Brasil: de volta a periferia

Grupo de Pesquisa em Inovação, Design e Sustentabilidade

Grupo de Pesquisa em Inovação, Design e Sustentabilidade
Em 2004, Após passar alguns meses de descompressão nos Estados Unidos, o destino e o coração me trouxeram para o sul do Brasil. Foi um período um tanto traumático de (re)adaptação a um novo contexto cultural totalmente distinto ao que recém acabara de deixar para trás. A história parecia se repetir. Durante quase o período de um ano precisei aprender a lidar com uma nova língua, a me moldar aos novos hábitos e costumes do povo gaúcho e à nova vida conjugal.
Primeiras atividades após minha chegada no Brasil.
Acima: Certificado de curso de extensão em Gastronomia Gaúcha.
Abaixo: Cartaz da aula inaugural da disciplina de Eco-design.
Lajeado, RS, 2004
Ao mesmo tempo que trabalhava como consultor de design de pequenas e médias empresas da região do Vale de Taquari, RS, ministrava aulas de Projeto de Produto e Gestão do Design nos cursos de Design das reconhecidas universidades gaúchas ULBRA e UniRitter. Essa experiência docente me ajudaria a definir os próximos passos da minha jornada acadêmica.
Depois de um longo período de sucateamento da educação pública superior no Brasil, as universidades federais voltavam a abrir suas portas para receber novos doutores. Por essa época começaram a aparecer oportunidades de fazer concurso na UFPR em Curitiba, na UFSC em Florianópolis e até na ESDI no Rio de Janeiro, mas foi Recife que nos escolheu. Digo isso porque foi na UFPE onde encontramos aberto, ao mesmo tempo, um concurso na área de administração para Carla e outro na área de design de produto para mim.
Era o “alinhamento perfeito das estrelas”, bastava somente sermos aprovados em primeiro lugar.
Em julho de 2005, viemos pela primeira vez na vida a Recife para participar dos Concursos Públicos de Provas e Títulos nas nossas respectivas áreas.
Carla, obviamente, passou em primeiro lugar no concurso dela e a nossa vinda definitiva para a capital do frevo dependia exclusivamente de mim. Me senti como aquele jogador de futebol que está prestes a cobrar aquele pênalti aos quarenta e quatro minutos do segundo tempo, na final do campeonato.
Após uma greve geral de três meses das instituições de Ensino Superior, IES assinei o Termo de Posse de Professor Adjunto em 5 de dezembro desse mesmo ano. Assim, iniciava oficialmente minha carreira como docente da UFPE.
Jardim Interno do Centro de Artes e Comunicação, Cidade Universitária UFPE.
Recife, 2006.
Uma das coisas que mais me surpreendeu ao chegar na UFPE foi o espírito jovem da minha nova casa, o Departamento de Design, ou dDesign, como preferimos chamálo. Foi recebido por parte dos funcionários e professores do departamento, que se mostraram muito pacientes e receptivos com todas as minhas dúvidas e dificuldades de adaptação a meu novo modo de vida de funcionário público. Minha gratidão aos meus colegas por me acolher tão calorosamente.
No meio dessa animação toda, faço aqui um parêntese para registrar como foi meu primeiro dia de trabalho na UFPE. Naquele dia, o então Chefe do Departamento, o professor Hans Waechter, encomendou o mim e aos professores Silvio Campello e Clylton Galamba a tarefa de recuperar o “Iraque”, um espaço abandonado de nosso departamento que tinha se tornado o depósito oficial de lixo, cadeiras quebradas, e computadores obsoletos de nosso Centro. O local tinha sido apelidado de “Iraque” dada suas semelhanças com aquele país do Meio Oriente que por esses dias testemunhava um período de guerra e desolação.
No final da jornada, dificilmente esqueço a cara de Carla quando voltei para casa empoeirado dos pés à cabeça e com as roupas sujas e rasgadas.
Anos depois, o Iraque se tornaria sede do Programa de Pós-graduação em Design e do NEXUS, meu laboratório de pesquisa em design, inovação e sustentabilidade.
Logo depois do meu primeiro dia de trabalho, me aproximei de Silvio, que também acabara de concluir seu doutorado em Reading, na Inglaterra, e assim como como eu, compartilhava das mesmas inquietações em relação à pós-graduação e à pesquisa.
Lembro que dividíamos uma pequena sala num canto escondido no Centro de Artes e Comunicação, onde passávamos longas horas conversando sobre a vida, acompanhadas de café e bolo de rolo.
