REVISTA No 1 - SET/2016
ÍNDICE
03 04 08 10 12 24 28 36 42 48
Editorial.................................................................................... Cidade Velha - Intervenções artísticas e comunidade..................... Dinho, um sorriso como convite..................................................
Um Porto para Isabelle Veronik....................................................
Ensaio Fotográfico - Cinthya Marques............................................ Nós - Michel Pinho..................................................................... Campina: para quem mora, trabalha e circula................................ Reduto: o bairro industrial da Belle Époque - Charles e Goretti........
Parcerias para solucionar lixo no Centro Histórico.......................... Galeria de fotos..........................................................................
NÓS SOMOS O PATRIMÔNIO
atrimônio, o legado que herdamos do passado
P
Na entrevista especial, Joana Lima e Sammy dos
e que transmitimos às gerações, não existe
Santos abordam a criação da Associação de Mora-
forma isolada e sua conservação deve ser
dores e Comerciantes da Campina. Bairro híbrido
de interesse público, por sua vinculação a fatos da
por onde transitam cerca de 70 mil pessoas, abri-
história do lugar e também de seu povo. Patrimô-
gando ainda prédios e espaços históricos, turísti-
nio Histórico, Cultural, Ambiental e ainda Humano
cos, econômicos, mas que convive também com a
e Social. É desses últimos que, especialmente,
violência e a falta de infraestrutura.
estamos falando nesta esdição da Revista Circu-
O historiador Michel Pinho traz em seu artigo
lar. O patrimônio humano do Centro Histórico de
um recorte do cotidiano paraense, com persona-
Belém é o que dá sentido à vida social no dia a dia
gens que marcam com humanidade a rotina da
dos bairros da Cidade Velha, Reduto e Campina.
Pedra do Peixe e da Feira do Ver-o-Peso. O patri-
Na reportagem de abertura, um passeio pelo
mônio histórico, importante para a compreen-
Porto do Sal te leva para conhecer representan-
são de nossa identidade cultural, norteia o artigo
tes ilustres das comunidades do Beco do Carmo
de Charles Paes e Goretti Tavares, sobre o bairro
e Vila Malvina, e também dos que vivem, traba-
do Reduto. Antigo espaço industrial da cidade -
lham ou simplesmente transitam pelo Mercado
ainda abriga vilas de operários, hoje residências, e
do Sal. Dinho, Dona Graça, Seu Cardoso, Vadinho
galpões onde funcionavam fábricas - atualmente
e Paulo Souza, que abriram sorrisos e revelaram
é um espaço ligado principalmente ao entreteni-
suas esperanças e anseios por dias melhores.
mento, composto por restaurantes, um shopping
Além disso, a edição traz um papo com as artis-
e casas noturnas.
tas visuais Verônica Limma e Veronique Isabelle,
Na Galeria da Revista, Irene Almeida com-
integrantes do projeto Aparelho e do Coletivo
partilha os registros das edições do Circular
Pitiú, que juntos constroem um rico movimento de
Campina Cidade Velha e nos revela o quanto é
interlocução da arte com a comunidade no bairro
intenso um projeto construído pelas pessoas. É
da Cidade Velha. O ensaio fotográfico tem como
nesse tom humano que te convidamos a pene-
convidada a fotógrafa Cinthya Marques, que apre-
trar nestas páginas que contam um pouco da
senta o olhar sobre os ambientes deste entorno.
história de todos nós. 3
PROJETO CIRCULAR
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REVISTA No 1 - SET/2016
CIDADE VELHA
ções intensas, desenvolvidas não apenas
INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS E COMUNIDADE 1616. FUNDAÇÃO DE BELÉM. A CIDADE VELHA É O BERÇO DA CIDADE, EM QUE AOS POUCOS FORAM ERGUIDOS OS PRÉDIOS ANTIGOS TOMBADOS PELO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN. BAIRRO FORMADO POR PEQUENAS RUAS QUE SE INTERLIGAM E PASSAM POR PRAÇAS, CASAS RESIDENCIAIS, IGREJAS E MONUMENTOS HISTÓRICOS, ALÉM DE VÁRIOS PORTOS À BEIRA DO RIO GUAMÁ.
no domingo do evento, mas também no cotidiano das pessoas. Convidamos a artista visual Verônica Limma para fazer um passeio por este triângulo – Mercado do Sal, Vila Malvina, Beco do Carmo - e nos apresentar alguns moradores que estão interagindo nas ações dos dois grupos. Ela também nos contou um pouco mais sobre como essa interação entre artistas e comunidade se deu e tem se consolidado desde 2015. “O convite pra ocupar o Mercado do Sal veio dos próprios trabalhadores, que acompanharam também as intervenções da Oficina Santa Terezinha. A partir daí fomos juntando mais pessoas interessadas em colaborar e assim em paralelo ao Circular”, diz Verônica Limma.
O
O Pitiú faz o contato com a comu-
Porto do Sal, um dos
comunidade que cresceu em direção às
nidade para que as oficinas ocorram
mais
margens do rio Guamá, nos anos 1990.
sempre e não apenas nas datas do
conhecidos
da vem
É nesse triangulo estrutural e social,
projeto Circular. “Nós, artistas, nunca
de
que mais recentemente, dois grupos
quisemos apenas ocupar o espaço, que-
artística
artísticos vêm atuando e obtendo resul-
remos sim mostrar nosso trabalho, mas
e educativa que têm
tados positivos junto às comunidades
numa interação maior com os morado-
transformado o cotidiano das comu-
da área. Um deles é o Coletivo Pitiú,
res e trabalhadores daqui”.
nidades localizadas em seu entorno,
formado a partir de encontros entre
O processo é longo, contínuo e trans-
uma região marcada pelo risco social.
estudantes de artes visuais no Espaço
formador. O que se pode observar
Embora saibamos do muito que ainda se
Curro Velho. O coletivo acabou sendo
quando Verônica entra no Mercado do
tem a olhar e fazer por ali, a iniciativa
inserido no Projeto Aparelho que, por
Sal é que uma relação de confiança já foi
ajuda a recuperar a autoestima de quem
sua vez, surgiu das ocupações artísticas
estabelecida com os feirantes e com os
sempre foi visto à margem.
realizadas na Oficina Santa Terezinha,
próprios moradores.
Cidade sendo
Velha, o
cenário
intervenção
O Beco do Carmo, área ocupada na década de 1970, que sedia uma empresa
situada a poucos metros do Mercado do Porto do Sal.
“Precisamos agir com sutileza pra tratar de algumas questões, mas senti-
de navegação, é um caminho estreito
Ao entrar em contato com a pes-
mos que eles são superabertos, percebe-
e não muito longo que sai da Praça do
quisa da artista visual Elaine Arruda,
mos que há acolhimento pra nossa pro-
Carmo e segue até o Mercado do Porto
uma das fundadoras do projeto Apa-
posta. As pessoas querem saber como é
do Sal. Fundado na década de 1930,
relho, o Coletivo Pitiú ganhou fôlego.
que funciona e se existe algum um inte-
o mercado serve como uma espécie
Ambos, atualmente, integram o Circular
resse politico por trás”, comenta Verô-
de portal nos levando à Vila Malvina,
Campina Cidade Velha, com programa-
nica. “A gente sempre se preocupa em 5
PROJETO CIRCULAR
enfatizar que não, que é um grupo de artistas que está interessado em fazer um trabalho nesta área”, complementa a artista enquanto entramos no Mercado. PAISAGEM HUMANA Lá
dentro,
feirantes,
trabalhado-
res de portos, pescadores, metalúrgicos, pedreiros, vendedores de todo tipo. A paisagem no Mercado do Porto do Sal é mais humana do que se imagina. Se as paredes do mercado e seus boxes estão em estado de abandono, desde a última reforma feita pelo poder público nos anos 1990, a vida é agitada e colaborativa, solidária. Atrás do mercado, uma comunidade inteira convive com adversidades, mas também com o afeto familiar e dos VADINHO – O METALÚRGICO
chegando para comprar sal, fruta, carne,
Vadinho, 44, tem uma metalúrgica
muito íntima, eles pescam, a maioria
na Vila Malvina. Trabalha na área há
tem barcos, pegam o barco e saem pra ir
A aproximação dos artistas com a
20 anos e atualmente é onde também
pescar, tem essa relação que a maioria
comunidade vem aumentando. Certa vez,
está morando. Fomos até a casa dele,
de nós não tem. O interessante pra eles
uma das reuniões do coletivo foi convo-
subimos uma escada e logo olhávamos
não é modificar o lugar, e sim preser-
cada por um morador que queria saber
de cima toda a vila Malvina, com o rio
var algumas coisas que estão aqui, e que
mais do que estava acontecendo, para
Guamá ao fundo. Algumas das reuniões
fazem parte da nossa história também”,
compreender melhor e levar seus filhos.
dos coletivos com a comunidade são rea-
comenta Verônica.
