamento da União, além das contribuições sociais que já mencionei. Ou seja, se um dia a seguridade for deficitária – o que definitivamente não é –, o governo deve entrar com recursos do orçamento fiscal para cobrir a garantia de direitos básicos da cidadania. O sistema foi criado com esta estrutura financiamento, muito sólida e apoiada em uma diversificada base de arrecadação que, até o momento, está preservada no texto da Constituição. As investidas liberais-privatizantes não conseguiram, pelo menos até o momento, viabilizar econômica e politicamente sua alteração. T.R. Em geral, os sistemas de Seguridade Social ou são financiados com recursos provenientes dos tributos, via orçamento fiscal, ou por contribuições específicas, calibradas segundo estimativas atuariais. O modelo brasileiro deveria ser alterado para um regime de capitalização e cobertura não-universal para ser atuarialmente sustentável? D.G. Em primeiro lugar vamos deixar claro que o sistema atual, que funciona num regime de repartição, é financeiramente sustentável e vai muito bem. Esse é o ponto de partida. As receitas cobrem completamente os gastos da área de saúde, assistência social e previdência e ainda sobram recursos. Tanto é assim que há a desvinculação das receitas da União (a DRU) sobre a arrecadação de contribuições sociais. Se não sobrassem recursos dessas fontes, ninguém iria propor DRU, certo? Não se tira de onde há escassez. Pois bem, se passasse a ser um regime de capitalização, baseado em princípios atuariais, seria um grande retrocesso, porque não seria mais parte de uma política social. Quem faz regime de capitalização é banco privado, que trabalha com clientes que têm capacidade contributiva individual e o banco objetiva lucro ao fazer essas operações com seus clientes. No esquema de capitalização cada pessoa contribui individualmente para um fundo e só receberá, no futuro, uma renda proporcional ao que foi capaz de contribuir. São esquemas caríssimos, não é para qualquer um. Vale o individualismo – quem pode tem, quem não pode, está fora. O problema é que há milhares de pessoas que não têm renda para contribuir com nada ou que po-

“O sistema atual, que funciona num regime de repartição, é financeiramente sustentável e vai muito bem. As receitas cobrem completamente os gastos da área de saúde, assistência social e previdência.” dem recolher muito pouco, tão pouco que quando vierem a necessitar de amparo ficarão completamente na miséria quando passarem pelos riscos de desemprego, velhice, acidente, doença, invalidez ou qualquer outro evento no qual se vejam sem fonte de renda. O sistema público tem outros objetivos. A política social tem o papel de proteger os cidadãos, principalmente nas crises econômicas e nas contingências da vida, que são momentos em que o “mercado” abandona as pessoas porque não tem compromisso algum com a sobrevivência de ninguém. O Estado tem outro papel. Deve amparar os que não têm recursos para garantir uma renda mínima de sobrevivência digna e, ir além, isto é, usar a política social como alavanca para a promoção de padrões de vida cada vez mais elevados para a população. Portanto, o sistema tributário irá captar recursos de todos, principalmente dos que têm maior capacidade econômica para contribuir, para amparar os que tiverem menos, num esquema universal, num esquema de solidariedade. A sociedade se solidariza com o indivíduo quando o mercado o coloca em dificuldades. Deixa de ser problema meramente individual, dele cidadão, e passa a constituir uma responsabilidade social, pública. O Estado assume a proteção social como direito de todos os cidadãos porque a coletividade decidiu que a destituição é incompatível com um patamar civilizatório mais elevado.

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“A política social tem o papel de proteger os cidadãos, principalmente nas crises econômicas e nas contingências da vida, que são momentos em que o “mercado” abandona as pessoas porque não tem compromisso algum com a sobrevivência de ninguém.” T.R. Ainda sobre modelos de previdência e seguridade social, os sistemas de seguridade na América Latina sofreram reformas nos últimos vinte anos. Existe uma visão de que a maioria delas seguiu uma estratégia liberal, buscando maior privatização da previdência social. Qual é a sua opinião a respeito? D.G. Muitos países da América Latina, como Chile (1981), Peru (1993), Argentina e Colômbia (1994), Uruguai (1996), Bolívia e México (1997), El Salvador (1998) e Costa Rica (2001) optaram por substituir, parcial ou integralmente, os sistemas públicos de repartição por sistema privados obrigatórios de capitalização individual. Muitos deles adicionaram medidas de desregulamentação do mercado de trabalho e adotaram benefícios seletivos ao invés de universais. Qual resultado de tudo isso? O nosso é o melhor sistema de toda a América Latina. É aquele que tem uma grande cobertura com benefícios permanentemente reajustados e que permitiu ao país sair rapidamente da crise mundial com quase zero de contágio. O sistema de seguridade social foi responsável pela criação de um mercado interno poderoso e, mais do que isso, é capaz de estruturar os salários no mercado de trabalho, definir o montante de emprego, renda e PIB do país em função do efeito multiplicador que esse gasto propaga sobre o conjunto da economia. Cada R$1,00 gasto com o regime geral de previdência

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social gera-se R$1,86 de renda para o conjunto das famílias brasileiras e para cada R$1,00 gasto com o bolsa-família são gerados R$2,25 de renda. Esse é o resultado de uma importante pesquisa realizada no IPEA pela Diretoria de Estudos Sociais. O sistema de seguridade social brasileiro foi responsável pela acelerada redução da pobreza e, simultaneamente, pelo grande estímulo à demanda agregada que resultou no maior dinamismo da economia brasileira como não vivenciávamos há quase duas décadas. T.R. Lemos e ouvimos com freqüência nos meios de comunicação sobre a “crise financeira na previdência social”, com déficits anuais alarmantes. Como nosso sistema de seguridade social tem conseguido sobreviver com tais déficits? Aliás, há realmente déficit na Previdência Social ou no sistema de seguridade social? D.G. O déficit da Previdência é um falso argumento. É uma construção ideológica, uma arma de luta política dos conservadores. O superávit da seguridade social foi de R$72,8 bilhões em 2007, de R$64,8 bilhões em 2008 e de R$32,6 bilhões em 2009, segundo cálculos da ANFIP, que se apóia nos preceitos da Constituição Federal para fazer seus cálculos. Mesmo nos anos de crise internacional como foram os anos de 2008 e 2009, e mesmo depois da perda da CPMF, há superávit. Não dá para falar em crise da Previdência com esses números, porque a Previdência está inserida, pela Constituição de 1988, no sistema de seguridade social, isto é, no seu universo de receitas e despesas. Isolar o gasto da Previdência e compará-lo com apenas uma única fonte de receita – quando existem muito mais fontes de recursos para a previdência – é cometer o erro de ignorar os dispositivos constitucionais com o objetivo de enviesar o cálculo para que se chegue a uma situação deficitária que é tecnicamente incorreta. Desse falso discurso parte-se para as avaliações catastrofistas e para os apelos por reformas restritivas de direitos e privatizantes. É preciso desmistificar esse discurso. Não existe uma trajetória explosiva de déficit, como crê a sabedoria convencional e como alardeia a grande mídia.


T.R. Como entrariam o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e o Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Público (RPPS) nesta contabilidade? Embora apenas o RGPS seja público e universal, haveria uma competição por recursos entre ambos os regimes, via orçamento fiscal? E mesmo que houvesse a adoção do orçamento da seguridade social, tal como preconizado pela Constituição Federal, não haveria direcionamento de recursos públicos, via contribuição patronal da União, para o regime público? D.G. Apenas o RGPS é público, universal e integra o orçamento da seguridade social; portanto, só os números do RGPS têm que ser computados no resultado da seguridade social. Num cálculo rigoroso, o RPPS dos servidores federais deve ser excluído, por se tratar de um sistema que estabelece uma relação entre a administração pública e seus funcionários, patrocinado por contribuições específicas de seus beneficiários que é a Contribuição ao Plano de Seguridade Social do Servidor (CPSSS) e pela contribuição patronal da União. Esta contribuição patronal teria que ser efetuada por meio de repasses do orçamento fiscal, mas esses recursos são extraídos do sistema de seguridade social. É muito freqüente que esses regimes distintos (o RGPS e o RPPS) se misturarem nas estatísticas de despesas do governo federal e, como conseqüência, o total dos gastos com a previdência social pública ficam inflados. T.R. A criação do fator previdenciário teria sido uma forma velada de introduzir a aposentadoria por idade já que, na prática, ele reduz o valor do salário-de-benefício para a grande maioria dos casos de aposentadoria por tempo de contribuição. Gostaríamos de ouvir sua opinião sobre o fator previdenciário. Ele efetivamente discrimina os trabalhadores do RGPS? A sua extinção, tal como proposta recentemente pelo Congresso Nacional, e vetada pelo Presidente da República, traria realmente um rombo nas contas públicas superior a R$ 10 bilhões até 2014, tal como divulgado por órgãos do Poder Executivo?

“A idade mínima ou o fator previdenciário buscam manter os trabalhadores mais velhos por mais tempo no mercado de trabalho e isso gera grande insegurança. Não bastasse a insegurança física que a velhice acarreta, há a insegurança financeira.” D.G. Não defendo o fator previdenciário e nem a idade mínima. Em primeiro lugar, esse tema está longe de ser a questão central a ser debatida no momento, e desvia as idéias do centro do problema, que não é fiscal, mas político. Um debate sobre previdência tem que estar inserido num contexto amplo, sobre os rumos que a sociedade precisa trilhar para alcançar um outro patamar civilizatório ideal, fazendo a partilha da riqueza que gera entre as classes sociais. A nossa sociedade precisa decidir em que patamar vai amparar as pessoas na velhice, no desemprego, na doença, na invalidez por acidente de trabalho, na maternidade, enfim, como irá proteger aqueles que estão inviabilizados, definitiva ou temporariamente, para o trabalho e que perderam a capacidade de obter renda. São direitos conferidos aos cidadãos de uma sociedade mais evoluída, que entendeu que o mercado excluirá a todos nessas circunstâncias. Tratar a Previdência no varejo, em pequenas parcelas, é desprezar o seu valor estratégico no conjunto das políticas sociais. Além disso, é da mais alta relevância entender que a Previdência é muito mais que uma transferência de renda a necessitados: ela é um gasto autônomo, que se converte integralmente em consumo de alimentos, de serviços, de produtos essenciais e que, portanto, sai das

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mãos dos beneficiários e volta para o mercado, dinamizando a produção, estimulando o emprego e multiplicando a renda. Os benefícios previdenciários têm um papel importantíssimo como impulsionadores da economia. Se você olha a questão por esse prisma, discutir fator previdenciário e idade mínima como elementos de redução de gastos torna-se irrelevante. Em segundo lugar, porque a idade mínima ou o fator previdenciário buscam manter os trabalhadores mais velhos por mais tempo no mercado de trabalho e isso gera grande insegurança. Não bastasse a insegurança física que a velhice acarreta, há a insegurança financeira, que vem da grande dificuldade, em alguns grupos de trabalhadores, de manter o emprego a partir de uma determinada idade, particularmente para aqueles que estão em trabalhos onde se exige esforço físico ou em funções de melhor remuneração, em que jovens podem substituir os mais antigos com salários mais baixos, de início de carreira. Como manter o emprego nessas condições até preencher todos requisitos de idade para se aposentar com uma remuneração melhor? Não se pode desvincular a previdência da realidade do mercado de trabalho e adotar regras gerais como se todos os trabalhadores vivessem a mesma realidade nas mesmas circunstâncias. Por último, o fator previdenciário é altamente injusto porque reduz, em média, o benefício das mulheres no ato da aposentadoria, em 41,5% e, do homem, em 35%. O que se economiza com o fator previdenciário é um valor irrisório para os cofres públicos, mas os danos que causa ao trabalhador são muito grandes, além de se perder o efeito econômico do multiplicador dessa parcela do gasto público sobre os empregos, a renda e a arrecadação futura. T.R. Qual sua opinião sobre o regime de previdência complementar, para os servidores públicos, previsto nos parágrafos 14 a 16 do art. 40 da Constituição Federal? D.G. Vamos esclarecer uma coisa, como ponto de partida. Os gastos da União com as remunerações de

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funcionários públicos ativos e inativos permaneceram estáveis, abaixo de 5% do PIB, ao longo do período de 1996 até 2009, com exceção do ano de 2001, que foi de 5,1% do PIB. A mesma estabilidade se verificou, durante esse período, com os dados estaduais. No caso da União, as receitas com contribuições para o Regime Próprio dos Servidores (RPPS) cresceram após 2002, em termos reais e nominais, em função da cobrança de inativos e pensionistas a partir da reforma de 2003 e em função do crescimento do quadro de servidores com os novos concursos. Houve uma reconstrução do estado brasileiro a partir de 2003 após um longo período de desmonte da era liberal. Portanto, do ponto de vista financeiro, não há problemas, hoje, com o RPPS porque a tendência é de tranqüilidade financeira e auto-sustentabilidade. O problema que vejo é com relação à previdência complementar dos servidores, em regime de capitalização, que ainda não foi regulamentada, mas que se vier a sê-lo trará instabilidade financeira ao regime básico, em função da perda de receitas futuras que irá provocar, além de não proporcionar a mesma segurança aos servidores que o sistema atual, totalmente apoiado pelo Estado. A previdência complementar vai jogar o servidor na vulnerabilidade que o mercado financeiro proporciona e a crise de 2008 é um belo exemplo do que significa a instabilidade desse mercado. É uma montanha russa. Enfim, a previdência complementar vai mesmo é trazer grandes proveitos ao setor financeiro que está há muito tempo querendo ficar com essa fatia de mercado dos servidores que tem alto poder aquisitivo e baixo risco. O fato real é que é totalmente desnecessário regular o pilar de previdência complementar dos servidores se as razões para isso estiverem relacionadas com a solvência desse sistema. T.R. As mudanças da estrutura demográfica brasileira, somadas a uma tendência de redução do índice de informalidade da economia, podem estar prenunciando uma fase de conforto na administração da previdência social, inclusive a ponto


“A previdência complementar vai jogar o servidor na vulnerabilidade que o mercado financeiro proporciona e a crise de 2008 é um belo exemplo do que significa a instabilidade desse mercado. É uma montanha russa.” de afastar a necessidade de novas reformas? O modelo vigente de previdência seria sustentável num cenário de expectativas de vida no limiar dos cem anos? Como a ciência prenuncia para as próximas décadas? D.G. Sim, é verdade que a proporção de idosos aumentará no futuro e as despesas previdenciárias crescerão. Mas é preciso muito cuidado com as conclusões que se tiram dessa constatação, porque é um enorme exagero fazer disso o nosso grande problema futuro. Pelo contrário, não é um problema – esse é o efeito daquilo que a humanidade sempre buscou ao desejar prolongar a vida, é o efeito das grandes conquistas que decorreram do avanço da educação e da informação, do progresso das pesquisas científicas e das melhores condições de vida alcançadas por nossa sociedade. Eu penso que não se pode tratar essa questão reduzindo-a meramente a um determinismo demográfico. O ponto fundamental para dar sustentabilidade financeira a um sistema previdenciário do futuro é conseguir manter taxas elevadas de crescimento econômico, porque as variáveis mais importantes do lado das receitas do sistema são o emprego formal, o patamar de salários e a massa de lucros. É preciso não esquecer que a Previdência não é financiada apenas pelos trabalhadores ativos e seus salários, mas também por outras receitas tributárias que

derivam do lucro e do faturamento. Portanto, para que o sistema previdenciário não passe por uma crise financeira o país terá que crescer a taxas elevadas, aumentar a produtividade do trabalho com a introdução de novas tecnologias, elevar o nível de ocupação formal e fazer uma política salarial que permita elevar a renda média dos trabalhadores. Se nós conseguirmos isso, não haverá motivos para nos preocuparmos com o problema do financiamento do sistema previdenciário no futuro, porque os trabalhadores ativos serão em menor número, mas em compensação serão muito mais produtivos e gerarão mais bens e serviços que os de hoje. Os inativos vão ser mantidos por trabalhadores que trabalharão por menos tempo e produzirão muito mais, e o nosso problema será, isto sim, o velho problema de sempre – que é o de evitar as recessões econômicas e efetuar a melhor divisão do resultado da produção entre os vários membros da sociedade. Não se trata, portanto, de uma dramática trajetória demográfica de envelhecimento da população contra a qual não teremos outra escolha a não ser sacrificar os que entram na velhice. É um contra-senso. Por que não pensar em reduzir o desemprego ao mínimo possível para aumentar as receitas para o sistema previdenciário? Por que não pensar em trazer cada vez mais para o mundo formal os trabalhadores que vivem na informalidade para que possam contribuir para a previdência? Por que não pensar em reduzir as incertezas dos investimentos dos empresários de forma a estimulá-los a produzir cada vez mais? Por que não pensarmos em como usufruir cada vez melhor da velhice, transformando os idosos nos grandes consumidores do futuro, ao invés de insistir em mantê-los no trabalho, que poderia ser ocupado por um cidadão mais jovem? Trata-se, como você vê, muito mais de um problema de origem econômica e tecnológica. Mas esta questão está sendo tratada de forma estreita, como um problema demográfico que, por sua vez, vai desaguar numa questão fiscal isolada, apenas da Previdência e dos velhos. Daí começam a surgir as propostas mais indecorosas, de corte de direitos, elevação da idade mínima, redução do

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“Acho a contribuição sobre a folha de pagamentos fundamental. Ela é um dos sustentáculos do Orçamento da Seguridade Social e isso faz uma grande diferença, porque é uma fonte intocável pela disputa política” valor dos benefícios e aumento de contribuições. E o que é pior, medidas desse tipo podem se revelar completamente inócuas para resolver o problema do financiamento do sistema. É um grande reducionismo oportunista contra o qual a sociedade precisa se organizar, debater e resistir. T.R. A Sra. vê contribuição sobre a folha de pagamentos como um dos pilares principais do financiamento da previdência? D.G. Acho a contribuição sobre a folha de pagamentos fundamental. Ela é um dos sustentáculos do Orçamento da Seguridade Social e isso faz uma grande diferença, porque é uma fonte que, junto com as demais receitas (CSLL, COFINS, PIS), foram pensadas em 1988 para serem “intocáveis” pela disputa política, pelas manipulações e arbitrariedades do jogo do poder sobre o destino das verbas orçamentárias. Os recursos destinados à proteção social foram considerados sagrados pelos constituintes de 1988 porque eram projetados para assegurar a cidadania e para dar condições mínimas de dignidade ao povo brasileiro. São recursos que amparam os mais necessitados, os desprotegidos, que não têm poder de pressão algum sobre os destinos dos recursos públicos. Perder a tributação sobre a folha de

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pagamentos substituindo-a por um tributo qualquer poderia acabar com essa salvaguarda orçamentária deixada pelos constituintes de 1988 e lançaria os direitos sociais no campo da disputa dos recursos do Orçamento Fiscal, onde a apropriação das receitas do governo é feita pelos grupos com maior capacidade de fazer prevalecer suas demandas e seus interesses. A Previdência seria colocada na arena da disputa dos recursos públicos do Orçamento Fiscal onde levaria enorme desvantagem em função dos poderosos interesses que trafegam na órbita do orçamento público. É preciso que se diga que há uma proposta de alteração na legislação visando reduzir a cota patronal sobre a folha de pagamentos e muitos chegam a propor até mesmo sua eliminação. Eu diria que não é um exagero supor que os resultados dessa operação são imprevisíveis. Pode acontecer que isso provoque uma mera desoneração do capital que resultará na incorporação de maior margem de lucro, com nenhum impacto ou com baixo impacto sobre a formalização do trabalhador e sobre o aumento do emprego. E por quê? Porque essa margem de lucro maior pode ir para aplicações no mercado financeiro, onde é muito rentável e tem baixo risco. O que faz aumentar o trabalho formal e reduzir o desemprego são taxas de crescimento do PIB cada vez maiores. Quando a economia cresce, como acontece agora no país, o emprego formal dispara e o desemprego cai rápida e progressivamente. E isso se consegue por meio de políticas macroeconômicas de estímulo à demanda agregada eficientes, como a redução da taxa de lucro, o aumento do crédito e o crescimento do gasto público. São elas que aumentam o consumo. Se não houver consumo suficiente para indicar aos empresários que vale a pena investir e produzir porque as vendas são certas, se não houver esta percepção, a desoneração da folha pode cair a zero e ainda assim eles não contratarão mais trabalhadores. Portanto, sou muito cética quanto aos resultados positivos de uma política de desoneração da folha de pagamentos. Acho que a Previdência perderá recursos e não será compensada proporcionalmente por mais empregos e mais formalização.


a RTIGO Financiamento da Seguridade Social Análise Sob a Constituição Federal de 1988 Eduardo Tanaka1

1. Introdução O financiamento da Seguridade Social é um tema que tem sido discutido sob diversos aspectos tais como: econômicos, estatísticos, sociológicos, tributários. Portanto, faz-se importante uma análise sob o aspecto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Este artigo procura abordar o presente tema, principalmente no que concerne ao mito do déficit previdenciário.

Depreende-se do conceito de Seguridade Social que as ações devem ser tanto dos Poderes Públicos como de toda sociedade. E, também, percebe-se que Seguridade Social é gênero do sub-grupo: previdência social, assistência social e saúde. Assim, sempre que utilizamos o termo Seguridade Social, estamos a falar nas suas três espécies, podendo ser esquematizadas da seguinte forma:

2. A Seguridade Social – Breve Consideração Para que o termo Seguridade Social seja compreendido é necessário atentar ao seguinte conceito2: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

1- Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, lotado em Curitiba-PR. Diretor adjunto de administração do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional. Especialista em Direito Constitucional. Professor de Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Vice-presidente de Política de Classe da AFIPA. Autor de diversos livros sobre Direito Previdenciário. 2. Caput do artigo 194 da Constituição Federal de 1988.

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É interessante fazer uma sucinta diferenciação entre estas três espécies: • A Previdência Social: • será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Os Benefícios são administrados e concedidos pelo INSS. Já o Custeio fica por conta da Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão responsável pela arrecadação e fiscalização das contribuições sociais. • •

A Assistência Social: será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

• •

A Saúde: é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A saúde, cujas ações partem do Sistema Único de Saúde, é acessível a todas pessoas, independentemente de classe social e não há necessidade de contribuição para Seguridade Social.

3. A Seguridade Social e o Princípio do Estado Democrático de Direito Para que se possa discorrer a respeito dos aspectos constitucionais do financiamento da seguridade social é necessária uma análise preliminar de um dos mais importantes princípios da nossa Carta Magna: O Princípio do Estado Democrático de Direito. Conforme o caput do artigo 1º da Constituição Federal: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) (grifo nossos).

Pode-se observar que nossa Lei Maior traz o referido princípio estampado em seu artigo 1º, que, na visão de José Afonso da Silva3: a configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui um Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar o Estado, pois a Constituição aí já está proclamando e fundando. É um tipo de Estado que tende a realizar a síntese do processo contraditório do mundo contemporâneo, superando o Estado capitalista para configurar um Estado promotor de justiça social que o personalismo e o monismo político das democracias populares sob o influxo do socialismo real não foram capazes de construir.

Naturalmente, o que Silva quis dizer é que um Estado Democrático de Direito vai além do conceito de Estado de Direito e além do conceito de Estado Democrático, pois ele se fundamenta em um Estado preocupado com a verdadeira justiça social. Pois, como aduz Silva:

3. Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 29ª edição, 2007, p. 119.

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O certo, contudo, é que a Constituição de 1988 não promete a transição para o socialismo com o Estado Democrático de Direito, apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais, que ela inscreve, e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.

Desta forma, como conseqüência do princípio do Estado Democrático de Direito, a República Federativa do Brasil deve ter como objetivos fundamentais4, dentre outros: construir uma sociedade livre justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos. Assim, não é benesse de Governo algum investir e priorizar a Seguridade Social, pois, prioritariamente, é obrigação Constitucional de mais alto estirpe imposta a todos, pois tal mandamento é um princípio Constitucional. Portanto, é missão constitucional do Poder Público pautar suas ações na constante persecução à justiça social. 4. A Seguridade Social e o Princípio da Solidariedade Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: - construir uma sociedade livre, justa e solidária. Assim preconiza o artigo 3º, inciso I da Constituição Federal. O homem é um ser social por natureza. Uns dependem dos outros para sua própria sobrevivência. Desta forma, todos aqueles que produzem, que trabalham, devem contribuir com parte de seus ganhos para com os que precisam de alguma assistência. É o chamado Pacto Intergeracional. Os valores arrecadados hoje serão utilizados imediatamente para custear os benefícios e serviços de hoje. Assim, o sistema contributivo do Regime Geral de Previdência Social é o de repartição simples.

5. O Financiamento da Seguridade Social O caput do artigo 195 da Constituição Federal trata do financiamento da Seguridade Social: A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

Ao ler o citado caput do art. 195 da Constituição Federal, depreendemos que além das contribuições sociais, a Seguridade Social deve ser financiada mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que, em regra são receitas provenientes dos impostos. Desta forma , a Seguridade Social, cumprindo o princípio Constitucional da diversidade da base de financiamento5 , deve ser financiada tanto por recursos das contribuições sociais, quanto por impostos arrecadados. Por óbvio as contribuições sociais devem, ou pelo menos deveriam, ser aplicadas exclusivamente para o financiamento da Seguridade Social e, assim, cumprir o papel social do Estado Democrático de Direito. E, no caso em que as despesas para com a Seguridade Social superem a arrecadação das contribuições sociais, não há que se falar em déficit. Pois, os recursos provenientes dos orçamentos dos entes estatais, também, integram o orçamento securitário,

4. Artigo 3º da Constituição Federal. 5. Art. 194, parágrafo único, inciso VI da Constituição Federal de 1988.

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Como reza a Carta Magna, quando se fala em Seguridade Social, referem-se às três espécies (Saúde, Previdência Social e Assistência Social). O artigo 195 da Constituição Federal descreve um modelo de financiamento global da Seguridade Social. E, historicamente, a Seguridade Social tem demonstrado sucessivos superávits. Conforme dados da Secretaria do Tesouro Nacional – STN – e do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI – no primeiro semestre de 2009 o superávit da Seguridade Social foi de R$20,03 bilhões6. Então, como se falar em déficit previdenciário se o encontro das Receitas e Despesas da Seguridade Social é superavitário? Acentua-se, que em períodos de crise econômica, como no primeiro semestre de 2008, o saldo positivo beirou R$35,15 bilhões, o que equivale a 2,97% do PIB7. Mesmo, também, a previdência urbana, apresenta-se superavitária, dispensando qualquer tipo de financiamento, que não se origine das contribuições sociais sobre a folha de pagamentos8. O superávit da previdência urbana vem a prover parte da previdência rural, obedecendo ao art. 201, parágrafo 9º, que estabelece que “os diversos regimes de Previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei”. Portanto, o famigerado déficit previdenciário corresponde aos benefícios pagos aos segurados rurais e mais especificamente os ditos “segurados especiais9” que não dispõem de receita suficiente, mas que devem ser amparados pelo sistema securitário, obedecendo-se ao princípio da solidariedade e do Estado Democrático de Direito. Assim, as receitas arrecadadas de todas as contribuições sociais devem ser destinadas a toda Seguridade Social. Isto porque, a Constituição Federal de 1988 não trou-

xe em seu bojo a especificação. A Carta Magna definiu que a lei orçamentária anual compreenderá, dentre outros, o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público10. Além das contribuições sobre a folha de pagamento, ditas contribuições previdenciárias, há outras fontes de financiamento que são capazes de distribuir a receita securitária de forma a cumprir com o objetivo da universalidade da cobertura e do atendimento e da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços11. Sendo assim, quando se trata do orçamento da Seguridade Social, deve-se ter em mente que as receitas securitárias devem financiar integralmente a Saúde, a Assistência Social e a Previdência Social. Infelizmente, o que tem sido divulgado é apenas o resultado financeiro do Regime Geral da Previdência Social por meio do contraste entre a arrecadação das contribuições sociais sobre a folha de pagamentos e as despesas com benefícios previdenciários do INSS. Entretanto, como já abordado, as contribuições sociais não se resumem apenas por aquelas sobre a folha de pagamentos. A Seguridade Social é financiada, também, pela COFINS, PIS, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, concursos de prognósticos, dentre outras. E, todas as receitas da Seguridade Social são capazes de cobrir com superávit todas as suas despesas. Então, como aceitar o mito do déficit apenas da Previdência Social, se o orçamento da Seguridade Social é superavitário? E mesmo que seu orçamento fosse deficitário, ainda há a previsão constitucional12 de recursos do orçamento fiscal a ser injetados no sistema securitário.

6. Revista de Seguridade Social. ANFIP, 2009, nº101, p28. 7. Revista de Seguridade Social. ANFIP, 2009, nº101, p28. 8. Estas são as Contribuições Sociais Previdenciárias, propriamente ditas. 9. O art. 195, § 8º da Constituição Federal de 1988, aborda o conceito de segurado especial: “o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.” 10. Art. 165, § 5º, VI da Constituição Federal de 1988. 11. Art. 194, parágrafo único, incisos I e III da Constituição Federal de 1988. 12. Art. 195, caput.

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Porém, o que ocorre com os recursos securitário é o inverso do que deveria ser. Pois, como se não bastasse, ainda assim, o orçamento da Seguridade Social é usurpado por meio da famigerada Desvinculação de Recursos da União – DRU. Esta desvinculação teve início por meio da Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994, com a criação de um “Fundo Social de Emergência (FSE); tendo sido prorrogada pelas Emendas Constitucionais nº 10 e 17 e, posteriormente, Emenda Constitucional nº 27, que institui a Desvinculação das Receitas da União (DRU), sendo prorrogada pelas Emendas Constitucionais nº 42 e nº 56, nesta até 2011. Assim, a DRU desvincula 20% das contribuições sociais, que deveria prover a Seguridade Social, mas que é usurpado para composição do superávit primário e, por conseqüência, é utilizado para pagar juros da dívida. Esse flagrante desrespeito à Seguridade Social retira as receitas da sociedade brasileira. Receitas estas que deveriam promover de forma mais ampla a justiça social, mas que, por meio da DRU, segue um caminho inverso, ao devolver estes valores aos detentores do grande capital. 6. Conclusão É notório que a Previdência Social é o maior distribuidor de rendas do país, fomentando a economia local e, conseqüentemente, são fontes essenciais de financiamento de grande parte de pequenos municípios espalhados pelo Brasil. O dinheiro dos benefícios previdenciários e assistenciais alavanca a economia, traz dignidade aos desfavorecidos e minimiza as dificuldades de milhares e milhares de famílias. O governo deveria abandonar a falácia do déficit previdenciário, haja vista que a arrecadação das contribuições sociais é superavitária. Isto demonstra uma clara violação ao Princípio Constitucional da Publicidade13, ao trazer informações e dados manipulados, e que, perigosamente, servem de amparo para que os detentores do grande capital e o governo possam vilipendiar a Previdência Social e reforçar suas teses da desoneração da folha de pagamento,

da manutenção do fator previdenciário e de demais regras que podem trazer grandes prejuízos aos trabalhadores. Por outro lado existe a DRU, que apesar de integrar a Constituição Federal através de Emendas Constitucionais que a prorrogam ciclicamente, é inconstitucional, pois retira do orçamento da Seguridade Social um montante considerável que deveria ser investido na Saúde, Assistência Social e Previdência Social, transferindo-o para o orçamento fiscal, desrespeitando o artigo 195 da Carta Magna que prevê as fontes de financiamento que deveriam abastecer a Seguridade Social. Isto, conseqüentemente, também viola o princípio do Estado Democrático de Direito, dificultando que objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil sejam alcançados, tais como a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais 14.

REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 29ª edição, 2007. Tanaka, Eduardo. Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Editora Campus Elsevier, 2009. Mendes, Gilmar et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2009. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. ANFIP. Revista de Seguridade Social. 2009, nº101. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 21 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.

13. Art. 37, caput da Constituição Federal de 1988. 14. Art. 3º, inciso III da Constituição Federal de 1988.

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a RTIGO A Previdência Social Como Renda Social no Brasil Célio Favoni1 Solange de Cássia Inforzato de Souza2

1. Introdução A previdência social nasceu da necessidade de assegurar os bens materiais essenciais para o futuro dos indivíduos e resultou de um sentimento de solidariedade que se manifestou no atendimento à população vulnerável. No entanto, a Previdência Social Brasileira, a partir da segunda metade da década de 1990, passou a enfrentar pressões deficitárias em função da construção do sistema de proteção social, do crescente número de aposentadorias, das questões demográficas e das alterações no mercado de trabalho. O comportamento das variáveis demográficas denuncia o aumento da expectativa de sobrevida da população, queda da fecundidade e aumento da longevidade. Essa interação tem levado a um maior crescimento da população idosa em relação aos demais grupos. Camarano (2002)

incorpora uma preocupação acerca do crescimento da população brasileira maior de 60 anos, estimando que em 2020 aproximadamente 15% da população será composta por idosos. Recentemente, políticas sociais se fazem presentes no âmbito da assistência e previdência social. Neri et al (2008) destaca: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) instituído em 1993 pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e destinado à população com 65 anos ou mais e a portadores de deficiência incapacitados para o trabalho, que possuem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo; a Política Nacional do Idoso (PNI) aprovada em 1994 com o objetivo assegurar ao idoso seus direitos sociais; a Política Nacional de Saúde do Idoso, elaborada pelo Ministério da Saúde em 1999, que determinou me-

1. Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Londrina - UEL (1998). Mestre em Economia pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2003). Atualmente é professor associado da Faculdade de Tecnologia de Jahu, vinculada ao Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza”, autarquia do governo do estado de São Paulo. 2. Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Londrina (1983), mestrado em Economia pela PUC de São Paulo (1992) e doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC de São Paulo (2002). Atualmente é professora associada da Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de Economia, principalmente nos temas: mercado de trabalho, economia do bem estar social, desigualdade social e de renda.

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didas preventivas e ampliou a assistência médica e “[...] o Estatuto do Idoso, em 2003, que estabelece direitos sociais e promove equidade em diferentes campos entre idosos e demais membros da população, lhes conferindo cidadania e auto-estima” (Neri et al, 2008, p. 7). A Previdência Social Brasileira tem apresentado a sua face social e geradora de renda social significativa, particularmente como política pública social no combate à pobreza e como base de sustentação da economia de muitas localidades brasileiras. Diante desse contexto, este trabalho tem como objetivo evidenciar o papel da Previdência Social como política pública de renda e de influência econômica nos Estados e municípios, a partir dos dados sobre os benefícios previdenciários, do Fundo de Participação dos Estados e Municípios (FPE/FPM) e também dos benefícios do Programa Bolsa Família (PBF), cuja base está no MPAS (2010), STN (2010) e MDS (2010). Na primeira seção deste artigo discute-se o Estado do Bem Estar, a evolução histórica da previdência social no Brasil e a importância dos benefícios previdenciários sobre a renda das famílias e sobre a economia dos estados brasileiros. Em seguida, analisam-se os dados e, ao final, as conclusões são apresentadas. 2. Da origem e desenvolvimento do Estado do Bem Estar à Previdência Social Brasileira A tarefa de explicar a origem e o desenvolvimento do Welfare State é complexa e requer alguns cuidados. Oliveira (1998) descreve que o que se chama de Welfare State, como conseqüência das políticas originalmente anticíclicas de teorização keynesiana e constituiu-se no padrão de financiamento público da economia capitalista. Este pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera pública onde, a partir de regras universais e pactuadas, o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação de capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente a população por meio dos gastos sociais.

“A Previdência Social tem uma face social como política pública no combate à pobreza e como base de sustentação da economia de muitas localidades” Marques (1997) enfatiza que o Welfare State é resultado de um longo processo de construção, e compreende um conjunto e políticas sociais desenvolvidas pelo Estado no intuito de prover a cobertura dos riscos advindos da invalidez, velhice, acidente de trabalho e de desemprego. Na literatura especializada, a origem do Estado do Bem-Estar está associada a diferentes causas sob diferentes enfoques, entre os quais se destaca o artigo de Arretche (1995). Inicialmente, a autora classificou o surgimento do Welfare Sate em duas versões: a) a que atribui a origem do estado do bem-estar aos fatores econômicos, e a segunda, que busca fontes explicativas do fenômeno nos fatores políticos. Numa segunda classificação a autora, subdividiu os condicionantes econômicos entre os que compreendem o Welfare State como uma necessidade advinda das mudanças provocadas pela industrialização nas sociedades, alterando radicalmente a vida familiar, diminuindo sua capacidade de determinar a reprodução da força de trabalho, e os que vêem o Welfare State como resposta às demandas de acumulação e legitimação do sistema capitalista, aumentando a produtividade e rebaixando o custo da mão de obra. Dos autores que explicam os condicionantes políticos como determinantes do Welfare State, Arretche (1995) destacou Marshall, por sua obra Cidadania, Classe Social e Status. Para ele, o Estado do Bem-Estar é resultado da ampliação progressiva de direitos na sociedade, que, inicialmente, conquistou direitos civis, logo após os direitos

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políticos e, em seguida, direitos sociais com a distribuição da riqueza socialmente produzida. Independentemente das interpretações e pensamentos até aqui expostos, o fenômeno do Welfare State teve sua incontestável expansão no período pós-guerra, pela manifestação das preocupações distributivas fundadas na concepção do trabalho como atividade social e na responsabilidade social do empregador e do Estado. O Welfare State e o estado keynesiano surgiram em conseqüência da crise de 1929 e puderam ser vistos como modelo de uma nova forma de hegemonia burguesa, e por isso foi amplamente utilizado ao fim da década de 1940, quando o regime fordista de acumulação tornou-se hegemônico no mundo. As décadas de 50 e 60 foram marcadas por grandes transformações nas estruturas econômicas e sociais. Esse período correspondeu a uma fase excepcional do capitalismo, talvez única. A economia mundial se internacionalizou, ampliando significativamente a importância do comércio realizado entre as nações (HOBSBAWM, 1995) A economia capitalista mundial cresceu entre as décadas de 1950 e 1970, com baixas taxas de desemprego. Para essa expansão combinaram-se o progresso técnico, a organização fordista de produção e trabalho, o “salário indireto”, e a presença “estrutural e insubstituível” do fundo público (OLIVEIRA, 1998). Após os anos de maior expansão do capitalismo, durante os quais o investimento do capital manteve os programas de proteção social, o Estado do Bem- Estar defrontou, nas décadas posteriores, com uma realidade inversa à do período anterior. A partir dos anos de 1980, os países desenvolvidos assistiram a uma mudança radical de sua estrutura de emprego e de sua capacidade de gerar trabalho. No Brasil, a forma histórica como se constituiu o modelo de proteção social, embora apresente a mesma trajetória dos países desenvolvidos, obedeceu a algumas peculiaridades. A política social foi utilizada desde a década de 20, e, principalmente após 1930, como instrumento de participação em um contexto de limitação ao estabelecimento de uma ordem democrática, onde o Estado interveio com grande autonomia.