Fiquei muito animado com a proposta Político Pedagógica do curso que Silvio me apresentara pacientemente nas nossas animadas conversas sobre ensino de design. Tratava-se de uma proposta extremamente inovadora que, a meu ver, colocava o curso de Graduação em Design na vanguarda para encarar os desafios contemporâneos da sociedade.
Já nessa época, a proposta pedagógica do curso abria mão das disciplinas centradas em conteúdos. Em contrapartida, adotava o conceito de sala de aula invertida, de comunidade de prática e de aprendizado baseado em desafios (Problem Based Learning), o que permitia trabalhar desde uma
nova perspectiva de aprendizagem assuntos contemporâneos ao design como, a sustentabilidade, as questões de gênero e de inclusão de pessoas ou o impacto das novas tecnologias da informação e comunicação na sociedade, conferindo aos estudantes uma maior liberdade de escolha dos assuntos almejados para sua formação como designers.
Em 2006, houve eleição para coordenador e a chapa formada por Silvio e eu foi eleita para assumir a coordenação do Curso de Design por um período de dois anos, ele como coordenador e eu como vice,.
A flexibilidade do currículo do Curso de Design me permitiu também dar início às atividades de ensino no campo de design para a sustentabilidade. Porém, no novo ambiente da UFPE ainda não sentia que estava pronto para dar aula sozinho. Tirando proveito dessa flexibilidade do currículo, adotei a estratégia de fazer parcerias com vários colegas do dDesign.
Assim, comecei a lecionar a disciplina de Design e Meio Ambiente em parceria com o professor Hans Waechter. Agradeço a generosidade de Hans e esse seu jeito calmo e amável de lidar com as pessoas, e que fizeram com que eu me sentisse em casa.
Da mesma forma, e depois de muitos anos de ter me formado na faculdade, voltei literalmente a “botar mão na massa”. Junto com o professor Cloves Parísio, ofertamos a disciplina de Princípios Básicos da Mode-
Exercícios das minhas primeiras disciplinas no dDesign. Recife, 2006-2008.
lagem. A cálida acolhida de Cloves no seu ateliê de Práticas de Modelagem, ajudou a me entrosar com os alunos do curso. Nossa parceria duraria vários anos anos e renderia animadas conversas nas longas horas de trabalho na marcenaria e no ateliê, até o dia em que Cloves se aposentou, deixando um vazio que até hoje, nosso curso não conseguiu preencher.
Lembro também da minha parceria com a professora Oriana Duarte para ministrar a disciplina de Design e Entorno Urbano em 2007. Tratava-se de uma disciplina que se propunha a problematizar a cidade utilizando ferramentas e métodos de design. Os encontros semanais aconteciam quase sempre fora da sala de aula, onde junto com os alunos fazíamos uma imersão em diversos pontos da cidade, para identificar possíveis desafios e pontos de intervenção para o design. Para mim, essa disciplina significou uma forma alternativa de conhecer a cidade do Recife, percorrendo ruas, mercados públicos, praças, e locais que dificilmente aparecem nos populares guias turísticos da cidade. Despertou também minha grande admiração por Oriana, por suas conversas, por essa alma de artista e por esse espírito de vanguarda que não tem papas na língua para nos alertar do que está por vir e para dizer a verdade nua e crua, doa a quem doer.
Outra grande motivação foi a possibilidade de poder iniciar meu trabalho de pesquisa científica no programa de Pós-graduação em Design, o PPG Design, que recém tinha começado a ofertar um dos primeiros Cursos de Mestrado em Design do Brasil. Em 2007, passei a atuar como professor colaborador do PPG Design, dando início aos trabalhos de orientador de mestrado com a supervisão da pesquisa intitulada “A Eco-efetividade do design: Proposição e aplicação de uma ferramenta de análise em sistemas de produtos+serviços, PSS, da aluna Adriana de Azevedo Costa, hoje professora do Curso de Design do IFPE.
O trabalho marcava o início da minha busca pela formulação de uma metodologia de projeto com foco no desenvolvimento de Product Service Systems ou PSS como são conhecidos na literatura da área.
Como toda pesquisa, precisava do apoio de recursos humanos e financeiros para poder começar a produzir os primeiros frutos. Como muitas das coisas que acontecem dentro do universo da pesquisa acadêmica, precisamos passar por um período de aprendizado para entender melhor o funcionamento dos diversos aspectos que envolvem a vida de um pesquisador. As práticas de um programa de pós-graduação, a lógica dos órgãos de fomento, o
Profa. Oriana Duarte dando aula para os alunos do CAC. Cidade Universitária UFPE,. Recife, 2016.
Recife, 2007.
funcionamento dos grupos de pesquisa e a formação de parcerias e redes de pesquisa, são só alguns dos aspectos desse aprendizado que nos permitem entender nosso papel e nossas possibilidades de atuação perante a ciência.
