Aquela cativa que me tem cativo, porque nela vivo já não quer que viva. Eu nunca vi rosa em suaves molhos, que para meus olhos fosse mais fermosa. Nem no campo flores, nem no céu estrelas me parecem belas como os meus amores. Rosto singular, olhos sossegados, pretos e cansados, mas não de matar. Uma graça viva, que neles lhe mora, para ser senhora de quem é cativa. Pretos os cabelos, onde o povo vão
perde opinião que os louros são belos. Pretidão de Amor, tão doce a figura, que a neve lhe jura que trocara a cor. Leda mansidão, que o siso acompanha; bem parece estranha, mas bárbara não. Presença serena que a tormenta amansa; nela, enfim, descansa toda a minha pena. Esta é a cativa que me tem cativo; e, pois nela vivo, é força que viva
Luís de Camões . escolhido por João
O amor é uma companhia O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos, Porque já não posso andar só. Um pensamento visível faz-me andar mais depressa E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo. E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar. Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas. Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. Todo eu sou qualquer força que me abandona. Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
Alberto Caeiro escolhido por Mariana
Os campos A Europa jaz, posta nos cotovelos: De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe romênticos cabelos, Olhos gregos, lembrando. O cotovelo esquerdo é recuado; O direito é um ângulo disposto. Aquele diz Itália onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se apoia o rosto. Fita, com olhar esfíngico e fatal, O Ocidente, futuro do passado. O rosto com que fita é Portugal.
Fernando Pessoa
escolhido por Fábio
É talvez o último dia da minha vida.
É talvez o último dia da minha vida. Saudei o Sol, levantando a mão direita, Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus, Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.
Alberto Caeiro escolhido por Filipa
Sol nulo dos dias vãos, cheia de lida e de calma aquece ao menos as mãos a quem não entra na alma! Que ao menos a mão, roçando a mão que por ela passe com externo calor brando o frio da alma disfarce Senhor, já que a dor é nossa e a fraqueza que ela tem, dá-nos ao menos a força de não mostrar a ninguém
Fernando Pessoa escolhido por Gonçalo
As palavras, São como um cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória. Inseguras navegam: barcos ou beijos, as águas estremecem. Desamparadas, inocentes, leves. Tecidas são de luz e são a noite. E mesmo pálidas verdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quem as recolhe, assim, cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade escolhido por Andreia
Adeus Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros. Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.
Eugénio de Andrade escolhido por Joana
Ao longe, ao luar Ao longe, ao luar No rio um vela Serena a passar, Que é que me revela? Não sei, mas meu ser Tornou-se-me estranho, E eu sonho sem ver Os sonhos que tenho. Que angústia me anlaça? Que amor não se explica? É a vela que passa Na noite que fica Fernando Pessoa Escolhido por Cátia
Santo reis, Santos coroados Vindo ver quem vos coroou Foi a virgem, mãe sagrada, Quando por aqui passou O caminho era torto uma estrela vos guiou em cima de uma cabana essa se estrela se passou A cabana era pequena ao cabiam todos três; Adoraram Deus-Menino cada um por sua vez
Canção de Natal Escolhido por Rafael
"Ai eu coitada" Ai eu coitada! como vivo en gran cuidado Por meu amigo que ei alongado! Muito me tarda o meu amigo na Guarda! Ai eu coitada como vivo en gran desejo Por meu amigo que tarda o non vejo! Muito me tarda o meu amigo na guarda.
D. Sancho I Escolhido por Diogo
Lembras-te de quando eras pequeno,
Nessa altura já desesperavas…
Quando ninguém te deixava sozinho, E toda a gente te enchia de carinho,
E daquele tempo em que eras velho,
Tinhas pouco mais que um aninho…
Quando te sentias tipo ferro-velho, Com o fim próximo e maior o mistério,
Nessa altura não esperavas…
No pensamento sempre o cemitério…
E de quando eras um adolescente,
Nessa altura até já rezavas….
De atitude e postura inconsequente, Quando ninguém te fazia frente,
Não será para ti um grande espanto,
E a loucura era coisa frequente…
Perceber que quem te trouxe para cá, Será quem te irá levar de novo para
Nessa altura não esperavas…
lá, Sem te questionar o que fizestes por
Lembras-te de quando eras adulto,
cá!
Quando grande parte é apenas vulto,
A ser verdade, é uma revelação e
Abdicam de si sem o mínimo tumulto,
tanto.
O que considero a nós o maior insulto… Se calhar assim já descansas… Bruno Dias Escolhido por Luís