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“A Constituição de 1988 significou o ápice do processo de universalização, garantindo a ampliação da cobertura da proteção social para segmentos até então desprotegidos.” Ao final da década de 70 e início dos anos 80, aprofundaram-se a crise fiscal e o desequilíbrio externo. O quadro de crise marcou o processo de transição para a Nova República, que propôs novamente a análise das políticas sociais como um problema de eficácia gerencial das políticas públicas, com base em conceitos defendidos pelos organismos internacionais (WINCKLER & MOURA NETO, 1992). Sem ter consolidado o Estado do bem-estar, e como decorrência do processo de crescente fragilização financeira, na década de 90, o Estado brasileiro viu reduzida sua capacidade de investir, emergindo um crescente conflito entre a gestão financeira do Estado e a sua conseqüente dificuldade de suprir os programas assistenciais no combate à pobreza, ao desemprego, à saúde e à velhice. O discurso neoliberal debatido neste período foi se desfazendo ao logo do período Collor, FHC e Lula, resultando somente na forma de acesso as aposentadorias e o valor dos benefícios (MARQUES et al., 2009). 2.1 - Previdência Social no Brasil No que se refere à institucionalidade, considera-se a Lei Eloy Chaves, de 1923, o ponto de partida do sistema previdenciário brasileiro, que estabeleceu as bases legais e conceituais da posterior previdência social, e também o precedente do uso da previdência como meio de lidar com a questão social (MALLOY, 1986). No decorrer das décadas de 20 e 30, foi incisiva a intervenção do Estado sobre as instituições previdenciárias, no sentido de redirecionar a natureza de seus objetivos,


gestão, organização e padrão de financiamento (ANDRADE, 1999). A administração dos fundos de aposentadorias, porém, era realizada pelos próprios empregadores e empregados, sem a participação do Estado. Como o pequeno número de segurados proporcionava recursos insuficientes para o funcionamento das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP´s) em moldes estáveis, foi necessário imprimir uma mudança de orientação ao sistema (STEPHANES, 1998). Começou, então, uma nova fase, em que a vinculação passou a ser feita pela categoria profissional. Foram criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’s) e a cobertura previdenciária estendida à virtual totalidade dos trabalhadores urbanos e a boa parte dos trabalhadores autônomos. O Estado, que até então se mantivera afastado da administração dos sistemas, assumiu mais estreitamente a gestão das novas instituições. Mas em matéria de proteção social, a organização em institutos apresentava uma série de problemas. Além de excluir os trabalhadores rurais e os do setor informal urbano, não protegia muitos assalariados do próprio mercado formal, uma vez que não exerciam profissão nos ramos de atividade contemplados pelos institutos. A primeira medida para diminuir a disparidade existente entre as categorias profissionais e a unificação da previdência foi a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS de 1960. Sua grande importância residiu no fato de haver uniformizado as contribuições e os planos de benefícios, extinguindo os institutos por categoria (RANGEL et al., 2009). Em 1967, no âmbito das reformas empreendidas pelo regime militar, e decorridos seis anos da promulgação da LOPS, a unificação institucional foi efetivada através da criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). Em 1974, por meio do desdobramento do antigo Ministério do Trabalho e Previdência Social, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que veio a responder pela elaboração e execução das políticas de previdência, assistência médica e social. Mas o grande momento de estruturação da proteção social brasileira ocorreu no ano de 1988, a partir da pro-

mulgação da nova Constituição, dando origem ao conceito de Seguridade Social, que envolve além da previdência, também assistência social e saúde. O termo Seguridade Social é um conceito estruturante das políticas sociais cuja principal característica é de expressar o esforço de garantia universal da prestação de benefícios e serviços de proteção social pelo Estado. Neste sentido, sua base de financiamento é bem mais ampla que a do seguro social, conceito que orientou a política previdenciária brasileira desde os anos de 1920, organizada sob inspiração do modelo alemão, criado por Bismark na segunda metade do século XIX (DELGADO et al., 2009, p. 21).

A Constituição de 1988 deu forma às propostas que já vinham sendo discutidas na sociedade desde o final da década de 70 e significou o ápice do processo de universalização. A Constituição vem garantir a ampliação da cobertura da proteção social para segmentos até então desprotegidos. As mudanças introduzidas a partir de 1991 (Lei 8.212 e 8.213/91) regulamentaram os novos dispositivos da Constituição de 1988, estabelecendo, por exemplo, o valor do salário mínimo como piso para pagamento de benefícios, reduzindo o limite de idade para as aposentadorias rurais e equiparação entre as chamadas “previdência rural” e “previdência urbana” resultando em novos aumentos no estoque de aposentadorias (ANDRADE, 1999). Essas mudanças da Constituição (principalmente a universalização dos benefícios) alimentaram discussões neoliberais, nos anos posteriores, acerca da reforma e equidade da Previdência Social Brasileira e buscaram atuar no sentido contrário à ampliação da cobertura dos programas de segurança de renda à população brasileira (JACCOUD, 2009). Para os defensores do Estado Mínimo, a responsabilidade pelo crescimento do déficit fiscal do governo e do aumento do “Custo Brasil” estaria no aumento das despesas da previdência impulsionada após os novos direitos advindos da nova constituição. Prosperaram, no início dos anos 1990, diversas propostas de reforma da Previdência Social Brasileira, inspiradas no modelo chileno de capitalização, em que o valor do

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Gráfico 1 - Desigualdade Social Brasileira - 1976/2008

benefício está atrelado ao valor “depositado” e capitalizado de cada contribuinte ao longo da vida produtiva. Somente com a posse do novo governo em 2003 e aproveitando o otimismo em volta dele, houve nova proposta de reforma na qual incluíram desta vez os servidores públicos em que se limitou um teto máximo para as futuras aposentadorias e incluiu a contribuição sobre o valor das aposentadorias (MARQUES et al., 2007). Entretanto, as mudanças introduzidas não visaram à passagem do sistema de repartição para o de capitalização. 3. Previdência Social Brasileira e Inclusão Sócio-Econômica No interior dos debates acerca da reforma previdenciária, e diante dos déficits persistentes nas contas da previdência desde meados da década de 90, a dimensão financeira desse particular fundo público é enfatizada, obscurecendo a sua face social e geradora de renda.

22

TRIBUTAÇÃO em revista

Segundo Barros et al., (2010), o Brasil possui uma distribuição de renda per capita extremamente desigual, pois apesar da melhoria da vida da população pós Plano Real, ainda persiste uma perversa desigualdade de renda. Conforme os dados apresentados na Gráfico 1 se observa que a parcela de renda apropriada pelos 50% mais pobres é ligeiramente maior do que a parcela apropriada pelos 1% mais ricos. Outra constatação que ilustra o nível de desigualdade é o fato de que a parcela apropriada pelos 10% mais ricos representa mais de 43% da renda total. O Brasil ocupa o 75º lugar no ranking mundial do IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, que analisou condições de vida, educação e renda de 182 países em 2007. Apesar de melhora nos últimos anos, as condições de vida desigual, corroem quase 1/5 do padrão de desenvolvimento do país (PNUD, 2010). Esta situação seria ainda mais grave caso não houves-


Gráfico 2 - Percentual de Pobres* no Brasil, por idade, com e sem Transferências Previdenciárias – 2008. Fonte: MPAS (2010a) elaborado a partir de dados PNAD/IBGE (2008) *Linha de pobreza = ½ salário mínimo.

se programas de transferências previdenciárias. Dados do MPAS (2010a) destacam que há cerca de 56 milhões de pessoas em situação de pobreza no Brasil. Caso a Previdência Social não existisse, este número saltaria para mais de 79 milhões de pessoas, ou seja, somente a Previdência foi responsável por retirar das condições de pobreza mais de 20 milhões de brasileiros (Gráfico 2). É interessante frisar que as transferências previdenciárias conseguiram beneficiar todas as faixas etárias da população brasileira, mas a situação de pobreza seria ainda mais crítica para a população idosa (≥ 60 anos), pois representam mais de 10% da população brasileira (IPEA, 2010), e estimativas do MPAS indicam que mais de 81% deles estão protegidos pelos benefícios da Previdência. São

mais de 17 milhões de idosos que recebem algum tipo de benefício e em muitas vezes como a única fonte de renda da família (Tabela 1). Batista et al., (2009), concluiu, com dados da PNAD (2007), que sete de cada dez idosos viviam em domicílios com até 02 salário mínimos (SM) de renda per capita e que é baixa a incidência de idosos em situação de pobreza, ou seja, com renda per capita inferior a ½ SM, isto devido em grande parte aos rendimentos dos benefícios previdenciários3. Em 2009, a Previdência Social Brasileira atendeu entre benefícios urbanos, rurais e assistenciais, 26,6 milhões de pessoas. Isto equivale mais do que a soma da população do Chile e Uruguai (Gráfico 3). Um dado interessante a destacar é que dos benefícios

3- Consideram os valores advindos do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), sejam eles aposentadorias, pensões ou Benefício de Prestação Continuada (BPC)

TRIBUTAÇÃO em revista

23


Tabela 1 - Brasil: Proteção Previdenciária para a População Idosa em 2008 Categorias

Homens

Mulheres

Total

Aposentados

6.950.143

5.306.168

12.256.311

Pensionistas

126.099

2.237.270

2.363.369

Aposentados e pensionistas

220.707

1.397.096

1.617.803

Contribuintes não beneficiários

678.869

273703

952.572

Total protegidos (a)

7.975.818

9.214.237

17.190.055

Residentes (b)

9.214.542

11.824.542

21.039.084

86,60%

77,90%

81,70%

Cobertura – Em % ((a)/(b))

Cobertura Social entre os Idosos – 2008 (Inclusive Área Rural da Região Norte) Fonte: PNAD/IBGE – 2008. Extraído de MPAS (2010a)

emitidos, a maioria deles foi de até 02 salários mínimos. O valor médio dos benefícios pagos pela Previdência Social, nos cinco primeiros meses do ano de 2010, foi de R$ 719,20. A maior parte dos benefícios (69,5%) pagos em maio de 2010 tinham valor de até um salário mí-

nimo, contingente de 19,0 milhões beneficiários diretos (MPAS, 2010c). Se considerarmos que os mais pobres possuem uma propensão marginal a consumir maior que as pessoas com rendimento elevado, ou seja, qualquer acréscimo em sua

Gráfico 3 - Evolução da Quantidade de Benefícios Emitidos pela Previdência, 2001-09 Fonte: MPAS (2010)

24

TRIBUTAÇÃO em revista


renda será igualmente gasto, então boa parte da demanda agregada nacional depende direta ou indiretamente destes benefícios sociais. Percebe-se que a cada R$ 4,00 gastos no país, R$ 1,00 encontra-se vinculado diretamente à economia social. Se for contabilizado também o seu efeito multiplicador (elasticidade de 0,8) pode-se estimar que quase metade de toda a produção de riqueza nacional se encontra relacionada à dinâmica da economia social (POCHMANN, 2010) A expansão do número de aposentadorias e pensões combinada com a elevação do salário mínimo são colocados como fator de aumento no déficit previdenciário, segundo a visão fiscalista: Receitas (contribuição de empresas e trabalhadores) menos Despesas (pagamento de aposentadorias e pensões). É essa matemática financeira, instituída pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000 que se convencionou chamar de “déficit da previdência”. Em 2009, esse “déficit” teria alcançado R$ 43,6 bilhões, correspondente a 1,38% do PIB (MPAS, 2010b). Outra forma de encarar a questão pode ser chamada de constitucionalista, uma vez que se pauta pelos princípios da Constituição Federal que em seu artigo 195 estabelece que a: Seguridade Social será financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições de empregador e trabalhador (BRASIL, 1988).

Estes preceitos definem a Previdência como parte da Seguridade e determinam uma base de financiamento diversificada para o sistema. Atualmente as principais fontes de arrecadação para a

Seguridade Social, além das contribuições previdenciárias de trabalhadores e empresas sobre folha, são: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS; e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Caso também sejam incluídas no sistema de proteção social as ações voltadas para garantir renda ao desempregado e ao trabalhador de baixa renda, a Seguridade passa a ter a atribuição de conceder o seguro-desemprego e o abono salarial e a contar com as fontes de receitas que financiam esses benefícios, incorporando-se às anteriores os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP). Nesta nova matemática, a receita total da Seguridade superaria as despesas4 (DIEESE, 2007) Quando analisamos o efeito das transferências previdenciárias nas unidades da federação, identificamos que os valores repassados através dos benefícios terminam sendo à base da economia de boa parte dos municípios brasileiros. Nesses, os benefícios previdenciários constituem, com freqüência, a única renda monetária que milhões de famílias recebem. “A Previdência Social é uma das poucas políticas públicas que funcionam no Brasil, reduzindo as desigualdades sociais e exercendo influência extraordinária na economia de um incontável número de municípios brasileiros” (FRANÇA, 1999). Analisando a Tabela 25, constata-se que os benefícios previdenciários injetaram, em 2009, mais de R$ 218 bilhões na economia dos estados e municípios brasileiros (7% do PIB), enquanto que a soma dos valores enviados pelo Tesouro Nacional na forma de Fundo de Participação dos Estados e Municípios (FPM/FPE6) e o Programa Bolsa Família (PBF), não atingiu R$ 90 bilhões (2,81% do PIB). O repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE)

4- Considerando esta metodologia de cálculo, a receita total da Seguridade superou a despesa em R$ 47,9 bilhões em 2006, equivalente a 2,06% do PIB (DIEESE, 2007). 5- A análise entre Benefícios/FPE/FPM e PBF é pertinente, pois todos são recursos advindos do Governo Federal. 6- O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é uma transferência Constitucional (CF, Art. 159, I, b), composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A Constituição de 1988 fixou em 21,5% o percentual da arrecadação líquida do IR e IPI a ser destinado para a formação do FPE, que deverá ser dividido entre os estados (STN, 2010).

TRIBUTAÇÃO em revista

25


Tabela 2: Valores dos Benefícios Previdenciários/FPM/FPE/PBF-2009 Estado/Região

FPE

FPM

Benefícios

ACRE

1.238,60

208,5

440,6

PBF 70,4

AMAPÁ

1.235,40

139,6

234,2

52,5

AMAZONAS

1.010,30

561

1.558,00

297,6

PARÁ

2.212,90

1.453,10

4.104,80

713,6

RONDÔNIA

1.019,40

362,5

997,6

117,4

898,2

250,5

177

48

1.571,40

565,3

838,5

120,3 1.419,80

RORAIMA TOCANTINS Total Região Norte

9.186,20

3.540,40

8.350,60

ALAGOAS

1.506,20

947,3

2.578,60

417,7

BAHIA

3.402,00

3.634,20

12.979,60

1.662,70 1.008,10

CEARÁ

2.656,40

2.079,10

7.354,80

MARANHÃO

2.613,50

1.662,50

4.703,40

943,3

PARAÍBA

1.733,90

1.288,70

3.636,40

477,1 1.063,40

PERNAMBUCO

2.498,30

2.004,40

8.564,90

PIAUÍ

1.564,60

1.026,50

2.661,40

433,1

R. GRANDE DO NORTE

1.512,70

989,1

2.886,40

330,9

SERGIPE Total Região Nordeste DISTRITO FEDERAL GOIÁS

1.504,50

579,3

1.703,40

227,9

18.992,10

14.211,10

47.068,90

6.564,30

249,9

65,3

2.280,50

33,9

1.029,40

1.448,50

4.279,90

271,2

MATO GROSSO

835,6

737,4

1.827,60

145

MATO GROSSO SUL

482,3

607,2

1.889,40

116,5

2.597,20

2.858,40

10.277,40

566,6

543,1

687,8

3.791,80

180

1.612,80

5.242,40

23.505,10

1.045,80

T. Região Centro Oeste ESPÍRITO SANTO MINAS GERAIS RIO DE JANEIRO

553,1

1.176,10

24.081,00

616,8

SÃO PAULO

362,1

5.288,30

62.047,60

1.054,50

Total Região Sudeste

3.071,10

12.394,60

113.425,60

2.897,20

PARANÁ

1.043,90

2.733,60

12.098,20

404,3

852,6

2.711,10

17.847,60

424,9

RIO GRANDE DO SUL SANTA CATARINA Total Região Sul Estado/Região TOTAL BRASIL %PIB (2009) - TOTAL

463,4

1.551,70

9.024,90

130,2

2.359,90

6.996,50

38.970,70

959,4

FPE

FPM

Benefícios

PBF

36.206,40

40.001,00

218.093,30

12.407,30

1,15%

1,27%

6,94%

0,39%

Fonte: Elaboração Própria. Dados MPAS (2010), STN (2010) e MDS (2010).

é maior para os estados do Nordeste, com destaque a Bahia, Ceará e Maranhão, assim como os valores do Programa Bolsa Família (PBF) também foi maior para Bahia e Pernambuco, seguido por São Paulo e Minas Gerais. Com relação aos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), os estados que mais receberam foram São Paulo, M. Gerais e Bahia. Quanto a isto, nada de diferente do que se imagina-

26

TRIBUTAÇÃO em revista

va, com maior participação dos estados nordestinos nos repasses destas transferências constitucionais. O destaque está na observação dos estados que mais recebem recursos da previdência social. São os estados mais ricos da federação que receberam a maior parte das transferências previdenciárias em 2009. Somente a região sudeste incorporou mais de 52% do total pago em benefícios da previdência, estando São Paulo com 28,4%, seguindo pelo Rio de Ja-


neiro (11,4%) e Minas Gerais (10,7%). Quando se analisa a relação entre benefícios previdenciários e os demais recursos, verificou-se uma disparidade de valores e alguns aspectos emergem. O pagamento dos benefícios previdenciários foi superior a todos os demais repasses, em quase todos os estados brasileiros, com exceção ao Acre, Amapá, Roraima e Tocantins (Tabela 3). Em média os valores dos benefícios foram 6 vezes maiores do que o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e destaque seja feito novamente a São Paulo: o estado tem direito por lei a receber somente 1% do FPE e quando comparamos o valor recebido deste fundo (R$ 362 milhões) com os repassados pela previdência social (R$ 62 bilhões), chegamos a uma relação no mínimo interessante do ponto de vista econômico e fiscal: o pagamento dos benefícios correspondeu a mais de 171 vezes os repasses do FPE, ou seja, mantidos os valores de 2009, o estado de São Paulo precisaria de 171 anos de recebimento do FPE para atingir o valor de 1 ano de pagamento dos benefícios da previdência. Em relação ao FPM, os benefícios previdenciários foram 5,5 vezes maiores, evidenciando que, como na maioria dos municípios do país, a Previdência Social desempenhou um papel importante. Destaque seja feito ao Distrito Federal em que a Previdência Social Brasileira injetou 35 vezes a mais do que os valores do FPM, seguido pelo Rio de Janeiro onde a relação foi de 20 vezes maior. França (1999), trabalhando com dados de 1998, descreveu exemplos da influência dos benefícios na economia dos municípios, tais como Santa Maria do Cambucá (PE) onde os pagamentos de benefícios foram 539,9 vezes maiores do que a arrecadação (ou seja, seriam necessários 539,9 anos de arrecadação para pagar um ano de benefícios), ou Souto Soares (BA) em que os benefícios foram 113,4 vezes maiores do que o arrecadado. Favoni & Souza (2004), ao verificar a relação entre benefícios e FPM na região da Associação dos Municípios do Médio Paranapanema (AMEPAR), no Paraná, constaram que dos 21 municípios que a compõem, os pagamentos dos benefícios foram

Tabela 3: Relação Valor Benefícios sobre valor FPE/FPM e PBF - 2009 Estado/Região

FPE

Benefícios

FPM

ACRE

0,4

2,1

6,3

AMAPÁ

0,2

1,7

4,5

AMAZONAS

1,5

2,8

5,2

PARÁ

1,9

2,8

5,8

RONDÔNIA

1

2,8

8,5

RORAIMA

0,2

0,7

3,7

TOCANTINS

0,5

1,5

7

ALAGOAS

1,7

2,7

6,2

BAHIA

3,8

3,6

7,8

CEARÁ

2,8

3,5

7,3

MARANHÃO

1,8

2,8

5

PARAÍBA

2,1

2,8

7,6

PERNAMBUCO

3,4

4,3

8,1

PIAUÍ

1,7

2,6

6,1

RIO GRANDE DO NORTE

1,9

2,9

8,7

SERGIPE

1,1

2,9

7,5

DISTRITO FEDERAL

9,1

34,9

67,3

GOIÁS

4,2

3

15,8

MATO GROSSO

2,2

2,5

12,6

MATO GROSSO DO SUL

3,9

3,1

16,2

7

5,5

21,1

MINAS GERAIS

14,6

4,5

22,5

RIO DE JANEIRO

43,5

20,5

39

ESPÍRITO SANTO

SÃO PAULO

171,4

11,7

58,8

PARANÁ

11,6

4,4

29,9

RIO GRANDE DO SUL

20,9

6,6

42

SANTA CATARINA

19,5

5,8

69,3

6

5,5

17,6

TOTAL BRASIL

Fonte: Elaboração Própria. Dados MPAS (2010), STN (2010) e MDS (2010).

maiores em 20 deles, com destaque a cidade de Londrina em que a relação foi de 14,8. Quando se compara com o Programa Bolsa Família, sistema não-contributivo e que beneficia qualquer família em uma faixa de renda, a relação entre os benefícios e os valores deste programa chega a ser 17 vezes maior no país. No estado de Santa Catarina esta relação chegou a 69 vezes, seguido pelo DF e São Paulo com 67 e 58 vezes, respectivamente.

TRIBUTAÇÃO em revista

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4. Considerações Finais Para ordenar as questões referentes à importância da Previdência Social Brasileira como fator de desenvolvimento social das famílias brasileiras e econômica dos estados buscou, inicialmente, resgatar a literatura sobre o surgimento, desenvolvimento e crise do Estado do Bem Estar (Welfare State), pré-condição para a discussão sobre a economia social. As questões normalmente discutidas são os aspectos negativos da previdência, sendo o déficit previdenciário colocado como alvo central para os desajustes fiscais do governo. Não há dúvida que ajustes devem ocorrer, buscando a viabilidade do sistema no curto e também no longo prazo, mas os dados mostram que a presença dessa fonte de renda para inúmeras famílias brasileiras, que a partir da Constituição de 1988, dentro do conceito de Seguridade Social,

passou a ser universal para todos os trabalhadores, tornou melhores as condições de vida da população, amenizando a questão da pobreza, principalmente nos pequenos municípios brasileiros. Além da importância da Previdência Social Brasileira como “mola propulsora” da economia da maioria dos estados e municípios e impulsionadora da riqueza nacional, em todos os estados da federação, também há de se destacar que os benefícios pagos são com freqüência utilizados como “microcrédito” rural, colaborando também nas pequenas propriedades rurais. Em suma, a Previdência Social deve ser encarada como política pública de renda, cuja finalidade é garantir reposição de renda, tirando as pessoas da pobreza, e não como fonte de riqueza pessoal, transformando-a num fundo com arrecadação e despesas.

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TRIBUTAÇÃO em revista

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TRIBUTAÇÃO em revista

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a RTIGO Previdência Social e Constituição Federal: Qual é a Visão dos Juristas? Eduardo Fagnani 1

1. Apresentação O objetivo desse texto é chamar a atenção para a contribuição fundamental que os profissionais da área do direito detêm no debate atual acerca da Previdência Social. Creio que, nos últimos 22 anos, os princípios basilares da Seguridade Social consagrados pela Constituição de 1988 não têm sido respeitados, configurando-se um cenário de aparentes inconstitucionalidades. Todavia, sendo economista, não tenho competência técnica para defender essa crença. Por isso, conclamo esses profissionais, para que participem mais diretamente desse debate, que me parece muito mais apropriado aos advogados constitucionalistas do que aos economistas com viés de atuários. A reflexão aqui proposta subdivide-se em duas partes. Na primeira são feitas breves considerações sobre o debate político e econômico sobre a questão da Previdência Social entre 1988 e 2010. A questão de fundo é que os setores 1- Professor do Instituto de Economia da Unicamp.

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conservadores resistem em aceitar o que reza a Constituição. A mesma negativa tem sido praticada por todos os governos desde 1988. O debate proposto por esses segmentos trata a Previdência Social (rural e urbana) separadamente da Seguridade Social, contrariando o artigo 194. Também desconsideram que, para financiar a Seguridade Social (e, portanto, a Previdência), foram instituídas fontes de financiamento contributivas (folha de salários) e não contributivas (impostos gerais) constitucionalmente vinculadas ao Orçamento da Seguridade Social (artigo 195). Ignoram o papel do Poder Público, de organizar a Seguridade Social tratando, de forma integrada, institucional e financeiramente, os setores da Previdência (Rural e Urbana), Assistência Social, Saúde e Seguro – Desemprego (Artigos 165, 204 e 58 das Disposições Transitórias). E, finalmente, desconsideram que a Constituição Federal


estabelece mecanismos de controle social e democrático para assegurar que os princípios orientadores da Organização da Seguridade Social e do Orçamento da Seguridade Social sejam efetivamente cumpridos pelo Executivo Federal (Inciso VII do Parágrafo Único do Artigo 194). Na segunda parte, argumento que há diversos princípios norteadores da Constituição Federal que, aparentemente, têm sido descumpridos por todos os governos desde 1988. Do meu ponto de vista, optaram por desfigurar princípios fundamentais da Organização da Seguridade Social, do Orçamento da Seguridade Social e do seu controle social (Conselho Nacional da Seguridade Social). Procuram enquadrar a Previdência Social como um ponto alheio à Seguridade Social e, assim, restringir a questão financeira da Previdência Social como se fosse tema meramente atuarial. Todavia, como disse, sendo economista, não tenho competência técnica para comprovar essa visão. Assim, o propósito desta parte do texto é incentivar o debate entre juristas e constitucionalistas. Entretanto, se essa minha crença estiver tecnicamente correta, pergunto aos profissionais do Direito, se não caberia à sociedade civil impetrar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN)? 2. Um Longo Processo de Negação da Constituição2 As décadas entre 1960 e 2010 marcam o fim dos chamados “trinta anos de ouro” de “capitalismo domesticado” e a ascensão do neoliberalismo em escala global. Essa onda esmaeceu somente após 2008, com o colapso do sistema financeiro internacional. Nessa era de hegemonia dos mercados, os direitos trabalhistas e os sistemas de proteção social dos países desenvolvidos estiveram tensionados por uma onda avassaladora de reformas visando ao retrocesso. Mais graves foram suas consequências para os países periféricos, que destruíram sem piedade seus ainda embrionários aparatos de proteção.

O Brasil, todavia, num primeiro momento, seguiu a rota inversa. Nos anos finais da década de 1970 e ao longo dos anos de 1980, caminhamos na contramão do mundo. Fomos salvos pelo movimento político interno. Os ventos da redemocratização do país, mais intensos a partir de meados dos anos de 1970, sopraram na direção contrária dessa via de destruição. O notável movimento social que lutava pela redemocratização do país construiu uma agenda de mudanças que visava, em última instância, ao acerto de contas com a ditadura militar. Naquele momento, não havia solo fértil para que a investida neoliberal germinasse. A rota forjada pelo movimento social tinha como destino a Assembléia Nacional Constituinte (ANC). Após uma árdua marcha, a Constituição de 1988 restabeleceu a democracia e consagrou as bases de um sistema de proteção social universal e inspirado no Estado de Bem-estar Social. É admirável é que essa conquista histórica não tenha sido obra de nenhum governo. Foi obra construída contra os governos: contra o governo da ditadura e contra parcela do governo da Nova República. Não foi obra de nenhum partido: foi construída por parlamentares democráticos de todos os partidos. Foi obra construída contra a elite internacional e o pensamento “único” neoliberal já então hegemônico em todo o mundo. Um feito histórico, pelas circunstâncias adversas e por contrariar profundamente os interesses das elites nacionais que jamais aceitaram o golpe; notável também em função dos seus números: mais de 10% do gasto público, em relação ao PIB, passaram a ser vinculados constitucionalmente aos direitos sociais. Um dos focos dessa contrariedade é o capítulo sobre a Seguridade Social. Desde os trabalhos da ANC, recorrem ao falso argumento de que o “déficit” da seguridade seria um “tsunami” devastador das contas públicas. Esforçam-se para “comprovar” a inviabilidade financeira da Previdência e propõem reformas para fazer retroceder conquistas – muitas das quais já efetivadas.

2- Baseado em Fagnani (2007).

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2.1 – A Tese do “País Ingovernável” Durante a acirrada disputa na ANC, alguns opositores dos novos direitos sociais foram bastante criativos em seus argumentos. O líder do PFL (hoje Democratas), deputado José Lourenço, chegou a pregar o fechamento da Constituinte por um ato de força do governo. (Matemática confusa. Veja, 27/7/1988). Mas nada se compara a um ato emblemático, do presidente José Sarney. Quando teria início a votação da última fase da ANC, numa derradeira tentativa para modificar os rumos dos trabalhos, Sarney convocou cadeia nacional de rádio e televisão para “alertar o povo e os constituintes” para “os perigos” que algumas das decisões contidas no texto aprovado no primeiro turno representavam para o futuro do país. Defendeu a tese que o país tornar-se-ia “ingovernável”. O inimigo da governabilidade era a seguridade que causaria uma “explosão brutal de gastos públicos” (Sarney vai à TV criticar o projeto. Gazeta Mercantil. 27/7/1988). O discurso de Sarney provocou a imediata e memorável defesa da ANC feita pelo deputado Ulysses Guimarães. A Constituição será a “guardiã da governabilidade”, sentenciou. Reportou-se a um conjunto de aspectos “inaugurais” do texto que seria submetido ao crivo da revisão constituinte. Em seguida, concluiu seu discurso fulminando, magistralmente, a tese do ‘desgoverno’: Senhores constituintes: a Constituição, com as correções que faremos, será a guardiã da governabilidade. A governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença inassistida são ingovernáveis. A injustiça social é a negação do governo e a condenação do governo (...). Repito: esta será a Constituição Cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros. Cidadão é o usuário de bens e serviços do desenvolvimento. Isso hoje não acontece com milhões de brasileiros segregados nos guetos da perseguição social. Esta Constituição, o povo brasileiro me autoriza a proclamá-la, não ficará como bela estátua inacabada, mutilada ou profanada. O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo. (...). (Ulysses Guimarães. “Esta constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo”. Folha de S. Paulo, 28/7/1989)

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Após quase 20 anos, não se pode afirmar que a seguridade tenha quebrado o país, ou que ela seja a principal vilã do ajuste fiscal e do desgoverno. Por outro lado, ela é, sem dúvidas, um dos principais pilares da governabilidade, como profetizou Ulysses Guimarães. Entre 1988 e 2009, o número de beneficiários da Seguridade Social (INSS Urbano e Rural, Loas e Seguro-Desemprego) saltou de 8 para 32 milhões de pessoas. Seu formidável efeito distributivo fica mais evidente se também contabilizarmos os seus beneficiários indiretos. Segundo o IBGE, para cada beneficiário direto há 2,5 beneficiários indiretos, membros da família. Dessa forma, a seguridade beneficia, direta e indiretamente, mais de 100 milhões de pessoas, metade da população do País. Na década de 1990, a participação da renda da Seguridade na composição da renda familiar urbana passou de 10% para 24%; e, na renda familiar rural, de 9 para 26%. Hoje, mais de 80% dos idosos recebem aposentadoria ou pensão. Por conta disso, a taxa de incidência da pobreza nos grupos etários com mais de 65 anos é de apenas 10%. Sem os benefícios, mais de 70% dos idosos estariam abaixo da linha de pobreza. 2.2 – Reedições da Tese da Ingovernabilidade: 1989/1990 Roberto Campos foi um dos mais ácidos críticos das conquistas sociais de 1988. Coerente com suas crenças liberais, em suas memórias (Campos, 1994), afirma que a Carta “encerra duas curiosidades”. É ao mesmo tempo um “hino à preguiça” e uma “coleção de anedotas.” Representa um “estímulo à ociosidade”. Julgava-a como um ato de “anacronismo moderno”. Descreveu-a como um “misto de regulamento trabalhista e dicionário de utopias”, o “canto do cisne do nosso nacional-populismo”. Essa visão de Campos tem inspirado muitos especialistas. Giambiagi (2007), por exemplo, escreveu o seguinte sobre a Carta de 1988:


Daqui a 50 anos, quando os historiadores se debruçarem sobre o período vivido pelo Brasil nas últimas duas décadas, não tenho dúvidas de que, na hora de apontar o momento em que o país se perdeu nos descaminhos das opções erradas, a Constituição de 1988 será julgada com extrema severidade. O pêndulo, claramente, foi longe demais naquele momento. (Giambiagi, 2007)

O economista Maílson da Nóbrega ( 2005), ratifica essa mesma visão crítica: Os constituintes erigiram uma obra arcaica e sem originalidade. Buscaram distribuir uma riqueza que não existia. Não perceberam as transformações que havia tornado obsoletas as normas com as quais pretendiam forjar uma nova sociedade. Avançaram no restabelecimento de direitos individuais e das instituições democráticas, mas introduziram privilégios corporativistas, moveram-se por preconceitos anticapitalistas e adotaram visões de mundo equivocadas. A constituição de 1988 nasceu velha e se tornou um obstáculo ao desenvolvimento. Podemos consumir duas gerações buscando eliminar seus graves defeitos.

No final dos anos 80, essa convicção do escritor Maílson da Nóbrega já estava impregnada nas ações do então Ministro da Fazenda. Em meados de 1988, a área econômica do governo deflagrou diversas estratégias+9 visando a impedir a consumação dos novos direitos constitucionais. Uma delas, implementada no bojo do chamado “Plano Verão” (janeiro de 1989), determinou que o Instituto de Administração da Previdência Social (IAPAS), que zelaria pelo cumprimento da Constituição no que se refere à gestão do Orçamento da Seguridade Social, fosse transferido para o ministério da Fazenda. As receitas da Seguridade Social passaram a ser recolhidas e administradas pelo Tesouro Nacional. Essa decisão caminhava, flagrantemente, na direção oposta ditada pela Constituição de 1988, recém promulgada. Por ser inconstitucional, ela foi recebida com revolta pelas forças políticas que lutaram na ANC pelas mudanças nesses setores. O senador Almir Gabriel (PMDB-PA), relator do projeto da seguridade social da nova Constituição, por exemplo, criticou duramente a transferência, que teria sido fruto da “total incompetência, irracionalidade e vi-

são medíocre do governo” no trato das questões sociais. Acusando o governo de “completa irresponsabilidade administrativa”, o senador advertiu que a medida era inconstitucional. Na opinião de senador a medida seria “um desastre total”. Antevendo os fatos, o senador não tinha dúvidas de que os recursos da Previdência seriam utilizados para “tapar o buraco” do déficit público. Por isso, “não via nenhum amparo jurídico ou constitucional para a transferência, tentada há mais de 25 anos pelo governo” (Senador condena a mudança do IAPAS. O Estado de S. Paulo, 14/1/1989). Diversas outras manobras foram utilizadas com o propósito de retardar a efetivação desses direitos e desvirtuar o espírito de alguns determinados dispositivos constitucionais. Dentre elas, destaca-se o intencional descumprimento dos prazos constitucionais, visando a desfigurar ou postergar o início da vigência dos novos direitos. Como mostram Azeredo (1989 e 1990) e Teixeira (1991), no final do Governo da Nova República, o Executivo não observou os prazos estabelecidos pela Constituição. Não formulou o Projeto de Lei de Organização da Seguridade Social estabelecido pela Constituição. Em flagrante inconstitucionalidade, optou por formular projetos de lei setoriais (saúde, previdência, assistência social e seguro-desemprego), separados e desarticulados, fragmentando a seguridade social. Os mesmos autores revelam que o Executivo também não formulou uma Proposta de Orçamento da Seguridade Social, tal como estabelecido na Constituição da República. A ação da área econômica caminhou exatamente na direção oposta: • foram adotadas medidas visando a capturar os recursos constitucionais vinculados ao Orçamento da Seguridade Social para o financiamento do déficit público; • não foi cumprida a obrigatoriedade constitucional de Transferência de Recursos Fiscais para Financiar a Seguridade Social; e • mais da metade da receita prevista como arrecadação da COFINS em 1989 foi destinada ao paga-

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mento dos inativos e pensionistas da União, outra medida inconstitucional denunciada pelos setores que lutaram pela seguridade social na ANC. O argumento da “catástrofe” fiscal também foi retomado pela área econômica para justificar as deformações impostas na fase de regulamentação complementar da Seguridade Social. A previdência social foi particularmente vítima dessa estratégia alarmista. O discurso oficial era claro e direto: as causas do déficit da previdência eram os novos direitos, cujos impactos financeiros “não foram avaliados pelos constituintes”; estes, de forma “irresponsável”, criaram “despesas sem contrapartida de receitas”; logo, caso o Congresso não apontasse novas fontes de financiamento ou cortasse despesas pré-existentes, a única alternativa técnica possível era negar a concessão dos novos direitos. 2.3 – A Revisão Constitucional de 1993 A partir de 1990, os ventos também mudaram por aqui. O Brasil fez sua opção tardia pelo neoliberalismo. A força do movimento social esgotara-se. Os conservadores, reorganizados pela eleição de Collor, abraçaram as teses do Consenso de Washington, antagônicas aos princípios da Constituição recém conquistada. E passaram a empregar todos os meios possíveis para fazer retroceder os avanços sociais de 1988. Os constituintes de 1988 determinaram que a Constituição fosse revisada em 1993, integralmente, pela maioria absoluta dos votos do Congresso Nacional. Esse seria o momento aguardado para, de uma vez por todas, enterrar a “anacrônica” Constituição da República. Nesse contexto, a estratégia do Governo Collor para a política social era formular nova agenda de reformas, na expectativa dessa revisão constitucional prevista para 1993. Entretanto, as turbulências decorrentes do impeachment do presidente Collor ao longo de 1992 e as indefinições e instabilidades presentes em 1993 acabaram inviabilizando a revisão constitucional. Assim, o funeral da Carta de 1988 teve de ser adiado. 3- Lei n. 8.213/91.