Para um marinheiro de primeira viagem como eu, não era muito fácil captar recursos para financiamento de pesquisa. No final das contas, não possuía um currículo com experiência suficiente que demonstrasse minha capacidade como pesquisador. Da mesma forma, era difícil acumular experiência de pesquisa sem ter à disposição um mínimo de recursos humanos e financeiros. Era literalmente um problema do tipo: o que vem primeiro o ovo ou a galinha?
NORMAN, Donald A. The Psychology of Everyday Things.
Boston: Basic Books, 1988.
Levei um tempo para entender essa lógica e depois de várias tentativas consegui aprovar pelo CNPq, meu primeiro projeto de pesquisa.
O projeto tinha como objetivo explorar o potencial de uso do gesso, um material extremamente abundante no estado de Pernambuco, como matéria prima para a fabricação de mobiliário para moradia de interesse social.
Com isso vieram as primeiras alunas do programa de Bolsas de Iniciação Científica, Nyany Cardim de Carvalho, Mabel Gomes Guimarães e Tarciana Andrade. Sou muito
grato a elas. O espírito guerreiro dessas meninas me mostrou o quanto apaixonante é fazer pesquisa.
Para encerrar com chave de ouro o ano de 2007, tive uma das maiores alegrias da vida. No mês de outubro nascera Enzo, meu primeiro filho. Começava assim um novo capítulo na minha jornada: a maravilhosa experiência de ser pai.
O ano de 2008 prometia fortes emoções. Carla e eu mal começávamos a nos adaptar à nova vida de pais de primeira viagem, quando assumi a coordenação do Curso de Graduação em Design da UFPE depois de ter ficado dois anos como vice-coordenador.
Da mesma maneira, e utilizando a mesma lógica da graduação, comecei a ministrar aulas na pós, na disciplina de Fundamentos em Design Tecnologia e Cultura, junto com o professor Clylton Galamba. Com Clylton a aula se transformava num espaço para debater as diversas questões que circundam o universo do design. Abordávamos temas da sustentabilidade, da tecnologia, da ética e da história do design à luz de autores como Rafael Cardoso, Edward Tenner, André Lemos, John Naisbitt, e Donald Norman, entre outros.
As horas passavam voando enquanto escutávamos as apaixonadas histórias contadas
por Clylton. Um dos seus temas favoritos era o determinismo tecnológico, ou seja a crença de que a tecnologia, ou o desenvolvimento tecnológico é o principal agente de mudança social. Será?
Mais do que professor, sentia-me um aluno no meio daquelas animadas conversas.
Por volta de mês de abril de 2008, logo de proferir uma palestra para os alunos do Curso de Administração da UFPE, fui convidado pelo professor Alexandro Gomes, do Centro de Informática, para colaborar num projeto de extensão financiado pelo Ministério da Educação e a Prefeitura do Recife que buscava transformar a sala de aula das escolas públicas mediante o uso da tecnologia.
Primeiros sketches do projeto Lampejo Exploração de possíveis alternativas para o sistema de projeção multimídia. Recife, 2008.
Rendering 3D da primeira versão do Projeto Lampejo.
Recife, 2008.
A proposta me remetia à época na qual fui pesquisador em Design de Interação do KIT, a uma década atrás, no Japão. Meu papel era o de coordenar, junto com o professor Alex, uma equipe de pesquisadores provenientes dos cursos de design, de ciências da computação e de engenharia da computação para desenvolver uma plataforma tecnológica de baixo custo combinando funcionalidades de display de telas com capacidade de processamento multi mídia, conectividade e integração para trabalho colaborativo.
Imagine projetar um artefato como esse numa época em que o acesso a internet, trabalho remoto e colaborativo e uso linguagens multimídia eram privilégio alguns poucos no Brasil.
Conseguimos encarar o projeto como uma grande oportunidade para utilizar métodos e ferramentas de design que nos permitissem entender a jornada do público alvo do projeto, os professores e professoras de ensino fundamental das escolas públicas do país.
Foi também um momento para brincar com “novas” tecnologias como o bluetooth, projeção de LED, e impressão 3D, que eram uma novidade por aqui na periferia. Gostaria de citar um exemplo para contextualizar os desafios de um projeto como esse na época: os serviços de impressão 3D eram desconhecidos aqui em Recife, e para encomendar a impressão de uma peça era preciso encaminhar os ar-
Construção e Validação de diversos protótipos Projeto Lampejo.
Recife, 2008.
Professoras da escola pública testando um dos primeiros protótipos do Lampejo.
Recife, 2008.