Já um senhor que mora mais ao fundo
lizadas na metalúrgica dele. E é Vadinho
da Vila Malvina, evangélico, pai de duas
que encontramos em nosso passeio.
açaí, seja para consertar um relógio.
6
“Eles têm uma relação como o rio
amigos que estão ali, seja trabalhando ou
Vadinho diz que depois das intervenções artísticas as coisas melhoraram.
meninas, participa ativamente das ativi-
“A visão que se tem daqui é equi-
“O projeto é bom, a brincadeira aqui é
dades educativas do projeto Aparelho e do
vocada, as pessoas pensam que só é o
legal, sadia, o que o Pitiú e o Aparelho
Coletivo Pitiú. Nessa interação, Cardoso,
Mercado que existe, quando fecha não
fazem aqui é muito bonito. Eu participo
um pescador que o grupo conheceu na
tem mais nada, mas existem famílias,
com minhas filhas. Aí conheci também
festa junina desse ano, contou toda a his-
tem pessoas que têm um cotidiano, que
este movimento, o Circular, e vi que é
tória da vida dele para os artistas.
saem pra trabalhar, estudar e voltam,
coisa séria, por isso passei a ajudá-los
“Acreditamos neste caminho para
têm o seu lazer”, explica o metalúrgico.
também com várias coisas, bandeiri-
que essa relação se torne mais íntima
Ele acredita que o mercado funciona
nha, tinta pra pintura, eu faço parte da
e esse contato mais afetuoso. Vir aqui,
como um portal físico, que guarda por
ouvir as histórias deles, e com isso ins-
trás histórias nem sempre boas, afinal
pirar nossos trabalhos, tanto do Apa-
as dificuldades e as necessidades de
DONA ÂNGELA – ILHA DAS ONÇAS
relho quanto do Coletivo Pitiú, é o que
ações de cidadania são raras por ali e
Também conhecemos Dona Ângela,
buscamos”, diz Verônica.
Verônica concorda.
turma que ajuda aqui”, conclui.
40, nascida e criada na Ilha das Onças,
REVISTA No 1 - SET/2016
mãe de três filhos. Locatária de um box
nos agradece a atenção e encerra a con-
no mercado, ela conta que veio para
versa para atender alguns fregueses que
Belém por causa dos estudos dos filhos.
se aproximam.
somos um povo esquecido”, lamenta. Enquanto conversamos, olhamos o rio. O picolé já derretendo naquela quentura, suavizada por rajadas de vento que
Ocupou um apartamento no edifício Colares, mas há alguns meses se mudou
PAULO SOUZA – NA BEIRA DO RIO
trazem o cheiro da maré para dentro da
para outro bairro da cidade.
Seguindo o nosso pequeno passeio,
casa de Paulo e sua família. Olhando o
“Fiquei morando aqui, porque era
sugerimos ir até o limite da Comunidade
rio, perguntamos a ele como é morar ali
perto do trabalho do meu marido, nessa
Malvina, com o Rio Guamá. Ao fundo,
na beira, apesar de tudo.
época eu ainda tinha marido, e a gente
na casa de Paulo Souza, 40, que mora ali
“É uma beleza, esqueci-me de dizer, é
achou bom morar aqui, mesmo que todo
há 10 anos, uma paisagem surge, com
a única beleza que tem por aqui. Porque
mundo falasse que eu saí da ilha pra vir
horizonte, maresia e barcos. Vendedor
é algo da natureza mesmo, só por isso,
morar na Cidade Velha, considerado o
de doces e salgados, e também picolés,
e também agora esse projeto através de
bairro das gangues, das bocas de fumo.
logo nos ofereceu e aceitamos porque o
vocês, que tem brincadeira pra criança,
Morei uns quatro anos por aqui com
calor também é intenso. Ele vive com a
aulas de flauta, meus filhos já estão ins-
meus filhos e eles nunca caíram nesse
esposa, dois filhos e uma filha.
critos”, encerra. n
mundo das drogas”, afirma.
Paulo procurou se informar antes de
Ângela gosta de conversar, fazer
permitir que as crianças participassem
amizades, admira os artistas do cole-
das ações dos coletivos. “Tem coisa que
tivo. “Hoje em dia é muito difícil ver
a gente não dá direito de escolha pra
gente assim. Vocês são pessoas de bom
criança, mas tem coisa que a gente dá
coração pra fazer esse trabalho bonito,
direito, nesse caso das oficinas eles que
tirar foto, dar aula, oficinas que os meus
gostaram, entendeu? E eles vêm apren-
filhos participam junto com outros
dendo, é bom pra eles se entrosarem
meninos e aprendem muita coisa. Isso
com o povo, é bom pra eles, principal-
pra mim é gratificante”, diz ela, olhando
mente porque agora vai ter aula, parece
para Verônica.
que é de flauta, alguma coisa assim. E
O acesso aos moradores ainda não é
isso é bom pra eles”, avalia o pai zeloso.
total, mas vem melhorando. “Nós não
Para ele, as intervenções dos coletivos
adentrávamos na Malvina, por exemplo,
na comunidade promoveram algumas
e ai através da figura da Dona Ângela,
transformações. Mas o tráfico e uma
muitas portas foram abertas”, continua
série de outras questões ainda estão
Verônica.
muito presentes. Por causa dos filhos,
Para Dona Ângela, os projetos têm
ele se diz em estado de alerta sempre.
mudado o cenário do lugar, minima-
“Esse projeto de vocês é muito
mente. “A gente morria de medo porque
importante pra nós. Aqui sentimos falta
não tinha conhecimento, ai depois fui
de tudo. Não tem saneamento, a Celpa
me aproximando, hoje eu acabo até aju-
de vez em quando vem e corta a nossa
dando esse povo ai, e todo aquele medo,
luz, tem a situação da violência, aqui
aquele preconceito vai se quebrando.
falta é tudo. Não tem posto de saúde,
Tenho esse box aqui há cinco anos,
só indo no Jurunas, onde pegamos uma
então a minha vida ser refere aqui, onde
fila de 30, 40 pessoas, e só tem ficha pra
eu passo o dia todo”, diz ela, que a seguir
15, o restante volta pra suas casas, aqui
O convite pra ocupar o Mercado do Sal veio dos próprios trabalhadores, que acompanharam também as intervenções da Oficina Santa Terezinha. A partir daí fomos juntando mais pessoas interessadas em colaborar e assim em paralelo ao Circular”. Verônica Limma, artista visual 7
PROJETO CIRCULAR
MERCADO DO SAL
DINHO, UM SORRISO COMO CONVITE UM DOS ROTEIROS MAIS VISITADOS NO CIRCULAR CAMPINA CIDADE VELHA FICA NA RUA SÃO BOAVENTURA, LOCALIZADO NO FINAL DA RUA GURUPÁ, BAIRRO DA CIDADE VELHA. NO MERCADO DO PORTO DO SAL EM DOMINGOS DO PROJETO, AO CHEGAR LÁ, SOMOS RECEBIDOS PELO SORRISO SIMPÁTICO DE RAIMUNDO CARVALHO DOS SANTOS, O DINHO, QUE ADMINISTRA SUA LANCHONETE, ENQUANTO RECEBE OS VISITANTES E CONTRIBUI COM A OCUPAÇÕES ARTÍSTICAS REALIZADAS NO LOCAL.
D
inho
é
comerciante.
Dinho se preocupa com a situação
lam por lá, foi ele quem fez o convite
Está no Mercado do
e necessidades daquele entorno, quer
à artista visual e pesquisadora Elaine
Sal há quase 30 anos.
melhorias, tem sonhos. “Esse povo aqui
Arruda, uma das fundadoras do Apare-
Natural de São João da
precisa de saneamento, queremos que o
lho, para repetir, no Mercado do Sal, a
Boa Vista, no Marajó,
poder público se mobilize para isso. Pre-
ocupação artística realizada na Oficina
ele veio ainda criança
cisamos de um posto de saúde, porque o
Santa Terezinha. O convite de Dinho foi
para Belém. “Trabalhava com minha
povo não tem aonde ir, entendeu? Aqui
imediatamente aceito e o comerciante
mãe, que já tinha um box no mercado.
tem muita criança, mas o espaço físico
é hoje um dos integrantes mais ilustres
Comecei a vender Tapioca com Café.
pra elas não existe, elas convivem com
do projeto, representando sua comuni-
Não tenho nenhum curso técnico, tenho
tudo e com todos, então a gente luta
dade e mobilizando as ações dos artistas
o segundo grau, mas agora vou voltar
por isso, por esse dia melhor”, explica
e pesquisadores que integram o movi-
a estudar, fazer gestão ambiental na
Dinho.
mento.