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Enquanto aguardava a revisão constitucional – que acabou não ocorrendo – o Governo Collor deflagrou uma estratégia que visava a obstruir ou desfigurar a legislação constitucional complementar. O Plano de Organização e Custeio da Seguridade Social só foi regulamentado em julho de 1991.3 A Lei sancionada tornou constitucional algumas das transgressões adotadas desde o final do Governo José Sarney. A reforma administrativa empreendida por Collor também desconsiderou a Seguridade Social. Teixeira (1991:31) sublinha que o governo federal, “ao invés de constituir o Ministério da Seguridade Social”, optou “pelo caminho da fragmentação, abandonando o conceito de seguridade e empreendendo uma volta atrás na própria concepção do sistema de proteção, reforçando a velha idéia de seguro. Reunindo os antigos INPS e IAPAS em um único instituto que não por acaso chamou de Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, ademais, colocando toda a estrutura previdenciária sob a jurisdição do velho Ministério do Trabalho e da Previdência Social”. 2.4 – A Emenda Constitucional 20/1998 O calvário da Seguridade Social e do Orçamento da Seguridade Social continuou no período 1993/2002. Em 1994, o Executivo federal implantou a atual Desvinculação das Receitas da União (DRU), que captura 20% dos recursos constitucionais vinculados ao Orçamento da Seguridade Social, demais políticas sociais federais e recursos do FPE e FPM. Para confundir os incautos, chamaram essa medida iníqua de Fundo Social de Emergência – que dura até hoje, renomeado de Desvinculação das Receitas da União (DRU). Além disso, nessa quadra, o campo conservador teve êxito na realização da Reforma da Previdência. A Emenda Constitucional n. 20, de 1998, desmontou algumas conquistas de 1988 e instituiu regras mais severas que as praticadas nos países desenvolvidos da OCDE. Para justificar esse legado de destruição, além dos argumentos falaciosos de sempre sobre a “catástrofe” fiscal, inovaram ao difun-


dir a visão do aposentado como portador de ‘privilégios’ inaceitáveis, um verdadeiro ‘marajá’, que ameaçava a estabilidade recém conquistada e os “sólidos” fundamentos econômicos. O próprio presidente da República denominou-os de “vagabundos”. A reforma da Previdência realizada em 1998 (Emenda Constitucional n.20) suprimiu parcialmente o legado da Constituição de 1988. Dentre o conjunto de medidas adotadas destacam-se: substituiu-se a comprovação do “tempo de serviço” pelo “tempo de contribuição”; eliminou-se a aposentadoria proporcional; desvincularam-se o benefício previdenciário e o salário mínimo, para os benefícios acima do piso; e rebaixou-se o teto nominal dos benefícios. Por razões de espaço, comentamos aqui apenas as mudanças introduzidas na idade mínima e no tempo de contribuição. Para os contrarreformistas, uma das distorções do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) era a aposentadoria em idade considerada precoce. Essa crítica estava parcialmente correta. De fato, não houve consenso na ANC para introduzir o limite de idade (55 anos para aposentadoria). Sem a fixação da idade mínima, prevaleceu a aposentadoria “por tempo de serviço” aos 35 anos para o homem e aos 30 anos para a mulher. Todavia, para corrigir esta distorção, a EC n. 20/98 proposta pelo Executivo preconizava regras draconianas de acesso: acumulavam idade mínima (65 anos para homens e de 60 anos para mulheres) mais tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 anos para mulheres). Felizmente, não houve consenso em torno desse ponto no Congresso Nacional. Com o texto final aprovado, a partir de 1998 passaram a existir duas alternativas para a aposentadoria: • a aposentadoria “por idade” – 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além da exigência de contribuição mínima por 15 anos; e • a aposentadoria “por tempo de contribuição” – 35/30 anos e idade mínima de 53/48 anos. Nesse caso, até que os contribuintes atinjam 65/60 anos, passou a incidir o chamado “fator previdenciário”,

criado posteriormente (1999), que suprime parcela expressiva do valor do benefício, incentivando a postergação da aposentadoria. No caso da “aposentadoria por idade”, conseguiu-se transpor para o Brasil, padrões semelhantes ou superiores aos existentes em países desenvolvidos. A idade mínima de 65 anos não era adotada sequer em países como a Bélgica, Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal (60 anos) e os EUA (62 anos), por exemplo; e equivale ao parâmetro seguido na Suécia, Alemanha, Finlândia e Áustria (65 anos), por exemplo. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) faz uma distinção, ao definir a população idosa, entre países desenvolvidos (acima de 65 anos) e países em desenvolvimento (acima de 60 anos) (FIBGE, 2002:9). No caso da “aposentadoria por tempo de contribuição”, passou-se a exigir a comprovação de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres. Esse patamar é superior ao estabelecido, por exemplo, na Suécia (30 anos) e a Finlândia (30 a 39); e se aproxima do nível vigente em outros: EUA (35 anos), Portugal (36), Alemanha (35 a 40) e França (37,5), dentre vários. Nesse caso, até que os contribuintes atinjam 65/60 anos, passou a incidir o chamado “fator previdenciário” (criado em 1999) que suprime parcela do valor do benefício e posterga o início da aposentadoria. Assim, tanto a idade mínima (65 e 60 anos) quanto o tempo de contribuição (35 e 30 anos) são elevados em relação aos padrões estabelecidos em países desenvolvidos. A vigência dessas regras mostra-se paradoxal, se consideramos que não há como demarcar qualquer equivalência entre esses países e o nosso contexto socioeconômico e demográfico de capitalismo tardio. 2.5 – O “Déficit Nominal Zero” Entre 2003 e 2010 não foi diferente. Em meados de 2005, o Ministério da Fazenda reprisou os mesmos mantras apocalípticos para justificar o programa visando ao “déficit nominal zero”. Ocultaram, aos incautos, que o

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ajuste repousava sobre o que restou da Seguridade. Uma única exceção, o economista Raul Veloso, foi direto ao ponto: O superávit primário acabou. (...) A única saída seria cortar despesas constitucionalmente obrigatórias – em bom português previdência, saúde, educação e assistência social. (Folha de São Paulo, 2/9/ 2005)

Para completar, tiveram a ousadia de propor a ampliação da DRU dos atuais 20% para 40%. A tese do país ingovernável foi reeditada pela ortodoxia econômica que recomendou que todos os todos os esforços fossem concentrados “na mãe de todas as reformas, que será a previdenciária, sem a qual o país será inviável” (sic) (Fabio Giambiagi, Valor, 18/10/2005). De forma correta, o programa do “déficit nominal zero” foi bombardeado pela ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Considerou-o uma “simplificação grosseira”. Comparou-o ao “enxugamento de gelo”, pois não atacava o problema central dos juros elevados. A ministra rebateu a falácia de que “investimento é bom, gasto corrente é ruim”. E apontou que, para o plano dar certo, seria ainda necessário “combinar com os russos”: a imensa maioria da população destituída, que demanda serviços de saúde, assistência social, educação e proteção na velhice. 2.6 – O Fórum Nacional da Previdência Social No início de 2007 o Executivo federal instituiu o Fórum Nacional da Previdência Social (FNPS). De caráter tripartite – governo, empresários e trabalhadores – o Fórum pretendia gerar consensos para a implantação de uma nova rodada de reformas da Seguridade Social. Essa iniciativa proporcionou outra oportunidade para que os setores conservadores tentassem concluir o serviço que vem fazendo desde a Assembleia Nacional Constituinte. No debate proposto por esse segmento transparece uma construção ideológica baseada em mitos e fatos parciais. Tentam “comprovar” inviabilidade financeira da Seguridade Social e fazer retroceder conquistas – – muitas das quais já efetivadas. Prevaleceu a visão de que a nature-

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za da questão financeira da Previdência Social decorreria exclusivamente de fatores endógenos ao próprio sistema: em síntese, o desequilíbrio financeiro seria consequência exclusiva do crescimento dos gastos com benefícios, reflexos da suposta “generosidade” do atual plano de benefícios (Tafner, 2007). Omitem que a natureza da questão do financiamento da Previdência Social é preponderantemente exógena. Está relacionada ao estreitamento das fontes de financiamento do sistema, consequência das opções macroeconômicas adotadas nas últimas décadas que resultaram em baixo crescimento e estreitaram as bases de financiamento da Previdência. Ressalta-se aqui que compreender a natureza da questão financeira do sistema previdenciário – endógena ou exógena – é ponto crucial para definir os rumos do planejamento governamental. O diagnóstico que privilegia a preponderância dos fatores endógenos implica fazer reformas que cortem os gastos correntes. Entender que os fatores exógenos prevalecem aponta para a alternativa do desenvolvimento econômico. Conclui-se que a alternativa mais eficaz e justa para enfrentar a questão financeira da Previdência é crescimento da economia. Sem crescimento não há saídas civilizadas para a Previdência Social – nem para o país (Fagnani, Henrique e Lúcio, 2008). 2.7 – Reforma Tributária e Seguridade Social Atualmente há um novo espectro de desconstrução da Seguridade Social. O projeto de Reforma Tributária que tramita no Congresso Nacional (PEC 233/08) (CESIT, 2008). Em termos sintéticos, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233/2008 que trata da reforma tributária e se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê: • A criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA-F), com a extinção de quatro tributos federais: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS); a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a Importação e a Comercialização


• •

de Combustíveis (CIDE); e a Contribuição Social do Salário-educação; A extinção da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL), incorporada ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); A destinação de percentuais da arrecadação do IVA-F e as do IR e IPI para as ações de governo antes atendidas pelas contribuições – definindo a emenda 38,5% para seguridade social e 6% para o amparo ao trabalhador, e, enquanto não editada Lei Complementar, 2,5% para o ensino fundamental. A desoneração gradativa da folha de contribuição dos empregadores para previdência social; A unificação nacional da legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), eliminando-se a “guerra fiscal”;

O principal objetivo da PEC é a simplificação da estrutura fiscal, extinguindo-se tributos e reduzindo-se cobranças cumulativas sobre um mesmo produto, em diversas etapas de produção e circulação da mercadoria. A simplificação da estrutura tributária é alvissareira. Todavia, há dois pontos cruciais que gostaríamos de assinalar. Em primeiro lugar, a ausência de objetivos voltados para a justiça fiscal, na medida em que a PEC não sinaliza a construção de um sistema tributário progressivo, pautado pela tributação da renda e do patrimônio. Em segundo lugar, a ameaça latente de desmonte das bases de financiamento das políticas sociais conquistadas pela Constituição de 1988. Observe-se que por detrás da simplificação e racionalização esconde-se o fim das vinculações, a desoneração da folha de contribuição dos empregadores para previdência social a extinção de fontes de financiamento do Orçamento da Seguridade Social (COFINS; PIS; Contribuição Social do Salário-educação; e CSLL). A concretização dessas mudanças – sem a garantia constitucional de vinculação de recursos num patamar adequado para fazer frente aos gastos – fragiliza o financiamento da educação e enterra o Orçamento da Seguri-

dade Social (artigo 196 da Constituição Federal). Assim, afeta a sustentação dos gastos em setores como previdência social (INSS urbano e Previdência Rural), Assistência Social, Saúde, Seguro-Desemprego, geração de emprego e capacitação profissional (Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT). Eliminar a vinculação constitucional de fontes de financiamento significa ampliar o poder discricionário da área econômica. A sociedade dará um cheque em branco para a ortodoxia econômica e coroar, sobre o manto da racionalidade do sistema tributário, um longo processo de tentativas desses segmentos pela “flexibilização” da gestão orçamentária. Sabemos todos que nos momentos de aperto fiscal os gastos sociais são os mais penalizados. O debate continuará na próxima década. Seja qual for o Presidente eleito em outubro de 2010 a reforma da Previdência Social e a Reforma Tributária voltarão á ordem do dia. 3. Inconstitucionalidades Aparentes Em suma, a questão de fundo é que os setores conservadores resistem em aceitar o que reza a Constituição. A mesma negativa tem sido praticada por todos os governos desde 1988. Optaram por desfigurar e descumprir princípios fundamentais da Organização da Seguridade Social, do Orçamento da Seguridade Social e dos mecanismos que asseguravam o controle social sobre os rumos das políticas de saúde, previdência e assistência social (Conselho Nacional da Seguridade Social) Após 22 anos, tenho a percepção da presença de um conjunto de inconstitucionalidades. Todavia, como disse, sendo economista, não tenho competência técnica para comprovar essa visão. Assim, o propósito desta parte do texto é incentivar o debate entre juristas e constitucionalistas. 3.1 – Organização da Seguridade Social O Poder Público jamais Organizou a Seguridade Social como rezam os artigos 194, 201 e 59 (Disposições Transi-

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tórias) da Carta de 1988 e, posteriormente, pela Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212/1991) e pela Emenda Constitucional 20/1998. A Constituição de 1988 instituiu a Seguridade Social, integrada pelos setores da Saúde, Previdência e Assistência Social e Seguro- Desemprego4:

Os projetos de lei relativos à organização da seguridade social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição ao Congresso Nacional, que terá 6 meses para apreciá-los”. O parágrafo único complementa: “Aprovados pelo Congresso Nacional, os planos serão implantados progressivamente nos 18 meses seguintes”.

Art. 194, “A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Entretanto, esse artigo da Constituição Federal foi olimpicamente descumprido. O Executivo não observou os prazos e não formulou o Projeto de Lei de Organização da Seguridade Social estabelecidos pela Constituição da República. Em flagrante inconstitucionalidade, a postura do Executivo foi formular projetos de lei setoriais (saúde, previdência, assistência social e seguro-desemprego), separados e desarticulados, fragmentando a seguridade social.5 Esta fragmentação da Seguridade Social não foi retificada pelo Congresso Nacional.6 Foi somente em 1991 (com três anos de atraso) que a Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212) procurou regulamentar a Organização da Seguridade Social prevista no artigo 194 da CF estabelecendo que:

O Parágrafo único desse artigo explicita os princípios norteadores da ação do Poder Público na e Organização da Seguridade Social: Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial, de trabalhadores, empresários e aposentados.

A Carta de 1988 estabeleceu prazos objetivos para o Poder Público organizar a Seguridade Social de acordo com os objetivos estabelecidos no Artigo 194. O art. 59 dos Atos das Disposições Constitucionais Provisórias é claro nesse sentido:

As ações nas áreas de Saúde, Previdência Social e Assistência Social, conforme o disposto no Capítulo II, do Título VIII, da Constituição Federal, serão organizadas em Sistema Nacional de Seguridade Social, na forma desta Lei.

O Artigo 6º institui o Conselho Nacional da Seguridade Social cujas competências, expressas no Artigo 7º, caminhavam claramente no sentido de cumprir o que determina o Artigo 194 da CF de 1988:

4- Embora não seja explicitado no artigo 194, a Seguridade Social também incorporava o Seguro-Desemprego, conforme determina Art. 201, IV. Da mesma forma o Artigo 239 determina que a arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASESP) “passa a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo”. Da mesma forma, como veremos, o Artigo 195 inclui o PIS/PASEP como fontes do Orçamento da Seguridade Social vinculadas, constitucionalmente, ao financiamento dos setores que compõem a Seguridade Social. 5- Analisando os projetos de regulamentação que tramitavam no Congresso Nacional em 1989, Azeredo (1990:12) constatou essa fragmentação nos seguintes termos: ”O que existe são dois projetos: um sobre previdência, elaborado pelo ministério da Previdência, e outro sobre saúde, preparado pelo ministério da Saúde. A seguridade social é apenas mencionada em dois artigos do projeto sobre previdência social, em que se reafirmam os preceitos constitucionais que definem a seguridade e estabelecem seus princípios gerais. A primeira observação a ser feita a respeito da proposta do Executivo é que não há nenhuma preocupação em dar corpo à ideia da seguridade social definida na Constituição. Os projetos nada mais são do que a tentativa de regulamentar de forma estanque apenas as áreas de previdência social e saúde”. 6- Para Teixeira (1991:32): “O Congresso não apenas não opôs grande resistência, como até vem contribuindo para a descaracterização da seguridade. Exemplo disto foi a incapacidade revelada de apresentar um projeto de lei orgânica da seguridade social, integrando suas diversas partes em um todo único e coerente. Ao aceitar o caráter fragmentário dos projetos de regulamentação, em que previdência, saúde e assistência social são tratadas em textos separados, o congresso não recupera a essência do que ele mesmo havia criado, enquanto Constituinte, e colabora para o retrocesso a que hoje assistimos”.

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TRIBUTAÇÃO em revista


“Art. 7º Compete ao Conselho Nacional da Seguridade Social I - estabelecer as diretrizes gerais e as políticas de integração entre as áreas, observado o disposto no inciso VII do art. 194 da Constituição Federal; II - acompanhar e avaliar a gestão econômica, financeira e social dos recursos e o desempenho dos programas realizados, exigindo prestação de contas; III - apreciar e aprovar os termos dos convênios firmados entre a seguridade social e a rede bancária para a prestação dos serviços; IV - aprovar e submeter ao Presidente da República os programas anuais e plurianuais da Seguridade Social; V - aprovar e submeter ao Órgão Central do Sistema de Planejamento Federal e de Orçamentos a proposta orçamentária anual da Seguridade Social; VI - estudar, debater e aprovar proposta de recomposição periódica dos valores dos benefícios e dos salários-de-contribuição, a fim de garantir, de forma permanente, a preservação de seus valores reais; VII - zelar pelo fiel cumprimento do disposto nesta Lei e na legislação que rege a Seguridade Social, assim como pelo cumprimento de suas deliberações; VIII - divulgar através do Diário Oficial da União, todas as suas deliberações; IX - elaborar o seu regimento interno.

Todavia, os Artigos 6º e 7º da Lei Orgânica da Seguridade Social (1991) jamais foram implantados. Observe-se que, posteriormente, a Emenda Constitucional 20/1998 manteve a obrigatoriedade do Poder Público na tarefa de Organizar a Seguridade Social (Artigo 194). Todavia, mais uma vez, esses dispositivos legais não saíram do papel. Mais grave, como veremos mais à frente, em 2001, o Conselho Nacional da Seguridade Social foi extinto pelo artigo 35 da Medida Provisória 002.216 - 037 de 2001 que revoga os artigos 6º, 7º (entre outros) da Lei Orgânica da Seguridade Social (8.212, de 24 de julho de 1991) havia instituído. Portanto através de MP, acabou-se com o que reza o Parágrafo único do artigo 194 da CF e o Poder Público deixou de ter responsabilidade de Organizar a Seguridade Social. Fica minha pergunta aos profissionais do direito: uma Medida Provisória tem força legal para extirpar um dos núcleos centrais da Seguridade Social determinado pela Constituição da República?

3.2 – Organização da Seguridade Social e Orçamento da Seguridade Social Para financiar a Seguridade Social, a Constituição de 1988 introduziu o “Orçamento da Seguridade Social” (Artigo 195), constituído por um conjunto de fontes de recursos vinculadas ao financiamento dos setores da Saúde, Previdência Social, Assistência Social e Seguro Desemprego (Artigo 201). A Organização da Seguridade Social têm uma variável financeira. Pelo Parágrafo Único do artigo 195, compete ao Poder Público organizar a Seguridade Social de acordo com um conjunto de objetivos, com destaque para a “V equidade na forma de participação no custeio” Ou seja, o ponto de partida do processo de elaboração do Orçamento da Seguridade Social é a elaboração dos planos de custeio dos setores da saúde, assistência social e previdência social (INSS Rural e Urbano). Em outras palavras, As despesas previstas no Orçamento da Seguridade Social deveriam resultar da consolidação dos planos de custeio dessas áreas que integram a Seguridade Social. Observe-se o que reza o texto constitucional: A proposta de Orçamento da Seguridade Social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, pela previdência social e pela assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus respectivos recursos. (art. 195, §2º)

Como referido no tópico anterior, a Carta estabeleceu prazos objetivos para a “organização da seguridade social” o que também incluía a elaboração conjunta pelos ministérios envolvidos dos planos de custeio e benefícios das áreas de Saúde, Previdência e Assistência Social (ver art. 59 dos ADP, acima mencionado). Essa determinação constitucional foi mantida pela Lei Orgânica da Seguridade Social (1991) e pela Emenda Constitucional 20/1998. Todavia, isso jamais foi cumprido. Todos os governos desde 1989 optaram pela fragmentação da gestão financeira e institucional da Seguridade Social.

TRIBUTAÇÃO em revista

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3.3 – Orçamento da Seguridade Social e a Lei Orçamentária Anual A terceira aparente inconstitucionalidade é que desde 1989 o Executivo Federal jamais apresentou o Orçamento da Seguridade Social, rigorosamente como reza o artigo, 165. Pela Carta de 1988, o Orçamento da Seguridade Social passou a ser parte da “Lei Orçamentária Anual”. O Título VI (“Da tributação e do Orçamento”) institui como “leis de iniciativa do Poder Executivo”, o “Plano Plurianual”, as “Diretrizes Orçamentárias” e a “Lei Orçamentária Anual”. A “Lei Orçamentária Anual” compreendia o “Orçamento Fiscal”, o “Orçamento de Investimentos das Empresas Estatais” e o “Orçamento da Seguridade Social”. Portanto, anualmente o Executivo federal é obrigado a apresentar essas três peças que integravam “Lei Orçamentária Anual”. Observe que o Orçamento da Seguridade Social abrangia todas as entidades e órgãos vinculados, dos setores que compõem a Seguridade Social (art. 165, §5º): Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. (...) § 5º - A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Um dos argumentos em defesa do Orçamento da Seguridade Social era que ele proporcionaria o maior controle social sobre recursos que financiavam as políticas sociais. Em tese, a consolidação dessas fontes e dos respectivos usos numa única peça orçamentária, sujeita ao acompanhamento do Congresso Nacional, proporcionaria maior “transparência” e controle sobre o uso dos recursos destinados ao gasto social.

40

TRIBUTAÇÃO em revista

Assim, com o Orçamento da Seguridade Social, procurava-se assegurar fontes vinculadas de recursos para o financiamento da Seguridade Social e, ao mesmo tempo, garantir que esses recursos não fossem capturados pela área econômica do governo e desviados para outras atividades – prática recorrente na história da política social brasileira e, em particular, durante o regime militar. Esses objetivos seriam alcançados pelo Conselho Nacional da Seguridade Social (comentado mais adiante) e pelos artigos 165 (acima transcrito) e 166 da Constituição Federal, reproduzido a seguir: Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. § 1º - Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados: I - examinar e emitir parecer sobre os projetos referidos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República; II - examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58

Todavia, esses dispositivos nunca foram aplicados de acordo com, as reais motivações dos constituintes. 3.4 – Orçamento da Seguridade Social Para financiar a Seguridade Social (saúde, previdência, assistência e seguro-desemprego) a Constituição introduziu o Orçamento da Seguridade Social (OSS), integralizado por fontes contributivas (INSS Urbano e Seguro-Desemprego) e por impostos gerais (INSS Rural, Assistência Social e SUS) (art. 195), com destaque para: • Recursos dos orçamentos da União, do DF, dos estados e dos municípios. • Contribuições sobre a folha de salários (Previdência Urbana). • Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL).


“O Orçamento da Seguridade Social procurava garantir que os recursos não fossem capturados pela área econômica do governo e desviados para outras atividades.” • • •

PIS-PASEP: 60% da arrecadação (fonte do seguro-desemprego) (art. 239). Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade (COFINS). Receita dos concursos de prognósticos e loterias.

Destaque-se que a utilização de fontes de financiamento que incidissem sobre o faturamento (COFINS) e o lucro das empresas (CSLL) era uma das bandeiras da agenda reformista explicitada, por exemplo, no documento do PMDB (1982). Essas duas fontes de financiamento foram criadas pela Constituição de 1988 para custear, sobretudo, os benefícios não contributivos (Saúde, Assistência Social e Previdência Rural). A inclusão de base de financiamento baseada no lucro e no faturamento também tem amparo no Parágrafo Único do artigo 195 (VI), segundo o qual compete ao Poder Público organizar a Seguridade Social, de acordo com um conjunto de objetivos, com destaque para a “diversidade da base de financiamento” Para compreender melhor o conjunto de fontes de financiamento que compõe o Orçamento da Seguridade Social, observe-se o que reza o artigo 195 da CF 1988 e as novas redações dadas por leis posteriores que, no entanto, não alteram o seu núcleo fundamental: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela

equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. § 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”. § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os

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Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.

Quando os constituintes de 1988 instituíram o OSS, sequer foram ousados. Apenas aprofundaram o padrão clássico de fontes tripartites, introduzido pelo conservador Bismarck na Alemanha (1880) que, posteriormente, foi difundido em outros países. No Brasil esse padrão foi introduzido ao longo do “Estado Novo” e mantido até a década de 1980. A Constituição de 1988 apenas aperfeiçoou esse padrão internacional.

Em outras palavras, o Orçamento da Seguridade Social foi inspirado no padrão universal clássico, baseado na contribuição tripartite (empregados, empregadores e impostos/governo): recursos dos empregados e empregadores (sobre a folha de salários para a previdência) e do governo (contribuições das empresas sobre o lucro, sobre o faturamento e sobre parte do PIS-Pasep, dentre outras), um conjunto de impostos gerais que financiam os benefícios não contributivos (INSS Rural, Assistência Social e Saúde) O quadro abaixo (IPEA 2005) mostra que ao instituirmos o OSS, não inventamos a roda. Para um conjunto de países europeus a seguridade é financiada, em média, por 38% da contribuição dos empregadores; 22% pela contribuição dos empregados; e 27% da contribuição do governo (impostos). Em alguns países a participação relativa dos impostos, que financia os benefícios não contributivos, varia entre 40% e 64%.

Tabela 1 - Composição das Fontes de Financiamento da Seguridade Social - OCDE Países

Composição das despesas - %

Total

% PIB

2,4

100,0

29,5

0,8

100,0

28,7

Empregadores

Empregados

Impostos

Outras

Alemanha

36,9

28,2

32,5

Áustria

37,1

26,8

35,3

Bélgica

49,5

22,8

25,3

2,4

100,0

26,7

Dinamarca

9,1

20,3

63,9

6,7

100,0

28,8

Espanha

52,7

16,4

26,6

4,0

100,0

20,1

Finlândia

37,7

12,1

43,1

7,1

100,0

25,2

França

45,9

20,6

30,6

2,9

100,0

29,7

Grécia

38,2

22,6

29,1

10,1

100,0

26,4

Irlanda

25,0

15,1

58,3

1,6

100,0

14,1

Itália

43,2

14,9

39,8

2,1

100,0

25,2

Luxemburgo

24,6

23,8

47,1

4,5

100,0

21,0

P. Baixos

29,1

38,8

14,2

17,9

100,0

27,4

Portugal

35,9

17,6

38,7

7,8

100,0

22,7

Reino Unido

30,2

21,4

47,1

1,3

100,0

26,8

Suécia

39,7

9,4

46,7

4,2

100,0

32,3

Europa dos 15

38,3

22,4

35,8

3,5

100,0

27,3

Fonte: Eurostat.

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TRIBUTAÇÃO em revista


3.5 – Captura de Recursos do Orçamento da Seguridade Social Outra aparente inconstitucionalidade é a recorrente captura dos recursos do Orçamento da Seguridade Social para outras finalidades não previstas no artigo 194. Estudos de Gentil (2007) mostram que as contas do Orçamento da Seguridade Social sempre foram superavitárias para todo o período 1989/2007. A autora destaque que os recursos excedentes foram utilizados para contribuir para pagar a conta financeira (de juros e amortização da dívida pública). Trabalho recente de Costa (2010) revela que “em 2009, o superávit do sistema de Seguridade Social foi de R$ 32,6 bilhões”. Porque os constituintes vincularam constitucionalmente recursos do OSS aos setores que compõem a Seguridade Social? Para evitar uma prática corrente na Ditadura Militar: a captura de fontes de financiamento do gasto social pela área econômica do governo. Naquela época, ao invés da política econômica financiar a política social, dava-se o inverso. Essa prática da Ditadura Militar foi sofisticada e aprofundada pelos governos democráticos desde 1989. Diversas medidas foram adotadas de forma inconstitucional visando a capturar os recursos constitucionais vinculados ao Orçamento da Seguridade Social para o financiamento de outros itens de gasto. Um caso exemplar do início desse processo contínuo de desfiguração, ao arrepio da Carta Magna, pode ser percebido pela utilização de recursos do Orçamento da Seguridade Social, para pagar despesas com servidores inativos

da União em 1989. A previdência do servidor público não integrava a seguridade social (ver artigo 194). Os pensionistas e segurados do serviço público sempre foram pagos com recursos do Tesouro Nacional (rubrica “Encargos Previdenciários da União, EPU”). Apesar disso, em 1989, mais da metade da receita prevista como arrecadação da COFINS foi destinada ao pagamento dos inativos e pensionistas da União. Apenas uma pequena parcela da arrecadação dessa contribuição social foi destinada à cobertura dos benefícios da previdência social.7 Tratava-se de medida inconstitucional, denunciada pelos setores que lutaram pela seguridade social na ANC8. É emblemático que esse desvio de recursos foi admitido, pública e impunemente, pelo então ministro da Previdência e Assistência Social, Jáder Barbalho, em entrevista concedida à revista Veja, em meados de 1989: O problema do déficit da previdência social está sendo gerado por fatores externos à previdência social. Do Finsocial (COFINS), a que a Previdência teria direito, só foi repassado 0,32%. O que a Secretaria de Planejamento argumenta é que esse dinheiro foi repassado para outros setores do governo que compõem o conjunto da seguridade social – que abrange o ministério da Saúde e até mesmo os pensionistas da União. Além disso, outra fonte de renda, a Contribuição Social sobre os Lucros das empresas, caiu com o Plano Verão, reduziu-se ao meio. De um total de três bilhões, a Previdência só recebeu 1,5 bilhão de cruzados novos. Depois, a Previdência tinha previsto em seu orçamento uma aplicação de saldo de caixa que daria, mensalmente, 2,5 bilhões. Mas como não há caixa, e sim déficit de caixa, não foi possível aplicar nada.

7- Azeredo (1990) ressalta essa malversação dos recursos do Cofins-Finsocial: “Também não está sendo cumprido o preceito das Disposições Transitórias da Constituição (art. 56), que prevê a incorporação à seguridade de cinco dos seis décimos percentuais correspondentes à alíquota de contribuições do Finsocial. A análise da distribuição da receita deste Fundo no Orçamento da União (...) mostra que mais da metade dos recursos está destinada ao custeio da despesa com inativos e pensionistas da União. Sem dúvida, os Encargos Previdenciários da União (EPU) representam uma despesa de natureza previdenciária. No entanto, não se pode incluí-la no conceito de seguridade, na medida em que o regime de previdência dos funcionários públicos da União não atende a um dos princípios básicos da seguridade social, que diz respeito à universalidade. Vale lembrar que a inclusão do art. 56 nas Disposições Constitucionais Transitórias visava, exatamente, a criar um mecanismo que permitisse financiar a expansão da despesa com benefícios, prevista já para o ano de 1989. Cabe observar ainda que, em 1988, as despesas com EPU foram financiadas com recursos ordinários do Tesouro e com receitas de Títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional. Em resumo, uma parcela substantiva do Finsocial está sendo subtraída indevidamente do custeio da seguridade social”. 8- Em meados de 1989, o senador Almir Gabriel (PSDB-AC), que havia sido relator da proposta da Seguridade Social na ANC, por exemplo, denunciou a inconstitucionalidade da manobra nos seguintes termos: “É interessante, para o governo, que o déficit público apareça na Previdência exatamente por este motivo: como não se pode aumentar a receita com impostos, o déficit da Previdência é um pretexto. Recursos que deveriam ter sido alocados no ministério foram desviados para outros setores, para cobrir outros setores, para cobrir outros buracos de caixa. Além de deixar de custear a máquina previdenciária, não arcando com as despesas administrativas e de pessoal, o governo está utilizando parte do Finsocial para pagar os segurados e pensionistas da União, que sempre foram pagos com recursos do Tesouro Nacional e não do IAPAS” (Governo aumentará contribuições para sanear previdência, Folha de S.Paulo, 17/5/1989).

TRIBUTAÇÃO em revista

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Perguntado pelo jornalista se seria “ético transferir dinheiro da Previdência para pagar pensionistas da União”, como fez o então ministro do Planejamento João Batista de Abreu, o ministro retrucou e voltou a admitir a inconstitucionalidade das ações do governo do qual fazia parte: Não vou discutir ética. Não interessa o conflito meu com o João Batista. As conversas com ele têm sido amigáveis. O grande problema do ministro do Planejamento é que ele tem vários déficits para administrar. Na hora que eu pedir para ele mandar o Finsocial para Previdência, ele pode chegar e perguntar: ´ Como é que eu vou pagar os pensionistas da União? ` Isso porque o déficit da Previdência é resultado do déficit da União. Todo mundo deve ser pago com o dinheiro da seguridade social, mas a maior parte foi destinada ao pagamento dos pensionistas da União. (Um rombo federal. Entrevista com Jáder Barbalho. Veja, 31/5/1989)

Esse exemplo emblemático de desvios e desfigurações do final dos anos de 1980 teve prosseguimento em todos os governos posteriores até os dias atuais. 3.6 – Previdência: “Déficit” ou Manipulação Contábil? Com base no que foi dito anteriormente sobre a Organização da Seguridade Social e sobre o Orçamento da Seguridade Social, outro falso argumento é que há “déficit” sempre que a contribuição dos empregados e empregadores para a previdência social urbana for insuficiente para bancar os gastos com o INSS Urbano e o INSS Rural. Veja-se, por exemplo, que em recente entrevista à imprensa, um ex-membro da área econômica do governo, afirmou: Essa discussão sobre se tem déficit ou não é surrealista, é quase uma picaretagem intelectual. (Marcos Lisboa, entrevista, O Estado de S. Paulo, 2/9/07).

Ainda sobre esse tema, outro especialista escreveu: Discutir se a Previdência tem déficit ou não, é irrelevante. Estamos lidando com um problema real: o Brasil tem regras generosas de aposentadoria e há cada vez mais gente que recebe recursos do Estado, com idades precoces ou tendo feito contribuições escassas. Saber se a receita do imposto X deve ser do INSS ou do Tesouro não tem importância nenhuma para efeitos do que estamos tratando. O problema é real não contábil. (Fabio Giambiagi, Valor Econômico 4/7/07).

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TRIBUTAÇÃO em revista

“Outro falso argumento é que há “déficit” sempre que a contribuição para a previdência urbana for insuficiente para bancar os gastos com o INSS Urbano e o INSS Rural.” A verdade é que não existe base técnica para tais ilações. Mais grave: não creio que exista base constitucional. Os princípios basilares da Constituição de 1988, não rezam que folha de salário formal urbana (trabalhadores e empresas) seja responsável pela cobertura dos gastos com a Previdência Urbana e a Previdência Rural. Ora, o INSS rural é um benefício não contributivo. Em 1988 os constituintes asseguram aos trabalhadores rurais o direito à aposentadoria mediante a comprovação de tempo de trabalho. Foi uma medida de justiça social para beneficiar trabalhadores rurais que entraram no mercado de trabalho a partir de década de 1940 e sempre foram marginalizados por políticas de proteção social. Houve naquele momento um pacto social para resgatar uma injustiça histórica cometida contra esse segmento. Daí a necessidade de instituir impostos gerais (como a CSLL e o COFINS) para financiar a Previdência Rural. Por outro lado, a Carta de 1988 fixou uma contribuição com base muito limitada, absolutamente insuficiente para financiar os mais de 8 milhões de beneficiários diretos do INSS Rural. Observe o que reza o Inciso IV, Parágrafo 8º do artigo 195: § 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.