Produção de artesanal de jovens do Projeto Coletivo.
Recife, 2008.
quivos para uma empresa localizada na cidade de Campinas. Após uma semana recebíamos de volta pelos correios nosso modelo que fora impresso num tempo recorde de 72 horas, pela “modesta” soma de vinte mil reais.
Após oito meses de intenso trabalho, em dezembro desse ano conseguimos apresentar em Brasília o “Lampejo’, nome do nosso protótipo de projetor multimídia. Posteriormente, um grupo de pesquisa do sul do país deu continuidade ao projeto e algum tempo depois uma versão mais completa do protótipo chegou a ser testada em diversas escolas públicas do Brasil.
Anos mais tarde tive o privilégio de testar um desses protótipos numa pequena escola da cidade de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, quando fui ministrar uma oficina sobre impressão 3D para jovens infratores da Funase.
Por essa mesma época, e logo depois de termos entregue o relatório final do projeto
Lampejo, foi chamado pelo Centro de Estudos Avançados do Recife, CESAR, para participar como consultor na área de design para a sustentabilidade. Foi quando conheci o brilhante Luciano Meira, professor do departamento de psicologia e empreendedor do Porto Digital do Recife na área de jogos digitais e gamificação na aprendizagem.
Luciano e eu tivemos o privilégio de participar, junto com uma equipe de pesquisadores do CÉSAR, de vários projetos. Dentre eles destaco o Projeto Coletivo Coca-Cola que visava a construção de um programa de formação profissional cujo o objetivo era o de capacitar jovens de comunidades de baixo poder aquisitivo, com idades en-
tre 17 e 25 anos, como agentes transformadores da comunidade que por sua vez, pudessem capacitar outros jovens para o ingresso no mercado de varejo. O programa tinha 2 meses de duração e os participantes com bom desempenho foram encaminhados às entrevistas de empregos com grupos parceiros da conhecida empresa de refrigerantes.
Outro projeto que vem à minha memória foi o do PC Verde, financiado pela empresa de computadores Positivo. O objetivo principal deste projeto foi reunir estudos diversificados e consistentes sobre tecnologias e tendências dos “produtos verdes” no mercado de PCs, criando cenários amplos para o desenvolvimento de soluções a curto, médio e longo prazo, e proporcionando
Pegada Ecológica de um PC. Projeto PC Verde. Recife, 2008.
ações para a Positivo se posicionar como uma grande empresa com preocupações ambientais e foco na adequação à legislação brasileira.
Pela primeira vez senti que algumas das ideias debatidas na minha tese chamavam a atenção de uma indústria de grande porte da periferia. Contudo, costumo dizer que o mais importante de poder participar de um projeto como esse não é o projeto como tal, mas a interação e entrosamento com as pessoas que fazem parte da equipe.
No projeto do PC Verde, além de colaborar novamente com Luciano, tive também a honra de trabalhar ao lado da professora de direito Liana Cirne Lins, hoje vereadora da cidade do Recife, com quem aprendi, em primeira mão e em longas horas de conversa, os diversos aspectos sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Outro projeto interessante que desenvolvimos nessa época foi o projeto intitulado "Box.it: development of artifact using open source technologies and DIY strategies”. A proposta, financiada pela Nokia através do programa PDTI da Softex, tinha como objetivo o desenvolvimento de artefatos de tecnologias abertas do tipo (open source) e que pudessem ser construidos pelos próprios usuários fazendo uso dos princípios de fabricação “faça você mesmo” (do it yourself, ou DIY).
Exemplo de História em Quadrinhos criada para mostrar a jornada do usuário utilizando o artefato proposto no projeto Box.it.
Recife, 2008.
Ao longo do projeto, professores e estudantes participaram das atividades de imersão, tentando descobrir e entender melhor o dia a dia dos usuários de baixa renda em relação ao uso de tecnologias da informação e comunicação para resolver situações do cotidiano. Logo depois de intensas horas de imersão, nossos designers conseguiram criar uma série de narrativas, representadas através de histórias em quadrinhos, com as principais descobertas.
A ferramenta de storytelling foi utilizada como uma forma eficaz de comunicação entre os participantes do projeto.
Colhendo os primeiros frutos
Em 2008 iniciei uma parceria com Ney Dantas, professor do Departamento de Arquitetura da UFPE. Ney tornar-se-ia meu grande amigo e companheiro de jornada, com quem tive o privilégio de compartilhar vários interesses comuns de pesquisa, numa parceria que dura até os dias de hoje.
Por aqueles dias decidimos formalizar a criação do grupo de pesquisa em Design, Inovação e Sustentabilidade no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Assim, iniciamos diversas pesquisas, que no final de 2010 já começavam a dar seus primeiros frutos.