Unip, me deu vontade, buscar conhecimento pra ver onde vai dar”, diz. 8
Testemunha do cotidiano, amigo da
“Quando vi a ocupação na Oficina
vizinhança e dos artistas que circu-
Santa Terezinha, pedi muito pra Elaine
REVISTA No 1 - SET/2016
As pessoas estão começando a assimilar tudinho, já estão participando mais, primeiramente porque já chegou a confiança. Os artistas, principalmente as meninas do Pitiú, entram com a maior liberdade na Vila Malvina, chegam em qualquer ponto, elas são bem recebidas”.
que fizesse aqui no Mercado do Sal
que chegou a Belém, por intermédio de
muitos outros lugares por aí. Ele acre-
também. E foi assim. Tudo começou
um intercâmbio artístico, Veronique
dita que o Circular, o Aparelho e o Cole-
com uma pequena semente que foi
visitou o lugar e se apaixonou a ponto
tivo Pitiú somam com a comunidade.
plantada. Daí veio um trabalho de cali-
de torná-lo tema de seu mestrado, rea-
“As pessoas estão começando a assi-
grafia com as crianças, brincadeiras, e
lizado em Belém do Pará, cidade esco-
milar tudinho, já estão participando
isso foi se transformando num grande
lhida também para morar.
mais, primeiramente porque já chegou
evento, integrando o Circular”, lembra.
“Ela chegou aqui pra tomar um cafe-
a confiança. Os artistas, principalmente
Ele agradece pela iniciativa, que
zinho e a gente começou a conversar,
as meninas do Pitiú, entram com a maior
ao
ela achou bonita a degradação daqui”,
liberdade na Vila Malvina, chegam em
mercado. “Antes era uma coisa fechada,
brinca, sabendo que o olhar estrangeiro
qualquer ponto, elas são bem recebi-
aliás, não era fechado, é e sempre foi um
enxerga às vezes uma beleza que quem
das”, comenta.
espaço público, mas não era utilizado.
nela está inserido já não vê mais.
trouxe
visibilidade
diferenciada
Vista de longe como uma região peri-
E é também gratificante pros artis-
“Ela vinha todos os dias, até que per-
gosa pela população da cidade e pouco
tas, como as meninas já declararam.
guntou da possibilidade de dar aula pra
visitado, as situações de risco com o
Tem um retorno bom, tanto profissio-
essas crianças daqui, aula de pintura,
tráfico de drogas e a violência ainda
nal, como pessoal, elas estão também
ai tudo bem, começou a interagir, as
estão presentes. Mas o Mercado do Porto
tirando proveito dessa ‘invasão’ aqui no
crianças vieram e pronto. Hoje ela é
do Sal vem reconquistando um espaço
Circular. É uma coisa boa, é uma intera-
uma referência. O pessoal pergunta
há muito perdido para quem mora por
ção, é dar e receber”, reflete.
cadê a ‘gringa’, ela tem uma aceitação
ali e para quem nunca imaginou se ver
Embora more no Jurunas, Dinho
muito grande do pessoal. Ela e a Elaine
pisando naquela área.
passa o dia inteiro no Mercado do Porto
plantaram tudo isso aqui. Tenho muito
do Sal. Em sua lanchonete, entre cafezi-
carinho por elas”, revela.
“No cotidiano, a violência e carência continuam, mas quando é domingo de
nhos, cervejas e lanches, um quadro na
Dinho é uma peça importante dessa
Circular ou dias de oficina, a gente vê que
parede chama atenção e acaba denun-
movimentação corriqueira, presencia
o pessoal vem, participa da programação,
ciando sua amizade com outra artista,
um cotidiano simples, onde há mais
principalmente as crianças. O retorno é
a canadense Isabelle Veronique. Desde
amizade e solidariedade do que vê em
muito bonito”, conclui Dinho. n 9
PROJETO CIRCULAR
ENTREVISTA ISABELLE VERONIQUE
UM PORTO PARA ISABELLE VERONIQUE
U
m mergulho profundo e afetuoso. Embora não se possa resumir assim, podemos afirmar que passa, exatamente, por aí, a relação pessoal e
profissional de Isabelle Veronique com o Porto do Sal, o espaço de pesquisa da canadense de Québec que desde 2008, vive e trabalha em Belém. Ela chegou aqui a convite do artista plástico Armando Sobral (Atelier do Porto) para participar da exposição “Realidades Transitórias”, na Casa das Onze Janelas, junto
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REVISTA No 1 - SET/2016
com quatro outros artistas quebequenses
que busca o que não é visível à primeira
universo rico e diversificado de conhe-
e ficou. Rápido, não só se adaptou como
vista, um olhar que se prolonga nas his-
cimentos e modos de viver que permi-
também se inseriu e interage agora em
torias contadas e no olhar do Outro e
tem valorizar as suas potencialidades
diversos contextos artísticos da cidade.
também um olhar que questiona o meu
como um rico lugar de produção cul-
próprio olhar.
tural ribeirinha na cidade. Isso contri-
Verô, como é chamada pelos amigos,
buiu para nuançar uma perspectiva que,
achou seu caminho e estabeleceu um você
desde o Porto do Sal, possibilita vislum-
rente da sua. Em 2013, defendeu a tese
analisa o seu projeto de pesquisa e
brar a cidade, pois convida a “re-olhá-
“Mergulhar nas águas e trilhar o Porto
artístico dentro da relação de paradig-
-la” a partir das suas margens-devir,
do Sal, ensaios sobre um percurso etno-
mas existente neste lugar?
convidando-nos a um mergulho outro
contato real com uma cultura tão dife-
REVISTA
CIRCULAR:
Como
gráfico”, em seu Mestrado de Antropo-
ISABELLE VERONIQUE: Acho que
logia. Quase 10 anos após sua chegada,
num primeiro momento, meu per-
a experiência com o lugar trouxe trans-
curso no Porto do Sal me levou a repen-
formações, tanto para ela quanto ao
sar os próprios paradigmas da arte. De
Porto do Sal.
que arte estamos nos referindo neste
Depois de percorrer as entranhas da
contexto que reúne tantas realidades
Vila Malvina, do Porto e do Mercado
sociais? Nesta profusão de texturas,
do Sal, passando pelo Beco do Carmo
cores, ruídos e sensações? Frente a essa
e Comunidade Malvina, com Verônica
intensa paisagem insular da baía do
Lima, do Pitiú, e conhecermos Dinho,
Guajará, junto às antigas construções
Dona Graça e Paulo Souza, percebemos
patrimoniais? Qual seria o trabalho do
a ligação fortalecida de Veronique com
artista neste lugar? de que “Artista”
o lugar e, claro, fomos conversar com a
estamos falando? A minha experiência
“gringa’.
no Porto do Sal me ajudou a me deslocar dos meus próprios paradigmas e
REVISTA CIRCULAR: Tua experiência
busquei me aproximar do lugar e das
com o Porto do Sal permanece intensa,
pessoas através do meu trabalho tanto
mesmo depois de muitos anos. Como é
artístico quanto etnográfico. Acho que
pra ti, atuar nesse lugar?
isso levantou perguntas, gerou uma
ISABELLE VERONIQUE: Entendo a minha experiência no Porto do Sal como
série de encontros e convidou a propor outro olhar sobre o Porto do Sal.
um percurso que se construiu lentamente, com paciência e uma grande
REVISTA CIRCULAR: Até onde te
mistura de emoções e afetos para tecer
levaram as impressões e os caminhos
uma rede de relações com as pessoas
transitórios percorridos nesta área da
que moram, trabalham ou frequentam
Cidade Velha.
o lugar, com as suas paisagens comple-
ISABELLE VERONIQUE: As minhas
xas, e com diversos amigos e artistas
deambulações [caminhar sem rumo]
que convidava para conhecer esse lugar.