Essa base de contribuição é ainda mais restringida pelas isenções fiscais dadas ao agronegócio exportador (Emenda Constitucional 33). Em suma não se pode considerar a Previdência Social apartada da Seguridade Social. Da mesma forma não se pode considerar excluir o financiamento da Previdência Social (Rural e Urbana) do Orçamento da Seguridade Social. Insisto, a Carta de 1988 contempla benefícios contributivos (INSS urbano e Seguro-Desemprego) e benefícios não contributivos (INSS Rural, Loas e SUS). Os primeiros são financiados pela folha de salário formal urbana (trabalhadores e empresas) e pelo PIS/PASEP. Os segundos por impostos pré-existentes (Recursos de Prognósticos) e por outros criados pelos constituintes (CSLL e COFINS) para essa finalidade exclusiva Como vimos o Orçamento da Seguridade Social sempre foi superavitário desde 1989, a despeito da DRU e das renúncias fiscais. Portanto, à luz da Constituição da República não há como se falar em “déficit” na Previdência Social. Na verdade sobram recursos que são utilizados em finalidades não previstas na lei. É verdade, todavia, que a redação dada ao artigo 201 pela reforma conservadora de 1998 (Emenda Constitucional 20) possibilita uma interpretação dúbia: Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

Essa nova redação do Artigo 201 procura excluir a Previdência Social da Seguridade Social; e, mais especificamente, subtrair do financiamento do INSS rural as demais fontes de financiamento baseadas em impostos vinculadas

ao Orçamento da Seguridade Social. Assim a Previdência Social (Urbana e Rural) deveriam observar “critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuaria”. É uma redação ambígua, porque, como observado, não se pode afirmar que a Previdência Rural tenha “caráter contributivo”, dada sua reduzida base de financiamento. Além disso, os incisos da nova redação do artigo 201 não há qualquer referência ao INSS Rural. Se essa interpretação prevalecer, fica aqui outra questão aos especialistas do direito: não haveria uma fragrante oposição da nova redação do Artigo 201, dada pela EC 20/98, com os Artigos 194 e 195? 3.7 – Forma de Apresentação dos Dados pelo MPAS Outra aparente inconstitucionalidade é a forma de apresentação dos dados financeiros da Previdência Social pelo Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, desde 1989. O MPAS não considera a Previdência como integrante da Seguridade. Parte do princípio de que a folha de salário do trabalhador urbano deve cobrir o gasto com o INSS urbano e do INSS rural. O resultado é um “rombo” da Previdência, em função dos gastos do INSS rural – na medida em que, atualmente, a Previdência Urbana é superavitária. Ora, insisto que os artigos 194 e 195 rezam que o INSS rural (não contributivo) deve ser coberto pelas receitas de impostos. Com base no critério oficial, quem fala em “Déficit” da Previdência comete o mesmo equívoco de sentenciar o “rombo” das contas do Legislativo, do Judiciário e das Forças Armadas (também financiadas por impostos). 3.8 – Conselho Nacional da Seguridade Social Um dos argumentos em defesa do Orçamento da Seguridade Social era que ele proporcionaria o maior controle social sobre recursos que financiavam as políticas sociais. Em tese, a consolidação dessas fontes e dos respectivos usos numa única peça orçamentária, sujeita ao acompanhamento do Congresso Nacional, proporcionaria maior “transparência” e controle sobre o uso dos recursos destinados ao gasto social.

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“O Orçamento da Seguridade Social proporcionaria maior controle social sobre recursos que financiariam as políticas sociais.” Como sublinhei, com o Orçamento da Seguridade Social procurava-se assegurar fontes vinculadas de recursos para o financiamento da seguridade social e, ao mesmo tempo, garantir que esses recursos não fossem capturados pela área econômica do governo e desviados para outras atividades, prática recorrente na história da política social brasileira e, em particular, durante o regime militar. Esses objetivos seriam alcançados pelos artigos 165, 166, 194 e 195 da Constituição Federal. Todavia, o instrumento fundamental para assegurar o controle social sobre as fontes e usos dos recursos do Orçamento da Seguridade Social era a instituição do Conselho Nacional da Seguridade Social. O parágrafo único do artigo 194 da CF reza que “compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: (...) VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados”. Posteriormente, o artigo 5º da Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 008.212/1991), ao tratar da Organização da Seguridade Social, estabelece que “As ações nas áreas de Saúde, Previdência Social e Assistência Social, conforme o disposto no Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal serão organizadas em Sistema Nacional de Seguridade Social, na forma desta Lei. E o Artigo 6º institui o Conselho Nacional da Seguridade Social nos seguintes termos:

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“Art. 6º Fica instituído o Conselho Nacional da Seguridade Social, órgão superior de deliberação colegiada, com a participação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de representantes da sociedade civil. § 1º O Conselho Nacional da Seguridade Social terá dezessete membros e respectivos suplentes, sendo: a) 4 (quatro) representantes do Governo Federal, dentre os quais, 1(um) da área de saúde, 1(um) da área de previdência social e 1(um) da área de assistência social; b) 1 (um) representante dos governos estaduais e 1 (um) das prefeituras municipais; c) 6 (seis) representantes da sociedade civil, sendo 3 (três) trabalhadores, dos quais pelo menos 1 (um) aposentado, e 3 (três) empresários; c) oito representantes da sociedade civil, sendo quatro trabalhadores, dos quais pelo menos dois aposentados, e quatro empresários; d) 3 (três) representantes dos conselhos setoriais, sendo um de cada área da Seguridade Social, conforme disposto no Regimento do Conselho Nacional da Seguridade Social. d) 3 (três) representantes membros dos conselhos setoriais, sendo um de cada área da seguridade social, conforme disposto no Regimento do Conselho Nacional da Seguridade Social. § 2º Os membros do Conselho Nacional da Seguridade Social serão nomeados pelo Presidente da República. § 3º O Conselho Nacional da Seguridade Social será presidido por um dos seus integrantes, eleito entre seus membros, que terá mandato de 1 (um) ano, vedada a reeleição, e disporá de uma Secretaria-Executiva, que se articulará com os conselhos setoriais de cada área. § 4º Os representantes dos trabalhadores, dos empresários e respectivos suplentes serão indicados pelas centrais sindicais e confederações nacionais e terão mandato de 2 (dois) anos, podendo ser reconduzidos uma única vez. § 5º As áreas de Saúde, Previdência Social e Assistência Social organizar-se-ão em conselhos setoriais, com representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e da sociedade civil. § 6º O Conselho Nacional da Seguridade Social reunir-se-á ordinariamente a cada bimestre, por convocação de seu presidente, ou, extraordinariamente, mediante convocação de seu presidente ou de um terço de seus membros, observado, em ambos os casos, o prazo de até 7 (sete) dias para realização da reunião. § 7º As reuniões do Conselho Nacional da Seguridade Social serão iniciadas com a presença da maioria absoluta de seus membros, sendo exigida para deliberação a maioria simples dos votos. § 8º Perderá o lugar no Conselho Nacional da Seguridade Social o membro que não comparecer a 3 (três) reuniões consecutivas ou a 5 (cinco) interca-


ladas, no ano, salvo se a ausência ocorrer por motivo de força maior, justificado por escrito ao Conselho, na forma estabelecida pelo seu regimento. § 9º A vaga resultante da situação prevista no parágrafo anterior será preenchida através de indicação da entidade representada, no prazo de 30 (trinta) dias. § 10. As despesas porventura exigidas para o comparecimento às reuniões do conselho constituirão ônus das respectivas entidades representadas. § 11. As ausências ao trabalho dos representantes dos trabalhadores em atividade, decorrentes de sua participação no Conselho, serão abonadas, computando-se como jornada efetivamente trabalhada para todos os fins e efeitos legais.

Por sua vez, o Artigo 7º estabelece as competências do Conselho Nacional da Seguridade Social na Organização da Seguridade Social e no Controle sobre a Execução do Orçamento da Seguridade Social: Art. 7º Compete ao Conselho Nacional da Seguridade Social I - estabelecer as diretrizes gerais e as políticas de integração entre as áreas, observado o disposto no inciso VII do art. 194 da Constituição Federal; II - acompanhar e avaliar a gestão econômica, financeira e social dos recursos e o desempenho dos programas realizados, exigindo prestação de contas; III - apreciar e aprovar os termos dos convênios firmados entre a seguridade social e a rede bancária para a prestação dos serviços; IV - aprovar e submeter ao Presidente da República os programas anuais e plurianuais da Seguridade Social; V - aprovar e submeter ao Órgão Central do Sistema de Planejamento Federal e de Orçamentos a proposta orçamentária anual da Seguridade Social; VI - estudar, debater e aprovar proposta de recomposição periódica dos valores dos benefícios e dos salários-de-contribuição, a fim de garantir, de forma permanente, a preservação de seus valores reais; VII - zelar pelo fiel cumprimento do disposto nesta Lei e na legislação que rege a Seguridade Social, assim como pelo cumprimento de suas deliberações; VIII - divulgar através do Diário Oficial da União, todas as suas deliberações; IX - elaborar o seu regimento interno.

O Artigo 8º reforça a determinação Constitucional de que as propostas orçamentárias para as áreas de saúde, assistência social e previdência social fossem feitas de forma integrada e articuladas:

“Todos os governos, desde 1988, optaram por desfigurar e descumprir princípios fundamentais da Organização da Seguridade Social.” Art. 8º As propostas orçamentárias anuais ou plurianuais da Seguridade Social serão elaboradas por Comissão integrada por 3 (três) representantes, sendo 1 (um) da área da saúde, 1 (um) da área da previdência social e 1 (um) da área de assistência social.

Entretanto, o Conselho Nacional da Seguridade Social não foi instituído. Parte da Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 008.212/1991) foi revogada pela Lei nº 8.619/1993 e pela Lei 9.032/ 1995. Posteriormente, a Emenda Constitucional no 20/1998 deu nova redação ao parágrafo único do artigo 194 da CF de 1988, cuja redação passou a ser: “VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Todavia, em 2001, O Conselho Nacional da Seguridade foi extinto pelo artigo 35 da Medida Provisória 2.216 - 037 de 2001. Essa MP revoga os artigos 6º, 7º (entre outros) da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 que o havia instituído. Portanto através de MP um dos pilares da Seguridade Social previsto no texto Constitucional de 1998 e na Emenda Constitucional 20/1998 foi implodido. Fica minha pergunta aos Constitucionalistas: uma Medida Provisória tem força legal para extirpar um dos núcleos centrais da Organização da Seguridade Social determinado pela Constituição da República?

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4. Conclusões e Perspectivas Nas duas partes deste texto procurei ressaltar que a com a Constituição de 1988, o Brasil conseguiu construir um razoável sistema de proteção social, na contramão do neoliberalismo. Esse processo teve início com o movimento social que emergiu no final dos anos 70, no bojo da luta pela redemocratização do país. Todavia, as classes dominantes jamais aceitaram tais avanços que, em última instância, apenas asseguraram as bases para a construção de uma sociedade democrática e justa. Na Assembléia Nacional Constituinte (ANC) usaram todos os meios disponíveis para impedir essas conquistas. Desde então investem – e lograram êxitos – para retroceder a cidadania social recém conquistada. Nos últimos 22 anos, no tocante à Seguridade Social, a Constituição Cidadã viveu um calvário e sobreviveu mutilada e transfigurada. Todos os governos, desde 1988, optaram por desfigurar e descumprir princípios fundamen-

tais da Organização da Seguridade Social, do Orçamento da Seguridade Social e dos mecanismos que asseguravam o controle social sobre os rumos das políticas de saúde, previdência e assistência social (Conselho Nacional da Seguridade Social) Após mais de 20 anos de debates baseados em mitos e falsos argumentos, alimentados por amplos setores da mídia e do mercado, pergunto se a impetração de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) não seria o caminho mais adequado a ser trilhado pelo movimento social e sindical? Sendo economista, não tenho competência técnica para responder a essa questão. O propósito deste texto é incentivar o debate entre juristas e constitucionalistas. A contribuição desses profissionais é fundamental neste momento, sobretudo pela perspectiva de novas tentativas de reformas e subtração de direitos que certamente emergirão na próxima gestão de governo, seja qual for o vencedor.

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a RTIGO Financiamento da Seguridade Social: do “Déficit” da Previdência ao Superávit da Seguridade Álvaro Luchiezi Jr.1 Osmar Rodrigues de Aquino Jr.2

1. Introdução O Governo Federal tem afirmado a existência de um desequilíbrio nas contas da Previdência Social, que a faz fechar no vermelho a um longo período e que esse desequilíbrio se torna cada vez maior ao passar dos anos e, dessa forma, fica impedido de realizar maiores investimentos. O polêmico “déficit da Previdência Social” ganha, assim, as manchetes dos noticiários e torna-se lugar comum no debate sobre a Previdência Social. Em oposição, muitas entidades de classes e estudiosos do assunto propugnam pela inexistência do “déficit” argumentando que os preceitos constitucionais definidores do

sistema da Seguridade Social, ao qual se integra a Previdência Social, não são colocados em prática, orçamentária e financeiramente. Se o fossem, as contas da Seguridade Social – e não unicamente da Previdência Social – são, de fato, superavitárias. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) inovou ao ampliar as bases de financiamento do sistema de Seguridade Social, acrescentando-lhe impostos pagos pela sociedade e contribuições sociais vinculadas, além da tradicional fonte da folha de salários. Este artigo analisa a questão da Seguridade Social à luz dos preceitos constitucionais, argumentando que o propalado déficit da previdência é, de fato, inexistente se consi-

1- Economista, Gerente de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional 2- Economista, Assessor de Estudos Técnicos do Depto de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional

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derada a concepção mais ampla do sistema de Seguridade Social. Para tanto, está dividido em seis seções. Além desta introdução, a segunda apresenta um breve histórico da Seguridade Social no Brasil; a terceira tece considerações sobre o seu financiamento; a quarta apresenta e critica o mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (DRU); a quinta analisa do chamado “déficit” da Seguridade Social, mostrando por meio de argumentos e números que se trata de uma abordagem que vai de encontro aos preceitos constitucionais, os quais, aplicados corretamente, resultariam em superávit; e a sexta tece conclusões centradas no fato de que a ideia de que a Seguridade Social é deficitária precisa ser revertida. 2. Seguridade Social no Brasil A Seguridade Social designa um conjunto integrado de ações do Estado e da sociedade voltadas a assegurar aos cidadãos os direitos relativos à previdência, à assistência social e à saúde. Ela inclui, também, a proteção ao trabalhador desempregado, via seguro-desemprego. A Seguridade Social deve estar baseada num sistema de medidas públicas capaz de fazer frente às privações econômicas e sociais a que estão sujeitos os cidadãos, e sem as quais seus rendimentos estariam ameaçados em razão de “enfermidade, maternidade, acidentes de trabalho, enfermidade profissional, emprego, invalidez, velhice e morte, assistência médica e apoio à família e filhos”3. Sobressai daí que a Seguridade Social deve prever “garantias contra contingências sociais que ameacem a sobrevivência do indivíduo”4. As ações de previdência são asseguradas por um sistema de Previdência Social Pública constituído em bases contributivas. As de assistência social, não contributivas, destinam-se às camadas mais carentes da população, ou seja, à proteção a indivíduos e grupos familiares em situação de risco, em especial à velhice e à invalidez. As de saúde, também sem caráter contributivo, são representadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), extensivo à toda a população. As competências administrativas e financeiras

das ações de previdência e assistência social e de saúde cabem ao Ministério da Previdência Social, Ministério da Fazenda e Ministério da Saúde, enquanto que a administração do seguro-desemprego cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego. As bases legais do sistema de Seguridade Social repousam numa bem construída regulamentação infra-constitucional, regulamentando todos os aspectos que englobam a Seguridade Social: Previdência Social; Assistência Social; atenção à saúde; o Seguro-Desemprego e Abono Salarial. O conceito de Seguridade Social passou a fazer parte do vocabulário brasileiro a partir da CF/88, sendo um dos maiores avanços, em termos de política social desde então pois as três políticas passaram a ser englobadas num mesmo sistema. A incorporação do conceito na Carta Magna surgiu da pressão de diversos setores da sociedade organizada, especialmente trabalhadores, a partir da redemocratização do país, no início da década de 1980. O sistema de proteção social previsto O artigo 194 da CF/88 estrutura-se a partir do princípio da universalidade da cobertura e atendimento, e da seletividade e distributividade na prestação de serviços e benefícios. A universalidade diz respeito à saúde e previdência rural, enquanto que a seletividade refere-se à assistência social. Universalidade significa que a proteção deverá atingir a todos os cidadãos em todas as suas necessidades. Seletividade significa que cada serviço que compõe a Seguridade Social aplica-se a uma determinada necessidade, cabendo ao legislador selecionar aquelas aplicáveis a cada situação. Desde a promulgação da CF/88, os sucessivos governos buscaram realizar alterações na Previdência Social. As mais significativas foram as Emendas Constitucionais n.° 20 (EC 20/98), de dezembro de 1998 e n.° 41, de dezembro de 2003 (EC 41/03). A EC 20/98 introduziu modificações nos benefícios previdenciários, tanto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) quanto do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS).

3- OIT. Convenção no. 102: Normas Mínimas da Seguridade Social. Genebra: OIT, 1952. 4- DIEESE. Previdência Social brasileira: concepção constitucional e tentativas de desconstrução. Nota Técnica no 51. São Paulo, set. 2007, p. 3

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“Os critérios de correção dos benefícios têm sido bastante questionados quando comparados com a evolução do salário mínimo.” Para os trabalhadores do setor privado as principais mudanças relacionaram-se à concessão de benefícios pela Previdência Social. Vale ressaltar as seguintes: alteração da forma de aposentadoria, passando de tempo de serviço para tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres); aposentadoria por idade para os homens aos 65 anos e mulheres aos 60; criação do Fator Previdenciário e o fim da aposentadoria proporcional. Em relação ao RPPS, foram implementadas as seguintes modificações: incorporação do tempo de contribuição em substituição ao de tempo de serviço (35 anos homem e 30 anos mulher); introdução do critério de idade para a aposentadoria integral (60 anos homem e 55 mulher), com no mínimo 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo em que será aposentado; aposentadoria compulsória aos 70 anos com proventos proporcionais ao tempo de contribuição e não mais ao tempo de serviço; introdução do cálculo do valor da aposentadoria pela média das contribuições previdenciárias, no mesmo molde do que ocorre no RGPS; a determinação de que apenas os servidores efetivos podem pertencer ao RPPS, entre outras. A EC 41/03 teve com principal objetivo o setor público, aprovada em tempo recorde, e apesar da forte oposição dos servidores públicos, incluindo ao RPPS as seguintes medidas: caráter contributivo e solidário, inclusive dos aposentados mediante contribuição do ente público e dos servidores, ativos e inativos; teto para o valor da aposen-

tadoria do servidor público e contribuição incidente sobre o valor da aposentadoria, com alíquota de 11%; a criação da Previdência Complementar, de caráter optativo, para o Servidor Público. Apesar das diversas reformas no sistema brasileiro de Seguridade Social brasileiro, em linhas gerais ele se mantém tal como previsto na CF/88. Algumas características fundamentais não se alteraram: cobertura universal e regime de repartição, público. Da forma como ele está hoje implementado ainda é baixa a sua observância dos princípios constitucionais. Por exemplo, há sérios questionamentos quanto à aplicação do princípio da arredutibilidade dos vencimentos - manutenção do poder de compra dos benefícios. Os critérios de correção dos benefícios têm sido bastante questionados quando comparados com a evolução do salário mínimo ou mesmo com o valor das contribuições ao sistema. A fim de permitir o controle social e a devida transparência gerencial – administrativa e financeira – das contas da Seguridade Social, e assim cumprir o princípio constitucional da descentralização administrativa e caráter democrático da Seguridade Social, a Lei n.° 8.212/91 criou o Conselho Nacional de Seguridade Social (CNSS) que tinha entre outras atribuições aprovar o Orçamento da Seguridade Social (OSS), submetendo-o aos órgãos competentes. Até o ano de 1998 o CNSS funcionou colegiadamente com a participação de representantes das três esferas de governo e da sociedade civil. As reformas e tentativas de reformas colocadas em prática ao final da década de 1990 tornaram o funcionamento CNSS inviável e ele terminou por ser extinto formalmente em 1999. Desde então, os recursos da Seguridade Social passaram a ser utilizados para financiar os superávits primários da União. Vaz e Martins5 indicam que em 1998 as contas do setor público tinham um déficit de 0,01% do PIB, passando a um superávit de 4,3% em 2006. Neste mesmo período a carga tributária dos tributos da União cresceu de 20,7% para 23,8% do PIB, sendo que as contribuições sociais sal-

5- VAZ, e MARTINS. Práticas Orçamentárias a Esvaziar a Seguridade Social. In. “Previdência Social - Como Incluir os Excluídos? Uma Agenda Voltada para O Desenvolvimento.” São Paulo: LTr, 2008.

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taram de 9,9% para 13,4%, enquanto que os impostos e taxas caíram de 8,3% para 7,9%. Há, portanto, correlação explícita entre o aumento da carga tributária e o financiamento dos superávits primários das contas do Governo Federal. E mais, estes recursos vieram não dos impostos e taxas, mas sim das contribuições sociais, leia-se, do financiamento do OSS via desvinculações, a seguir analisadas. Em que pese a concepção universalista da Constituição garantindo a todos o direito de ingressar, mediante contribuição no RGPS, o direito aos benefícios assistenciais no caso de necessidade e à saúde, a Seguridade Social jamais foi operacionalizada. A previsão constitucional ficou ainda mais enfraquecida diante da crise de financiamento do Estado dos anos 1990 somada ao fraco desempenho da nossa economia (baixas taxas de crescimento do PIB), que se fez acompanhar de altos níveis de desemprego e de informalização de trabalho. Este contexto fortaleceu o discurso da necessidade de uma reforma da previdência em lugar de um fortalecimento do mandado constitucional. Ocorreu, nos dizeres de Delgado6, um processo de “desconstrução” do sistema de seguridade social no Brasil, em oposição à “construção” ocorrida com a CF/88. Este processo foi acompanhado de fortes desvios de recursos orçamentários que acabaram por concretizar uma falsa situação deficitária na Seguridade Social, o que justificou as reformas da Previdência Social que se seguiram. 3. O Financiamento da Seguridade Social As fontes de financiamento de recursos para o Orçamento da Seguridade estão explicitadas no artigo 195 da CF/88. Detalhadamente, as fontes de custeio para as despesas da seguridade social são as seguintes: • Contribuições dos empregadores e trabalhadores para a Seguridade Social – INSS, incidente sobre a folha de salários; • Contribuição para o financiamento da Seguridade

• •

Social (COFINS), incidente sobre a receita e o faturamento das empresas; Contribuição Social Sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas (CSLL), incidente sobre o lucro das empresas; Receitas de concursos de prognósticos; do importador de bens ou serviços do exterior

Além destes, constituem também fonte de financiamento os recursos dos Orçamentos Fiscais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, originários, dentre outras fontes, da arrecadação de impostos e receitas patrimoniais, além de outras receitas. Para financiar as ações da Seguridade Social, o art. 165 da CF/88 determina que a Lei Orçamentária Anual (LOA) preveja o Orçamento da Seguridade Social (OSS) englobando todos os órgãos, da administração direta e indireta, relacionados à Seguridade Social. O inciso XI do art. 167 da CF/88, incluído pela Emenda Constitucional n.º 20, determina que as contribuições do empregador sobre a folha de salário e aquelas do trabalhador sejam restritas ao pagamento de benefícios do RGPS do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). São, portanto, inconstitucionais quaisquer medidas que desviem recursos das fontes do INSS. 4. Desvinculação das Receitas da União (DRU) A Emenda Constitucional de Revisão (ECR) n°1/94, art. 71, instituiu o Fundo Social de Emergência (FSE), vigente entre 1994 e 1995. Objetivando a reparação financeira da União e a estabilização econômica, a ECR 1/94 transferiu recursos do OSS, com o intuito de equilibrar as contas públicas. As principais fontes do fundo foram assim constituídas: I - Imposto de Renda (IR) e proventos de qualquer natureza incidentes na fonte sobre pagamentos efetuados pela União e/ou suas fundações e autarquias; II – Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR),

6- DELGADO, Guilherme C. Seguridade Social: origens e evolução institucional. s.n., s.d.

TRIBUTAÇÃO em revista

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IR de qualquer natureza e Imposto sobre Operação Financeira (IOF); III – Contribuição social sobre o lucro dos contribuintes; e IV – 20% da receita de todos os impostos e contribuições arrecadados pela União (grifo nosso). Por este último inciso ficou instituída, já em 1994, o que hoje se denomina DRU, segundo a qual 20% das receitas de impostos e contribuições não são destinados às despesas orçamentárias, órgãos ou fundos originalmente previstos. Seguiu-se à ECR 1/94 a Emenda Constitucional nº. 10 (EC 10), aprovada em março de 1996. O FSE passou a chamar-se Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), vigorando até junho de 1997 e prorrogado até 1999 por meio da EC 17/97. Extinto em 1999, o FEF deu lugar à Desvinculação de Receitas da União (DRU), estabelecida pela EC nº. 27/00, alterada pelas EC 42/03 e EC 56/07, esta última vigente até o ano de 2011. A contribuição de intervenção no domínio econômico sobre combustíveis (CIDE-Combustíveis) foi incluída junto a impostos e contribuições sujeitos à desvinculação. A função primordial da DRU é a de formação de superávit primário. As receitas desvinculadas servem para cobrir eventuais desajustes no Orçamento Fiscal da União. Este mecanismo tem custado muito caro para a Seguridade Social, pois esses recursos que são transferidos para outros fins poderiam ser utilizados em maiores investimentos em saúde, assistência e previdência social. A título de ilustração, o total geral de receitas desvinculadas do orçamento da União entre 2006 e 2009 ultrapassou os R$ 330 bilhões a preços correntes. A Tabela 1 faz uma estimativa da DRU total e da incidente sobre as contribuições sociais para o período 200609. O item I apresenta o total de receitas, constituídas pelas receitas de impostos, de contribuições sociais e de contribuições econômicas. Para apurar a base de cálculo da DRU é preciso fazer as exclusões previstas legalmente.

“A DRU custa caro para a Seguridade Social. Estes recursos, transferidos para outros fins, poderiam ser utilizados em maiores investimentos em saúde, assistência e previdência social.” Estas estão explicitadas no item II e são compostas7: das contribuições previdenciárias para o RGPS (INSS), com base no inciso XI do art. 167 da Constituição; por analogia, a Contribuição para o Plano de Seguridade Social do Servidor; a receita de Contribuição para o Salário-Educação, decorrente do disposto no § 2º do art. 76 das Disposições Constitucionais Transitórias. Excluindo-se o item II do item I, obtém-se a base de cálculo da DRU (item III) sobre a qual aplica-se o percentual de 20%, obtendo-se o item IV, que por sua vez, é composto de 20% das receitas de impostos e de contribuições sociais e econômicas (discriminação do item IV). Os recursos da Seguridade Social desvinculados pela DRU são os seguintes8: a. Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social; b. Cota-Parte da Contribuição Sindical c. Contribuição sobre os Concursos de Prognósticos; d. Contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público; e. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Pessoas Jurídicas; f. Contribuição sobre Movimentação Financeira ou Transmissão de Valores e de Crédito de Natureza Financeira (exclusive a parcela destinada ao Fun-

7- Conforme STN, Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal e Outros Demonstrativos 2009, p.7 8- Idem

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TRIBUTAÇÃO em revista


Tabela 1 - Desvinculação de Recursos da União - 2006-09. 2006

2007

2008

2009

I. Total das Receitas

486.583,51

560.274,42

630.551,58

636.079,84

I.1. Receita de Impostos

165.843,67

195.546,27

248.659,45

235.609,12

I.2. Receita de Contribuições Sociais

309.862,03

352.482,49

370.822,04

390.477,47

10.877,81

12.245,66

11.070,09

9.993,25

142.851,46

155.152,81

170.338,35

191.247,27

I.3. Receita de Contribuições Econômicas II. Exclusões (Contribuições Sociais) II.1. INSS

122.466,38

139.706,07

160.848,60

180.653,01

II.2. Salário-Educação

6.930,35

2.158,32

2.611,28

3.057,59

II.3. CPMF - Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza

8.547,25

7.639,96

250,29

-22,80

II.4. CPSS - Contribuição do Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos

4.907,48

5.648,46

6.628,18

7.559,48

343.732,06

405.121,61

460.213,22

444.832,57

IV. DRU ( III * 20% )

68.746,41

81.024,32

92.042,64

88.966,51

IV.1. Impostos ( I.1 * 20% )

33.168,73

39.109,25

49.731,89

47.121,82

IV.2. Contribuições Sociais [ ( I.2 - II) * 20%]

33.402,11

39.465,94

40.096,74

39.846,04

IV.3. Contribuições Econômicas ( I.3 * 20% )

2.175,56

2.449,13

2.214,02

1.998,65

III. Base de Cálculo da DRU ( I - II )

Fonte: Balanço Geral da União - 2006-09 a partir da metodologia empregada por DIAS, F., Desvinculação das Receitas da União, Gastos Sociais e Ajustes Fiscais . Brasília: Senado Federal, 2008.

do de Combate e Erradicação da Pobreza). Os resultados da Tabela 1 indicam que no período 2006-09 o mecanismo da DRU desviou de suas vinculações legais um total de R$ 330,8 bilhões dos quais R$ 152,8 foram de contribuições sociais que seriam destinadas à Seguridade Social. Segundo estimativas de Gentil9, no período 20002005 foram desviados pela DRU, em valores correntes, R$ 104,27 bilhões, montante que supera, em todos os anos do período, os gastos com saúde. Apenas com o mecanismo da DRU teria sido suficiente para gastar mais do que o dobro do que o Governo Federal gastou com saúde nos seis primeiros anos da década, o que melhoraria consideravelmente o combalido sistema de saúde pública brasileiro. 5. O Falacioso “Déficit” da Seguridade Social Embora o Orçamento da Seguridade Social tivesse sido elaborado pelo CNSS em seus primeiros anos de funcionamento, ele nunca chegou a se definir de forma autônoma, pois de fato referia-se ao financiamento e aos

benefícios da Previdência Social. Após determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2005 (Lei n° 10.934, de 11/08/04), a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) passou a explicitar o montante de recursos desvinculados da seguridade social, mas permanece a falta de discriminação e clareza na divulgação dos dados da execução orçamentária. Até 2002, as propostas de leis orçamentárias encaminhadas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Congresso Nacional não tratavam das despesas e das receitas da seguridade social de forma separada do orçamento fiscal. A Lei Orçamentária, em cada ano, tratava de forma homogênea as despesas e receitas das esferas fiscal e da seguridade social, num único instrumento denominado “orçamento fiscal e da seguridade social”. Em 2003, após 15 anos de existência na Constituição, o projeto e a lei orçamentária aprovada trouxeram o montante das receitas e das despesas dos orçamentos fiscal e da Seguridade Social separados. Contudo, essa apresentação limitou-se a uma estrutura formal de orçamento, sem qualquer controle social.

9- GENTIL, D. A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005. Tese de Doutorado. 2006, p. 47

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Tabela 2 - Resultado Primário da Seguridade Social - 2006-08.

Em R$ bilhões

Descrição

2006

2007

2008

Receitas Primárias (A)

264,49

304,23

331,12

1. Contribuições sociais

261,92

299,16

326,91

RGPS

123,52

140,41

163,36

CSLL

21,80

26,86

34,00

COFINS

71,38

81,08

96,08

PIS/PASEP

11,38

12,43

14,80

CPMF

20,24

23,00

0,63

CPSS (1)

12,00

13,63

16,07

Custeio das Pensões Militares

1,02

1,03

1,21

Concursos de Prognósticos

0,58

0,71

0,77

2. Receitas próprias dos órgãos integrantes do orçamento da seguridade social

1,97

2,66

3,17

Saúde

1,39

1,83

2,22

Previdência

0,21

0,45

0,51

Assistência

0,20

0,22

0,28

Outras Seguridade

0,17

0,17

0,16

3. Taxas e outras receitas arrecadadas por órgãos integrantes da Seguridade Social

0,60

2,42

1,04

Despesas Primárias (B)

303,69

337,57

371,65

1. Principais benefícios da seguridade social

248,61

276,04

307,18

Benefícios do Regime Geral da Previdência Social

166,31

183,08

201,42

Pagamento a servidores inativos da União, Ex-Territórios e FCDF

48,17

52,79

58,89

Benefícios assistenciais LOAS/RMV

11,57

13,47

15,64

Pagamento de seguro-desemprego e abono salarial

14,91

17,96

20,69

Bolsa-Família

7,64

8,76

10,52

2. Salários dos servidores ativos do orçamento da seguridade social (1)

7,47

7,74

8,62

Previdência Social

2,65

2,74

2,74

Saúde

4,55

4,70

5,53

Demais

0,28

0,31

0,35

3. Outras despesas de custeio e capital da seguridade social

47,61

53,79

55,85

Cumprimento de precatórios e sentenças judiciais

0,75

0,42

0,50

Benefícios a servidores públicos

1,53

1,69

1,73

Ministério da Saúde

35,54

40,51

44,05

Demais Resultado (A - B)

9,79

11,17

9,57

-39,20

-33,34

-40,52

Fonte: Secretaria de Orçamento Federal Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional Nota: (1) Considera a contribuição patronal paga pela União ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos.

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O resultado “deficitário” da Seguridade Social é, de fato, o resultado financeiro do RGPS. Das receitas líquidas subtraem-se as despesas com benefícios do INSS, conforme indicam os dados da Tabela 2. Nesta contabilidade (“oficial”) o resultado orçamentário da Seguridade Social será sempre negativo. A contabilidade é bem mais ampla

do que a divulgada mensalmente pelo Governo Federal. Considerado o conceito constitucional de Seguridade Social, o resultado contábil inverte o sinal: de negativo passa a positivo. Por esta ótica, há diversas metodologias de cálculo do Resultado da Seguridade Social. A metodologia proposta na tabela 3 por Gentil10 é apropriada para

Tabela 3 - Resultado da Seguridade Social 2006-08

Em R$ milhões 2006

2007

2008

RECEITA(1) 123.520

140.411

163.355

COFINS

Contribuição para a Previdência Social (CPS)

92.235

102.462

120.801

CPMF

32.081

36.483

1.147

CSLL

28.070

34.411

43.969

Receita de Concursos e Prognósticos PIS/PASEP(2) TOTAL DA RECEITA

1.536

1.905

2.047

14.537

16.026

18.959

291.979

331.698

350.278

DESPESA(3) Saúde

40.577

40.215

44.552

164.554

181.445

198.893

Assistência Social

21.554

24.653

28.660

Abono Salarial e Seguro Desemprego

14.910

17.956

22.282

TOTAL DA DESPESA

241.595

264.269

294.387

RECEITA - DESPESA

50.384

67.429

55.891

RECEITA COM DRU(5)

16.692

29.171

18.506

Previdência(4)

Fonte:STN. Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal e Outros Demonstrativos; MPS. Boletim Estatístico da Previdência Social; MTE. Relatório de Gestão do FAT Exercício 2009; ANFIP. Análise da Seguridade Social 2009 A partir da metodologia proposta por GENTIL, D. L. A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005. p. 47 (1) Exclui a Cotribuição ao Plano de Seguridade Social do Servidor Público - CPSSS e a contribuição ao custeio de pensões militares. (2) Inclui apenas 60% da receita com PIS PASEP. Os 40% restantes são destinados ao BNDES. (3) Despesa liquidada e paga por Função, inclusive pessoal e dívida. Seguro-desemprego é da função seguridade social. Excluídas as despesas com FAT. (4) Estão excluidos os gastos com inativos do RPPS civis e militares. (5) Cálculo da Receita excluída a DRU segundo metodologia proposta por DIAS (vide Tabela 1). OBS: A Contribução para a Previdência Social não está sujeita à DRU. Destina-se integralmente à Previdência.

10- GENTIL, D. Idem. A autora considerou como receitas os ingressos legalmente vinculados ao sistema de seguridade social e das despesas as liquidadas e pagas, utilizando-se a classificação por função. A autora não inclui o RPPS dos servidores federais por ser um sistema que estabelece uma relação entre a administração pública e seus funcionários, patrocinado por contribuições específicas de seus beneficiários (CPSSS) e pela contribuição patronal da União. Também não inclui nas receitas da seguridade social a própria CPSSS, a contribuição ao custeio e pensões de militares e nem as contribuições ao FGTS, FUNDESP, FUNPEN e outras.

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exemplificar a discrepância entre ambos os conceitos. No período 2006-08 a contabilidade oficial apresenta um déficit de R$ 113,06 bilhões em valores correntes (linha “Resultado” da Tabela 2). O resultado seria superavitário, em R$ 64,4 bilhões (última linha da Tabela 3) se fosse considerado o conceito constitucional de Seguridade Social. A Tabela 3, baseada na metodologia proposta por Gentil11, reproduz apropriadamente as receitas e despesas da Seguridade Social. Observe-se que este saldo é positivo mesmo considerando-se a DRU (duas últimas linhas da tabela 3). Ele é obtido deduzindo-se da receita o percentual de 20% da DRU incidente sobre as contribuições sociais destinadas à Seguridade Social. Obtém-se, assim, um novo valor para as receita do qual se deduz a despesa, resultando no saldo superavitário. O OSS, pelo seu verdadeiro conceito, o constitucional, e não aquele considerado pelo Governo Federal, é de fato superavitário mesmo não tendo sido concebido com este propósito. Afinal, ele deveria ser a fonte de recursos que, comprovadamente, existem e que, bem aplicados, seriam suficientes para gerarem serviços de saúde, de assistência e previdência social em quantidade e qualidade bastante superior do que aqueles efetivamente prestados à sociedade brasileira que depende do sistema público de seguridade social. A lógica perversa de apresentar a seguridade social como deficitária repete-se Na proposta lei orçamentária anual 2010 (PLOA 2010). O artigo 2° da Lei 12.214 de 26/01/2010 que estima a receita e a despesa do orçamento da União para 2010, diz que a seguridade social terá uma receita de R$ 425,5 bilhões. As despesas projetadas são de R$ 465,9 bilhões (inciso II, art° 3°). A diferença de R$ 40,4 bilhões de acordo com o PLOA será coberta pelo orçamento fiscal.