Foi um intenso período de publicação trabalhos em eventos nacionais e interna cionais organizados em torno da sustenta bilidade. Dentre eles destaco o 1 Internati onal Symposium on Sustainable Design, ISSD 2007; o I Congresso Brasileiro em Gestão do Ciclo de Vida, 2008; o 8º Con gresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvol vimento em Design, P&D 2008; o XXVIII Encontro Nacional de Engenharia da Pro dução, ENEGEP 2008; o XI Simpósio Administração da Produção, Logística Operações Internacionais, SIMPOI 2008; XVII Simpósio de Engenharia de Produção; o 5 Congresso Internacional de Pesquisa em Design, 2009; e o 2 International Symposium on Sustainable Design, 2009.
Inclusive, no 8º Congresso P&D de 2008, nosso artigo intitulado “Desenvolvimento de Alternativas Sustentáveis Para Habitação de Baixa Renda”, foi premiado como um dos melhores do evento, ganhando o direito de publicação no volume 18, n. 2 da prestigiosa revista Estudos em Design.
Por sua vez, em 2010, os Trabalhos de Conclusão de Curso intitulados “Proposta para Banheiro da Moradia Popular” da aluna Tarciana Andrade, e “Sistema de Iluminação para Áreas Externas”, de Felipe Arruda, ambos sob minha orientação, foram escolhidos para fazer parte da exposição de projetos acadêmicos da III Bienal Brasileira de Design, em Curitiba em 2010.
Catalogo da III Bienal Brasileira de Design.
Curitiba, 2010.
Curitiba 2010.
HART, STUART. Capitalism at the Crossroads: The Unlimited Business Opportunities in Solving the World's Most Difficult Problems.
New Jersey: Prentice Hall, 2005.
Em meados de 2010 e recebíamos em Recife ao professor Stuart Hart, que viera palestrar sobre seu mais recente livro, “O Capitalismo na Encruzilhada”.
Hart argumentava que durante boa parte dos últimos quarenta anos, a maioria das empresas ignorou o potencial de consumo das camadas menos favorecidas da população.
O atendimento das necessidades das pessoas da assim chamada base da pirâmide social BoP, (Base of the Pyramid), tinha, até então, um desenvolvimento marginal, e na maioria dos casos nem sequer foi considerada como pauta prioritária da agenda das empresas. Tampouco fazia parte do universo do design.
Porém, graças ao protagonismo adquirido pelos BRICS Bloco de países de economias emergentes formado pelo Brasil, India Rússia, China e África do Sul, esse cenário começou a mudar gradativamente a partir de 2005, e as empresas começaram a procurar oportunidades de expansão de negócios nessas regiões, devido ao crescente aumento do consumo e do poder de compra das pessoas das classes que compõem a BoP, especialmente nas economias emergentes (Hart, 2006).
Nosso grupo de pesquisa já tinha acumulado uma boa experiência na compreensão dos processos de criação e inovação. Por
outro lado, nossa participação em vários projetos focados nos usuários de baixa renda, nos fornecia um panorama mais claro sobre o papel do design na identificação de problemas e desenvolvimento de soluções para essa camada da população.
Foi quando decidi submeter uma proposta para o edital de Bolsas de Produtividade em Pesquisa do CNPq com o objetivo de estudar e definir diretrizes para o desenvolvimento de produtos para a base da pirâmide.
Com base na revisão bibliográfica e de estudos de caso, pretendia-se dar resposta às seguintes hipóteses de trabalho: O que significa desenvolver um produto sustentável para a base da pirâmide? Que tipo de estratégias de design deveriam ser adotadas para esse tipo de projeto? Qual era o perfil desses novos produtos ou serviços?
Respostas a essas perguntas facilitariam a definição de diretrizes e requerimentos de projeto, além disso, permitiriam identificar um conjunto de ferramentas e métodos que pudessem ser aplicados no desenvolvimento de soluções apropriadas para o contexto da base da pirâmide.
Após um ano de pesquisa, nosso primeiro relatório sobre o estado da arte identificou várias propostas metodológicas relacionadas ao tema, porém, todas elas continuavam sendo estruturadas nos padrões das metodologias clássicas de design.
As questões centrais relacionadas ao processo de desenvolvimento de soluções para
a BoP continuavam abertas nos debates sobre o tema. Isso se tornou um incentivo para dar continuidade à proposta, já que abria um espaço para sugerir novas abordagens metodológicas aplicáveis na formulação de propostas que permitissem a sistematização do processo de design de PSS, que continuava ainda inexplorado dentro da temática de PSS.