pelas paisagens complexas do Porto do
Também, por provir das artes visuais,
Sal, nesta zona mestiça de água e de
acho que o meu percurso no Porto do
terra, assim como os encontros com
Sal me levou a desenvolver um olhar
as pessoas, me levaram a descobrir um
no seu universo. n
Entendo a minha experiência no Porto do Sal como um percurso que se construiu lentamente, com paciência e uma grande mistura de emoções e afetos para tecer uma rede de relações com as pessoas que moram, trabalham ou frequentam o lugar, com as suas paisagens complexas, e com diversos amigos e artistas que convidava para conhecer esse lugar”. 11
PROJETO CIRCULAR
REVISTA No 1 - SET/2016
ENSAIO FOTOGRÁFICO CINTHYA MARQUES*
COTIDIANO, VIVÊNCIAS E IMAGINÁRIO
A
convidada
vivencias e acolhimento. Para fotografar
mentação urgente desse lugar que possui
desta edição é Cinthya
optei por aproximar os registros do coti-
uma identidade própria e pouco conhe-
Marques. Nascida no
diano e do imaginário que existe no local,
cida pelos moradores da cidade. Acho
Amapá, ela começou a
de forma a percorrer o lugar com aquele
que a sintonia entre artistas e morado-
fotografar aos 15 anos.
primeiro olhar, de experiência nunca
res durante as ocupações possibilita que
Guarda e utiliza a pri-
antes vivenciada, e portanto, próxima
novos frequentadores visitem o lugar,
meira câmera até hoje. Enquanto fotó-
ao real como uma realidade ampliada”.
inclusive já convidei várias pessoas a cir-
grafa tem interesse não somente em
Atuante nas ações da Associação
registrar imagens, mas em pensar a
Fotoativa, desde 2011, ela desenvolve
Educadora e artista visual graduada
fotografia. Como diários de bordo, sua
projetos em parceria com o Núcleo de
pela Faculdade de Artes Visuais da Uni-
produção é voltada em buscar uma pos-
Formação e Experimentação e também
versidade Federal do Pará (FAV/UFPA),
sível estética da existência.
é presença constante nas atividades no
ela atua como fotógrafa free-lancer
Mercado e no Porto do Sal.
e pesquisadora pelo Programa de Pós
fotógrafa
“Para este ensaio o que atraiu o meu
12
cular por lá durante a programação”.
olhar foi a possibilidade de observar o
“Quando fui convidada a fotografar
Graduação em Artes do Instituto de
cotidiano do mercado, conversar com os
a ocupação Aparelho pela primeira vez,
Ciências da Arte (PPGARTES/UFPA) na
trabalhadores, tomar um café, cumpri-
fiquei contagiada com a energia do Porto
linha de pesquisa Processos de Criação
mentar os habitantes e sentir o clima de
do Sal, e entendi a necessidade da docu-
e Atuação em Artes. n
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*Cinthya Marques Tem um trabalho autoral. Em 2008, expôs a série “Ensaios da Solidão”, no salão Arte Pará, e em 2011, o projeto “Desencanto” foi selecionado para o salão “Primeiros Passos – CCBEU” e “Pequenos Formatos – Unama”. Em 2013, integrou o projeto “Mulheres Líquidas”, com exposição realizada na galeria Theodoro Braga – Centur, trazendo a obra “As marcas que nós somos” e recebe o convite para expor no salão de arte digital Xumucuís (2013). Atualmente, a artista está documentando a região Sul e Sudeste do Estado e se preparando para lançar a primeira publicação do projeto “Desejo de Estrangeiro”. 23
PROJETO CIRCULAR
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NÓS.
Por MICHEL PINHO*
Dona Cátia A luz de final de tarde banhava os ponteiros do relógio. 18h15min. As nuvens feito lençol se misturavam com o azul vivo, quando a Dona Cátia chegou com seu carrinho, duas mesas, um fogareiro, oléo, carvão, duas sacolas de supemercado, farinha. Olhou-me e sorriu. Não demorou muito para que seus churrasquinhos começassem a cheirar longe. O garoto que vendia abacaxi pediu à mãe que comprasse um. O carregador de peixe, logo se aproximou, não falou nada, entregou o dinheiro e entre um pedaço e outro de carne com calabresa, dividia a colher de farinha com outros colegas. A pedra do Ver o Peso é um lugar de encontros. Ao longo de sua ocupação, a divisa mais clara entre a cidade (Cidade Velha) e a Campina foi, e continua marcada entre os encontros de seus habitantes. Subindo a rua Padre Champanhat, é quase possível ver os padres Jesuítas entrando na igreja de São Francisco Xavier. Importantíssimos enquanto projeto político colonial, trouxeram para cá Antônio Vieira com seus célebres sermões. 25
PROJETO CIRCULAR
Dona Rosa
ajudar nas contas e a guardar a mer-
árvores de murta, aquelas mesmas que
Normalmente ela está sozinha, uma
cadoria, chega sempre um neto ou um
precisam ser aparadas o tempo todo para
touca branca e uma camisa do Círio de
filho. Dona Rosa já é uma personagem.
ganharem forma e beleza. Era preciso
Nossa Senhora de Nazaré. Sempre sou
Suas riquezas, suas frutas, sua pequena
controlar, para impor a verdade cristã.
recebido com um largo sorriso. “Vai
barraca é quase a concretização da
E dessa tensão que fomos ao longo do
levar alguma coisa hoje freguês?”, res-
busca dos europeus estabelecida desde
tempo nos moldando, com suas perma-
pondo que vim só dar um abraço.
o século XVI, Diogo de Lepe escreveu em
Vieira considerava os índios como
26
1501, aos viajantes:
nências e continuidades, como árvores
Maracujá, acerola, abacaxi, cupuaçu,
que crescem e ganham galhos e contor-
cacau, bacuri, taperebá... As mãos ágeis,
“... Para que vais... descubra no mar
nos belos e inesperados.
não deixam cair uma gota da polpa. Para
do oceano, ilhas e terras firmes nas
REVISTA No 1 - SET/2016
pescados, aves, especiarias, drogas e
Branco se transforma. Fecha o portão,
quais quer coisa e de qualquer nome e
fecha a guarita e fica ao pé da escada. Vê
qualidade.” (grifos meus)
se está tudo bem e começa a ler.
Cupuaçu, o bacuri, o cacau vendido
Na verdade, ele é além de porteiro um
pela Dona Rosa está nas riquezas con-
devorador de livros. Machado, Guima-
quistadas pelos desejos europeus. Mais
rães Rosa (“Michel, não gostei muito
encontros.
não”), Jorge Amado... Mas sua grande paixão
é
Dálcidio
Jurandir.
Tenho
Luiz e a rabiola
minhas memórias dele citando, citando,
A parede é azu. A seda é azul. A rabiola
citando. Livro na mão.
ganha traços mais bonitos com os deta-
“Passaram pelo Largo de Nazaré,
lhes em branco. Traços simétricos. A
a Basílica em tijolos ainda, a antiga
linha faz um triângulo com a tala do
igreja ao lado. Cobrindo o Largo, mais
miriti. A obra é uma rabiola. Empinada
monumentais que a Basílica, as velhas
na Estrada Nova, povoa os céus. Julho é
samaumeiras. À esquina da Gentil com
seu mês, as férias tem gosto de cerol, as
a Generalíssimo, saltaram.
férias escolares tem suor de papagaio.
balançava ainda. Ou estava tonto com
Os olhares na rua, esquina com a Pariquis, “sai da frente moleque”, grita
A cidade
os cheiros de Belém?” (Belém do Grão – Pará)
o motorista. “Ai vai-te penoso”, grita o
Confidenciou-me um segredo, que
moleque. Luiz, estava lá. Viu essa Belém
aqui divido: “Saio de bicicleta para pro-
cheia de cor, cheia de gente, cheia de
curar onde ele fala”. E Branco vai, ao
vida, cheia de luz. Luiz e luz, cor e poesia.
encontro de Dalcíldio, de Belém, de si. Encontros
Branco e Belém Na
travessa
Caripunas,
entre
a
Roberto Camilier e a Tupinambás, há
Dalcindio,
Antônio,
Luiz,
Rosa,
Branco, Cátia. Todos Belém. Todos nós.