6. Conclusão A não implementação do OSS e a existência do mecanismo da DRU justificam erroneamente que o sistema previdenciário brasileiro é deficitário e causador do déficit público. Se o OSS fosse implementado e a DRU eliminada não existiria “déficit previdenciário”, como na realidade não existe, e as tentativas de “ajuste”, com sucessivas reformas, não teriam sentido de existir. A presente análise permite concluir que: a. O desequilíbrio orçamentário está no orçamento fiscal e não no orçamento da seguridade social ou no orçamento da previdência social. b. A seguridade não recebe recursos do orçamento fiscal, ao contrário, parte substancialmente elevada de seus recursos financia o orçamento fiscal. c. A política econômica utiliza-se dos recursos da Seguridade Social para assegurar a solvência da dívida pública e dar credibilidade ao regime de metas de inflação, precarizando serviços essenciais à sobrevivência da população O chamado “déficit” da Seguridade Social deve ser repensado urgentemente à luz da Constituição. Caso contrário, o brasileiro contribuinte e trabalhador continuará a ser penalizado com os maus serviços prestados pelo sistema de seguridade social e com os parcos benefícios da aposentadoria, reduzidos que são pelo desprezível fator previdenciário. O Orçamento da Seguridade Social deve ser implementado imediatamente, já a partir do próximo ano fiscal de tal sorte que todos os recursos que são devidos à Seguridade Social lhe sejam restituídos. Os cálculos orçamentários que determinam o falacioso “déficit” da seguridade social devem ser revistos, incorporando apropriadamente os mandados constitucionais dos artigos 194 e 195.

11- GENTIL, idem. A metodologia de cálculo nela empregada difere dos dados oficiais. “Do lado das receitas, são computados os ingressos de recursos legalmente vinculados ao sistema de seguridade social, (...)l. Do lado das despesas, foram levantadas aquelas liquidadas e pagas, utilizando-se a classificação por função (saúde, assistência social e previdência), (...). Incluem-se nessas despesas por função, gastos com pessoal, outros custeios e encargos da dívida (p.47)

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A revisão da forma de cálculo do OSS propiciaria que dois princípios básicos da Seguridade sejam atendidos: a sustentabilidade financeira intertemporal e a concessão de benefícios dignos. Sucessivos governos têm proposto reformas que seguem duas lógicas: as restrições advindas do gargalo fiscal e as mudanças demográficas e do mercado de trabalho. Ora, não se deve penalizar o cidadão brasileiro com a prestação de serviços de assistência social, previdenciária e de saúde de baixíssima qualidade em favor dos superávits fiscais e consequente pagamento da dívida pública. Abandonada esta lógica perversa, os saldos positivos do OSS, correta e apropriadamente administrados, seriam capazes de fazer frente às questões demográficas e de mercado de trabalho. O pagamento de benefícios dignos ao beneficiários do RGPS é fator de estímulo ao crescimento econômico, pois gera um círculo virtuoso na economia, impulsionando a demanda com reflexos positivos sobre a produção e o emprego.

Para que essa lógica financeira perversa seja afastada do caminho da Seguridade Social, o mecanismo da DRU não pode ser prorrogado para além de 2011. Deve mesmo ser revisto antes disto, restituindo à Seguridade Social os recursos constitucionais que lhe são devidos. Por fim, uma vez desfeita a lógica financeira perversa e re-estabelecido o equilíbrio da Seguridade Social, algumas políticas públicas, ainda não colocadas em prática no Brasil, contribuiriam para maior sustentabilidade do sistema de Seguridade Social. Dentre elas, políticas distributivas que, por vias do aumento paulatino da renda per capita e familiar, ofereçam o devido suporte financeiro ao estudo e treinamento dos mais jovens. Combinadas a elas, políticas educacionais que privilegiem a permanência do estudante na escola em tempo integral e aumentem a escolaridade média do brasileiro. Estas políticas, bem calibradas, atuam como estímulo natural à maior permanência dos trabalhadores no mercado de trabalho, amenizando as disparidades existentes.

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a RTIGO As Contribuições Previdenciárias, o Emprego e a Garantia de uma Aposentadoria de Base para Todos os Trabalhadores Rosa Maria Marques1

1. Introdução A pertinência ou não das contribuições de empregados e empregadores, calculadas sobre os salários, entrou na agenda de discussão da sociedade brasileira desde o início dos anos 1990, quando aqui o ideário neoliberal francamente encontrou eco. Nesse momento, ao lado das principais agências internacionais, com destaque para o Banco Mundial e para o Fundo Monetário Internacional, a mídia e alguns economistas e políticos brasileiros passaram a defender toda sorte de desregulamentações a fim de que o mercado pudesse atuar livremente, o que, no seu entender, levaria a um equilíbrio superior a qualquer arranjo que contasse com a participação do Estado. Isso se aplicaria para todas as esferas de atividade, nelas incluídas as políticas sociais.

No caso específico do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), a proposta de substituição de parte ou do todo da contribuição social patronal decorre da idéia dela ser obstáculo à contratação, sendo, portanto, entendida como a principal causa do trabalho informal e do desemprego. Essa compreensão dos determinantes do emprego e do mercado informal está claramente explícita na justificativa da proposta de reforma tributária encaminhada pelo executivo ao final de 2008. Antes disso, porém, foi contemplada nas propostas encaminhadas pelo então presidente Fernando Collor, em 1991, quando a extinção das contribuições sobre os salários estava associada ao aumento da alíquota da contribuição sobre o faturamento. Durante os cinco primeiros anos da década de 1990, vários outras propostas que tinham o mesmo

1- Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUCSP.

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fundamento foram apresentadas à sociedade brasileira. Entre elas destacam-se: aquela que ficou conhecida por Projeto do Instituto Atlântico; a do Instituto Liberal; a da Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN); a da Comissão executiva da reforma fiscal – governo Itamar Franco; a da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP); a proposta de Roberto Macedo; a da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) e a do Fundo Monetário Internacional2. No início do governo Lula, o Ministério da Previdência Social divulgou vários estudos sobre alternativas ao financiamento do RGPS. Vários deles retomavam o entendimento das contribuições patronais como obstáculo ao emprego formal. Na Europa, principalmente nos países onde o financiamento da aposentadoria é sustentado largamente pelas contribuições sociais calculadas sobre o salário, essa discussão começou bastante antes, a partir da segunda metade dos anos 1970, quando ficou evidente que as taxas de desemprego iriam se manter elevadas e quando a crise de financiamento dos sistemas de proteção social teve início. Um dos resultados de todos esses anos de discussão foi um razoável acúmulo de artigos e relatórios de pesquisa, o que facilita a avaliação dos prós e os contras dessa proposta. O que de verdadeiro existe nessa argumentação? Quais seriam as implicações e conseqüências da substituição da contribuição patronal pelo faturamento, no caso brasileiro? Mas, ao mesmo tempo, que possibilidades esta substituição poderia abrir, no plano teórico? Essa proposta encontra paralelo na experiência de outros países? Problematizar e responder a essas perguntas são os objetivos deste artigo. Este artigo está dividido em três partes. Na primeira, são discutidos vários aspectos relacionados à proposta de substituição da contribuição patronal: a relação entre a contribuição patronal, os salários, o emprego, a formalidade e o custo da força de trabalho; a separação entre a contribuição paga pelo empregador e pelos trabalhado-

res, do ponto de vista jurídico e econômico; e a relação entre custo da mão de obra e a contribuição patronal, com destaque para as indevidas comparações internacionais. A segunda parte do artigo faz um balanço da literatura sobre as propostas de substituição ou complementação das contribuições calculadas sobre o salário pela contribuição e pelo imposto sobre o valor adicionado, com ênfase em seus argumentos e nas críticas recebidas. A última parte é reservada, além das principais conclusões apresentadas anteriormente, para uma reflexão sobre uma aposentadoria de base financiada mediante impostos 2. A contribuição patronal em discussao 2.1 – As contribuições sobre os salários, o emprego, a informalidade e o custo da força de trabalho3 A discussão sobre a adequação das contribuições sociais incidentes sobre o salário teve início, na Europa, nos países onde elas financiam largamente a aposentadoria, quando se esgotava o padrão de acumulação fundado no fordismo, o que levou as principais economias do mundo a entraram em crise nos anos 1973 / 1974. As reflexões sobre o tema, bem como suas propostas, tinham como eixo duas questões: a) de que forma poderia o sistema de contribuições se tornar mais equânime, mais favorável ao emprego e melhor adaptado à natureza e às modalidades dos diferentes benefícios sociais concedidos pela proteção social? b) quais tipos de recursos seriam mais adequados para o desenvolvimento e melhoria dos benefícios, para o enfretamento do envelhecimento da população, do crescimento do volume e dos custos do risco doença e do desemprego? a. O exame da literatura permite se agrupar as críticas dirigidas às contribuições incidentes sobre o salário segundo três ângulos: b. no plano econômico – a contribuição patronal é entendida como um fator que onera o custo da

2- Para uma análise detalhada das propostas apresentadas na primeira parte dos anos 1990, ver Médici e Marques (1995). 3- Uma parte deste item foi baseada em MARQUES e EUZÉBY (2003), mas os dados foram atualizados.

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força de trabalho e, por conseqüência, que prejudica as empresas e os países na concorrência internacional. Por isso, incentivaria a substituição dos trabalhadores pelas máquinas (processo de substituição capital – trabalho) e penalizaria as empresas intensivas em força de trabalho. Além disso, quando a contribuição é sujeita a teto, o que não é o caso do Brasil, pesaria mais fortemente sobre o custo da mão de obra menos qualificada do que da qualificada. No país, ainda, a contribuição patronal seria um dos fatores determinantes da ampla informalidade do mercado trabalho. c. no plano da justiça social - as contribuições dos empregadores e dos empregados não consideram a capacidade contributiva real (MINISTERE DE LA SOLIDARITE NATIONALE. Rapport Maillet, 1982). no plano da racionalidade do financiamento da proteção social – o uso da contribuição de empregados e empregadores, calculada sobre os salários, é adequado à solidariedade inerente presente na proteção do tipo seguro, isto é, quando estão associadas ao financiamento de benefícios que guardam uma certa relação com os salários, como é o caso da aposentadoria. Quando os benefícios não têm por objetivo compensar a perda de salário (tais como benefícios às famílias, saúde, renda concedida às pessoas idosas independentemente da duração e da renda da sua vida ativa ou mesmo valores pagos aos jovens à procura do primeiro emprego), o financiamento através dos impostos seria mais adequado à ausência de qualquer ligação entre os benefícios pagos e as rendas profissionais de seus beneficiários. De acordo com esse ponto de vista, o financiamento do SUS, do Programa Bolsa Família e do benefício de prestação continuada (BPC) da Assistência Social (portadores de deficiência e idosos de baixa renda) não apresentaria nenhuma incompatibilidade entre fonte e natureza da despesa. O mesmo ocorreria em relação a maior parte dos benefícios pagos pelo RGPS a título de aposentadoria. No caso das aposentadorias rurais, con-

tudo, essa compatibilidade não existiria nem quando foram financiados pelas contribuições de empregados e empregadores urbanos e nem quando a receita de outras contribuições passou a financiá-los. Na medida em que o benefício pago aos rurais (a título de aposentadoria) constitui-se, na verdade, em uma renda de base e, para guardar uma relação adequada entre a receita e a natureza da despesa, este benefício deveria ser pago mediante impostos. 2.2 – A separação entre contribuição dos empregadores e dos empregados O princípio da participação dos empregadores e dos assalariados no financiamento da aposentadoria está presente desde os primeiros sistemas de seguro social. Ele figura, com destaque, nas recomendações 67 e 69 adotadas em 1944 pela Conferência Geral da OIT. Apesar de bem fundamentada no plano jurídico, do ponto de vista econômico a distinção entre contribuições patronais e salariais aparece como ambígua. De um lado, pode-se entender que o conjunto dessas duas contribuições está a cargo (a eles pertencem) dos assalariados quando se considera que o empregador poderia aumentar o salário líquido (deixando de recolher aos organismos de proteção social) sem que isso alterasse qualquer determinação de preços. Por outro lado, contudo, se pode considerar exatamente o contrário, isto é, que o empregador suporta a totalidade das contribuições, pois o que conta, do ponto de vista dos custos de produção, é o custo total da mão de obra, pouco interessando a maneira como ele se reparte entre salários diretos líquidos (efetivamente pagos aos assalariados) e contribuições sociais, sejam elas salariais ou patronais. Mas na medida que as contribuições – relativas aos empregadores e aos trabalhadores - são pagas à Previdência Social para serem redistribuídas aos assalariados em função de critérios precisos, elas constituem salário diferido e a determinação jurídica de sua repartição entre contribuição a cargo dos empregadores e contribuição a cargo dos assalariados é, a esse olhar, artificial.

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2.3 – O custo da mão de obra e as contribuições patronais: as comparações espúrias No Brasil, boa parte das propostas de reformulação das bases do financiamento do RGPS que apareceram na década dos 1990 argumentava que as alíquotas aqui aplicadas eram elevadas em relação às praticadas em outros países. Exemplos disso são encontrados nas propostas mencionadas na parte relativa à introdução deste artigo. Contudo, as alíquotas da contribuição patronal, incidentes sobre os salários, não podem ser objeto de simples comparação internacional para se dizer se o custo da mão de obra é maior ou menor em um determinado país. Para que tal comparação seja adequada, é preciso se levar em conta o salário líquido e a participação do Estado no financiamento da aposentadoria e da proteção social em geral. Comparações entre países com níveis semelhantes de desenvolvimento econômico e social, como é o caso da União Européia, mostram claramente que, onde os encar-

gos sociais são pesados, os salários brutos são relativamente baixos. Este é o caso da França, da Espanha ou da Suécia. Inversamente, na Dinamarca ou nos Países Baixos, onde os encargos sociais são baixos, os salários brutos são elevados. Isso se explica pelas diferenças de modalidades de financiamento da proteção social. Na Dinamarca, onde a proteção social é financiada essencialmente por impostos, os salários brutos são elevados, mas eles são fortemente taxados pelos impostos sobre a renda e sobre o consumo. Já nos Países Baixos, onde os salários brutos são igualmente elevados, as contribuições sociais dos assalariados é que são pesadas. As comparações internacionais que se baseiam somente nos encargos sociais não têm, então nenhuma significação. Do ponto de vista da competitividade das empresas, são os custos da mão de obra entendidos na sua totalidade (salários brutos mais os encargos sociais patronais) que convém considerar e comparar (EUZEBY, 1999 e 2003). (Tabela 1 e Gráfico 1).

Tabela 1 - Receitas relativas e Despesas da proteção social União Européia – 2007 Países

Contribuições dos Empregadores

Contribuições dos Segurados

Financiamento Fiscal

Outras

Total

Despesas (% do PIB)

Alemanha

DE

35,2P

28,0P

35,0P

1,8P

100

29,4

Áustria

AT

37,7

27,2

33,7

1,4

100

28,8

Bélgica

BE

49,7

21,3

27,6

1,4

100

29,7

Dinamarca

DK

11,5

20,9

61,9

5,7

100

30,1

Espanha

ES

48,0P

15,3P

34,6P

2,1P

100

20,8

Finlândia

FI

37,9

11,8

43,2

7,1

100

26,7

França

FR

44,1P

21,2P

31,4P

3,3P

100

31,5

Grécia

EL

35,5

22,8

31,8

9,9

100

24,2

Irlanda

IE

26,1

15,5

53,5

4,9

100

18,2

Itália

IT

40,9P

15,8P

41,7P

1,6P

100

26,4

Luxemburgo

LU

26,9

25

43,4

4,7

100

21,9

Países Baixos

NL

32,8P

32,6P

21,7P

12,9P

100

28,2

Portugal

PT

31,2

15,2

43,9

9,7

100

24,7*

Reino Unido

UK

35,8

10,0P

52,7P

1,5P

100

26,8

Suécia

SE

40,3

9,5P

47,3P

2,9P

100

32,3

38,5P

20,0P

38,1P

3,4P

100

27,4

Média UE – 25 países

P = provisório; * = 2004. Fonte: Eurostat. Elaboração própria

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Gráfico 1 - Custo da hora da mão de obra em euros para alguns países da União Européia - 2006

3. Um balanço da literatura sobre as propostas de substituição ou complementação da contribuição patronal calculada sobre o salário a) Substituição pela contribuição sobre o valor adicionado Segundo GUBIAN (1997), a idéia de contribuições sobre o valor adicionado, descartada no início dos anos 1980, foi retomada, por diversas vezes, nas discussões sobre o financiamento da proteção social francesa. Embora essa alternativa não tenha sido até hoje implementada no país, seus argumentos reaparecem recorrentemente. O uso do valor adicionado é evocado como alternativa ao financiamento estritamente salarial na perspectiva de uma melhoria da situação do emprego. Considerando uma carga global idêntica, a extensão da base seria acompanhada da diminuição da alíquota sobre o salário

e, assim, haveria uma transferência de carga das empresas intensivas em mão de obra em direção àquelas muito mecanizadas. A nova base seria neutra em relação aos fatores de produção, pois pesaria tanto sobre a utilização do trabalho (salários), como sobre o capital (amortização). A adoção do valor adicionado suprimiria, então, toda discriminação na escolha dos fatores de produção e realizaria uma maior equidade na repartição do financiamento da seguridade entre as empresas. O valor adicionado dessa contribuição não se confunde com a base de incidência do imposto sobre o valor adicionado (TVA). Isso porque se refere tão somente ao valor adicionado produzido pela empresa, quer dizer a diferença entre as receitas da atividade da empresa e o consumo intermediário. A nova contribuição se aplicaria, então, não somente sobre os salários, mas também sobre os custos financeiros, as amortizações e os lucros. Ela afetaria toda a produção e se aplicaria às exporta-

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ções, aos bens estocados e às amortizações. Diferentemente, a TVA não incide sobre as exportações e sobre as amortizações. O encargo da contribuição seria suportado pela empresa, enquanto que a TVA pesa diretamente sobre o consumidor. O impacto da contribuição sobre o valor adicionado sobre o emprego residiria na diminuição do custo do trabalho e no aumento do custo do capital. Dessa forma, as empresas seriam incentivadas a utilizar mais mão de obra e a fazerem uso, por mais tempo, de seus equipamentos. Dessa forma, elas reduziriam o investimento de substituição (homens por máquinas) e manteriam efetivos de trabalhadores mais numerosos. Segundo a simulação apresentada no Relatório Ripert (Commissariat Général du Plan, 1977), uma diminuição de 10 pontos percentuais da contribuição patronal sobre os salários, compensada pela criação de uma nova contribuição de 3,5% sobre o valor adicionado, com base em dados de 1977, resultaria na criação de 180.000 novos empregos, em seis anos. Vários anos depois, a pedido do então primeiro ministro Leonel Jospin, Manlivaud, foi examinada as conseqüências no curto, médio e longo prazo de uma modificação de base das contribuições patronais. Entre outras importantes contribuições, o Relatório Malinvaud estimou que uma redução do custo da mão de obra em torno de 3% geraria, em 10 anos, 70.000 empregos. Já uma redução da contribuição patronal de 3%, compensada por uma contribuição sobre o valor adicionado da ordem de 2%, resultaria numa diminuição do custo da mão de obra de 1%, com pouco impacto sobre o emprego (MALINVAUD, 1998). Bossier e outros estimaram, para a Bélgica, que a redução linear de 1,3 ponto percentual, correspondente a uma redução do custo da mão de obra de 1%, criaria 5.300 empregos no primeiro ano e 11.200 após 5 anos. No caso da redução levar em conta a intensidade do uso da força

de trabalho, de forma que a diminuição variaria entre 0,06 a 2,57 pontos percentuais, a redução do custo seria de 2,5 pontos nos setores intensivos de mão de obra e a criação do emprego se elevaria a 26.800 no fim do mesmo período (BOSSIER et alli, 19954). Os resultados dessas simulações e de várias outras que se acumulam na literatura mostram que os impactos estimados são diversos e incertos. As principais críticas aos modelos que estimam impactos significativos sobre o emprego da adoção da contribuição sobre o valor adicionado são: a. mantido o nível de receitas idêntico, a extensão da base das contribuições patronais para o conjunto do valor adicionado não resultaria em diminuição da contribuição global das empresas no financiamento da proteção social, mas provocaria a transferência da carga das empresas intensivas em mão de obra para as empresas mais mecanizadas. b. os modelos supõem que as empresas beneficiárias da diminuição da carga iriam repassar essa vantagem a seus preços, o que deveria reduzir a inflação e melhorar o emprego devido ao efeito do crescimento do consumo. Essa suposição é considerada muito otimista, pois há a probabilidade das empresas não repassarem a redução do custo para os preços e, das outras, aumentarem os seus. c. setores de base que seriam penalizados, tais como o gás, a eletricidade e o refino do petróleo, provocariam inevitavelmente efeitos sobre os custos de produção do conjunto dos outros setores. d. os estudos não levam em conta os efeitos indiretos das variações dos encargos sociais nos preços dos produtos intermediários e nos bens de

4- O estudo realizado por Bossier testou a possibilidade da compensação da redução da contribuição patronal de 1,3 ponto percentual através do aumento ou da criação de várias alternativas, tais como o aumento de 1,5 ponto da TVA, que passaria de 20,5% para 22%; a introdução da taxa sobre o CO2 e a introdução da Contribuição Social Generalizada do tipo francês (mas com uma base mais ampla, pois englobaria os lucros das empresas) de 0,47%. Bossier testou, também, o impacto isolado da introdução dessas outras fontes de recursos. Os resultados das estimativas de impacto da redução da contribuição patronal compensada pelo aumento ou pela introdução de outras fontes, do ponto de vista da luta contra o desemprego, mostraram que essa medida é insuficiente e pouco eficaz.

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e.

f.

g.

h.

equipamento. Em outras palavras, os mecanismos considerados pelos modelos, especialmente quanto à formação dos preços e aos fenômenos de substituição do capital e do trabalho, estão longe de estarem demonstrados empiricamente (MINISTERE DE LA SOLIDARITE NATIONALE, Rapport Maillet e Rapport Peskine, 1982 e MALINVAUD, op. cit). consideram que a redução da carga das empresas beneficiárias melhora sua competitividade e se traduz no aumento das exportações, o que é discutível. A mão de obra não é a única condição da competitividade. A ela se soma a qualidade do produto, o cumprimento dos prazos, entre outras condições. não é certo que uma diminuição do custo relativo do trabalho prolongue o tempo de utilização dos equipamentos e, por isso, é incerto seu efeito sobre o emprego. Assim se manifesta sobre este assunto o relatório Malinvaud: “Estão claramente em causa as decisões de longo prazo dos empregadores, decisões que dependem pouco das condições correntes de custo, mas muito das antecipações quanto às condições futuras” (Op. cit, p. 15) os investimentos seriam penalizados duas vezes: quando a contribuição repercutisse sobre os preços dos bens de equipamentos e quando a contribuição incidisse sobre sua amortização, pois ela faz parte do valor adicionado. Também o lucro seria penalizado, enquanto componente do valor adicionado. Esses dois elementos, se desestimularem o investimento, podem ter conseqüências para a competitividade das empresas no mercado internacional. as simulações limitam-se a medir as variações setoriais dos encargos sociais que resultariam

de um financiamento sobre o valor adicionado. Não se preocupam em estimar o impacto macroeconômico da transferência de carga das empresas intensivas em mão de obra para as empresas mais mecanizadas, nem mesmo em verificar se as desigualdades das cargas sociais constituem um fator de desigualdade no desempenho econômico (DELEECK, 1978 e NEUBOURG e CASPERS, 1982). Os resultados de um estudo econométrico, sobre 50 setores da economia francesa, mostram que a relação contribuição patronal sobre o valor adicionado (indicador de desigualdade na repartição dos encargos sociais) não exerce influência significativa nem sobre a rentabilidade, nem sobre a capacidade de autofinanciamento desses diferentes setores (EUZEBY, 1977). Um outro estudo francês destaca que o grupo de indústrias intensivas em mão de obra é muito heterogêneo, comportando empresas com baixos salários, competitivas no mercado internacional ou não (Commissariat General du Plan, 1977). i. no plano prático, sua aplicação apresenta dificuldades não desprezíveis. O próprio Relatório Chadelat, ao propor que a contribuição sobre o valor adicionado seja realizada de forma gradual, reconhece essas dificuldades. Também esse relatório propõe a exclusão da administração pública, das associações, das empresas familiares, das explorações agrícolas, e das empresas com valor adicionado inferior a 3 milhões de francos (CHADELAT, 1997)5. Em outras palavras, a noção de valor adicionado não se aplica à atividade de todos os empregadores. j. é um equívoco pensar que a base valor adicionado é mais favorável que a base massa salarial para a regulação das finanças da proteção social.

5- O Relatório Chadelat propôs, de fato, duas sugestões: introdução da contribuição do valor adicionado e uma modulação das taxas de contribuições patronais, calculada sobre o salário, em função da relação da massa salarial sobre o valor adicionado. Uma e outra seriam aplicadas à saúde e não à aposentadoria. Euzeby destaca, afora outras observações, a complexidade da implantação dessa segunda proposta (Euzeby, 2000).

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O valor adicionado é mais sensível que a massa salarial às flutuações conjunturais.Além disso, é instável e conhecido somente a posteriori, enquanto que os salários constituem uma base relativamente estável e fácil de ser percebida (MALINVAUD, op. cit., 1998). k. a dissociação entre a contribuição social patronal e o emprego de assalariados pode tornar essa contribuição um verdadeiro imposto fiscal. Na perspectiva de aporte de recursos de impostos para o financiamento da proteção social, convém perguntar quais são os benefícios que deveriam ser assim financiados e se a implantação de um encargo sobre o valor adicionado é a melhor modalidade. Da mesma forma, convém reafirmar que nem sempre os encargos sociais incidentes sobre o salário são injustificados. Somente quando a contribuição financia benefícios que não têm por objetivo compensar a perda da renda profissional se pode falar que consiste de um encargo injustificado sobre o emprego. Nesse caso, sua substituição por um financiamento com base em imposto aparece como a solução mais lógica. Mas para as contribuições que financiam benefícios calculados em função dos salários, não há verdadeiramente razão para serem financiados por outra fonte que não a incidente sobre o salário. As contribuições, de empregados e empregadores, integram o custo normal do trabalho, pois constituem salário diferido. Esse conjunto de críticas e ponderações justifica porque os poderes públicos de diferentes países não implantaram, após tantos anos de debates e análises, a contribuição e ou o imposto sobre o valor adicionado, em substituição à contribuição patronal calculada sobre os salários. As estratégias para enfrentar o envelhecimento da população – provocado pelo aumento da expectativa de vida e pela redução da taxa de fertilidade – tem sido, até o momento, largamente apoiada na ampliação da idade para a aposentadoria. No atual momento, quando

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vários países da União Européia estão buscando alternativas para redução de seu déficit público, a reforma dos sistemas de aposentadoria está novamente em alta, com ênfase, mais uma vez, na ampliação da idade para a aposentadoria. Essa iniciativa tem recebido franco repúdio da população, cujo maior exemplo é a manifestação realizada na França, em 27 de maio de 2010. b) Imposto sobre o valor adicionado Aparece como uma modalidade sedutora do ponto de vista da competitividade das empresas e do emprego, pois incide sobre as importações, exonerando as exportações. A substituição parcial da contribuição patronal sobre os salários pelo aumento da TVA encorajaria, então, as exportações e tornaria menos competitivas as mercadorias fabricadas no estrangeiro, especialmente aquelas importadas de países de baixos salários. Apesar disso, a literatura aponta vários problemas na sua utilização: a. o primeiro deles é que a TVA não incide sobre os investimentos e, por isso, não é neutro (à diferença da contribuição sobre o valor adicionado) em relação à utilização dos fatores de produção. Desse ponto de vista, se pode considerar que a TVA tem efeitos análogos àqueles das contribuições patronais sobre os assalariados. b. no plano do comércio exterior, a diminuição da contribuição patronal compensada pela TVA apareceria como uma medida protecionista, com todos os riscos que isso envolve. c. Bossier estimou que um aumento de 1,5 pontos percentuais na TVA provocaria perda de 9.300 postos de trabalho, em cinco anos, na Bélgica, devido à combinação dos efeitos sobre os preços e sobre o volume da atividade (BOSSIER et alli, op. cit., 1995). d. a Comissão Européia estimou que a redução da contribuição patronal em 1% em relação ao PIB, compensada por aumento da TVA teria efeito nulo na Comunidade Européia (Comission des Comunautes Européennes, 1993).


4. Possibilidades abertas pelo financiamento mediante impostos e principais conclusões A cobertura do risco velhice sempre foi extremamente reduzida no Brasil, apresentando taxa significativamente bastante inferior a os países europeus e até mesmo de alguns da América Latina (PINHEIRO, 2000). Esse baixo nível de cobertura deve-se à estrutura do mercado de trabalho brasileiro, praticamente dividido (com oscilações a depender de ciclos econômicos de crescimento mais robustos) entre um mercado formal e um outro informal. As raízes da informalidade são múltiplas, mas se pode dizer que ela está associada a um tipo particular de exploração, fundado na espoliação da mão de obra e não em ganhos de produtividade. Esse tipo de exploração permanece como um dos traços característico da acumulação do capital no país, mesmo depois da abolição da escravatura e da industrialização brasileira, com a entrada maciça de capitais estrangeiros e com a concentração da produção em grandes empresas. Essa realidade não é apenas do Brasil, sendo um traço da América Latina, com raras exceções. O baixo grau de cobertura do RGPS constitui um grande desafio a ser enfrentado, de modo que qualquer agenda transformadora da realidade social brasileira deveria incluir propostas no sentido de ampliar essa cobertura. Mas para isso ser atingido não é possível se esperar que as ações fiscalizadoras do Estado brasileiro e outras ações acabem por formalizar todo o mercado de trabalho, processo que pode demorar um tempo demasiado. Nesse sentido, o financiamento da aposentadoria mediante impostos poderia ser um instrumento poderoso na concretização da universalização do risco velhice. Ocorre que o benefício assim garantido estaria associado diretamente a um direito decorrente da cidadania, concedido a todos no momento de perda da capacidade ao trabalho. E o momento, isto é, a idade em que isso ocorreria, seria fruto de negociação entre os vários segmentos da sociedade. O benefício garantido, por sua vez, perderia qualquer relação com o salário anterior do beneficiado, constituindo-

-se, portanto, em uma renda de base6. O valor da renda de base seria, por sua vez, também fruto de acordo societal. Esse desenho ideal esboçado acima corresponderia à implantação de uma aposentadoria financiada completamente pelo Estado e garantidora de um valor considerado adequado para a velhice, tal como existe em alguns países europeus. Mas não há nenhum exemplo histórico de implantação de uma aposentadoria de base universal em país que tenha estruturado sua aposentadoria com base em contribuições calculadas sobre o salário. As situações existentes referem-se à garantia de um valor para aqueles que comprovarem uma situação de renda extremamente baixa, como é o caso do BPC, no Brasil, para idosos. A inexistência de experiências anteriores não significa, contudo, que propostas nessa direção não pudessem ser encaminhadas, mas o grau de dificuldade para sua implantação seria mais elevado, principalmente porque implicaria comprometimento de recursos públicos. Sua implantação não depende da extinção do regime de aposentadoria contributivo (empregados e empregadores), mas certamente exigiria a redefinição do piso do benefício. Mas a proposta de substituição da contribuição patronal – no todo ou na parte – por outra fonte de financiamento, tal como recorrentemente é encaminhada no Brasil – não guarda nenhuma relação com o desenho acima descrito. Trata-se de pura e simplesmente de reduzir o custo da mão de obra, entendendo que isso reduziria o desemprego e favoreceria a formalização e a competitividade dos produtos brasileiros. Essa compreensão, contudo, apresenta uma série de problemas: a) não é consensual na teoria econômica. Por exemplo, os economistas de inspiração keynesiana atribuem à expectativa de retorno do investimento a causa primeira da decisão do investimento, gerador de novos empregos; b) as simulações de impacto dessa substituição apresentam resultados incertos; c) países com competitividade expressiva têm elevado custo de mão de obra, tal como se vê no Gráfico 1, apresentado na primeira parte deste artigo.

6- Para uma discussão detalhada do conceito de aposentadoria (renda) de base, ver Marques e Euzéby (2005)

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a RTIGO A Proposta de Reforma Tributária e seus Impactos na Arrecadação Previdenciária e no Mercado de Trabalho Leonardo Alves Rangel1 Graziela Ansiliero2 Luis Henrique Paiva3 Matheus Stivali4 Edvaldo Duarte Barbosa5

1. Introdução A desoneração da contribuição patronal com base na folha de pagamentos está há vários anos na pauta da discussão previdenciária e ganhou força ultimamente com a proposta de reforma tributária - Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233 de 2008. Os objetivos deste trabalho são apresentar os pontos da PEC 233 que tratam da desoneração da folha de pagamentos, avaliar, em termos gerais, a racionalidade de propostas desta cunha; verificar quais seriam os impactos de curto prazo de algumas destas propostas e sugerir o

que precisaria ocorrer no mercado formal de trabalho para compensar a desoneração. Após esta introdução, a segunda seção trata das principais justificativas da desoneração – a começar por um dos marcos iniciais da discussão (OCDE, 1994a e 1994b); A seção três volta-se para simulações de desoneração e seus impactos de curto prazo sobre a arrecadação. Trata-se de mensurar, ceteris paribus, quais seriam as perdas de arrecadação em alguns cenários de desoneração, com base no desempenho do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ao longo do ano de 2008. Esta mensuração permite avaliar, por sua vez, o que precisaria ocorrer no mercado

1- Técnico do Planejamento e Pesquisa do Ipea lotados na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais. 2- Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotada no MPS. 3- Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotado no MDS. 4- Técnico do Planejamento e Pesquisa do Ipea lotados na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais. 5- Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil lotado no MPS.