Cabe destacar que os resultados parciais dessa pesquisa foram amplamente descritos no trabalho intitulado “Inovação em Design para a Base da Pirâmide” publicado nos anais do 8 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 2010, deixando claro que a inserção da sustentabilidade tornava-se imperativa para o desenvolvimento de produtos e serviços para a base da pirâmide, e apelando para a necessidade de definir novas abordagens para que designers e empresas pudessem fornecer novas idéias sobre o que poderia vir a ser aquilo que Victor Papanek denominara de design para o mundo real.
Comecei a me aproximar de grupos de pesquisa que estivessem trabalhando com a temática de design para a sustentabilidade e que tivessem como foco os usuários de baixa renda. Foi quando no começo de 2011 descobri o trabalho dos professores Han Brezet e J.C Diehl da Faculty of Industrial Design Engineering na Delft University
of Technology , universidade holandesa mais conhecida como TU Delft.
Iniciamos uma intensa troca de e-mails que resultou num convite para fazer junto com eles um estágio pós doutoral. Assim, em junho desse ano, decidi me juntar o grupo de Design for Sustainability, DfS, liderado pelo professor Brezet, para dar continuidade à pesquisa intitulada “Desenvolvimento de produtos e serviços para a base da pirâmide social: uma proposta de metodologia de design”, que acabara de ser aprovada no edital de Pós Doutorado no Exterior do CNPq.
Fui muito bem recebido pela equipe holandesa, e não levou muito tempo para me entrosar com o grupo de pesquisadores que diariamente frequentavam o laboratório de DfS. Foi um ano de intensas conversas com os professores Brezet, Marc Tosul e Kandachar. Todos eles entendiam muito bem do tema, e recém tinham publicado o livro intitulado, Design for sustainability: A step-by-step approach editado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, PNUMA em 2009 e que servira como base para a minha pesquisa.
Mas seria com o professor J.C Diehl, mais conhecido como “J.C” com quem passaria longas horas conversando sobre o tema, acompanhadas com um cremoso chocolate quente servido naqueles dispensadores de bebidas que se encontravam espalhados pelos corredores do prédio da Escola de Design Engineering.
DIEHL, J. C. & Marcel Crul Design for Sustainability: A Step-by step Approach. PNUMA, 2009.
Frameworks de Design para a Sustentabilidade
De acordo com seu nível de mudança na dimensão social ou tecnológica.
Anos mais tarde, JC e eu voltaríamos a trabalhar novamente juntos num projeto da rede LeNS, sobre desenvolvimento PSS para economias distribuídas.
Na minha proposta, realizamos uma classificação das principais abordagens de DfS de acordo com o potencial para desencadear mudanças incrementais ou radicais em termos tecnológicos e sócio-culturais. Na figura acima, cada abordagem de DfS encontra-se posicionada numa matriz de dois eixos que representam a mudança tecnológica (eixo X) e a mudança sóciocultural (eixo Y), de acordo com o consumo de recursos naturais e energia da mesma. Por exemplo, se o produto da mudan-
ça tecnológica (T) e da mudança sóciocultural (C) implica uma redução de 90% ou mais no uso desses recursos, a abordagem pode ser considerada como sustentável. A hipérbole resultante, representada numa linha azul, representa o limite de sustentabilidade, e cada abordagem de DfS é localizada acima ou abaixo dessa curva de acordo com a condição do limite da sustentabilidade.
Conforme a figura, pode-se afirmar que as abordagens de Benchmarking e Eco-design ficam aquém dos requisitos de sustentabilidade, enquanto que abordagens como Cradle to Cradle Design podem ser consideradas alternativas sustentáveis no longo prazo. Já o Benchmarking e Eco-design, apesar de serem positivos em termos de impacto ambiental e social, não desenca-
deiam necessariamente uma mudança nos hábitos de consumo dos usuários, e dependem também de elevados fluxos de materiais e energia ao longo do seu ciclo de vida. Por outro lado, o Cradle to Cradle (Mc Donought & Braungart, 2002), apesar de ser uma abordagem sustentável, exige consideráveis esforços de pesquisa e desenvolvimento para produzir novas tecnologias, materiais e produtos que possam, no fim do ciclo de vida, circular em sistemas de ciclo fechado, reduzindo drasticamente o impacto ambiental sobre o ecossistema.