um pequeno edifício de poucos andares, nele em noites intercaladas, traba-
Encontros
lha o Branco. Branco, baixo, falador e
Dalcindio, Antônio, Luiz, Rosa, Branco,
educado. Trabalha há anos, há muitos
Cátia. Todos Belém. Todos nós. n
anos. Veio do interior, não sabia ler. partes das Índias, aonde fostes da outra
Entrou na escola, casou teve dois filhos
vez, para ver a terra que descobristes e
e arranjou a vaga de porteiro. Sua única
de onde voltastes {...} para que possas e
profissão até hoje.
nas ilhas e terras firmes que descobris-
Chega às dezenove horas, dá boa
tes nesta nova viagem, escambar, e ter
noite a todos que chegam, organiza a
ouro, prata, cobre, estanho, mercúrio, e
correspondência e as entrega aos mora-
*Michel Pinho
qualquer outro metal de qualquer qua-
dores. O volume de crianças no térreo é
Historiador e fotógrafo.
lidade, aljofar, pérolas, jóias e pedras
grande até as vinte e duas horas e assim
Mestre em comunicação,
preciosas, monstros, cobras e quaisquer
vai diminuindo até chegar perto de meia
linguagens e cultura.
outros animais de qualquer qualidade,
noite. E assim, como se fosse feitiço,
(55) 91 - 91313469 27
PROJETO CIRCULAR
ENTREVISTA AMCBC
28
CAMPINA: PARA QUEM MORA, TRABALHA E CIRCULA
REVISTA No 1 - SET/2016
C
arros e gente transitando, prédios em obra, sons diversos. O bairro da Campina é um aglomerado
de
intenções,
situado no centro his-
tórico de Belém. Traz fortes referências tanto do ponto de vista cultural quanto econômico. Duas avenidas importantes, a Presidente Vargas e a Assis de Vasconcelos ladeiam a Praça da República, onde estão o Theatro da Paz e o Cine Olympia. Passeando por suas ruas estreitas, encontramos espaços culturais, galerias, ateliers, restaurantes, pequenos empreendimentos e dezenas de lojas. De acordo com o IBGE, o número de pessoas na área, entre quem mora, trabalha e transita, chega a 70 mil. É um bairro turístico e histórico, que tes-
segurança, infraestrutura, lazer, cultura
temunhou a revolução popular mais
e educação. A associação já abriu diálogo
importante do país, a Cabanagem.
com a Polícia Militar e a própria Prefei-
Fazem parte da Campina também, o
tura, e está reaproximando as pessoas,
Ver-o-Peso e a Estação das Docas, que
para avançar nessas conquistas. Inicialmente eram 10 pessoas, pas-
ficam às margens da Baía do Guajará. Conhecido no passado como um
sando a 20 e atualmente há mais de 100,
centro cultural e boêmio, nas últimas
nem sempre ao mesmo tempo, ainda,
décadas o bairro vem ganhando outro
a frequentar as reuniões da associa-
tipo
do
ção. Esse quadro tende a melhorar. Os
aumento da violência e do abandono do
encontros, mensais, são realizados no
poder público. Esses assuntos são dis-
salão paroquial da Igreja Nossa Senhora
cutidos pelos residentes e trabalhado-
do Rosário dos Homens Pretos, uma
res que formaram, há um ano e cinco
edificação histórica, situada na esquina
meses, a Associação de Moradores e
da Rua Padre Prudêncio com a Rua Aris-
Comerciantes da Campina – a AMCBC.
tides Lobo.
de
visibilidade
por
causa
A entidade vem sensibilizando os que
Fomos tomar um café na casa de
compartilham esse espaço urbano e
Joana Darc Ferreira de Lima, 49, vice
desejam ter de volta o prazer de sentar
presidente da Associação de Moradores
na porta de casa, conversar com os vizi-
e Comerciantes da Campina. Sammy
nhos, ver os filhos brincando nas praças
Enderson dos Santos Gentil, 47, advo-
do entorno e garantir direitos à saúde,
gado e assessor jurídico da entidade, se
“O que me faz falta, muito realmente, é essa possibilidade de estar na porta da minha casa, cumprimentar meus vizinhos, vê-los todos os dias, porque houve um “recluso”, todo mundo se trancou nas suas casas”. — Joana 29
PROJETO CIRCULAR
juntou a nós e na conversa, que durou
REVISTA CIRCULAR: O bairro da
da ação dos órgãos da prefeitura como
cerca de duas horas, abordamos as
Campina é secular. A associação tem
a Funpapa, Seurb. Junto com violência,
questões sociais do bairro e as premis-
pouco mais de um ano, como foi que ela
também vai ter lixo, o abandono das
sas da entidade.
surgiu?
praças, enfim. Agora a gente entende
Sammy nasceu na Campina, onde
SAMMY: Nós crescemos e nos criamos
que algumas situações não adianta só
Joana já mora há 16 anos. Os dois contam
neste bairro. Em princípio a gente não
policiar, isso tem que intensificar, mas
que se conheceram acompanhando os
tinha interesse de criar uma associação,
não é o que vai resolver.
filhos para brincar na pracinha da Igreja
mas existe uma situação aqui de depen-
do Rosário. “Coisa que a gente não con-
dente de drogas, menores abandonados,
REVISTA CIRCULAR: Há períodos de
segue mais fazer é sentar ali com as
que usam as ruas pra se drogarem, pra
maior incidência de violência no bairro?
crianças”, diz ela. “E eu, que jogava bola
fazer sexo ao ar livre, em praças públi-
SAMMY: No mês de junho teve um
na rua”, ele complementa.
cas, urinarem nas ruas, fazerem suas
“boom” de violência no bairro. Tivemos
necessidades fisiológicas, e isso nos
10 eventos dentro do nosso bairro, que
quilidade de casa, hoje é impossível,
causou muito transtorno.
gerou a distribuição do número de poli-
porque você corre o risco de ser assal-
praças que mais sofre com esse tipo de
tado”, rebate Joana. “Só que a gente não
situação é a Praça do Rosário. Moramos
JOANA: E o aumento da população.
se conforma com isso e estamos dis-
aqui nas suas adjacências. Vendo tudo
SAMMY: A quadra junina com vários
postos a reconquistar tudo”, completa
isso, foi então que começamos a fazer
eventos atrai nos finais de semana umas
Sammy. Na entrevista a seguir, você
um movimento para chamar atenção
15.000 a 20.000 pessoas de diversos
vai conhecer mais sobre eles e o traba-
da Polícia Militar. Entendemos que nos
bairros, e isso atrai aqueles que querem
lho que iniciaram e dão continuidade na
faltava policiamento, depois descobri-
furtar alguma coisa daquelas pessoas.
Associação.
mos muito mais.
Foram mais de 10 eventos. É como
“Antigamente saíamos com tran-
E uma das
ciais.
acontece na época do Círio de Nazaré. O REVISTA CIRCULAR: E como foi essa aproximação?
ção normal, já não é suficiente, imagina
“Adoro abrir a minha janela e enxergar a Igreja do Rosário, e me
SAMMY: No início ficamos receosos,
você em uma situação anormal, como é o
porque não conhecíamos nenhum dos
caso do mês de junho, só Jesus na causa.
policiais e hoje vemos que é importante
Tem mais uma questão. A nossa dele-
saber quem são, mas fomos nos apro-
gacia de policia do bairro tem horário
ximando, criando essa confiança, que
limitado de funcionamento. Já o crime,
se tornou mútua. Vieram as reuniões,
não dorme.
blemas não são apenas em nossa rua,
REVISTA CIRCULAR: Esse “caos”
dói muito eu não poder mais sentar
pois estão em todo o bairro, na verdade
envolve manifestações culturais e artís-
no Centro Histórico.
ticas... Você se incomodam?
ali na pracinha”. — Joana 30
contingente policial hoje, numa situa-
começamos a perceber que esses pro-
Nesse diálogo fomos compreendendo
JOANA: Não somos contra nenhuma
que a questão da violência era coisa
manifestação
cultural,
entendeste?
muito mais complexa do que imaginá-
Nem nós, nem nenhum morador, mas
vamos. Segurança pública não é só uma
é preciso um ordenamento, um horário,
questão de policiamento, mas também
porque tem pessoas idosas, em inter-
REVISTA No 1 - SET/2016
Pra gente foi um sofrimento o fechamento do Teatro Cuíra, que era um ponto de cultura, que chegou a trabalhar com a população em situação de rua, um nó até hoje, porque a Funpapa não consegue resolver, a secretaria de saúde não consegue resolver, e nós estamos dentro disso”. — Sammy
nação domiciliar em vários prédios ali da Presidente Vargas. Além da violência tem a questão do trânsito, que é um gargalo, a questão da ocupação negativa da Praça da República, que não tem uma ordenação, no domingo é um caos total pros moradores da Presidente Vargas, por exemplo. REVISTA CIRCULAR: Além de moradores, comerciantes do bairro, há toda uma população de rua que a gente percebe quando anda por aí... 31
PROJETO CIRCULAR
JOANA: Tem muitos prédios abando-
vemos por aqui. Tem moradores ali da
nados. Muitos são prédios antigos, patri-
Assis de Vasconcelos que também são
mônio público que estão sendo depreda-
aqui da associação.