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de trabalho, em termos de aumento da formalidade e dos rendimentos, para compensar as perdas de arrecadação. Finalmente, na quarta e última seção, são apresentadas as principais conclusões do trabalho. 2. As Justificativas da Desoneração 2.1 – Tributação da Folha e a Teoria Econômica Tradicional A folha de pagamentos é uma base importante para a tributação na maioria dos Estados modernos. Quase universalmente, os recursos arrecadados sobre esta base são direcionados para o financiamento de políticas sociais (saúde, previdência etc.), sejam estas universais ou não. Desta forma, países com Estado de bem-estar mais desenvolvido apresentam uma maior participação dos tributos sobre folha, tanto em termos de participação na arrecadação total, quanto em termos de proporção do produto interno bruto (PIB). A teoria econômica tradicional prediz a geração de ineficiências e desemprego causados por este tipo de tributação, uma vez que há dois salários no mercado: o salário líquido recebido pelo empregado e o salário acrescido de tributos, pago pelo empregador. Neste contexto, a tributação sobre a folha de pagamentos é apontada como responsável pela elevação do custo do trabalho. No início da década de 1990, com a elevação acentuada das taxas de desemprego na Europa, onde se concentram países com Estados de bem-estar desenvolvidos, foi diagnosticado, no OECD Jobs Study (OCDE, 1994a e 1994b), que os elevados tributos sobre a folha de pagamentos eram um dos responsáveis pelo mau funcionamento dos mercados de trabalho e, assim, pela elevação do desemprego. A proposta para conseguir a redução do desemprego seria a redução dos tributos sobre folha e a diminuição das políticas do Estado de bem-estar social. Esta interpretação do impacto dos tributos sobre folha de pagamento no mercado de trabalho considera, implicitamente, que a incidência do imposto recai totalmente sobre o empregador, que enfrenta um preço (salário) mais

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alto do que o determinado pelo mercado. Entretanto, nada garante que esta suposição seja correta. O estudo da incidência dos impostos é um problema tradicional do campo da economia do setor público, que mostra que a incidência efetiva dos impostos depende muito mais das elasticidades-preço de oferta e demanda do produto tributado do que da imposição legal da incidência. No caso do mercado de trabalho, isto é especialmente relevante, porquanto os encargos sobre folha resultarão em desemprego apenas quando não puderem ser repassados aos trabalhadores na forma de salários mais baixos. Quando a incidência do imposto sobre folha recair sobre os trabalhadores, a previsão teórica é de que haverá salários menores em vez de desemprego. Neste contexto, o impacto dos impostos sobre folha de pagamento no mercado de trabalho tem sido estudado enquanto um problema de incidência tributária. Se a incidência é maior sobre os empregados, uma possível desoneração causaria elevação dos salários; se a incidência é maior sobre os empregadores, a desoneração elevaria o número de empregos. 2.2 – Desoneração da Contribuição Patronal, Mercado de Trabalho Brasileiro e Arrecadação Previdenciária No Brasil, com a elevação do desemprego e da informalidade durante a década de 1990, estruturou-se o argumento de que a base de arrecadação da Previdência Social passava por um processo irreversível de erosão, razão pela qual se deveriam buscar fontes alternativas. Em alguma medida associada a esta primeira justificativa, uma segunda foi desenvolvida, a de que o caráter solidário do RGPS deveria ser aplicado também às bases tributárias: a migração de parte da contribuição previdenciária para a receita ou o faturamento poderia produzir mais justiça ou solidariedade tributária. Finalmente, alguns pesquisadores sustentaram que o aumento das alíquotas previdenciárias nas últimas décadas seria diretamente responsável pela crise de formalidade dos anos 1990. Daí decorre que sua redução poderia elevar a formalização e, com isso, a


arrecadação previdenciária. Em comum, os três argumentos levaram em conta um fato estilizado sobre o mercado de trabalho ao longo dos anos 1990: vivia-se um período de crise do mercado formal de trabalho. Estas justificativas são apresentadas com algum detalhe no restante desta subseção. Ao longo dos anos 1990, até o início dos anos 2000, uma série de estudos acerca de mercado de trabalho (por exemplo, Neves et al., 2000; Cardoso, 2000; Neri, 2003) apontava, ainda que com diagnósticos muito distintos, para a erosão da principal base de financiamento da Previdência Social, o emprego formal. Tais estudos apontaram para uma constante e preocupante queda da formalidade no mercado de trabalho. Os trabalhadores registrados (com carteira de trabalho assinada), que correspondiam a 53,7% do mercado de trabalho metropolitano em 1992, chegariam a 45,1% em 2002; enquanto isso, a soma dos trabalhadores sem carteira assinada e por conta própria, que em 1992 era de 40,9% do mercado de trabalho metropolitano, chegou a 50,1% em 2002 (sempre médias anuais de dados da PME).6 Tendo em vista que a partir de 1995 o valor da arrecadação previdenciária passou a ser insuficiente para cobrir as crescentes despesas com pagamento de benefícios, é possível perceber o quadro geral no qual reverberou, entre formuladores de políticas, legisladores e estudiosos do tema, a percepção da deterioração do mercado de trabalho metropolitano. Uma das preocupações passou a ser, como esperado, a busca por fontes alternativas de financiamento7. O primeiro argumento favorável à desoneração das contribuições sobre a folha de pagamento poderia ser assim entendido: a queda da formalidade no mercado de trabalho – tida como elemento exógeno e vista, muitas vezes, como inexorável – minava a base de financiamento da

Previdência Social, que teria que ser reconstruída valendo-se de outros tributos. Com certa frequência, é possível encontrar um segundo argumento, associado ao primeiro: defende-se que os aumentos ocorridos nas alíquotas previdenciárias (que, no caso da contribuição patronal, variaram, ao longo das últimas décadas, de 3% para 20%) atingiram mais fortemente firmas e setores intensivos em mão de obra, desestimulando a geração ou a formalização de vínculos empregatícios (DONADON, p. 6, mimeo). Restaria ao governo buscar “uma nova composição de financiamento [...] mais justa e mais equânime”. Uma terceira linha de argumentação fez associação aparentemente mais clara, mas não necessariamente correta, sugerindo que a queda da formalidade no mercado de trabalho não seria um fenômeno externo ou inexorável: ao contrário, ela decorreria fundamentalmente da tributação previdenciária sobre a folha de salários. Os trabalhos de Neri (2000; 2001; 2003; 2006) estão, provavelmente, entre os mais incisivos no estabelecimento de uma conexão entre a informalidade no mercado de trabalho e a tributação previdenciária. Segundo o autor, a “estrutura de custos e benefícios associados à legislação trabalhista e previdenciária leva à informalidade como modalidade de evasão fiscal” (2006, p. 20). Quer dizer, a conjunção do crescimento dos encargos fiscais com a percepção de um fraco tax-benefit linkage (nas palavras do autor, “sem que correspondentes benefícios sociais fossem percebidos individualmente”) levou à decisão de empregadores e trabalhadores pela informalidade enquanto forma de evasão fiscal. A informalidade teria então laços menos estreitos com o descumprimento dos direitos trabalhistas. Nas palavras de Neri (2001, p. 68), “direitos trabalhistas são independentes do caráter legal da relação de trabalho assumida. [...] as firmas hon-

6- Estudos posteriores (Paiva, 2003; Ramos e Ferreira, 2005; entre outros), avaliando dados da PNAD/IBGE para todo o país, concluíram que o fenômeno da crescente informalidade estava circunscrito às regiões metropolitanas (justamente as cobertas pela PME/IBGE) e não encontrava correspondência no Brasil não metropolitano. Neste, embora as taxas de formalização continuassem inferiores às encontradas nas regiões metropolitanas, a tendência, inversamente à detectada nestas regiões, era de crescimento da formalidade. 7- Entende-se, assim, a alteração que a Emenda Constitucional (EC) no 41/2003 introduziu no Art. 195 da CF/1988, possibilitando a substituição parcial ou total da contribuição patronal incidente sobre a folha de salários por contribuição específica incidente sobre a receita ou faturamento, a ser aplicada de forma não cumulativa.

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ram por antecipação os direitos devidos, levando a uma alta efetividade [das] cláusulas [trabalhistas] no setor informal do mercado de trabalho”. Assim, a informalidade seria uma estratégia das empresas para diminuírem os custos da mão de obra, sem, no entanto, acarretar prejuízos pecuniários aos funcionários. Visto que o RGPS apresentou, durante algumas décadas, aumento nas alíquotas de contribuição previdenciária e, entre o final dos anos 1980 e meados dos anos 1990, o mercado de trabalho brasileiro teria sido marcado por uma queda na taxa de formalização, o autor associou os dois fatos, enquadrando-os na chamada curva de Laffer. Neste caso, a queda da arrecadação (determinada pelo recuo nas taxas de formalização) seria, em grande medida, função da contínua elevação da contribuição previdenciária (trânsito entre os pontos A e B no Gráfico 1). O autor supõe que o crescimento da informalidade estaria relacionado ao fato de se estarmos no trecho descendente da curva de Laffer. Segundo esta hipótese, o progressivo aumento de alíquotas teria impacto positivo sobre a arrecadação de tributos até um ponto determinado, a par-

Gráfico 1 – Curva de Laffer

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tir do qual começaria a comprometer a arrecadação pela diminuição de sua base. Assim, o aumento das alíquotas previdenciárias teria, de início, engendrado o aumento da arrecadação. Com o tempo, entretanto, causaria o aumento da informalidade e, por conseguinte, a queda na arrecadação – de onde se poderia concluir que um recuo nas alíquotas implicaria novo aumento da base de arrecadação (trabalho formal) e, consequentemente, aumento da arrecadação. Essa terceira linha de argumentação não menciona a substituição (total ou parcial) da contribuição patronal sobre a folha de pagamento por um tributo sobre a receita ou o faturamento. Espera-se que, na trajetória descendente da curva de Laffer, a redução das alíquotas conduziria, por si mesma, a um incremento da arrecadação. O argumento de que estaríamos na trajetória descendente da curva de Laffer, ademais, considerou outra hipótese: a de que empregadores e trabalhadores do setor informal estariam dispostos – e não encontrariam obstáculos – a migrar para o setor formal caso o custo–benefício da formalidade fosse menor.


O ponto a destacar-se, portanto, é que os diversos diagnóstico que deram base à ideia da desoneração da folha de pagamento no Brasil levam a propostas bastante diferentes: em um caso, parece ser fundamental que a desoneração seja acompanhada de mudanças tributárias que compensem a perda de arrecadação; em outro, os próprios efeitos positivos da desoneração sobre o mercado de trabalho proporcionariam esta compensação. 2.3 – A PEC 233/2008 e sua Proposta de Desoneração8 Em fevereiro de 2008, o governo federal enviou ao Congresso Nacional Proposta de Emenda à Constituição que “altera o Sistema Tributário Nacional”, e afeta de maneira significativa o financiamento da seguridade social e, de modo particular, da previdência social. Em tramitação na Câmara dos Deputados, a PEC 233/2008, vem se associar a outras duas medidas de iniciativa de Deputados Federais, todas motivadas em solucionar dois graves problemas do sistema tributário nacional: a guerra fiscal e a complexidade de tributos. Em alguma medida, e a depender da regulamentação, investe contra o tamanho da carga tributária, pois, em seu Artigo 11, propõe a desoneração da folha de salários. No entanto, não define se haverá compensação, o que implica, potencialmente, no agravamento das contas da previdência. A definição do quanto e do como – se vai haver compensação, por exemplo – se farão as reduções graduais das contribuições sobre a folha é remetida a lei complementar. O quanto será esta desoneração se encontra implícito, sendo explicitado na Exposição de Motivos. Concretamente, no artigo 11 se lê que “lei definirá reduções gradativas da alíquota da contribuição” “do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada (...) incidente (...) sobre a folha de salários”9 “a serem efetuadas do segundo ao séti-

mo ano subsequente ao da promulgação desta Emenda”. Já na “Cartilha da Reforma-Tributaria” se aponta que “a principal medida de desoneração proposta é a redução de 20% para 14% da contribuição dos empregadores para a previdência, a qual seria implementada ao ritmo de um ponto percentual por ano, a partir do segundo ano após a aprovação da Reforma”. Em termos gerais a Reforma Proposta implica nas seguintes mudanças: a) extinção de 5 tributos federais, com a incorporação dos encargos da CSLL ao IRPJ e a criação de um imposto federal de valor agregado (IVA-F) em substituição à Contribuição para o Pis, à Cofins, à CIDE-Combustíveis e ao Salário Educação ; b) padronização da tributação do ICMS, com o emprego do princípio de destino e a uniformização das alíquotas, tornando nacional a política de desoneração da cesta básica e de outros produtos de primeira necessidade ; c) desoneração da folha, tanto pelo fim do Salário Educação como pela desoneração da contribuição patronal, determinada no Art. 11; d) desoneração das exportações e dos investimentos, no âmbito da criação do IVA e da uniformização do ICMS. Este trabalho, no entanto, apenas se preocupará com os impactos de curto prazo da desoneração da folha de pagamentos no tocante ao resultado previdenciário. É justamente sobre estes impactos que a seção seguinte tratará. 3. Simulações de Desoneração: Impactos de Curto Prazo da Desoneração e Possíveis Fontes Alternativas Conforme apresentado anteriormente, a PEC 233/2008 trata explicitamente da redução da desoneração sobre a folha de pagamentos. O que tem impactos diretos no financiamento da Seguridade Social, mais especificamente do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Esta seção apresentará os impactos de curto prazo de algumas possíveis formas de desoneração da folha.

8 - O objetivo desta seção é apenas apresentar a proposta da PEC 233/2008 no tocante a tributação sobre a folha de salários. Para uma discussão mais aprofundada sobre a reforma tributária, cf. Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise, nº 16, capítulo de previdência social (2008), ANFIP (2008), entre outros. 9- A redação recortada aqui proposta não se altera se baseada na CF como atualmente redigida como na nova redação do artigo 195.

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A parcela da arrecadação das contribuições de empregados e empregadores para o RGPS representou em 2008 cerca de dois terços da arrecadação líquida total deste regime. É evidente, portanto, que a arrecadação do RGPS e seus resultados em termos da relação entre receitas e despesas guardam relação estreita com as contribuições diretas de segurados e empregadores. Neste sentido, o objetivo desta seção é avaliar o impacto tributário de curto prazo da desoneração da contribuição patronal sobre a folha de pagamento de duas maneiras: uma desoneração linear (da forma como colocada na PEC 233/2008) e uma desoneração focalizada. Supõe-se que estes impactos de curto prazo dos diferentes tipos de desoneração terão que ser compensados. Dessa maneira, são também avaliadas as possibilidades de compensação, em termos das consequências positivas da desoneração sobre o mercado de trabalho (isto é, formalização ou aumento da remuneração, ou uma combinação dos dois)10. 3.1 – Impactos de Curto Prazo da Desoneração Foram realizados dois exercícios de desoneração: i) desoneração linear; e ii) desoneração focalizada da alíquota patronal sobre a folha. Suas características e os resultados são apresentados a seguir. 3.1.1 – Cálculo de Impacto da Redução Linear da Alíquota Patronal sobre a Arrecadação Líquida Entende-se por redução linear da alíquota patronal a desoneração que é feita independentemente dos valores dos salários dos trabalhadores. Foram considerados para o cálculo de impacto apenas os segmentos de empregadores que seriam beneficiados pela redução da alíquota patronal. Não se encontram neste grupo as empresas que atualmente já são contempladas por regimes diferenciados de contribuição ao RGPS, como aquelas vinculadas ao Simples, as entidades filantrópicas (das áreas de saú-

de, educação e assistência social), os empregadores rurais (pessoa física e jurídica), os clubes de futebol e os setores voltados à exportação agrícola. Em relação a estes empregadores, resta considerar a contribuição relativa aos empregados, realizada normalmente e que integra a rubrica de receitas correntes. Após a exclusão dos montantes arrecadados em nome destes empregados vinculados a empresas em regimes especiais de contribuição, que não teriam ganho adicional com a desoneração, restaram apenas os valores recolhidos efetivamente pelas empresas e instituições sujeitas às regras gerais do RGPS. Uma desoneração deverá afetar as contribuições patronais – de 22,5% para instituições financeiras e de 20% para empresas em geral e demais instituições – sobre remunerações de empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais prestadores de serviços a empresas. O resultado desta tentativa de mensuração de impacto consta da tabela 1. Este exercício, com base na arrecadação verificada em 2008, mostra que o impacto de desoneração de cada ponto percentual representaria, naquele ano, uma queda na receita de R$ 4,14 bilhões. Assim, se a alíquota fosse reduzida de 20% para 15%, 10% ou 5%, haveria uma necessidade de compensação da ordem de, respectivamente, R$ 20,70 bilhões, R$ 41,40 bilhões e R$ 62,11 bilhões para que o patamar de arrecadação se mantivesse o mesmo. Em um cenário de desoneração total (alíquota patronal de 0%), a compensação deveria ser de R$ 82,82 bilhões.11 Percebe-se também que para a situação hipotética de adoção imediata da desoneração que tratada na reforma tributária, a necessidade de compensação seria superior a R$ 24 bilhões, e que se não houvesse uma compensação imediata, o resultado das contas previdenciárias observaria uma piora de mais de 68%. Os resultados das estimativas de impacto apontam para forte perda de arrecadação líquida para previdência,

10- Para maiores detalhes sobre a base de dados e o tratamento feito para a realização das diversas estimativas feitas, ver Rangel et al (2008 ?) 11- No caso das instituições financeiras, permaneceria o adicional de 2,5 p.p. de alíquota patronal em relação às demais empresas e instituições.

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Tabela 1 - Arrecadação líquida, despesa e resultado previdenciário – Impacto da desoneração da folha de pagamentos das empresas e órgãos públicos (redução da alíquota previdenciária patronal) – 2008 Em R$ milhões correntes Alíquota Patronal INSS

Arrecadação Arrecadação Líquida

Perda de Arrecadação (R$)

Perda de Arrecadação (%)

20%

167.415,9

-

-

19%

163.275,1

(4.140,8)

18%

159.134,3

(8.281,6)

17%

154.993,4

(12.422,4)

16%

150.852,6

15%

146.711,8

14%

Despesa Previdenciária

Resultado Previdenciário Resultado Previdenciário

Variação no Resultado

203.622,6

(36.206,7)

-

-2,5%

203.622,6

(40.347,5)

11,4%

-4,9%

203.622,6

(44.488,3)

22,9%

-7,4%

203.622,6

(48.629,2)

34,3%

(16.563,2)

-9,9%

203.622,6

(52.770,0)

45,7%

(20.704,0)

-12,4%

203.622,6

(56.910,8)

57,2%

142.571,0

(24.844,8)

-14,8%

203.622,6

(61.051,6)

68,6%

13%

138.430,2

(28.985,6)

-17,3%

203.622,6

(65.192,4)

80,1%

12%

134.289,4

(33.126,4)

-19,8%

203.622,6

(69.333,2)

91,5%

11%

130.148,6

(37.267,2)

-22,3%

203.622,6

(73.474,0)

102,9%

10%

126.007,8

(41.408,0)

-24,7%

203.622,6

(77.614,8)

114,4%

9%

121.867,0

(45.548,8)

-27,2%

203.622,6

(81.755,6)

125,8%

8%

117.726,2

(49.689,6)

-29,7%

203.622,6

(85.896,4)

137,2%

7%

113.585,4

(53.830,4)

-32,2%

203.622,6

(90.037,2)

148,7%

6%

109.444,6

(57.971,2)

-34,6%

203.622,6

(94.178,0)

160,1%

5%

105.303,8

(62.112,1)

-37,1%

203.622,6

(98.318,8)

171,5%

4%

101.163,0

(66.252,9)

-39,6%

203.622,6

(102.459,6)

183,0%

3%

97.022,2

(70.393,7)

-42,0%

203.622,6

(106.600,4)

194,4%

2%

92.881,4

(74.534,5)

-44,5%

203.622,6

(110.741,2)

205,9%

1%

88.740,6

(78.675,3)

-47,0%

203.622,6

(114.882,0)

217,3%

0%

84.599,8

(82.816,1)

-49,5%

203.622,6

(119.022,8)

228,7%

Fonte: INSS (fluxo de caixa ajustado pelo sistema Informar); Datamart/CNIS; BEPS; AEPS. Elaboração: SPS/MPS.

mesmo para pequenas reduções de alíquota, o que denota um alto custo para a desoneração linear. Devido a este relativo alto custo, surgiram propostas alternativas de desoneração, que são tratadas neste texto como desonerações focalizadas. Na subseção seguinte, são feitas estimativas de impacto para este tipo de desoneração. 3.1.2 – Cálculo de Impacto de Reduções Focalizadas da Alíquota Patronal sobre a Arrecadação Líquida Desonerações focalizadas da forma como são tratadas neste trabalho não são objeto da PEC 233/2008. Mas, optou-se por apresentar seus impactos, pois além de serem

menos custosas em termos fiscais, têm a característica de ampliarem a progressividade da contribuição patronal em folha de pagamentos. Nesta subseção, as desonerações focalizadas são estimadas de duas formas: i) isenção da contribuição patronal sobre parcela de R$100,00 do rendimento de cada contribuinte empregado; e ii) desoneração (tanto da contribuição patronal quanto a do empregado) sobre o primeiro SM pago pelos empregadores aos seus empregados. A isenção da contribuição sobre uma parcela no valor de R$ 100,00 do rendimento mensal de cada contribuinte empregado corresponde a uma redução de R$ 20,00 no

TRIBUTAÇÃO em revista

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Tabela 2 - Redução da base de cálculo da contribuição patronal (R$ 100,00 mensais por vínculo) – cota patronal (empresas em geral, instituições financeiras e órgãos públicos) – 2008 Em R$ milhões correntes

Desoneração Focalizada Empregados Contribuintes Individuais Total

Perda de Arrecadação (R$) CP = 0% 5.224.548.165,9 498.164.380,0 5.722.712.545,9

Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.

valor da contribuição patronal para cada empregado, o que gera um impacto fiscal de R$ 5,7 bilhões – naturalmente excluídos aqueles empregadores já contemplados por mecanismos específicos de contribuição previdenciária. Alternativamente, algumas propostas de desoneração têm sido desenhadas de modo a proporcionarem também algum efeito sobre a desigualdade de distribuição de rendimentos. A proposta predominante defende a desoneração das alíquotas de contribuição apenas para o primeiro SM, tanto para o empregado quanto para o empregador. Para

seus defensores, esta proposta teria o mérito de garantir aos trabalhadores ganhos diretos com a desoneração12 A tabela 3 apresenta três combinações de alíquotas patronais e de empregados. No caso mais extremo, as alíquotas de contribuição sobre o primeiro SM seriam uniformizadas por meio da redução para 4% para os empregados, ao passo que para os empregadores a alíquota de contribuição sobre o primeiro SM seria de 15%. Esta proposta focalizada resultaria em uma perda de arrecadação previdenciária da ordem de R$ 13,0 bilhões, impacto similar àquele observado para a desoneração linear de 3 p.p. da cota patronal incidente sobre a massa salarial atualmente sujeita às regras do RGPS.13 Há ainda outra possibilidade de desoneração não explorada neste capítulo. Trata-se de uma desoneração específica para jovens entre 16 e 24 anos, ou, de forma mais abrangente, entre 16 e 29 anos. A justificativa é que, em razão de a taxa de cobertura previdenciária para estes grupos etários, principalmente entre 16 e 24 anos, ser inferior à do conjunto da população, a desoneração focalizada neste grupo poderia ter como resultado uma maior formalização no mercado de trabalho e, consequentemente, ampliação da taxa de cobertura previdenciária destes grupos.14

Tabela 3 - Perda de arrecadação com a desoneração parcial do primeiro SM – cota patronal (empresas em geral, instituições financeiras e órgãos públicos) e cota de empregados (total de segurados inscritos na categoria de empregados)* – 2008 Desoneração Focalizada Cota Patronal Empregados Contribuintes Individuais Cota dos Empregados Total

Perda de Arrecadação (R$) CP = 15/% e CE = 4%

CP = 18/% e CE = 4%

CP = 18/% e CE = 5%

5.728.209.430,09

2.291.283.772,03

2.291.283.772,03

5.306.181.730,98

2.122.472.692,39

2.122.472.692,39

422.027.699,1

168.811.079,6

168.811.079,6

7.243.622.560,6

7.243.622.560,6

5.708.439.381,2

12.971.831.990,64

9.534.906.332,59

7.999.723.153,19

Fonte: Fluxo de Caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS. * No caso dos contribuintes individuais prestadores de serviços a empresas ou equiparadas, apenas a alíquota patronal varia, permanecendo em 11% a alíquota devida pelo trabalhador. A redução da alíquota dos empregados foi atribuída a todos os empregados, mesmo àqueles cujos empregadores contribuem de forma diferenciada para a Previdência Social. 12- Em que pese o risco de subdeclaração de rendimentos dos trabalhadores. 13- Ressalte-se que, nos dois últimos exercícios, a alíquota reduzida (ou zerada, no caso da desoneração da base para os primeiros R$ 100,00) seria aplicada apenas até os limites estabelecidos. Cada real que excedesse os limites definidos nas duas simulações (1 SM ou R$ 100,00) seria tributado com base nas regras e alíquotas vigentes atualmente. 14- Para maiores detalhes sobre a base de dados e o tratamento feito para a realização das diversas estimativas feitas, ver Rangel et al (2008)

78

TRIBUTAÇÃO em revista


3.2 – Compensação da Perda de Curto Prazo por Meio da Massa Salarial Avalia-se, nesta subseção, em que escala deveria variar a massa salarial (por aumento do emprego formal ou aumento dos salários) para que fossem compensadas as perdas de arrecadação que viriam com a desoneração da contribuição patronal, linear ou focalizada, sobre a folha de pagamentos. Um elemento a se considerar, neste caso, é que os possíveis efeitos benéficos da desoneração da folha sobre o mercado de trabalho ocorreriam no médio ou longo prazo, enquanto a perda ocorreria tão logo fosse feita a desoneração. O exercício proposto para esta subseção consiste em es-

timar a expansão necessária da massa salarial para contrabalançar a perda de arrecadação decorrente da redução de cada ponto percentual da alíquota patronal de contribuição previdenciária, para o caso de uma desoneração linear, ou a ampliação necessária da massa salarial para compensar as desonerações focalizadas propostas anteriormente. Para tanto, buscou-se mensurar o montante de massa salarial que compensaria a perda inicial por meio de incremento nos recolhimentos da alíquota de empregados, do SAT, das alíquotas de exposição a agente nocivo, da taxa de administração da arrecadação de terceiros (apenas da parcela oriunda de empresas em geral) e da alíquota patronal.

Tabela 4 - Massa salarial de órgãos do poder público e empresas não beneficiadas pelo Simples ou outras renúncias da contribuição patronal – valores em milhões de R$ correntes – impacto da desoneração da folha de pagamentos (redução linear da alíquota previdenciária patronal) – 2008* Massa Salarial Alíquota Patronal INSS

Massa Salarial

Diferença em relação à massa salarial verificada

Var. % em relação à massa salarial verificada

20%

387.285,9

-

-

19%

401.566,0

(14.280,1)

3,7%

18%

416.866,3

(29.580,4)

7,6%

17%

433.300,0

(46.014,1)

11,9%

16%

450.998,0

(63.712,1)

16,5%

15%

470.112,1

(82.826,2)

21,4%

14%

490.819,1

(103.533,2)

26,7%

13%

513.327,0

(126.041,2)

32,5%

12%

537.881,4

(150.595,5)

38,9%

11%

564.774,7

(177.488,8)

45,8%

10%

594.357,6

(207.071,7)

53,5%

9%

627.055,1

(239.769,2)

61,9%

8%

663.386,2

(276.100,3)

71,3%

7%

703.992,4

(316.706,5)

81,8%

6%

749.675,3

(362.389,4)

93,6%

5%

801.450,4

(414.164,5)

106,9%

4%

860.623,7

(473.337,8)

122,2%

3%

928.902,6

(541.616,7)

139,8%

2%

1.008.564,3

(621.278,4)

160,4%

1%

1.102.713,9

(715.428,0)

184,7%

0%

1.215.699,2

(828.413,3)

213,9%

Fonte: INSS (fluxo de caixa ajustado pelo sistema Informar). Elaboração: SPS/MPS. * Inclusive os valores pagos a título de décimo terceiro salário e adicional de férias, sobre os quais também incide contribuição previdenciária.

TRIBUTAÇÃO em revista

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Esse aumento da massa salarial, caso viesse a ocorrer, poderia ser resultado de pelo menos três cenários básicos. Caso o emprego formal permaneça constante, ou seja, caso a medida não produza impactos sobre a formalização, as variações na massa teriam que ocorrer unicamente em função do aumento do rendimento médio dos empregados já contribuintes. Outra possibilidade extrema é que o ajuste venha a ocorrer fundamentalmente sobre o emprego formal, com aumento do número de contribuintes e estabilidade dos rendimentos. A hipótese intermediária é que a medida, desde que gere os efeitos positivos esperados, provoque efeitos tanto sobre o emprego formal quanto sobre o rendimento.15 3.2.1 – Compensação por Meio da Massa Salarial para Desoneração Linear Os resultados, para cada nível de desoneração linear, com base nos 12 meses de 2008, estão expostos na tabela 4. Caso a alíquota de contribuição patronal fosse reduzida sem que novas fontes de arrecadação fossem criadas, passando de 20% para 15%, 10% ou 5%, haveria uma

necessidade de crescimento imediato da massa salarial da ordem de, respectivamente, 21,4%, 53,5% e 106,9% para que o patamar de arrecadação se mantivesse o mesmo no acumulado do ano. Para o caso da redução para 14% proposta pela reforma tributária, observa-se que a massa salarial deveria ser 26,7% superior a observada para compensar os efeitos da desoneração. Supondo-se que sejam mantidos fixos o rendimento médio e a proporção de vínculos16 por nível de alíquota de contribuição dos empregados (8,0%, 9,0% e 11,0%), a quantidade de vínculos adicionais necessários para cada grau de desoneração pode ser observada no Gráfico 2. Observa-se que com a alíquota patronal em 14%, o total de empregos formais deveria ser instantaneamente maior em mais de 4 milhões para compensar essa desoneração. Note-se que tanto o resultado para crescimento da formalização, como o de elevação salarial com emprego constante para compensar a desoneração proposta significam forte crescimento em comparação ao que foi observado no ano de 2008.

Gráfico 2 - Quantidade de Vínculos Formais Necessários para Neutralizar o Impacto da Supressão de Cada Ponto Percentual da Alíquota Previdenciária Patronal (Empresas em Geral, Órgãos do Poder Público e Instituições Financeiras) - 2008

15- Embora não pareça razoável supor que a desoneração provocasse efeitos importantes na quantidade de pessoas empregadas em órgãos do poder público vinculados ao RGPS, pode-se imaginar alguma variação no rendimento destes empregados. Por esta razão, nesta simulação foram consideradas as empresas em geral e os órgãos do poder público.

80

TRIBUTAÇÃO em revista


Tabela 5 - Massa salarial adicional para compensar uma desoneração focalizada (empresas em geral, órgãos do poder público e instituições financeiras) – 2008 Massa Salarial

Valores Correntes (R$)

Variação (%)

Montante Atual (2006)

387.285.882.072,7

-

Montante Necessário para Neutralizar a Desoneração

-

-

Cenário I (Isenção Patronal para R$ 100,00)

407.111.635.520,4

5,12%

Cenário II (1o. SM: Patronal 15% e Empregados 4%)

434.817.676.390,7

12,27%

Cenário III (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 4%)

421.202.351.650,4

8,76%

Cenário IV (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 5%)

415.466.892.385,0

7,28%

Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.

3.2.2 – Compensação por Meio da Massa Salarial para Desoneração Focalizada Como já colocado, a desoneração focalizada não esta prevista na proposta de reforma tributária encaminhada ao Congresso Nacional via PEC 233/2008. Trate-se de uma contribuição, ainda que marginal, deste trabalho para o debate sobre a desoneração da folha de pagamentos. Para a desoneração focalizada em R$ 100,00 por vínculo da contribuição patronal, sem que novas fontes de arrecadação fossem criadas, haveria uma necessidade de crescimento da massa de salários da ordem de 5,12%, para que a arrecadação não se alterasse. Caso a necessidade de compensação se desse apenas pelo crescimento dos vínculos formais, supondo-se que sejam mantidos fixos o rendimento médio e a proporção de vínculos por nível de alíquota de contribuição dos empregados, a quantidade média de novos vínculos necessários para tal magnitude de desoneração é da ordem de 1,24 milhão (tabelas 5 e 6). Em se tratando da desoneração parcial focalizada sobre o primeiro SM de salário pago, para as três combinações de alíquotas utilizadas nas simulações anteriores, a fim de que a arrecadação não se alterasse, a necessidade de crescimento da massa salarial se encontra na tabela 5. Para o caso da compensação ocorrer apenas pelo crescimento dos vínculos formais, sempre mantidos fixos o rendimento médio e a proporção de vínculos por nível de alíquota de contribuição dos empregados, a quantidade

de vínculos adicionais necessários pode ser observada na tabela 6. Deve-se ter em mente que as taxas de crescimento da massa salarial e do número de vínculos estimadas na tabela 6 são expressivas e dependerão de aumento substancial na quantidade de vínculos empregatícios formais ou de aumento da remuneração dos empregados formais. Mas ainda assim, são inferiores na comparação com a necessidade de vínculos adicionais oriunda da proposta de desoneração da folha proposta na reforma tributária. Ademais, ainda que tais volumes de massa salarial sejam atingidos, a defasagem temporal entre a redução da alíquota e a recuperação da arrecadação – em função do tempo de resposta das variáveis rendimento médio e emprego formal – produzirá um aumento da necessidade de financiamento do RGPS no curto prazo. O confronto dos resultados obtidos com os registros da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) evidencia que para se neutralizarem os efeitos da desoneração apenas com os efeitos da própria medida sobre o emprego formal ou sobre o rendimento dos empregados celetistas há que se ter um desempenho em patamar semelhante ao que recentemente tem se observado. Desempenho este bastante expressivo, mas cuja continuidade e sustentabilidade nos próximos anos ainda é bastante questionável. Concretamente, os dados da Rais, nos anos recentes, mostram crescimento da massa salarial anualizada de 7,7%, entre 2008 e 2007, e de 9,1% e 9,2%, para os dois anos

TRIBUTAÇÃO em revista

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Tabela 6 - Quantidade de vínculos formais necessários para neutralizar o impacto da supressão desoneração focalizada (empresas em geral, órgãos do poder público e instituições financeiras) – 2008 Vínculos Adicionais

Quantidade Média

Total Atual (2006)

21.838.372

Vínculos Adicionais para Neutralizar a Desoneração

-

Cenário I (Isenção Patronal para R$ 100,00)

1.239.050

Cenário II (1o. SM: Patronal 15% e Empregados 4%)

2.970.593

Cenário III (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 4%)

2.119.677

Cenário IV (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 5%)

1.761.228

Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.

imediatamente anteriores.16 Por sua vez, o Cadastro de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (CAGED/MTE) tem registrado recordes sucessivos nos últimos anos. Em 2008, o saldo anual foi de 1,45 milhão de postos formais gerados. Embora os últimos resultados tenham proporcionado uma redução da necessidade de financiamento do RGPS no ano de 2008, não se pode dizer que esta seja uma tendência sustentável de longo prazo. Com efeito, em 2009 a necessidade de financiamento voltou a subir – e as projeções de longo prazo realizadas pela Secretaria de Políticas de Previdência Social do MPS também indicam uma tendência de crescimento para as próximas décadas (Schwarzer et al., 2009). Caso uma desoneração da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos seja feita sem compensação por meio de outras bases tributárias, há um claro risco de que esta situação se deteriore. 4. Conclusões Invariavelmente, sempre que o crescimento econômico se mostra incapaz de absorver a crescente mão-de-obra que entra no mercado de trabalho ano a ano, o debate sobre o alto custo de contratação, especialmente os custos previdenciários, ganham força no Brasil. Nos últimos anos, além dos motivos expostos neste trabalho que remontam aos anos da década de 1990, também há a discussão sobre a reforma tributária (PEC 233/2008) e o alívio da tributação sobre a folha de pagamentos.

Ora, na grande maioria dos países com a mínima pretensão de Estado de Bem-Estar, o financiamento das políticas de seguridade social tem a participação das empresas, via tributo sobre a folha de salários. Não há motivos para ser diferente no Brasil. Neste contexto, este trabalho busca contribuir no imenso debate sobre a desoneração da tributação sobre a folha e a formalização da mão-de-obra. Buscou-se calcular o impacto de curto prazo de duas formas de desoneração: linear e focalizada. Além disso, apresentou a forma pela qual o mercado de trabalho deveria reagir via elevação da massa salarial e crescimento do emprego formal para compensar a diminuição da arrecadação. Os resultados encontrados mostram que os custos de curto prazo são grandes. Evidentemente, maiores para desoneração linear que para a focalizada. No campo das críticas ao tipo de desoneração proposta na PEC 233/2008, destaque-se que dado que já existem mecanismos de desoneração e simplificação tributária para muitas das micro e pequenas empresas do país (Simples e Super Simples), a desoneração linear, que tratará de forma igual empresas fortemente estruturadas ou não, poderá resultar apenas em alívio tributário para as grandes empresas a um forte custo para o sistema previdenciário. Portanto, é necessário deixar explícito que qualquer proposta de desoneração previdenciária terá custos, e estes custos deverão ser compensados. A desoneração linear pura e simples não parece ser mais vantajosa que

16- A referência são os valores informados em dezembro de cada ano e atualizados segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) a preços de dezembro de 2008.

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a desoneração focalizada, que inclusive pode ter efeitos benéficos sobre a renda do trabalhador. E mesmo que o mercado de trabalho consiga compensar a perda de arrecadação de curto prazo, não se pode deixar de observar a necessidade de sustentabilidade do sistema no longo prazo o que garantirá a manutenção do atual contrato de solidariedade intergeneracional, base do nosso sistema de previdência social. Por fim, entende-se que a reforma tributária nas bases que foi colocada com a PEC enviada ao Congresso Nacional trará grandes consequências para toda a Segurida-

de Social brasileira, no que tange ao seu financiamento. Entretanto, não esteve no escopo deste trabalho tratar de tantas e delicadas questões como estas. Reconhece-se sim a necessidade de mais debates, mas a contribuição que este trabalho tentou oferecer foi o tamanho da compensação fiscal que a previdência social deverá receber, caso a desoneração aconteça da forma como está colocada. Outrossim, se é para tratar de desoneração, sua focalização apresenta resultados fiscais menos intensos que a linear, e ainda pode trazer ganhos em termos de distribuição pessoal de renda.

REFERÊNCIAS ANFIP. Revista de Seguridade Social. Brasília: ANFIP, nº 95, abril-junho, 2008. CARDOSO, J. C. Desestruturação do mercado de trabalho Brasileiro e os limites do seu sistema público de emprego. Brasília: Ipea, 2000 (Textos para Discussão nº 751). DONADON, J. A. Desoneração da folha de pagamento embutida da reforma fiscal. 2004, Mimeografado. IPEA. Políticas Sociais: acompanhamento e análise. Brasília: IPEA, Disoc, nº 15 (capítulo de previdência social), março, 2008. IPEA. Políticas Sociais: acompanhamento e análise. Brasília: IPEA, Disoc, nº 16 (capítulo de previdência social), novembro, 2008. NERI, M. Direitos trabalhistas, encargos e informalidade. Revista Conjuntura Econômica, FGV, setembro, 2000. NERI, M. 40 milhões de trabalhadores sem previdência social. Rio de Janeiro: FGV, Revista Conjuntura Econômica, junho, 2001. NERI, M. Cobertura previdenciária: diagnóstico e propostas. Brasília: MPS, Coleção Previdência Social, v. 18, 2003. NERI, M. Informalidade. Ensaios Econômicos – EPGE, nº 635. FGV, dezembro, 2006.