Por outro lado, na dimensão socio-cultural da inovação, abordagens tais como, Comunidades Criativas (Manzini, 2007), propõem novas formas de organização social que estão fora da lógica que impera nos sistemas de produção e consumo tradicionais, criando novos estilos de vida sustentáveis que não necessariamente dependem de avanços tecnológicos. Estas iniciativas surgem a partir de pequenos empreendimentos comunitários que geralmente estão organizadas em rede e apresentam um potencial para o desenvolvimento de projetos para a BoP porque permitem o acesso a produtos e serviços através de novos modelos de negócios e propostas de interação entre os membros de uma comunidade.
Nesse contexto, novas propostas de sistemas de Produto+Serviço (PSS) por exemplo, podem gerar mudanças nas duas dimensões da inovação, o que facilita o desenvolvimento sócio-econômico através da
ruptura dos modelos tradicionais de consumo individual de produtos, para um estágio de satisfação de necessidades baseado no consumo de serviços (Tukker & Tischner, 2004). Além disso, os PSS são formas de construção social que catalisam a participação dos interessados na geração do valor coletivo (Morelli, 2006).
Na sequência, conseguimos definir estratégias de inovação para a BoP. A ideia era poder dar resposta à seguinte pergunta: Como é possível traduzir o conceito de inovação para o contexto da base da pirâmide?
Para começar, sabíamos que as soluções para o BoP precisam implementar inovações de ruptura. Isso significa não só aplicar novas tecnologias mas também introduzir novos significados em propostas que permitam que uma grande parte da população, com menos poder aquisitivo, possa satisfazer suas necessidades mais básicas.
Pode-se afirmar que qualquer proposta de design para a BoP é o resultado da combinação de tecnologias (novas ou existentes) e significados (completamente novos ou familiares) os quais são apresentados aos usuários dentro de determinado contexto. Nessa perspectiva é possível gerar uma matriz com três abordagens estratégicas para a inovação. Essas abordagens são:
Framework para o desenvolvimento de propostas para a BoP.
inovação incremental, inovação evolucionária e inovação radical.
As soluções para a BoP precisam ser simples e funcionais. Porém, para produzir esse tipo de proposta, é imperativo que a equipe de projeto tenha uma compreensão aprofundada do contexto dos usuários de baixa renda. Para desenvolver propostas adequadas a esse contexto, se faz necessária a concepção novas metodologias e ferramentas de design que permitam entender melhor as complexas dinâmicas sociais, e as necessidades e motivações (explícitas e tácitas) dos usuários (Diehl, 2009).
A fim de entender como podem ser definidos os requisitos de projeto e parâmetros de design para a BoP, foi realizada uma pesquisa bibliográfica com estudos de caso significativos que foram projetados para esse contexto.
Seguidamente, através de uma análise qualitativa, foi possível fazer o levantamento dos requisitos que foram levados em consideração pela equipe de desenvolvimento durante a execução de cada um dos projetos contemplados. Depois de analisar as informações, foi possível agrupar os diferentes requisitos em quatro clusters, os quais formam a base do que seria uma abordagem integral de design para projetos da BoP.
Levando em consideração uma abordagem integral de design, formulamos a seguinte proposta metodológica que pode ser usada desenvolvimento e implementação de produtos e serviços para a BoP dentro do contexto das economias emergentes.
Trata-se de uma abordagem iterativa baseada numa estrutura de análise, síntese e avaliação onde as especificações do projederivam a partir da compreensão do problema, gerando vários conceitos de design, os quais devem ser prototipados, testados e avaliados de forma que permitam fazer a melhor escolha.
O processo compreende cinco etapas iterativas, bem como uma lista das ferramentas necessárias para orientar cada fase, desde a definição e compreensão do problema até a entrega de uma solução robusta e testada.
Contrário às metodologias tradicionais que iniciam o processo com a aplicação de estudos de mercado ou de estudos de viabilidade econômica, nossa proposta sugere começar pela aplicação de técnicas de cunho qualitativo para coletar dados sobre o contexto do usuário que permita a com-
preensão das complexas dinâmicas entre usuários, artefatos e contexto. Porém, sabese que para chegar a um nível profundo de conhecimento do problema no contexto da BoP, o processo pode demandar tempo e recursos que na maioria das vezes são limitados. Tais barreiras exigem a adaptação e uso de métodos ágeis, visto que o objetivo, na perspectiva do design, é a coleta de informações que facilitem a tomada de decisão, e não a formulação de elaboradas teorias sociológicas.
Ferramentas e etapas da Proposta metodológica para o desenvolvimento de produtos e serviços para a BoP.