dos. E tem aqueles que deixam de servir
SAMMY: Outra coisa muito legal,
ao bem cultural. Pra gente foi um sofri-
foi o resgate da convivência da nossa
mento o fechamento do Teatro Cuíra, que
vizinhança, isso é um ponto altamente
era um ponto de cultura, que chegou a
positivo, a gente consegue se ver na
trabalhar com a população em situação
Yamada, se cumprimenta na Lojas
de rua, um nó até hoje, porque a Funpapa
Americanas. Temos um bom relaciona-
[Fundação Papa João XXIII] não consegue
mento com a associação dos feirantes
resolver, a secretaria de saúde não conse-
da Praça da República e com os artesãos.
gue resolver, e nós estamos dentro disso.
JOANA: A gente também tem uma
As instituições religiosas aqui do
boa relação com eles e com o pessoal
bairro, que alimentam essas pessoas,
dos hotéis, porque é interessante que
não encontram outra forma de cuidar
a Campina seja um polo turístico a ser
e esta população só está aumentando,
indicado como passeio aos hóspedes,
junto com os pontos de vendas de drogas.
que eles cheguem ao Ver-o-Peso, mas
O tráfico é muito grave. A zona de prosti-
também visitem as galerias, os museus,
tuição está ameaçada, muitas prostitutas
restaurantes. Esse aqui é um bairro
foram expulsas e até mortas pelo tráfico.
completo e híbrido. Estamos conhecendo os artistas e os músicos, que a
REVISTA CIRCULAR: Como é que a
gente não conhecia e moram aqui.
associação tem feito para se mobilizar na comunidade e enfrentar esta e outras questões sociais no bairro? JOANA: Temos batido de porta em
32
REVISTA CIRCULAR: Vocês estão falando ao mesmo tempo, pera aí (risos de todos)...
porta e, nessa busca de apoio, acabamos
SAMMY: Eu preciso destacar que esse
conhecendo outras pessoas e outras
bairro, esse movimento, digamos assim,
formas de vivências. Nós estamos bus-
foi iniciado na tentativa é de resgatar um
cando ajuda também dos pequenos
bairro boêmio, histórico, comercial, de
comerciantes que também fazem parte
uma importância grande pra cidade. Pra
da associação, e das pessoas que moram
você ter uma ideia, o maior polo turís-
na Presidente Vargas, que recebem
tico e culinário, comercial e econômico
um fluxo de pessoas de fora. Já conse-
com a sede das principais instituições
guimos agregar pessoas que moram lá
financeiras do estado situadas no nosso
atrás das Lojas Americanas, pessoas
bairro, que também é culturalmente um
que moram na Padre Eutíquio, o pessoal
bairro “pulsante”.
dos Correios, do Hotel Princesa Louçã.
Esta aí o Projeto Circular, que encai-
Estamos formando grupos de What-
xou com a gente como uma luva, porque
sApp com moradores e nos protegendo
a questão da cultura a gente nunca tinha
mutuamente. Cada rua tem seu grupo e
esquecido, a gente apenas estava traba-
nos avisamos de situações sinistras que
lhando no foco principal pra gente que
Temos batido de porta em porta e, nessa busca de apoio, acabamos conhecendo outras pessoas e outras formas de vivências. Nós estamos buscando ajuda também dos pequenos comerciantes que também fazem parte da associação, e das pessoas que moram na Presidente Vargas, que recebem um fluxo de pessoas de fora.” — Joana
REVISTA No 1 - SET/2016
era a questão da segurança, mas a cultura
dessa população não conhece o bairro
o maior polo turístico que Belém possui
era questão nossa também, e vocês
que mora. Embora o nosso bairro da
é a Estação das Docas.
vieram suprir essa lacuna pra gente.
Campina não seja tão grande, ele possui
JOANA: É, mas tem uma grande con-
características próprias que devem ser
centração de pobreza, né? Mas tem
resgatadas, entendeu?
o Ver-o-Peso, que pra gente é muito
REVISTA CIRCULAR: O que falta pra que as pessoas se aproximem. Morado-
importante.
res, comerciantes, artistas, agentes de
SAMMY: Aqui é cenário da maior
turismo, todos formam este movimento
revolução que tivemos na região, a
SAMMY: Sim. E é também um polo
cultural e podem também retomar um
Cabanagem. Várias coisas aconteceram
religioso. A primeira igreja evangélica
crescimento econômico criativo tão
aqui próximo da Igreja do Rosário, na
da Amazônia está aqui no nosso bairro.
próprio desse lugar...
área dos Mercedários, na própria Praça
É a igreja Batista aqui em frente à Praça
JOANA: Para isso as pessoas poderiam
da República. O nosso centro comer-
da República.
conhecer melhor a história dos bairros
cial ainda é o maior centro comercial
JOANA: Tem a Sinagoga, a gente está
que formaram Belém, principalmente
de Belém, com muitas lojas, mas as
conseguindo agregar os maçons, os
se mora aqui. Percebi que boa parte
pessoas não conhecem. Não sabem que
evangélicos, os católicos, os ateus. 33
PROJETO CIRCULAR
SAMY: A gente ainda não foi numa
nascer, eu ficava até 11 da noite naquela
realmente, é essa possibilidade de
igreja Espírita, o que é uma falha nossa.
praça. Foi assim que conheci o Samy,
estar na porta da minha casa, cumpri-
JOANA: É verdade. Adoro abrir a minha
com os meninos dele, que eram peque-
mentar meus vizinhos, vê-los todos
nos também, entendeste?
os dias, porque houve um “recluso”,
janela e enxergar a Igreja do Rosário, e
todo mundo se trancou nas suas casas,
me dói muito eu não poder mais sentar ali na pracinha. Porque quando eu me
REVISTA CIRCULAR: O que mais
por exemplo, pra eu falar com o Samy,
mudei pra cá, minhas enteadas eram
vocês pretendem reconquistar e o que
eu ligo, entendeste? Antes a gente se
pequenas, uma tinha 09, a outra tinha
falta no bairro?
encontrava na praça, nós utilizávamos
11, e a minha filha tinha acabado de 34
JOANA: O que me faz falta, muito
muito essa praça, e também a Praça
REVISTA No 1 - SET/2016
Segurança pública não é só uma questão de policiamento, mas também da ação dos órgãos da prefeitura como a Funpapa, Seurb. Junto com violência, também vai ter lixo, o abandono das praças, enfim. Agora a gente entende que algumas situações não adianta só policiar, isso tem que intensificar, mas não é o que vai resolver.” — Sammy
da República. Pegar manga? Chovia
então, esse ir e vir livre na Campina,
aconteceu o que a gente está vendo
e a gente já se preparava pra ir pegar
por exemplo, ir comer no Ver-o-Peso,
hoje, deixou acontecer, relaxou, por
Manga na Praça da Bandeira, porque
tomar uma sopa, a pé também, enfim,
conseguinte a população também não
tem muitas mangueiras.
ter essa liberdade.
acordou,
quando
acordou,
encon-
Andar a pé, eu não curto andar a pé,
SAMMY: A gente sabe que essa
trou a situação um caos, essa é que é a
mas o meu marido e as meninas aqui de
questão da violência na sociedade de
verdade. Eu nasci e cresci naquela casa
casa, adoram ir à Praça Batista Campos
hoje é o grande X da questão. Em relação
(apontando do outro lado da rua). Muita
a pé, descer a Padre Prudêncio pra ira à
à Campina, especificamente, muito é
coisa mudou e não foi pra melhor, só
Praça da República. Não podemos mais,
por falta de politicas do governo, que
que queremos reverter isso. n 35
PROJETO CIRCULAR
REDUTO
O BAIRRO INDUSTRIAL DA BELLE ÉPOQUE A PAISAGEM URBANA É UM CONJUNTO DE OBJETOS DE IDADES DIFERENTES QUE TÊM ORIGEM EM DIVERSOS MOMENTOS, SENDO O RESULTADO DA INTENSA METAMORFOSE QUE AS CIDADES SOFREM AO LONGO DO TEMPO. EM BELÉM DO PARÁ ESSE PROCESSO NÃO É DIFERENTE. A PAISAGEM URBANA DA CAPITAL PARAENSE É UMA COMPOSIÇÃO DE VÁRIOS OBJETOS QUE SURGIRAM EM DIVERSOS MOMENTOS DE SUA HISTÓRIA, OS OBJETOS PRESENTES EM BAIRROS HISTÓRICOS TOMBADOS PELO IPHAN COMO OS BAIRROS DA CIDADE VELHA E DA CAMPINA, QUE SÃO EXEMPLOS DESSA DIVERSIDADE. NO ENTANTO, EXISTEM ALGUNS RECORTES NESSA PAISAGEM URBANA QUE MUITAS VEZES PASSAM DESPERCEBIDAS PELA POPULAÇÃO DA CIDADE COMO O BAIRRO DO REDUTO.