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a RTIGO Tributação da folha salarial no exterior e no Brasil1 André Gonçalves Diôgo de Lima2

1 – Dos propósitos da pesquisa e seu objetivo A tributação incidente sobre a folha de pagamentos ou salários é alvo de constantes críticas3. Argumenta-se que a tributação gera uma série de incentivos negativos aos empregadores para a contratação de novos funcionários, sendo contrária, pois, à geração de emprego formal. Isto ocorreria porque se eleva o custo de contratação, havendo uma lacuna entre o valor pago a título de salário e o valor efetivamente despendido pelo empregador. Esta lacuna seria preenchida basicamente pelas contribuições para o financiamento da seguridade social (que inclui pensões e seguros de toda sorte). Outro fator negativo levantado na discussão acerca da tributação sobre a folha de pagamentos diz respeito à diminuição da competitividade causada pela tributação

sobre a folha. Há um aumento no custo da mão de obra formalizada, o que tornaria o Brasil menos atrativo para investimentos produtivos. Diante deste cenário, propõe-se a análise da tributação sobre a folha incidente em vários países, fazendo uma comparação com a tributação sobre a folha numa série de países, a saber, Alemanha, Canadá, França, Reino Unido, Brasil e Índia, Eslováquia. Esta análise comparativa terá como objetivo observar o comportamento da tributação sobre a folha em outros países, bem como os principais benefícios que cada sistema entrega aos contribuintes. Foram escolhidos países bastante distintos, com sistemas de civil Law e commom Law, federações e países unitários, desenvolvidos e em desenvolvimento, além de uma experiência que conta com o

1- Este artigo é baseado em relatório sobre o tema desenvolvido no contexto da pesquisa “Reforma Tributária – Eficiência, Simplificação, Transparência e Sustentabilidade”, realizada pelo NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, sob a coordenação do Prof. Eurico Marcos Diniz de Santi e com o apoio do Sindifisco Nacional. O artigo contou com a orientação técnica do Prof. Eurico de Santi. 2- Estudante de Direito e Pesquisador do NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-SP. 3- Neste sentido, observar os vários trabalhos de José Pastore.

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TRIBUTAÇÃO em revista


sistema de flat tax (Eslováquia). Dessa forma, busca-se uma visão mais ampla a respeito do tema. Entretanto, é importante observar que a tributação sobre a folha de pagamentos geralmente destina-se ao financiamento da previdência social, tanto a parcela paga pelo empregado quanto a paga pelo empregador, sendo que parte do valor arrecadado pode financiar serviços para quem não é/foi contribuinte. No conceito de previdência social inclui-se uma série de benefícios como, por exemplo, seguro desemprego, auxílio maternidade, pensões, aposentadorias etc. Neste sentido, não caberá juízo de valor acerca de quais direitos e garantias deveriam ser implementados ou excluídos. Apenas se demonstrará o que cada país cobra e o que ele oferece. 2 – Seguridade, Previdência e Tributação no Canadá As primeiras leis canadenses a respeito de seguridade social (pensões para idosos, deficientes etc.) datam do início do século passado. No país há um sistema de pensão universal para todos os cidadãos acima de 65 anos. As pensões pagas para aqueles que não são contribuintes são financiadas totalmente pelo Estado, não havendo pagamento por parte do empregador ou do empregado. Assim, pode-se observar que no Canadá não há financiamento direto da previdência por parte de seus contribuintes para aqueles beneficiários que não contribuíram. Não haveria, pois, solidariedade nas contribuições para financiamento da seguridade social. Nos casos dos trabalhadores canadenses, tem-se que a contribuição é de 4,95% de todos os ganhos da pessoa, sendo que o piso para contribuição é de C$3.500 (cerca de US$ 4.060) e o teto é de C$46.300 (US$ 53.700). Os trabalhadores com ganhos abaixo de C$ 3.500 são incluídos no plano de pensão universal, financiado com fundos da União. Já nos casos dos trabalhadores autônomos (profissionais liberais), tem-se que a alíquota é de 9,9% dos ganhos, dado as mesmas bases dos empregados. Os limites dos valores de ganhos são

reajustados anualmente, dado o crescimento médio do salário na indústria. Os empregadores, por sua vez, pagam 4,95% do total da folha de salários. Os limites dos valores de ganhos são reajustados anualmente, dado o crescimento médio do salário na indústria. No Canadá há a competência para a cobrança de contribuições previdenciárias tanto por parte da União, quanto por parte das Províncias. Neste sentido, tomaremos como exemplo as contribuições cobradas pela província de Quebec, pois esta é a Província mais autônoma. Já a título de seguro saúde e seguro maternidade, os contribuintes são todos os assalariados, incluindo os funcionários públicos (há cobertura praticamente para toda a população). O seguro pode ser utilizado em outras províncias e até mesmo no exterior (atendidas algumas condições). Neste caso de Quebec, a alíquota da contribuição para este fim é de 0,484% dos rendimentos do empregado, sendo que o teto da base de cálculo é de C$62.000(US$71.900). As províncias de Alberta e British Columbia cobram prêmios dos seguros. Ontário cobra um prêmio baseado nos rendimentos ganhos acima de um certo limite. As demais Províncias não cobram prêmios para estes seguros. Há também financiamento do governo federal. Este é feito via transferência condicionadas e sua fonte é basicamente o orçamento geral do Estado. Os profissionais liberais pagam, no caso de Quebec, 0,737% da renda tributável para fins de financiamento dos seguros saúde e maternidade. Nas demais Províncias há o mesmo sistema já descrito no parágrafo anterior. Já o empregador paga 0,677% sobre a folha de pagamentos em Quebec. Nas demais províncias há uma variação de 1% a 4,5% de tributação sobre a folha de pagamentos. No caso de acidente de trabalho, o Canadá também possui uma legislação que garante cobertura completa para praticamente todas as atividades, seja industrial,

TRIBUTAÇÃO em revista

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comercial, desportiva etc. Estas legislações variam entre as Províncias, todavia os custos para segurar os acidentes de trabalhos são incorridos exclusivamente pelos empregadores, sendo que as alíquotas variam de acordo com a Província e de acordo com a atividade desempenhada pelo profissional. Os valores recebidos pelos segurados variam de 75 a 90% dos ganhos, dependendo da província. Nos casos de perda de capacidade de trabalho parcial, o valor da pensão varia de acordo com o grau de perda da capacidade. Os valores pagos também cobrem as pensões para viúvas(os), órfãos e outros dependentes. No caso do seguro desemprego, tem-se a cobertura para todos os assalariados, inclusive funcionários públicos. Há a exclusão de cobertura para os profissionais liberais. O financiamento do seguro desemprego é pago tanto pelos empregados quanto pelos empregadores. Os primeiros pagam às Províncias uma alíquota de 1,73% dos ganhos (esta alíquota também cobre os benefícios do seguro saúde e maternidade, menos na Província de Quebec, em que a alíquota é de 1,38%). Os empregadores, por sua vez, pagam uma alíquota de 2,42% sobre a folha de pagamentos (em todas as Províncias, menos em

Quebec, em que é 1,93%). O teto máximo de ganhos para contribuições é de C$42.300 (US$49.000). Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas cobradas no Canadá: 3 – Seguridade, Previdência e Tributação na Índia As principais leis garantidoras de seguridade social da Índia foram criadas a partir da segunda metade do século passado, sendo que a lei garantidora do seguro contra acidentes de trabalho é da década de 20. Não há um sistema de seguridade universal na Índia. Esta só é garantida para os trabalhadores de certos setores e que contribuem para os fundos que financiam os programas de seguridade. A despeito da existência de sistemas de previdência social na Índia, estes ainda são débeis e insuficientes. A maior parte da arrecadação do sistema de previdência indiano advém das contribuições dos trabalhadores formais e das contribuições incidentes sobre folhas de pagamento. Entretanto, apenas 7% dos trabalhadores indianos estão trabalhando na formalidade. Ademais, parte expressiva da população indiana (inclusive aquela apta ao trabalho) está localizada nas regiões rurais do país, sendo desprovida de trabalho formal e, conse-

Tabela 1 – Alíquotas cobradas no Canadá

86

CONTRIBUINTE

ALÍQUOTA

BASE DE CÁLCULO

Empregado

4,95%

Ganhos anuais

Profissional Liberal

9,90%

Ganhos anuais

Empregador

4,95%

Folha de salário

Empregado

0,484% (Quebec)

Ganhos anuais

Profissional Liberal

0,737% (Quebec)

Ganhos anuais

Empregador

0,677% (Quebec)

Folha de salário

Empregador

Varia de acordo com a província e a atividade do empregador

*

Empregado

1,73% (1,38% em Quebec)

Ganhos anuais

Profissional Liberal

Não aplicável

Empregador

2,42% (1,93% em Quebec)

TRIBUTAÇÃO em revista

TIPO “Aposentadoria Invalidez Viuvez”

“Seguro Saúde Seguro Maternidade”

Acidente de trabalho

Seguro desemprego Folha de salário


qüentemente, de serviços de seguridade social. Tratando de seguridade social, a Índia dispõe de legislação prevendo aposentadoria, pensões no caso de invalidez e para viuvez. São beneficiados por este sistema os empregados que recebem menos de 6.500 rúpias por mês (US$153,3) em estabelecimentos com, no mínimo, 20 empregados ou relacionados em uma das 182 categorias de negócios relacionadas. Há possibilidade de adesão a planos de seguridade voluntários nos casos em que os ganhos do empregado superem 6.500 rúpias. Relevante observar que há expressa exclusão de profissionais liberais, agricultores e empregados de cooperativas com menos de 50 trabalhadores. Ademais, nos estados de Jammu e Kashmir não há cobertura de seguridade social. O financiamento destes serviços previdenciários é realizado por meio da cobrança de uma alíquota de 12% sobre o salário dos empregados dos estabelecimentos com menos de 20 funcionários e que estejam cobertos pelo plano de previdência. Além desta alíquota, temos que o empregador deve contribuir com 3,67% do valor da folha salarial mensal, mais 1,1% para financiar os custos administrativos do fundo que arrecadará os montantes. O empregador ainda é onerado em 12,33% sobre a folha de pagamentos mensal para financiar os planos de pensão. O governo, seja nacional ou sub-nacional, não contribui com nenhum valor, seja para o fundo de previdência ou para os fundos de pensão. A Índia também possui legislações orientadas a garantir assistência nos casos de doença ou maternidade. A lei que trata do seguro contra acidentes de trabalho é de 1948, enquanto que a lei que disciplina a licença maternidade é de 1961. Elas garantem, entre outras coisas, o pagamento de 1.000 rúpias (US$23,6) no nascimento de um filho e um auxílio funeral de 3.000 rúpias (US$71). Estão cobertos com seguro saúde e licença maternidade aqueles que recebam até 10.000 rúpias (US$235,8) por mês em estabelecimentos com, no mí-

nimo, 20 trabalhadores (10 no caso de manufaturas). Entretanto, uma série de Estados ainda não possui esta parte do sistema de previdência, entre eles Manipur, Tripura, Sikkim e Mizoram. Ademais, são excluídos os profissionais liberais, os trabalhadores sazonais, os agricultores e outros. As grávidas recebem assistência por 2 meses após o nascimento do bebê. Umas das fontes de financiamento para esta parte da seguridade é 1,75% dos rendimentos dos empregados cuja renda diária seja maior que 70 rúpias (US$1,65). O empregador também contribui com 4,75% sobre a folha de pagamentos de todos os empregados. Ademais, como já exposto, o Estado contribui com 12,5% dos custos com assistência médica. Importante salientar que as contribuições a título de financiamento do seguro saúde e maternidade também financiam os seguro acidente de trabalho e o seguro desemprego. Eles podem ser utilizados por aqueles que ganham até 10.000 rúpias por mês e trabalham em estabelecimentos com, no mínimo 10 empregados (10 no caso de manufaturas) que dão direito a tal serviço. O benefício do seguro desemprego é igual a 50% do salário que serviu de base para a contribuição e será pago por até 6 meses. Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas cobradas na Índia: 4 – Seguridade, Previdência e Tributação no Brasil As primeiras leis que tratam de seguridade social no Brasil datam no início do século passado, entretanto foi a partir da promulgação da constituição de 1988 que leis mais abrangentes foram criadas, sendo seguidas pela criação ou majoração de contribuições para dar suporte financeiro às garantias e aos direitos criados. O sistema de previdência brasileiro não é universal em todos os aspectos, tendo o trabalhador (ou o empregador) que contribuir para a seguridade a fim de que haja a garantia para uma série de situações, como desemprego ou acidentes de trabalho.

TRIBUTAÇÃO em revista

87


Tabela 2 – Alíquotas cobradas na Índia CONTRIBUINTE

ALÍQUOTA

BASE DE CÁLCULO

Empregado

12%

Ganhos mensais

Profissional Liberal

Não tem previsão legal

*

Empregador

17,60%

Folha de salário

Empregado

1,75%

Ganhos anuais

Profissional Liberal

4,75%

Ganhos anuais

Governo

12,5 dos custos de assistência médica

Folha de salário

Não obstante, há alguns direitos universais como uma pensão para idosos (a partir dos 65 anos) que não recebam outros benefícios da seguridade e se enquadrem nas especificações do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A seguridade social no Brasil é financiada por uma série de contribuições pagas tanto por empregados quanto empregadores cujas bases de cálculo são os rendimentos dos funcionários ou as folhas de salários da empresas. Ademais, a seguridade também é financiada por outras contribuições cuja base de cálculo não onera a folha de pagamentos e, caso haja déficit, o governo federal arca com este. Quanto a pensões para aposentadoria, invalidez e viuvez o sistema brasileiro cobre praticamente toda a população, desde que esta tenha trabalho formalizado e contribua para a previdência social, que define critérios e valores predeterminados. Deve-se observar que a previdência brasileira existe em paralelo às previdências do setor público e dos militares. Quanto à alíquota paga com base no salário do empregado, temos que esta é de 7,65% para salários-de-contribuição de até R$800,45 (US$444,7), 8,65% para salários-de-contribuição entre R$800,45 e R$900

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TRIBUTAÇÃO em revista

TIPO

“Aposentadoria Invalidez Viuvez”

“Seguro Saúde Seguro Maternidade Acidente de trabalho Seguro desemprego”

(US$500), 9% para salários-de-contribuição R$900,01 e R$1.334,07 (US$741,1) e 11% salários-de-contribuição entre R$1.334,08 e 2.668,15 (US$1.482,3). Nos casos de profissionais liberais ou de segurados facultativos que optarem pela exclusão do direito à aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota é de 11%. Caso queiram o benefício de aposentadoria a alíquota é de 20%. Entende-se por salário-de-contribuição todos os rendimentos do trabalhador. Deve-se observar os limites mínimos e máximos das bases para contribuição. O mínimo de ganhos mensais para se tornar um contribuinte é R$510 (US$280), que é o valor do salário mínimo no Brasil. O teto é R$3416 (US$1.898). Já o empregador deve contribuir com uma alíquota de 20% sobre a folha de pagamentos. Não obstante, micro e pequenos empresários pagam um valor que pode variar de 3 a 8,25% sobre os valores declarados de receita bruta (notar que aqui se englobam também outros tributos, pois paga-se, com uma única guia, vários deles, como forma de simplificação) O segurado pela previdência social no Brasil garante direito à aposentadoria (65 anos para homens e 60 para mulheres, sendo 5 anos a menos nos casos de trabalha-


dores rurais) com pensões que variam entre 70 e 100% do valor do salário-de-contribuição utilizado como base. Já no caso de invalidez, o segurado tem direito a 100% da média dos ganhos (relativos aos salários-de-contribuição) por tempo indefinido. O mesmo ocorre nos casos de pensão por viuvez, sendo que todos os limites são de no mínimo R$510 e no máximo US$3.416. Deve-se observar também que no Brasil existe uma série de contribuições setoriais cujo intuito é o financiamento de programas de incentivos a determinadas áreas cuja base de cálculo é a folha de pagamentos da empresa. Neste sentido, tem-se o SEBRAE (alíquota de 0,3%), SESI, SESC, SEST (alíquota média de 1,5$) e SENAI, SENAC, SENAT (com alíquota média de 1%). No que diz respeito ao seguro contra acidentes de trabalho tem-se que no Brasil o financiamento se dá por um adicional de 1 a 3% pagos pelos empregadores, dependendo do nível de risco ao qual o empregado fica exposto. No caso de trabalhadores rurais há o pagamento de 0,1% sobre a venda dos produtos agrícolas. O seguro desemprego cobre tanto a invalidez temporária quanto a permanente, sem que haja limite de duração para o recebimento do benefício. Também há no Brasil o seguro desemprego. Este é

financiado com recursos das contribuições previdenciárias pagas por empregados e empregadores e possui um sistema particular para fazer com que o empregado poupe. O Fundo de Garantia por tempo de Serviço (FGTS) é um recolhimento compulsório de 8% do salário do empregado feito pelo empregador, a fim de que aquele faça poupança. Foi criado em meados da década de 60 e tinha como objetivo aumentar a poupança nacional e dar alguma garantia ao trabalhador em caso de demissão (visto que fora criado em um momento em que a estabilidade empregatícia no setor privado foi abolida no Brasil). O FGTS pode ser retirado (total ou parcialmente) em ocasiões especiais, tais como perda de emprego sem justa causa, casamento, aposentadoria etc. Por fim, há a contribuição constitucional chamada de salário-educação, cujo fim não é propriamente o financiamento da seguridade social, mas sim o financiamento da educação básica no Brasil. Entretanto, esta contribuição torna-se relevante para o estudo, pois sua alíquota de 2,5% incide sobre a folha de salários das empresas. Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas cobradas no Brasil:

Tabela 3 – Alíquotas cobradas no Brasil CONTRIBUINTE

ALÍQUOTA

BASE DE CÁLCULO

TIPO

Empregador

20% (12% empregados domésticos)

Folha de salário

Empregado

8 a 11% (20% nos casos de profissionais liberais ou 11% em caso de renúncia de aposentadoria

Salário-de-contribuição (rendimentos totais do empregado)

Aposentadoria Invalidez Viuvez Seguro Maternidade Seguro desemprego

Empregador

1 a 3%

Empregado

Um dia de trabalho por ano

Um dia de trabalho por ano

Imposto sindical

Empregado

8%

Salário

FGTS

Empregado

Em média 1,5%

Folha de salário

Financiamento do sistema S

Empregador

2,50%

Folha de salário

Salário Educação

Total das remunerações pagas ou creditadas

Acidente de trabalho

TRIBUTAÇÃO em revista

89


5 – Seguridade, Previdência e Tributação na França As primeiras leis que tratam de seguridade social na França são do fim do século XIX e início do século XX. No país há um sistema universal de assistência social para todos os residentes, dados determinados critérios. Também há sistemas de previdência específicos para determinados setores, como agricultura, mineração etc. As fontes de recursos para financiamento da seguridade social na França advêm tanto dos empregados e empregadores quanto do próprio governo, que pode fazê-lo por meio de aporte direto de recursos ou de subsídios em determinadas áreas. Para o financiamento da seguridade na parte que trata das pensões por idade, invalidez e viuvez, se tem que o segurado deve contribuir com 6,65% do benefício que ele terá direito (há casos específicos em que se pode chegar a pagar 11,37%). O teto para contribuição é de €2.773 (US$4.078). Por sua vez, o empregador deve contribuir com 8,3% da folha de pagamentos (folha total das pensões que os funcionários terão direito). Além deste percentual, será acrescido 1,6% a título de prêmio para o seguro de vida (para os casos de viuvez). Na França, em geral, as pensões por idade são pagas dada a idade mínima de 60 anos (recebimento do valor total da pensão) mais, no mínimo, 160 pagamentos a previdência (estes pagamentos são feitos trimestralmente e passíveis de abatimentos dadas certas condições). Ressalta-se que os períodos em que o contribuinte não estava trabalhando (recebendo auxílio desemprego, saúde etc.) contam para fins de pagamentos a previdência. O benefício máximo que pode ser recebido é igual a 50% do valor usado como referência para o pagamento da seguridade. Aqueles que possuem renda inferior a €7.720 (US$11.353) e têm idade acima de 65 anos (60 anos nos casos de certos tipos de invalidez) possuem direito a pensão por idade. Da mesma forma, possuem direito aqueles que possuem algum tipo de invalidez (que

90

TRIBUTAÇÃO em revista

será aferida para observância de determinados critérios como a perda de até 2/3 da capacidade de trabalho em qualquer ocupação) e terceiros que possuem direito a pensão por viuvez. Nestes últimos casos, o valor máximo a ser recebido é de até 50% do valor usado como referência para a o pagamento da seguridade. No caso da seguridade, no que se refere a seguro saúde e maternidade, tem-se que as fontes de recursos são provenientes tanto do governo, quanto dos empregados e empregadores. De maneira geral, os benefícios do seguro saúde são de 50% da média dos últimos 3 meses antes do início da incapacidade. Já no caso do benefício maternidade, o valor é de 100% da média dos ganhos dos antes meses anteriores ao parto. Os empregados contribuem com 0,75% dos ganhos brutos. Aposentados também contribuem, mas com 1,4% do valor da contribuição (são isentos aqueles que recebem pensão, mas são de baixa renda) mais 2,4% dos rendimentos de previdência privada, caso possuam. Já os empregadores contribuem com 12,8% do valor da folha de pagamentos, mais 0,3% sobre a folha para o financiamento de programas de contribuição para fundos de assistência. Além disso, os empregadores ainda recolhem 0,13% sobre os lucros para o financiamento destes programas. O governo contribui com 12% de adicional sobre uma série de operações, como tributação sobre álcool, tabaco etc. O seguro contra acidentes de trabalho na França é financiado totalmente pelo empregador. O prêmio depende do grau de risco que o trabalho oferece, mas, em média, é cerca de 2,26% da folha de pagamentos. O valor do benefício recebido é de 60% da média dos ganhos do último mês trabalhado nos primeiros 28 dias, após este período o valor passa a ser de 80% dos ganhos. No caso de invalidez total, o valor do benefício é de 100% do valor base para cálculo da contribuição. Todos os custos médicos são arcados por um fundo próprio para este fim e não há limite para os tratamentos. Nos casos de seguro desemprego, tem-se que o fi-


nanciamento é realizado tanto pelo empregado quanto pelo empregador. O segurado contribui com uma alíquota de 2,4% sobre os ganhos usados como base para a contribuição. Já o empregador deve contribuir com 4% sobre a folha de pagamentos (folha total das pensões que os funcionários terão direito). Ademais, ainda há um adicional de 0,15% sobre a mesma base para o financiamento de um fundo de garantia caso a empresa torne-se insolvente. Por fim, ainda há uma contribuição para financiamento de uma pensão familiar para famílias que tenham ou adotem filhos. A contribuição é feita por profissionais liberais e pelos empregadores, sendo que estes pagam 5,4% da renda e 5,4% da folha de pagamentos, respectivamente. 6 – Seguridade, Previdência e Tributação no Reino Unido As primeiras leis relativas à seguridade social no Reino Unido datam no início do século passado. No país há um sistema de previdência que contempla toda a população. Entretanto, deve-se ressaltar que há várias

exceções e limitações para a concessão dos benefícios, dado parâmetros pré-estabelecidos. As fontes de recursos para os benefícios relativos à pensão por idade, invalidez, viuvez, seguro saúde, maternidade, acidente de trabalho e desemprego são custeados com recursos dos empregos, empregadores e governo. Neste sentido, os empregados contribuem com uma alíquota de 11% sobre os ganhos semanais, sendo o piso de £105 (US$219) e o teto de £770 (US$1.640). Não obstante, mulheres casadas ou viúvas contribuem com uma alíquota diferenciada de 4,85% sobre a mesma base. Há uma adicional de 1% sobre os ganhos semanais nos casos em que renda semanal ultrapasse £770. Já contribuintes voluntários do sistema de seguridade devem pagar uma contribuição fixa de £8,1 (US$17) por semana. Os profissionais liberais, por seu turno, devem pagar uma contribuição fixa no valor de £2,3, nos casos de casos de ganhos superiores £4.825 (US$10.052). Casos os ganhos superem £5.435 (US$11.323) haverá ainda um adicional de 8% sobre os ganhos que ultrapassa-

Tabela 4 – Alíquotas cobradas na França CONTRIBUINTE

ALÍQUOTA

BASE DE CÁLCULO

Empregado

6,65%

Ganhos que terá com o benefício

Profissional Liberal

Não aplicável

Não aplicável

Empregador

9,90%

Folha de salários (folha total das pensões que os funcionários terão direito)

Empregado

0,75% (1,4% aposentados)

Rendimentos brutos

Profissional Liberal

Não aplicável

Não aplicável

Empregador

13,1% (Quebec)

Folha de salário

Governo

12%

Adicional sobre tributos como cigarros, fármacos etc.

Empregador

2,26%

Folha de salário

Empregado

2,40%

Ganhos que terá com o benefício

Profissional Liberal

Não aplicável

Não aplicável

4%

Folha de salários (folha total das pensões que os funcionários terão direito)

Empregador Profissional Liberal

5,40%

Rendimentos

Empregador

5,40%

Folha de pagamentos

TIPO Aposentadoria Invalidez Viuvez

“Seguro Saúde Seguro Maternidade”

Acidente de trabalho

Seguro desemprego

Pensão familiar

TRIBUTAÇÃO em revista

91


rem este valor, sendo o teto de £40.040 (US$83.417). Ultrapassando-se o teto, ainda paga-se outro adicional de 1%. Já o empregador deve contribuir com 12,8% sobre as folha de todos os funcionários que recebam acima de £105 (US$219). Importante observar que 15% do valor das contribuições são destinadas ao Serviço Nacional de Saúde, com o intuito de financiar os custos dos tratamentos de saúde da população. As aposentadorias no Reino Unido são cedidas a homens com mais de 65 anos e mulheres com mais de 60 (há uma regra para que progressivamente as mulheres passem a se aposentar mais tarde, com 65 anos, assim como os homens, devendo haver a igualdade até 2020). O tempo de contribuição é de até 44 anos, todavia há uma série de regras que diminuem esse tempo, podendo ser diminuído, em certos casos, para 30 anos. Caso haja menos tempo de contribuição e o contribuinte atinja a idade para se aposentar, a pensão será diminuída, dado determinados critérios. Há uma série de outros benefícios para aposentadorias, como a aposentadoria para pessoas que nunca contribuíram. O benefício é, no máximo, de £90.7 (US$189), todavia pode-se ter uma série de adicionais, casos sejam atendidos certos critérios, como possuir dependentes ou postergar a aposentadoria. Já o benefício nos casos de invalidez é de £84,5 (US$176) por semana, havendo possibilidade de adicionais dados certos critérios, como, por exemplo, dependentes. No caso de pensão por viuvez, se tem que a pensão é, em geral, de £90,7, podendo variar dados certos critérios. Já o seguro contra acidentes de trabalho cobre todos os empregados e profissionais liberais, com benefícios que variam de acordo o grau de invalidez causada pelo acidente. Nos casos de benefícios relativos a seguro saúde e maternidade, tem-se que o empregador é responsável pelo pagamento nos casos de doença do empregado

92

TRIBUTAÇÃO em revista

(£75,4 (US$157), havendo casos em que o empregador paga apenas partes dos custos). Nos casos de seguro maternidade, o empregador contribui com 8% dos custos (que variam se o seguro é para o homem ou para a mulher, variando de £63,75 por semana a £117,18 por semana). Ressalta-se que os serviços de saúde são providos por serviços públicos ou por profissionais com contratos com o estado. 7 – Seguridade, Previdência e Tributação na Eslováquia As primeiras leis eslovacas acerca de seguridade social e previdência datam do final do século XVIII e início do século XIX, como é o caso das relativas à aposentadoria, invalidez, viuvez, maternidade e seguro saúde. Na Eslováquia, parte dos valores pagos por empregadores e empregados são depositados diretamente em uma conta individual de cada segurado. Também há a possibilidade de haver o pagamento de custeio dos fundos de pensão, sendo que tal cobrança só pode ser feita aos contribuintes voluntários, com uma alíquota máxima de 1% sobre o montante dos pagamentos mensais e 0,07% sobre a média mensal do valor líquido do patrimônio sob custeio do fundo. Relevante notar que o governo cobre qualquer tipo de déficit e aporta recursos para subsidiar os pagamentos para uma série de situações. Ele aporta valores que variam entre 18 e 70% para, por exemplo, pensões de idosos que possuem crianças doentes. O valor mínimo para as contribuições à previdência é de 8.100 koruna (aproximadamente 360 dólares). Entretanto, há a possibilidade de diminuição dos valores piso para as contribuições nos casos em que o contribuinte tenha algum tipo de invalidez que diminuía sua capacidade de trabalho. A pensão por idade na Eslováquia é concedida aos homens a partir de 62 anos e para mulheres a partir dos 56 anos, sendo que a pessoa deve ter contribuído por, no mínimo, 10 anos. Não obstante, a idade para concessão de aposentadoria das mulheres está sendo


Tabela 5 – Alíquotas cobradas no Reino Unido CONTRIBUINTE

ALÍQUOTA

BASE DE CÁLCULO

Empregado

11% (4,85% no caso se viúvas e mulheres casadas). Adicional de 1% para ganhos acima de £770

Ganhos semanais

Contribuintes voluntários Empregador Profissional liberal

Montante fixo de £8,1 por semana Folha de salários (funcionários que ganham acima de £105 por semana)

12,80%

Montante fixo de £2,3 para ganhos acima de £4.825. Alíquota adicional de 8% para ganhos entre £5.435 e £40.040. Acima do teto adicional de 1%

Governo

Governo

“Aposentadoria Invalidez Viuvez Acidente de trabalho Seguro desemprego”

Cobre possíveis déficits 8%

Empregador

TIPO

Total do custo (dados os limites)

Total dos custos, dado os limites estabelecidos (em certos casos há pagamento parcial) 92%

Total do custo (dados os limites)

Em certos casos há o pagamento de pequena parcela dos custos do seguro saúde

aumentada gradualmente até atingir o mesmo nível da dos homens, ou seja, 62 anos. Para a seguridade relativa à pensão por idade, invalidez e viuvez, os empregados contribuem com uma alíquota de 4% sobre os valores dos ganhos mensais cobertos, sendo que nenhum valor é deposita em conta individual. Não obstante, os contribuintes voluntários contribuem com uma alíquota de 18% sobre os ganhos individuais, sendo que metade (9%) é depositada na conta individual. O empregador, por seu turno, contribui com uma alíquota de 14% sobre a folha de pagamentos, sendo que 9% vai diretamente para as contas individuais dos empregados. Como já exposto, o governo arca com quaisquer déficits e aporta montantes para subsidiar alguma categorias e pessoas em determinadas situações. O valor da pensão por idade é calculado utilizando-se a média dos ganhos durante o período de contribuição e há sistemas de aumento da aposentadoria para aquelas pessoas que optem por postergá-la. Neste sentido, a aposentadoria é aumentada em 0,5% para cada mês que o contribuinte adia a aposentadoria. Para a aposentadoria por invalidez, aplicam-se as mesmas disposições acerca da pensão por idade, no que

Seguro maternidade Seguro saúde Seguro maternidade Seguro saúde

couber. Já para os casos de pensão por viuvez, tem-se que o valor da pensão é igual a 60% do valor da pensão que recebida pelo de cujus. Para o financiamento das pensões relativas a seguro saúde e maternidade, tem-se que os empregados contribuem com uma alíquota de 5,4% sobre os valores dos ganhos mensais cobertos. O profissional liberal, por sua vez, contribui com uma alíquota de 18,4% sobre os ganhos declarados. Já o empregador contribui com uma alíquota de 11,4% sobre a folha de pagamentos coberta. Para ambos os benefícios há um período de carência de quase 3 anos (2 anos antes da invalidez ou do nascimento do bebê, mais 270 dias antes dos 2 anos). Não obstante, não há carência para o benefício do seguro saúde em geral. Relevante notar que os benefícios médicos incluem desde simples tratamentos até internações, tratamentos dentários e vacinação. Já o seguro contra acidentes de trabalho é financiado totalmente pelo empregador, com uma alíquota de 0,8% sobre a folha de pagamentos. Entretanto, o governo arca com qualquer déficit. Não há carência para o recebimento do benefício. Há uma lista, definida em lei, de 47 doenças ocupacionais que são cobertas pelo

TRIBUTAÇÃO em revista

93


Tabela 6 – Alíquotas cobradas na Eslováquia CONTRIBUINTE

ALÍQUOTA

BASE DE CÁLCULO

Empregado

4%

Ganhos cobertos

Profissional Liberal

18%

Ganhos cobertos

Empregador

14%

Folha de pagamentos

Governo 5,40%

Ganhos cobertos

Profissional Liberal

18,40%

Ganhos cobertos declarados

Empregador

11,40%

Folha de pagamentos coberta

Governo

Empregado

0,80%

Folha de pagamentos total Não se aplica

8 – Seguridade, Previdência e Tributação na Alemanha As primeiras leis alemãs acerca de seguridade social e previdência datam do final do século XVIII e início do

TRIBUTAÇÃO em revista

“Seguro Saúde Seguro Maternidade”

Qualquer déficit

seguro contra acidentes de trabalho. Os valores recebidos variam entre 55% e 80%, dependendo se a invalidez é temporária ou é necessário reabilitação, dos ganhos médios diários do empregado. No caso de invalidez permanente, os valores podem chegar a 80%, dependendo do grau de invalidez, a ser aferido por um perito médico da Agência de Seguridade Social. No caso de seguro desemprego, tem-se que este é financiado pelo empregado com 1% sobre os ganhos cobertos, sendo que os contribuintes voluntários pagam 2% de alíquota sobre a mesma base. Já o empregador contribui com 1% sobre a folha de pagamentos e o governo arca com qualquer déficit. O seguro é no valor de 50% sobre os ganhos médios do empregado, durante 6 meses.

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“Aposentadoria Invalidez Viuvez”

Qualquer déficit

Empregado

Empregador

TIPO

Acidente de trabalho Seguro desemprego

século XIX, como é o caso das relativas à aposentadoria, invalidez, viuvez, maternidade e seguro saúde. Após a unificação alemã acorrida em 1990, os sistemas de seguridade e previdência continuaram existindo de forma apartada, havendo a consolidação apenas em 1992, por meio de uma lei nacional. Não obstante, não foi possível fazer a plena equivalência, no que diz respeito à previdência, o que levou a criação de parâmetros diferentes para os estados que pertenciam à Alemanha Oriental. Sendo esse um sistema provisório com vista a equacionar disparidades entre as duas “Alemanhas”, agora unidas, serão expostos apenas os dados relativos à previdência do lado ocidental. Assim como nos outros países já pesquisados, a forma de financiamento da seguridade e previdência alemã se dá majoritariamente por meio de tributação sobre a folha de pagamentos, variando apenas a cesta de benefícios que são concedidos para aqueles incluídos no sistema. Relevante notar que governo alemão aporta subsí-


dios específicos na previdência para compensar os custos dos benefícios que não são relativos a benefícios oriundos dos pagamentos dos prêmios. O valor mínimo para as contribuições à previdência é de 400 euros (aproximadamente 588 dólares). Há a possibilidade de diminuição das alíquotas nos casos em que o contribuinte receba entre 401 e 800 euros por mês. A pensão por idade na Alemanha é concedida aos 65 anos de idade, podendo ser antecipada em determinados casos em que haja algum tipo de invalidez que diminua a capacidade de trabalho. Entretanto está havendo uma mudança gradual para que a idade mínima suba para 67 anos. Neste sentido, todas as pessoas nascidas após 1694 só poderão se aposentar aos 67 anos. Ademais, a partir de 2012 a pensão integral só será paga aos contribuintes que aportaram recursos por, no mínimo, 45 anos. Para a seguridade relativa à pensão por idade, invalidez e viuvez, os empregados contribuem com uma alíquota de 9,95% sobre os valores dos ganhos mensais, havendo possibilidade de alíquotas menores para quem recebe entre 401 e 800 euros. Não obstante, os contribuintes voluntários (autônomos) contribuem com uma alíquota de 19,9% sobre os ganhos individuais. O empregador, por seu turno, contribui com uma alíquota de 9,95% sobre a folha de pagamentos, todavia recolhe uma alíquota de 15% sobre os ganhos nos casos em que empregue trabalhadores que recebem menos de 400 euros. O valor da pensão por idade é calculado utilizando-se uma série de cálculos que garantem “pontos” ao contribuinte, que os acumula durante os anos de contribuição. Além disso, há a utilização da média total dos valores das contribuições e de um fator previdenciário para os cálculos do valor da pensão. Para a aposentadoria por invalidez, aplicam-se as mesmas disposições acerca da pensão por idade, no que couber. Todavia, o fator utilizado para o cálculo dos benefícios pode mudar nos casos de invalides total ou

parcial. Já para os casos de pensão por viuvez, tem-se que o valor da pensão também é calculo de acordo com um fator previdenciário, mais os anos de contribuição e o valor esperado para a pensão. Para o financiamento das pensões relativas a seguro saúde e maternidade, tem-se que os empregados contribuem com uma alíquota média 7,9% (isto porque as alíquotas podem variar) sobre os valores dos ganhos mensais, havendo um teto para as o pagamento de contribuições. Profissionais liberais não se enquadram nessa categoria para fins de previdência, não havendo, pois, contribuição. Já o empregador contribui com uma alíquota de 7% sobre a folha de pagamentos coberta, tendo um teto para tais pagamentos. Ademais, o empregador pode pagar uma alíquota majorada para 13%, nos casos em que o empregado receba menos de 400 euros por mês. No caso de seguro doença, o empregador deve pagar 100% do valor do salário do empregado por seis meses. Após esse período, um fundo previdenciário destinado para esse fim arca com 70% (sendo o limite 90%) dos ganhos brutos. Quanto ao seguro maternidade, tem-se que a mulher passa receber a média dos ganhos dos últimos três meses, sendo o início dos pagamentos seis semanas antes da data esperada para o parto e durante as oito semanas subseqüentes ao nascimento da criança. Um fundo previdenciário paga até 13 euros por dia, sendo que o restante é arcado pelo empregador. Já o seguro contra acidentes de trabalho é financiado totalmente pelo empregador, com uma alíquota média de 1,32% sobre a folha de pagamentos. As alíquotas efetivas dependem do grau de risco que a atividade desempenhada gera. Entretanto, o governo subsidia esse sistema no que concerne aos acidentes de trabalho para agricultores. Nos casos de total invalidez, a pensão é equivalente a dois terços da média dos ganhos do ano anterior. Nos casos de invalidez parcial, há cálculos para se estabelecer o valor da pensão. No caso de seguro desemprego, tem-se que este é

TRIBUTAÇÃO em revista

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Tabela 7 – Alíquotas cobradas na Alemanha CONTRIBUINTE

ALÍQUOTA

BASE DE CÁLCULO

Empregado

9,95%

Ganhos

Profissional Liberal

19,90%

Ganhos

Empregador

9,95% (15% para ganhos inferiores a 400 euros)

Folha de pagamentos

Governo Empregado

Governo Empregador

7,9% (média)

Ganhos cobertos Não aplicável

7% (Média)

Folha de pagamentos coberta

1,325

Folha de pagamentos total

Empregado

1,655

Profissional Liberal

3,30%

Empregador

1,65%

9 – Considerações finais Como observado, os países analisados possuem sistemas de tributação sobre a folha de pagamentos semelhantes ao Brasil, tributando tanto o trabalhador quanto o empregador, além de criar tributos específicos para custear determinados benefícios.