A criação de soluções significativas para o contexto BoP requer uma abordagem sistemática formulada a partir da definição de estratégias de inovação incremental, evolutiva ou radical que contemple não só a introdução de novas tecnologias, mas que também sugira novas propostas semânticas para os usuários. No final das contas, busca-se a possibilidade de desencadear novos comportamentos e hábitos de consumo mais sustentável. Por exemplo, uma alternativa para atingir esse objetivo seria explorando novas maneiras de satisfazer as necessidades do usuário através do desenvolvimento de sistemas de produto-serviço. os PSS tem o potencial de incentivar mudanças sócio-culturais de longo prazo, facilitando o processo de desenvolvimento sócio-econômico, a partir da oferta de serviços. Tal proposta permite que, ao invés da posse individual e consumo de bens, os usuários possam satisfazer suas necessidades por meio de novas propostas de PSS baseadas em baixo consumo de recursos e energia.
A co-criação tornou-se um elemento fundamental para o desenvolvimento de propostas para a BoP. Essa abordagem desenvolve novos vínculos entre empresas e usuários. Ajuda também a transformar o dia a dia dos usuários, tornando-os mais confidentes e autônomos para encarar e propor soluções aos novos desafios. Nesse processo o design torna-se uma poderosa ferramenta pedagógica que ajuda a definir o significado de soluções desejáveis para
os usuários, tecnicamente factíveis, economicamente viáveis e sustentáveis para o planeta.
Os resultados do meu pós-doutorado foram amplamente divulgados em diversos eventos internacionais, dentre os quais destaco a conferência Northern World Mandate 2012, organizada pela rede Cumulus na bela cidade de Helsinki, na Finlândia.
Na ocasião foi apresentado o artigo intitulado Design Considerations for Base of the Pyramid (BoP) Projects que, depois de um ano de trabalho, apresentava os principais achados da minha pesquisa sobre design para a BoP. Gosto de destacar esse evento porque consegui, pela primeira vez na vida, conhecer pessoalmente a monumental obra do arquiteto e designer Alvar Aalto; visitar as instalações da Iittala, renomada empresa finlandesa de cerâmicas e vasos de vidro; e por me reencontrar com Ezio Manzini para degustarmos um café e conversarmos um pouco sobre a vida no belo Pavillion da conferência.
Segundo a Antroposofia, escola de pensamento criada por Rudolf Steiner, a vida das pessoas é dividida em setênios. A cada período de sete anos que passa, podemos compreender com mais facilidade a condição cíclica da vida, somando mais conhecimentos e buscando novos desafios. Assim, segundo Steiner, ficamos melhor pre-
parados para a imersão na vida, com profundidade, maturidade e espiritualidade.
Nosso retorno para Recife, na metade de 2012, foi marcado por muitas emoções que davam início ao meu sexto setênio de vida. Por um lado, ficava a tristeza de deixar para trás a Holanda, esse belo país que nos deu uma calorosa acolhida e nos ensinou a desfrutar de cada minuto que temos, porque da mesma forma que a cada hora muda o clima daquele país, a vida é um fluxo contínuo de eventos que precisam ser vividos intensamente.
Por outro lado, estávamos de volta a casa, felizes de reencontrar amigos e colegas após um ano de ausência. Várias coisas tinham mudado no dDesign. O antigo Iraque, aquele espaço onde tive meu primeiro dia de trabalho na UFPE, tinha se tornado a sede dos laboratórios da pós-graduação e do curso de Doutorado em Design, o primeiro na área a ser ofertado em uma universidade federal.
Mal tinha começado a me adaptar de volta à rotina da universidade quando fui desafiado por meus colegas para algo que jamais tinha passado pela minha cabeça: assumir a Coordenação do Programa de Pós-graduação em Design. Confesso que na hora fui tomado por surpresa e somente após algumas noites mal dormidas e dias de intensas conversas com Carla, decidi aceitar junto com Ney, meu vice, o desafio de ser o novo coordenador do programa, marcando
dessa forma no começo de 2013, um novo setênio na minha jornada.
Ao mesmo tempo que assumi a coordenação do PPG Design, cargo que ocuparia por um período de quatro anos de vida acadêmica, comecei a lecionar, em parceria com Ney, a disciplina de Metodologia do Design na pós de design.
Da mesma forma na graduação, assumi a disciplina de Design de Produtos Sustentáveis e comecei a incorporar uma nova dinâmica de ensino dentro da sala de aula, fruto da minha vivência e aprendizado na TU Delft e que apresentarei mais adiante, quando fale sobre minhas experiências de ensino vivenciadas ao longo da minha jornada.
Aproveito também para fazer um novo parêntese e registrar outra grande alegria que marcou o início do meu sexto setênio.
No mês de outubro nascera Rafaella, minha filha caçula, que veio ao mundo com a missão de iluminar nosso caminho e tornar mais leve a nossa existência.
Rafaella, minha filha caçula.
Recife, 2013.