36
Por CHARLES PAES GORETTI DA TAVARES*
REVISTA No 1 - SET/2016
O
Reduto
em Belém, representada pelas antigas
urbanos da cidade, os bairros Cidade
começou a ser formado
fábricas e vilas que hoje exercem outras
(atual Cidade Velha) e Campina. Ainda
no século XVIII a partir
funções. Além disso, o bairro é o resul-
na segunda metade do século XVIII o
da pequena praça de
tado de uma expansão urbana que até o
governador da província, Fernando da
guerra chamada Reduto
século XVIII estava restrita principal-
Costa de Athaíde Teive, ordenou em 1751
de São José, que tinha a
mente aos dois bairros já citados aqui.
a construção de um Reduto, que con-
bairro
do
função de defesa da cidade. Esse bairro
A formação territorial do bairro seguiu
sistia em uma pequena praça de guerra
possui marcos simbólicos que represen-
a estratégia portuguesa, onde o terri-
próximo ao antigo convento de Santo
tam períodos históricos da cidade, como
tório amazônico foi ocupado por meio
António.
o período áureo da economia gomífera,
da fundação de fortificações militares
A construção do Reduto expressava
representado pelas edificações oriundas
e igrejas. Essa estratégia já havia sido
a preocupação do governo da província
da belle-époque e da industrialização
efetivada nos dois primeiros núcleos
com a proteção da colônia, sendo assim, 37
PROJETO CIRCULAR
Belém passou a ter uma linha de defesa formada: pelo forte do Castelo, forte da Barra, forte de São Pedro Nolasco e o Reduto de São José. Há de se destacar que o Reduto representou para além da função militar, um passo ao crescimento e expansão urbana de Belém. INDÚSTRIA E DECLÍNIO O bairro do Reduto foi também um espaço de intenso comércio que estava concentrado na Rua 28 de Setembro e na Doca do Reduto (Doca do Imperador), construída no século XIX, no Igarapé do Reduto, também conhecido como Igarapé da Fábrica. Essas atividades comerciais fizeram do bairro do Reduto um espaço de grande circulação de pessoas, um espaço voltado para o trabalho. No final do século XIX a capital paraense começou a sofrer grandes transformações urbanísticas devido ao chamado boom da borracha, essas transformações também atingiram o bairro do Reduto como o aterramento da Doca do Reduto para a construção do Porto de Belém e isso fez com que a atividade comercial do bairro entrasse em declínio, no entanto, o bairro do Reduto tinha uma outra importante característica na cidade, devido a sua proximidade à baía de Guajará, o bairro do Reduto
38
tornou-se um local propício à instalação
através do fechamento de várias fábri-
de várias fábricas fazendo desse bairro
cas instaladas no bairro e o surgimento
Esse recorte do sítio urbano da cidade,
o principal setor fabril da cidade, ruas
de outros usos e apropriações desses
o bairro do Reduto, engloba bens mate-
como a Municipalidade e Gaspar Viana
espaços. Esse declínio industrial teve
riais que revelam algo simbólico, uma
(denominada anteriormente como rua
como fator preponderante a entrada de
espécie de resistência às metamorfoses
da indústria) tornaram-se as principais
produtos industrializados do sudeste
do espaço urbano de Belém, isso pode
vias onde as fábricas foram instaladas.
na capital paraense, consequência da
ser observado através da permanência
A partir de 1950, o que se verifica no
ligação de Belém com outras regiões do
de muitas formas espaciais antigas, as
bairro do Reduto é um declínio industrial
país através das rodovias, por exemplo,
“rugosidades espaciais”, termo muito
a rodovia Belém-Brasília.
REVISTA No 1 - SET/2016
provocada pelo homem, mudança não apenas na forma, mas também em seu conteúdo. Se no passado o bairro do Reduto concentrou funções comerciais tradicionais e industriais que lhe atribuía uma identidade de setor industrial, hoje as formas espaciais que eram utilizadas no comércio e na indústria parecem que foram esquecidas pelos administradores públicos da cidade e pela sociedade civil, e isso se reflete no que tange à proteção desse patrimônio. Atualmente nas ruas do bairro não existem mais aquele fluxo grande de pessoas que circulavam no período áureo das indústrias e a estrutura das antigas fábricas desempenham outras funções como a de depósito, instituições públicas, casas de eventos, casas de shows, estacionamento de carros. Parte das vilas, que eram a residência de funcionários da fábrica, possui hoje
Representado
outros moradores. Outras vilas foram
pelas edificações oriundas da belle-époque e da industrialização em Belém,
de comércio, bares e restaurantes.
representada pelas antigas fábricas e vilas que hoje exercem outras funções.
abandonadas e outras exercem funções Outras edificações, infelizmente, desapareceram e hoje só podem ser visualizadas por antigas fotografias. ROTEIRO TURÍSTICO O Reduto, apesar de não estar na rota turística oficial da cidade, possui um grande potencial para conhecimento utilizado por geógrafos, que remetem ao
da história, geografia e arquitetura de
período comercial e industrial do bairro.
Belém e da própria expansão da cidade no final do século XIX e início do século
ENTRETENIMENTO
XX. E, além de materialidade, possui
Um dos principais desafios que se
vida, movimento, identidade, com vida
colocam à preservação dessas formas
residencial, comercial e também de
espaciais entendidas aqui enquanto
lazer, festas, encontros, portanto patri-
patrimônio é a relação entre a per-
mônio material e imaterial relevante
manência do patrimônio e a mudança
para a cidade de Belém. 39
PROJETO CIRCULAR
40
REVISTA No 1 - SET/2016
O grupo de pesquisa de Geografia do Turismo-Geotur da Faculdade de Geografia possui um roteiro geo-turístico (projeto de extensão) no bairro desde agosto de 2013, percorrendo as ruas e vilas do bairro com objetivo de entender a formação histórico e geográfica do bairro, suas territorialidades, os espaços desaparecidos, os espaços herdados e os espaços recentes existente. Enfim, seu patrimônio material e imaterial. Este roteiro, à pé, pelo bairro, é realizado duas vezes ao ano. n
Mais informações:
roteirosgeoturisticos@ gmail.com
* Charles Paes Silva Graduando do curso de Geografia da Universidade Federal do Pará *Maria Goretti da Costa Tavares Professora da Faculdade e do Programa de Pos Graduação em Geografia da UFPA Email: mariagg29@gmail.com 41
PROJETO CIRCULAR
42
REVISTA No 1 - SET/2016
PARCERIAS PARA SOLUCIONAR LIXO NO CENTRO HISTÓRICO TONELADAS DE PLÁSTICOS, PAPÉIS, VIDROS E DETRITOS ORGÂNICOS SAEM, TODOS OS DIAS, DE CASAS, LOJAS E DEMAIS ESPAÇOS LOCALIZADOS NO CENTRO HISTÓRICO DE BELÉM, ÁREA DOTADA DE UM HIBRIDISMO HUMANO E VOCAÇÕES DIVERSAS. NAS EQUINAS DA CAMPINA, CIDADE VELHA E REDUTO, BAIRROS MAIS IMPORTANTES DA HISTÓRIA DA CIDADE DE BELÉM, COM SEUS 400 ANOS, HÁ UMA INFINIDADE DE MATERIAIS QUE PODERIAM SER APROVEITADOS DE VÁRIAS FORMAS, INCLUSIVE PARA A ARTE, SE COLETADOS DE FORMA INTELIGENTE. 43
PROJETO CIRCULAR
N
a ausência de coleta seletiva,
ou
mesmo
de despacho correto, por parte da população,
o
problema
do lixo torna-se um
grande desafio. O que é desperdiçado gera sujeira, ameaça a saúde das pessoas e prejudica o meio ambiente, lembrando que no centro histórico, os três bairros estão à beira da Baía do Guajará. É preciso planejamento para executar projetos consistentes por parte do poder público em parceria com a sociedade civil. E só reclamar não adianta. É preciso agir e resistir. Achar alternativas. Há um ano, a jornalista Domink Giusti criou, no Facebook, a comunidade “Mapa do Lixo – Belém”. Ela passou a receber fotos
44
enviadas pelas pessoas para um mape-
futuramente o projeto em outros terri-
amento de pontos críticos de despejo
tórios da região”, diz o biólogo.