TRIBUTAÇÃO em revista

“Seguro Saúde Seguro Maternidade”

Subsídio para compensar custos de benefícios não cobertor pelos prêmios

financiado pelo empregado com 1,65% sobre os ganhos cobertos, sendo que os contribuintes voluntários pagam 3,3% de alíquota sobre a mesma base. Já o empregador contribui com 1,65% sobre a folha de pagamentos e o governo arca com qualquer déficit. O seguro é no valor de 67% sobre os ganhos médios do empregado se esse tiver filhos e 60%, caso não tenha. Não há prazo para o seguro desemprego.

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“Aposentadoria Invalidez Viuvez”

Subsídio para compensar custos de benefícios não cobertos pelos prêmios

Profissional Liberal Empregador

TIPO

Acidente de trabalho

Seguro desemprego

Outro elemento que pôde ser observado é que em alguns países há programas que incentivam a postergação da aposentadoria, bem como a igualdade nos tratamentos de homens e mulheres. Não se pode afirmar, a partir das informações colhidas, que a tributação sobre a folha no Brasil é excessivamente alta, pois é necessário que se observe, concomitantemente, todos os benefícios concedidos pelo sistema de seguridade social. Neste sentido, pode-se observar o caso da Índia. Neste país a tributação sobre a folha de pagamentos é baixa, mas, por outro lado, a cesta de serviços oferecida à sociedade é bastante reduzida. Sendo assim, a discussão sobre o peso dos tributos sobre a folha passa também pelo modelo de Estado que se quer.


a RTIGO Uma Nova Forma de Financiamento da Previdência Social Luigi Nese 1

A importância da Previdência Social para o bem estar brasileiro é significativa. Ela funciona como o maior distribuidor de renda do país, atendendo a todas as classes sociais. Porém, seu crescente déficit (média de R$ 40 bilhões nos últimos 5 anos) inviabiliza reajustes previdenciários suficientes para repor perdas passadas. Além disso, o ciclo de vida mais longo promove o envelhecimento da população brasileira, pressionando o orçamento previdenciário com novos clientes que entram no sistema todos os anos. Para resolver esse impasse, a CNS/FESESP (Confederação Nacional de Serviços / Federação de Serviços do Estado de São Paulo), entra no debate com uma propos-

ta viável, baseada em um estudo elaborado pela FGV/ SP: a substituição de recolhimento Patronal ao INSS por uma contribuição sobre Movimentação Financeira. É a solução apresentada pelo setor de serviços, responsável por 66% do PIB Nacional e por 35% dos empregos em 2009, e que cresce em média, mesmo em anos de crise, 2,5% ao ano. O objetivo é desonerar o trabalho, eliminando as contribuições patronais sobre a Folha de Pagamento, como 20% de INSS, 2,5% Salário Educação e 0,2% INCRA. É a busca de uma alternativa capaz de gerar volume financeiro que irá comportar essa substituição dos recursos, sem ter um impacto negativo junto à so-

1- Presidente da CNS-Confederação Nacional de Serviços.

TRIBUTAÇÃO em revista

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Tabela 1 - Reflexo para a Economia PIB

Elevação de 1,65%

EMPREGO

Aumento de 1,60% no nível geral de emprego

IGPM

Redução de 0,75% no IGPM

IPC

Redução de 0,45% no IPC

Demanda Total

Elevação de 1,77%

Fonte: Fundação Getulio Vargas Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico *Movimentação Financeira de 0,69%

ciedade: basta descontar 0,69% sobre a movimentação financeira. Esse tipo de imposto é de fácil fiscalização, pois é feito diretamente na movimentação financeira bancária, permitindo que todos possam contribuir para a melhoraria da arrecadação da Previdência Social. Os reflexos dessa mudança de base tributária são numericamente positivos em relação à arrecadação do INSS. De acordo com o quadro abaixo: Conforme o quadro de estudo elaborado pela FGV/ SP, a implantação desta proposta de Contribuição Sobre Movimentação Financeira oferece vários pontos positivos para todo o espectro social, num curto espaço de tempo. Neste cenário, observa-se um avanço no PIB de 1,65% em razão da mudança da estrutura tributária. Esse crescimento do nível de atividade econômica seria acompanhando por uma elevação de 1,60% no emprego. A substituição de tributos passa a incidir não so-

mente no setor formal da economia, mas também sobre a economia informal. O efeito multiplicador dessa expansão da base de arrecadação reduz a carga tributária, estimulando assim o crescimento econômico. Os índices de inflação, por conseqüência, apresentam variações negativas, tanto o IGPM 0,75% quanto o IPC 0,45%, visto que tanto o custo como a carga tributária serão reduzidos, proporcionando assim um maior fôlego. Cria-se uma alíquota única, o que torna mais fácil o seu cálculo e fiscalização. Em contrapartida, a CNS/FESESP propõe que, para implantar o projeto, haja um aumento de 0,69% dos salários de pessoas em contrato CLT. A finalidade é não onerar o funcionário com os encargos tributáveis, quando o mesmo for sacar os recursos no banco. Veja quadro abaixo: Nos quadros abaixo, podemos realizar um comparativo utilizando os anos de 2009 e 2010:

Tabela 2 - Simulação da Contribuição Sobre Movimentação Financeira R$ Salário

Aumento de 0,69%

2.000,00

Elaboração: DEPEC - Departamento de Econômia - Conferderação Nacional de Serviços

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TRIBUTAÇÃO em revista

2.013,80

Mov. Financeira 0,69% 13,90


Gráfico 1 - Contribuição sobre Mov.Financeira (0,69%) X Recolhimento Empresa sobre Folha de Pgto ao INSS (20%) - 2009 Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico Fonte: INSS e Banco Central Dezembro - 2009 * Movimentação Financeira de 0,69%

Gráfico 2 - Contribuição sobre Mov.Financeira (0,69%) X Recolhimento Empresa sobre Folha de Pgto ao INSS (20%) - 2010 Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico Fonte: INSS e Banco Central * Movimentação Financeira de 0,69% Julho - 2010

TRIBUTAÇÃO em revista

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No gráfico nota-se que no período de 2009 há uma diferença negativa (-3,88) entre o modelo atual de arrecadação do INSS e a arrecadação da Contribuição Sobre Movimentação Financeira; já no período de 2010 essa diferença fica em 2,5% positiva para a arrecadação sobre movimentação financeira sobre INSS.

Vejamos no quadro abaixo o período de 2006 a 2008. Como podemos analisar através do gráfico acima, caso fosse adotado a sistemática proposta, a arrecadação da Previdência Social teria um acréscimo de receita por parte do INSS e somente no ano de 2009 teríamos um déficit de arrecadação.

Gráfico 3 - Mov. Financeira X Recolhimento Empresa X Saldo do INSS - (2006 - 2008) Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico Fonte: INSS e Banco Central Setembro - 2010 * Movimentação Financeira de 0,69%

Tabela 3 - % Variação entre arrecadação movimentação financeira X arrecadação INSS Ano

Var %

2006

0,9%

2007

0,4%

2008

2,2%

2009

-4,3%

2010*

0,5%

Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico 2010* (período de janeiro a agosto de 2010)

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TRIBUTAÇÃO em revista


Gráfico 4 - Recolhimento Empresa ao INSS X Movimentação Financeira Simulada - (2000 à 2010) Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico Fonte: INSS e Banco Central Setembro - 2010 *Movimentação Financeira de 0,69%

Vejamos agora num período mais prolongado de 2000 a 2010. Pelo gráfico percebe-se na arrecadação simulada da Previdência Social uma distribuição mais uniforme, eliminando picos de dezembro, beneficiando as empresas e a previdência, com este fluxo dos recursos. Outro fator importante seria a redução da inadimplência e informalidade, pois cada empresa, profissional liberal ou cidadão que tivesse sua conta bancária, estaria contribuindo para o sistema previdenciário. Haveria então uma melhora no relacionamento entre empregado e empregador, eliminando sensivelmente as alternativas que são utilizadas para a redução da carga tributária, resultando em ações como “PLR”, “CLT Flex.”, “Cooperativa PJ’s”, “Cota de benefícios”, que são instrumentos legais, porém de difícil controle e implantação. É importante ressaltar a causa dos reflexos positivos da implantação deste novo sistema de tributação, tanto no crescimento das atividades econômicas do país

quanto na redução de preços: trata-se da redução das distorções de preços e das ineficiências que surgem com a elevada tributação sobre mão-de-obra, que incide exclusivamente sobre a economia formal, onerando a produtividade. A redução da carga tributária com a ampliação da base de contribuintes para a Previdência Social, com a inclusão de parte da economia informal e sonegadores, permite que seja obtida a mesma arrecadação num ambiente de maior prosperidade econômica.

REFERÊNCIAS FGV. Fundo sobre a Carga Tributária no Setor de Serviços e Impactos da Desoneração da Folha de Pagamentos na Economia Brasileira. São Paulo: FGV, 2009. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SERVIÇOS. Departamento Econômico. SÃO PAULO, 2010.

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a RTIGO A Desoneração da Folha e a Reforma Previdenciária Floriano José Martins1

1. Princípios Tributários Todos nós sabemos que o Estado precisa de dinheiro para pagar suas contas, e a principal fonte de recursos para efetuar despesas são os impostos. Nesse sentido, nós que fizemos parte do Estado, ao decidirmos tributar a nós mesmos, estamos decidindo sobre a maneira pelas quais os recursos exigidos para atender às necessidades sociais serão retirados de todas as nossas famílias e das empresas que possuímos, e destinados a bens e serviços públicos. É pensamento constante que os tributos deveriam impor o menor custo possível à sociedade e que o ônus dos mesmos deveria ser distribuído da maneira mais igualitária, ou seja, o sistema tributário deveria ser tanto eficiente quanto eqüitativo.

Por ouro lado, o peso da carga tributária não deve ser impeditivo ao desenvolvimento social e econômico, portanto, deve ser compatível com as riquezas produzidas em uma sociedade. Não há no mundo civilizado critérios objetivos para estabelecer quando uma tributação está ou não “de bom tamanho”, ou seja, compatível com as necessidades da população e a quantidade dos serviços prestados pelo Estado. Se compararmos com alguns países, conforme estudo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com dados de 2008, verificamos que, enquanto o Brasil tem uma carga tributária de 34,4%, alguns países têm carga menor, como o Japão (17,6%), México (20,4%), Turquia (23,5%), Estados Unidos (26,9%), Irlanda (28,3%),

1- Vice Presidente para Assuntos de Seguridade Social – ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil).

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TRIBUTAÇÃO em revista


Suíça (29,4%), Canadá (32,2%) e Espanha (33%). Porém, acima do Brasil, estão Reino Unido (35,7%), Alemanha (36,4%), Portugal (36,5%), Luxemburgo (38,3%), Hungria (40,1%), Noruega (42,1%), França (43,1%), Itália (43,2%), Bélgica (44,3%), Suécia (47,15) e Dinamarca (48,3%). Portanto, segundo o estudo, a carga tributária, em tese, mostra uma estreita ligação ao perfil de países com maior ou menor grau de demanda social à população. Um sistema tributário justo é aquele que tributa menos a produção e mais a renda. Todo o sistema tributário deve buscar um equilíbrio social entre capital e trabalho e procurar diminuir a tributação sobre consumo e salários, ampliando-se a tributação sobre o capital, especialmente a sua transmissão, as grandes fortunas e os ganhos financeiros. No Brasil, não tão diferente dos demais países, há discussão de toda ordem, em função da alta carga tributária, do seu sistema tributário e, talvez, muito mais sobre o retorno de seus benefícios. Entretanto, nos parece que a crítica de maior alcance advém dos agentes econômicos, deixando patente o efeito negativo que impede o desenvolvimento competitivo, e a eficácia das negociações brasileiras, visando a sua integração em blocos de comércio. Por outro lado, não é menos verdade, que na discussão, de nosso sistema tributário, os maiores debates tem sido com os próprios segmentos econômicos, deixando de lado da discussão os demais setores envolvidos, ou seja, a grande massa da sociedade laborativa. Até porque o debate é travado mais sobre a ótica econômica do que a social. Entretanto, nada ou muito pouco é tributado em relação aos fabulosos lucros das grandes empresas, pois todo tipo de tributação recai sobre o preço final do produto, ou seja, em quem compra (na pessoa de carne e osso). Porém, seguindo alguns princípios de direito e de justiça, até mesmo de igualdade, o princípio da Capacidade Contributiva existe, não somente para proteger

o cidadão contra os abusos do poder do Estado, mas para a busca de uma tributação mais igualitária e mais justa. E este princípio, qualquer que seja ele, está intimamente ligado ao modelo de Estado: a forma de ser financiado, os serviços públicos que serão prestados, quem se utiliza dos serviços públicos, como se distribuem pela Federação a responsabilidade pelos serviços e a repartição tributária, os setores sociais que responderão pelos tributos, o objeto da tributação, os incentivos tributários, além da própria administração tributária e sua hierarquização. Portanto, definir sobre quem, direta ou indiretamente, recaem esses encargos correspondem opções políticas, que podem resultar em concentração ou distribuição de renda, privilégio a setores e agentes econômicos, ampliar ou diminuir as desigualdades regionais, e ainda servir de instrumento para o desenvolvimento social e econômico. 2. A Seguridade Social e seus efeitos O processo constituinte, nascido em 1988, produziu grandes avanços no campo social. Entre eles, citamos o da Seguridade Social. Seu conceito: “um conjunto de ações destinadas a assegurar direitos relativos à saúde, previdência e assistência social”; os princípios e a identificação com a cidadania, com uniformidade, equidade e universalidade; e o seu Orçamento próprio (o principal instrumento de efetivação desses direitos, com pluralidade de fontes de financiamento e programações de despesas dos órgãos responsáveis pela prestação dessas funções públicas). Daí o financiamento dessas ações ser definido como um encargo da sociedade em seu conjunto e os riscos cobertos não como mera contrapartida de contribuição individual, mas como obrigações assumidas pela Seguridade Pública, enquanto instrumento de política social. Estudos sobre a análise do Orçamento da Seguridade Social, anualmente divulgado pela ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal

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do Brasil), revelam que a receita vem superando em todos os anos as despesas, saldos esses que podem ampliar as ações de todo o sistema de Seguridade Social. Somente em 2009 foram R$ 32,60 bilhões de superávit (Anfip, Análise da Seguridade Social, 2009 –www.anfip.org.br). Aliás, a análise das ações da Seguridade Social é muito importante para a compreensão do papel dos principais programas da construção do mercado interno brasileiro na mobilidade social determinada pela redução brutal da miséria e no aumento significativo dos setores da classe média. Mesmo com seus recursos alocados para outros fins que não da Seguridade Social, além da Desvinculação de Receitas da União – DRU, instrumento que retira de sua receita vultosa quantia de recursos e que deveria fazer parte de seu orçamento e das diversas renúncias praticadas, com impacto direto nas receitas, suas ações tem superado em muito, inclusive para fazer face ao enfrentamento da crise. Assim, constata-se que o processo constituinte produziu grandes avanços no campo social. Mas, é imprescindível que esse processo seja mais transparente, principalmente quanto à segregação dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, onde a sociedade possa analisar com mais detalhes os fluxos financeiros e de programações de despesas entre esses orçamentos. A defesa da Seguridade Social, do seu Orçamento e a preservação de suas fontes exclusivas de financiamento é dever de todas as entidades e setores organizados da nossa sociedade que lutam pelos direitos sociais, principalmente quanto à proposta de Reforma Tributária, atualmente no congresso. Além de não avançar rumo à desejável e necessária justiça tributária, subtrai da Seguridade a exclusividade de parte de suas receitas e a pluralidade de suas fontes de financiamento, representadas pela existência das contribuições sociais sobre o lucro e o faturamento. Implementar reformas que desconstituam a Seguridade pode ser o primeiro passo para a retomada do dis-

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curso em defesa da necessária reforma da previdência. Aliás, a Reforma da Previdência tornou-se uma questão recorrente e, portanto, considerada a “salvação da pátria” para muitos, independente dos sacrifícios necessários à determinada classe de trabalhadores, mesmo que seja a parcela do menor poder aquisitivo. 3. A desoneração da Folha de Salários Dentro da proposta da Reforma Tributária (PEC 233) está inclusa a redução da alíquota de contribuição patronal à Previdência, que hoje é de 20% sobre a folha de salário. A alíquota seria reduzida em um ponto percentual por ano a partir de 2010 e, em 2015, chegaria a 14%. Com isso, o governo abriria mão de cerca de R$ 24 bilhões e atenderia a uma reivindicação antiga dos empresários. Sem entrar no mérito das outras rubricas, em face do espaço, analisemos esta proposta, essência deste artigo. Diversas e variadas opiniões cercam o assunto e, pelo menos um ponto vem sendo questionado, por diversos especialistas, o que poderá haver aumento da carga tributária, para compensar o que seria desonerado. A questão da flexibilidade da cota patronal previdenciária vem sendo motivo de intenso debate entre os tributaristas e em círculos empresariais e parlamentares, além da pressão das entidades de trabalhadores, os quais temem pelo futuro incerto de seus direitos previdenciários. A importância dessa matéria se justifica pela controvérsia em torno da relação que se estabelece entre a redução de custo e a geração de empregos, ou seja, até que ponto a desoneração da folha das empresas possibilitaria o crescimento do mercado formal e, conseqüentemente, a recuperação da receita previdenciária, com a expansão da cobertura do sistema. Aliás, não se tem bons exemplos, em outros países, de que a redução da alíquota incidente da folha de salário tenha resultado em aumento do número de


empregos, simplesmente. Portanto, não existe consenso na experiência internacional de que a redução dos custos trabalhistas implicará em aumento do empregos ou melhoria do desempenho da economia. O aumento de empregos, tal como aconteceu nos últimos anos, gerando em torno de 13 milhões de carteiras assinadas, de 2004 a 2009, apesar da crise, foi em função da aplicação do modelo de desenvolvimento social e econômico. Mesmo assim, o Brasil, seguindo a tendência mundial, busca novas formas de financiamento da Previdência Social, o que não deveria, pois, seu sistema de Seguridade Social foi sempre equilibrado. Aliás, até o seu subsistema previdenciário contributivo urbano está superavitário, o que demonstra, como sempre foi afirmado, por diversas especialistas, que basta que haja o crescimento da economia para que a previdência possa ser equilibrada. Porém, é preciso nessa discussão analisar os encargos que compõe o custo da mão-de-obra, além da contribuição previdenciária (22%), as outras contribuições sociais, tais como: FGTS (8%), Salário-Educação (2,5%), INCRA (0,2% a 2,5%), todo o sistema “S” (5,8%), sem falar na remuneração paga diretamente ao trabalhador, como as férias, décimo terceiro e descanso semanal. Discutir essas contribuições é fundamental, para que tenhamos uma visão, não só de toda a oneração do custo da mão-de-obra, mas identificar quais delas são prioritárias para a sociedade como um todo e/ou que possam ter outras formas de receitas, para fazer face suas ações. Na esteira da Previdência Social a Emenda Constitucional nº 47, de 2005, alterou o parágrafo 9o, do art. 195 da CF, possibilitando a tributação diferenciada em razão de alguns critérios e com objetivo de desonerar a folha de pagamento: § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da ativi-

dade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.

Com base neste dispositivo nasceram as Leis Complementares 123 e 128, o chamado Simples Nacional, onde foi significativo o número de adesão a esse sistema, totalizando hoje mais de três (3) milhões de empresas, embora o impacto das receitas não tenha sido nas mesmas proporções. Mesmo com o sucesso de adesão do sistema Simples, é por demais arriscado sugerir que deva existir uma única fonte de financiamento e aceitar a transferência de impostos para atender as políticas sociais, o que pode, simplesmente, tornar inviável um dos mecanismos mais poderosos que possam existir para a redução das disparidades. É importante esclarecer que o elevado nível de encargos sociais (se é que existe) sobre a folha salarial é devido à necessidade de garantir um nível de rendimentos, ao segurado, próximo ao auferido durante a vida laboral ativa, sem falar, é claro, no redutor que o Fator Previdenciário produz. 4. Proposta de Faturamento Líquido É interessante observar que proposta de reforma alguma analisa se o peso de salários e encargos em relação ao PIB é inadequado. As propostas continuam presas à idéia de que é preciso dar mais estímulos aos empresários para investir, sem considerar a fragilidade da demanda efetiva observada na economia. Talvez a mais consistente reforma fosse a de promover mudanças na tributação de renda e propriedade que diminuam a grande disparidade social que nos coloca entre um dos países mais desiguais do mundo. Porém, dentro do atual modelo econômico brasileiro, exigir que as contribuições sobre a folha de salários arquem com a integralidade das despesas com benefícios (previdenciários urbanos e rurais) oneram demasiadamente as obrigações sociais das empresas e tornam o emprego formal desestimulador, pelo porte

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dos encargos de que se trata e pela desproporção entre a contribuição do empregado e a do contribuinte individual. Em pior situação estariam às empresas que se utilizam de mão-de-obra intensiva. Ampliando sua carga tributária, o modelo estaria induzindo à redução dos postos de trabalho e agravando ainda mais a situação da Previdência. Por outro lado, mesmo com um saldo bastante positivo, a diversificação de fontes de financiamento da Seguridade Social (faturamento/receita, lucro líquido e folha de salários), a cargo da empresa, determinada no texto constitucional está a exigir um processo contínuo e permanente de correlação entre as contribuições sociais derivadas nessas fontes, objetivando um equilíbrio gradativo desses encargos, visando não prejudicar a necessária automação das empresas nem punir aquelas que utilizem intensivamente mão-de-obra. Evidentemente, um maior gerenciamento nas ações arrecadadoras, inibindo a evasão fiscal, tanto no setor informal, quanto no formal, fazendo com que todos os contribuintes em potencial se conscientizem, da chamada “solidariedade contributiva”, é urgente e necessário. Medidas que possibilitem o desenvolvimento sustentado, com crescimento econômico e social (como já dito), com política de pleno emprego, principalmente, dirigido à infra-estrutura, saúde, educação, saneamento básico etc, são também prementes. Neste sentido, no bojo da atual discussão sobre desoneração da folha de salários para o financiamento da Previdência Social, sugerimos a Contribuição Social

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sobre o Faturamento Líquido, entendido este como a diferença entre o Faturamento Bruto e o valor da folha de salários que serve de base à contribuição previdenciária. Essa proposta, caso implantada, permitiria no curso de um período não muito longo, fruto da experiência observada, caminhar paulatinamente no progressivo aumento da contribuição sobre o faturamento, diminuindo-se, ainda que proporcional o encargo sobre a folha de salários, uma vez que dificilmente, poder-se-ia pensar na sua desoneração total. Nesta hipótese, haveria favorecimento à formalização da mão-de-obra, sem, entretanto, desestimular as empresas que investem em modernização, objetivando melhoria dos níveis de competitividade. No mesmo sentido, poder-se-ia simular novos cenários vinculando a outro tributo que venha substituir a COFINS/CSLL, sempre com o objetivo de incentivar o processo produtivo. O foco é privilegiar as atividades econômicas intensivas em mão-de-obra, de tal maneira que o mercado formal seja preservado e intensificado e, para esse fim, evitar perdas de receita para o sistema. A referida proposta é uma pequena colaboração, no sentido de provocar uma ampla discussão em torno do financiamento da Seguridade Social, da alta carga tributária, principalmente no atual modelo econômico, onde sua conseqüência é o maior privilégio das empresas com maior suporte tecnológico, maiores ganhos de escala, maiores lucros, e aquelas em que na composição final das receitas têm maior participação: as de origem financeira.


a RTIGO O Fator Previdenciário1 Celecino de Carvalho Filho2

O Brasil tem sido pródigo em não enfrentar seus problemas estruturais, de forma direta e aberta, razão pela qual continuamos registrando índices inomináveis de desigualdade socioeconômica e de baixa qualidade de vida. Na Previdência Social não tem sido diferente. Há décadas, estudiosos apontam a aposentadoria por tempo de serviço, atualmente aposentadoria por tempo de contribuição, como uma das principais distorções do nosso sistema previdenciário. Não sem razão, porque essa aposentadoria, a rigor, só atende a um dos princípios fundamentais que devem reger um regime de previdência, que é a contribuição. Não atende ao primeiro de todos os princípios, a universalidade de acesso. Atualmente, cerca de 28% dos contribuintes têm direito a esse benefício, porque os demais não completam o tempo de contribuição, dados o não registro da carteira de trabalho e a alta rotatividade da mão de obra. Fundamentalmente, em regra, os que obtêm essa aposentadoria estão em plena capacidade laborativa, o que nega outro princípio basilar de qualquer regime previdenciário calcado na doutrina e na boa técnica.

Ademais, é o benefício mais caro da previdência, porque atende aos trabalhadores de maior renda, representando quase a metade (46,5%) das despesas com aposentadorias, e dos mais duradouros, porque a tônica dessa aposentadoria é sua concessão precoce, tornando o Brasil campeão nessa matéria. Pois bem, provavelmente consciente das distorções irrefutáveis da aposentadoria por tempo de contribuição, o governo (Executivo e Legislativo), em vez de enfrentar o problema, divulgando essas informações à exaustão, discutindo-as com a sociedade, propondo soluções baseadas na doutrina e na experiência internacional, opta por apresentar alternativas ilusórias que só criam mais resistência a qualquer mudança no sentido de extirpar esse benefício do conjunto de prestações de seus regimes de previdência. Primeiro, para ficar nas mais recentes, troca-se o termo serviço por contribuição, para eliminar os chamados tempos fictícios; depois, inclui-se em reforma constitucional o limite de idade fixo, fazendo uma enorme confusão ao inverter o que recomenda a doutrina3, afirmando que, dessa forma, o problema dessa aposentadoria estaria resolvido.

1- Adaptação de artigo publicado no blog Rumos do Brasil 2- Economista, Especialista em Seguridade Social e Educador Previdenciário

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O Supremo Tribunal Federal derrubou essa tentativa, que seria apenas mais uma empulhação, porque em nada resolveria o problema, vez que o limite de idade proposto, além de fixo, já correspondia à idade de concessão dessa aposentadoria. Perdida essa batalha, que custou muito caro aos cofres públicos no viesado processo de negociação com o Congresso Nacional, passou-se a buscar outros remendos, dificultando o acesso à aposentadoria por tempo de contribuição4, cujo único objetivo era reduzir a despesa. Assim surgiu a aberração chamada Fator Previdenciário: tecnicamente, é uma fórmula que considera a idade, tempo de contribuição, além da expectativa de sobrevida na data da concessão do benefício. Na prática, primeiro, foi uma resposta à negativa do STF em manter o limite de idade proposto na Emenda Constitucional n. 20. Em segundo lugar, é um forte redutor do valor dessa aposentadoria, de forma mais acentuada para as mulheres, mas com o falso discurso de bases doutrinárias e ainda o escárnio de utilização contraditória de uma musa (gênero mais prejudicado) para dourar a pílula de um esbulho de solução. Os dados atuais não deixam dúvida quanto essa chamada vitória para o Executivo: economizaram-se nesses 10 anos mais de 12 bilhões de reais. Perdeu-se, porém, além de mais uma oportunidade de iniciar a solução definitiva para essa distorção, a credibilidade do regime, frustrando expectativas, porque mudou a regra de concessão de um benefício, que é um insofismável equívoco, mas que continua no rol dos benefícios oferecidos. A diferença é que, se for solicitado observando-se apenas o tempo de contribuição, a redução, normalmente, situa-se na casa dos trinta por cento, para os homens, e percentual de desconto ainda maior para as mulheres. A solução que tenho proposto é adotar-se um processo de transição, considerando a existência do fator previdenciá-

rio e a grande dificuldade política de extinção pura e simples dessa aposentadoria. Esse é um benefício, fundamentalmente, da classe média, que tem enorme poder de pressão. Os outros obstáculos são o populismo do Executivo, nada de desgaste da imagem presidencial, e a fragilidade do Congresso Nacional, face aos seus lastimáveis e corriqueiros desmandos. Entendo que a forma possível de solução desse problema é transitar da aposentadoria por tempo de contribuição para a aposentadoria por idade, esse sim, um benefício com total respaldo na doutrina e na boa técnica previdenciárias. Assim, proponho considerar a idade média de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, aos 53 anos, para o homem, e aos 48, para a mulher e, a cada ano, acrescentar-se mais um ano como limite de idade, até atingirem-se os limites de 65 e 60 anos, respectivamente, para o homem e para a mulher. Ao mesmo tempo, promover o desconto gradual do efeito do fator previdenciário, reduzindo-o proporcionalmente nesses doze anos de transição, até a sua extinção. Dessa forma, ao atingirem-se os limites de idade de 65 anos, para o homem e 60, para a mulher, automaticamente, a aposentadoria por tempo de contribuição equiparar-se-á à aposentadoria por idade, ao mesmo tempo em que se extingue também o fator previdenciário. Idêntica providência deve ser adotada para o regime de previdência dos servidores públicos civis, ainda que não tenha o fator previdenciário. Com isso, encerra-se um triste capítulo do rol das distorções do nosso sistema previdenciário, cuja origem remonta ao Decreto de 1° de outubro de 1821, do Príncipe Regente Pedro de Alcântara, que concedia aposentadoria aos mestres e professores com 30 anos de serviço. Esse próprio Decreto, já prevendo que muitos, apesar das dificuldades da época, não perderiam a capacidade de trabalho e, não querendo se aposentar, teriam um abono de 25% de seu salário, outra distorção, extinta em 1991.

3- Qualquer regime de previdência baseado na doutrina clássica as pessoas só devem utilizar de benefício quando perdem a capacidade de trabalho, na medida em que são atingidas pelos chamados riscos sociais: doença, invalidez, desemprego involuntário, idade avançada e morte, além de maternidade e reclusão, tudo mediante contribuição. Assim, por exemplo, a aposentadoria por idade, sendo um benefício programável, só deve ser concedida se o segurado tiver um mínimo de contribuições vertidas ao seu regime de previdência. 4- Duas das alternativas apresentadas como solução para a aposentadoria por tempo de contribuição foram as fórmulas 95, para o homem, e 85, para a mulher, que resultariam da soma da idade da pessoa com o seu tempo de contribuição, apenas mais uma tentativa de não enfrentamento da verdadeira questão: a imperiosa necessidade de extinção dessa aposentadoria.

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qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO Supremo Tribunal Federal confirma a inconstitucionalidade de contribuição previdenciária de inativos durante a EC nº 20/1998 Natureza:

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Órgão julgador:

Plenário do Supremo Tribunal Federal

Nº do Processo:

ADI 2189 e ADI 2158

Relator:

Ministro

Matéria:

Contribuição previdenciária: incidência sobre proventos da inatividade e pensões de servidores públicos – Inconstitucionalidade – EC nº 20/1998

Recorrente:

Procuradoria Geral da Republica e Associação dos Magistrados Brasileiros

Requerido:

Governador do Estado do Paraná

Data da Decisão:

15/09/2010

Publicação:

Aguardando publicação do inteiro teor do acórdão

Texto da Decisão:

ADI 2189/PR - O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, rejeitou a preliminar de prejudicialidade, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie e Celso de Mello. No mérito, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 15.09.2010. ADI 2158/PR - O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, rejeitou a preliminar de prejudicialidade, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie e Celso de Mello. No mérito, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente em parte a ação direta, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto, que não declaravam a inconstitucionalidade do Decreto nº 721/99. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Falou pela requerente o Dr. Alberto Pavie Ribeiro. Plenário, 15.09.2010.

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O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que é inconstitucional a lei, editada sob o amparo da Emenda Constitucional nº 20/98, que prevê a incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores públicos inativos e respectivos pensionistas. O Supremo Tribunal Federal julgou procedentes duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que chegaram à Corte há 10 anos, questionando a legislação do estado do Paraná que instituiu contribuição previdenciária para inativos e pensionistas. A ADI 2189 foi ajuizada na Corte pela Procuradoria-Geral da República para questionar expressões constantes da Lei 12.398/98, do Paraná, que tratava da cobrança. Segundo a PGR, tais dispositivos, que determinaram expressamente o pagamento de contribuição previdenciária sobre proventos e pensões de servidores do Estado do Paraná, seriam inconstitucionais. A partir da Emenda Constitucional nº 20/98, ficou vedada a instituição de cobrança previdenciária sobre proventos, aposentadorias e pensões, argumentou a PGR. O plenário do STF foi unânime na decisão de inconstitucionalidade de todos os dispositivos questionados pela PGR. A segunda ADI 2158, foi ajuizada no STF pela Associação dos Magistrados Brasileiros para questionar a mesma Lei 12.038/98, do Estado do Paraná, e ainda o Decreto nº 721/99, editado para regulamentar a lei. Os dispositivos questionados, segundo a Associação, teriam criado um serviço autônomo, denominado Paraná Previdência, por meio do qual todos os magistrados, aposentados e pensionistas de magistrados, foram obrigados a contribuir para essa nova entidade previdenciária. Ambas as entidades, sustentaram a tese de que após a redação dada pela EC nº 20/98, passou a ser considerada inconstitucional a instituição da cobrança previdenciária em questão. Na ADI 2158, a decisão foi pela procedência parcial, uma vez que dois dispositivos questionados não foram declarados inconstitucionais pelos Ministros do STF. O Ministro José Antonio Dias Toffoli decidiu aplicar, quanto a esses dois pontos específicos o artigo 69, inciso I, da Lei 12.398/98 e artigo 7º do Decreto 721/99 , a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Os ministros Marco Aurélio Mello e Carlos Ayres Britto divergiram do relator apenas quanto à declaração de inconstitucionalidade do Decreto 721/99. Para os dois, não cabe

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o controle de constitucionalidade de atos regulamentares, como é o caso dessa norma. Ressalta-se que a vigência das normas estavam suspensas desde o ajuizamento das ações, vez que foram concedidas cautelares que tiveram como efeito a suspensão das leis questionadas, até o julgamento final. Importante dizer que a Emenda Constitucional no 20/98 consolidou o novo modelo previdenciário com ênfase no caráter contributivo e na necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial, alterando significativamente a redação original dada ao art. 40 da Constituição Federal, modificando as regras da aposentadoria. Ela estabeleceu critérios e limitações para a organização dos regimes próprios de previdência social para os servidores públicos. Dentre as inovações apresentadas pela EC 20/98 está a criação da contribuição obrigatória, custeada mediante as contribuições de todos os servidores ativos. Tais contribuições deveriam resguardar o equilíbrio financeiro e atuarial do regime. O limite de valor para os proventos foi modificado, não podendo exceder, por ocasião de sua concessão, a remuneração referente ao cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão. Para cálculo e concessão de beneficio foi vedada a inclusão de parcelas remuneratórias especificas. A EC 20/98 manteve a revisão de proventos na mesma proporção e data que em houver modificação na remuneração dos servidores ativos. Todos os benefícios e vantagens concedidos aos servidores em atividade foram estendidos aos inativos. A partir da EC 20/98, o direito previdenciário transitou do caráter universal/solidário para o tributário/compulsório/ contributivo com clara demonstração de inobservância à tradicional jurisprudência firmada pelos tribunais de vedar essa exigência de taxação após o advento da aposentadoria. Assim, chega ao fim essa polêmica surgida com a edição da EC nº 20 e que desrespeitava os direitos dos servidores ativos e inativos, prevalecendo a justiça.

Alexandra Trentini Advogada – Assessora de Diretoria Departamento de Estudos Técnicos Sindifisco Nacional

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Lei Orgânica do Fisco boa para a Sociedade essencial para o Brasil

Defender uma Lei Orgânica para a Receita Federal do Brasil significa defender uma moderna administração tributária, previdenciária e aduaneira, garantindo múltiplas fontes de recursos para o financiamento de políticas da Seguridade Social, objetivando uma redução das desigualdades sociais e a continuidade do desenvolvimento econômico e social.

Benefícios para a Sociedade Fim da Ingerência na Receita Tratamento isonômico aos contribuintes Incentivo à discussão da Justiça Fiscal Desde 2005, o SINDIFISCO NACIONAL (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) tem defendido a aprovação de uma Lei Orgânica do Fisco – LOF que garanta à sociedade brasileira uma Receita Federal do Brasil (RFB) mais justa e transparente. A LOF é um conjunto de normas que estabelece, entre outras medidas, autonomia técnica e independência à RFB. Trata-se de um instrumento jurídico que assegura uma fiscalização tributária moderna, independente e livre de pressões externas.

programa de integração e valorização Diretoria Executiva Nacional



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