irregular de lixo na capital, contribuindo
Assim, o encontro da ABIOPA com o
para a construção de um relatório ima-
Circular Campina Cidade Velha também
gético, que possa ajudar no desenvolvi-
foi inevitável. “Sempre fomos sensíveis ao
mento de outras ações.
objetivo de (re)valorização do centro his-
Foi assim que Abílio Ohana, pre-
tórico de Belém, principalmente por estar-
sidente da Associação de Biólogos do
mos sediados em um dos mais famosos
Pará (ABIOPA), ao conhecer a página,
conjuntos arquitetônicos da cidade, na
entrou em contato com a jornalista. O
Vila Bolonha, e pela garantia do que isso
intuito era o de desenvolver um projeto
traz de bem-estar e ao convívio aos mora-
piloto de coleta seletiva de lixo no
dores da região”, comenta Ohana.
centro histórico. Entrou nesta equipe
A parceria como Circular surgiu no pri-
a publicitária Suzana Magalhães, espe-
meiro contato com Makiko Akao, coorde-
cialista em Gerenciamento de Projetos,
nadora do projeto existente desde 2014.
pela Fundação Getúlio Vargas e atual
Ela comentou que o Circular também
gerente de projetos na ONG The Nature
tinha o interesse em fomentar um projeto
Conservancy.
piloto de coleta seletiva de resíduos na
“Com o projeto piloto, visamos o pla-
área histórica da cidade. A equipe agora
nejamento da coleta seletiva do ‘lixo’,
pretende colocar em prática os estudos
inicialmente, em uma rua do bairro da
que vêm realizando para um projeto de
Campina com participação direta das
gerenciamento do lixo despejado diaria-
partes interessadas, a fim de replicar
mente na área histórica de Belém.
Sempre fomos sensíveis ao objetivo de (re) valorização do centro histórico de Belém, principalmente por estarmos sediados em um dos mais famosos conjuntos arquitetônicos da cidade, na Vila Bolonha, e pela garantia do que isso traz de bemestar e ao convívio aos moradores da região”. Abílio Ohana, biólogo
REVISTA No 1 - SET/2016
45
PROJETO CIRCULAR
“Estamos
realizando
o
planeja-
mento de um projeto piloto em conjunto com a sociedade civil organizada no bairro da Campina. Assim, temos em um mesmo território a possibilidade de promover a (re) valorização do Centro Histórico e colaboras para a garantia do bem estar e convívio da população, pela preservação dos edifícios e do meio ambiente que os cercam. Entendemos que a busca desses objetivos passa pelo reconhecimento, por parte da sociedade, da importância do patrimônio que pretendemos preservar e revitalizar. O processo de sensibilizar a sociedade para isso une ABIOPA ao Circular nesse momento”, explica Ohana. Os moradores receberão informações sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) de maneira lúdica
No momento, precisamos entender o que a comunidade residente na área espera de um projeto como esse e se o que estamos planejando condiz com as atuais demandas do local. Essa etapa está sendo viabilizada pelo trabalho voluntário dos integrantes do projeto piloto, vinculados a diversas organizações”. Abílio Ohana, biólogo
e criativa e, também, instruções sobre o correto despejo e sobre coleta seletiva. As ações de educação ambiental serão construídas
de
forma
participativa.
“Já reunimos com eles e houve a iden-
Uma pauta de discussão entre os cida-
tificação de interesses comuns em prol
dãos será criada e o benefício em curto
do
prazo poderá ser a redução de pontos de
local, como o desenvolvimento econô-
despejo irregular.
mico da cooperativa aliado à responsabi-
desenvolvimento
sustentável
no
lidade ambiental, através do acondicio-
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RECICLAR E GERAR RENDA
namento correto de rejeitos e resíduos,
O projeto vai envolver ainda a parti-
prevenção de endemias provenientes do
cipação dos catadores de lixo. No bairro
acúmulo de ‘lixo’ exposto ao ar livre e
da Campina, por exemplo, existe a
promoção do bem estar da comunidade
Cooperativa de Catadores de Resíduos
do Centro Histórico”, revela Ohana.
Atualmente, o projeto não conta com fontes de financiamento e as etapas de
Sólidos (material reciclável), que realiza
A cooperativa deverá atuar como par-
execução, monitoramento e avaliação
o serviço de coleta em vias públicas e
ceira do projeto, participando nas ati-
dependerão de patrocínios financeiros
nas residências. O restante do material
vidades de educação ambiental junto às
e materiais para serem realizadas. “No
que não é coletado é acondicionado em
partes interessadas, dentro do que regu-
momento, precisamos entender o que a
aterro público através da coleta de rejei-
lamenta a Política Nacional de Resíduos
comunidade residente na área espera de
tos (material não reciclável), regular do
Sólidos. O que se espera é que a coopera-
um projeto como esse e se o que estamos
município de Belém, de responsabilidade
tiva seja impactada positivamente com o
planejando condiz com as atuais deman-
da Secretaria de Saneamento da capital.
aumento de resíduos coletados no local.
das do local”, ressalta o biólogo. “Essa
REVISTA No 1 - SET/2016
etapa está sendo viabilizada pelo traba-
Campina, Cidade Velha e Reduto. Iden-
lho voluntário dos integrantes do projeto
tificar estas atividades e as partes envol-
piloto, vinculados a diversas organiza-
vidas com as mesmas é o primeiro passo
ções”, finaliza.
a ser dado para mensurar os impactos
Abílio Ohana analisa a produção de
negativos do descarte de ‘lixo’ produzido
“lixo” (resíduos e rejeitos) e o descarte em
nestes locais. Outro passo é fomentar a
vias públicas do centro histórico, como
discussão sobre medidas mitigatórias
resultado de uma série de fatores, entre
e/ou compensatórias em benefício da
eles, o da diversificação da população e
população para transformação positiva
atividades desenvolvidas nos bairros da
do local.
https://www.facebook.com/ mapadolixobelem/
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PROJETO CIRCULAR
GALERIA O que move o projeto Circular é a participação da população e principalmente dos moradores dos bairros históricos da Campina, Cidade Velha e Reduto. Nas últimas edições, isso tem ficado cada vez mais evidente. O esforço compartilhado por vários parceiros tem sido recompensado. É o que conferimos nos registros de Irene Almeida. A cada domingo de circulação a fotógrafa, que integra nossa equipe gestora, nos traz imagens que revelam as diversas formas de alegrias provocadas pelo encontro.
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REVISTA No 1 - SET/2016
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PROJETO CIRCULAR CAMPINA CIDADE VELHA EQUIPE GESTORA Coordenação Makiko Akao
Produção
Yorranna Oliveira
Coordenação de Comunicação Luciana Medeiros
Designer Gráfico Márcio Alvarenga
Programador Rafael Dias
EXPEDIENTE
Fotógrafa Irene Almeida
REVISTA CIRCULAR Edição 1 - Set 2016
Coordenação de ação educativa
PERIODICIDADE
www.projetocircular.com.br
Semestral
Josianne Dias
ISSN
E-mail circularcampina01@gmail.com circular.comunica@gmail.com
TEXTOS E EDIÇÃO
Facebook https://www.facebook.com/ocircular/
Luciana Medeiros
DESIGNER GRÁFICO Márcio Alvarenga
Instagram @circularcampinacidadevelha Twitter @circularbelem
CONSELHO EDITORIAL Makiko Akao Yorranna Oliveira
#vemcircularbelem
FOTOS Irene Almeida
Autor Corporativo
Kamara Kó Travessa Frutuoso Guimarães, 611. CEP: 66017-170. Bairro: Campina. Belém - Pará
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#vemcircularbelem
400 anos
de histรณria
www.projetocircular.com.br