Revista Circular Nº 0, Abril/2016

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ÍNDICE

03 04 10 12 24 28 32 34

Editorial.................................................................................... Arte dentro e fora, na veia!..........................................................

Entre o Esquecimento e a História – Michel Pinho..........................

Ensaio Fotográfico – Marcelo Lélis................................................. Entrevista – Flávia Lima.............................................................. Experiência e Difusão do Patrimônio Urbano – Goretti Tavares........

Galeria....................................................................................... Expediente.................................................................................


UM SOPRO DE 400 ANOS E CULTURA

O

Circular Campina / Cidade Velha chega

um turismo diferenciado, que vai além da super-

a sua 11ª edição trazendo possibilida-

fície, junto a uma circulação cidadã. O desejo de

des inovadoras, estimulando uma nova

construir juntos prova que não estamos aqui só

maneira de olhar o mundo em volta e de se enxer-

de passagem. E sabemos que quanto mais nos

gar enquanto cidadão. É assim que há dois anos,

sentirmos em casa, quanto mais gostarmos de

a cada dois meses, a gente tem se encontrado em

ser paraenses, melhor nos abraçaremos e recebe-

Belém do Pará pra “bater perna” e muito papo,

remos os que chegam aqui impressionados com

conhecer novos lugares e também se reconhecer

nossa arquitetura, nosso povo acolhedor, de cores

nas ruas dos bairros da Cidade Velha, Campina e

e abraços fortes.

Reduto.

O Projeto Circular Campina / Cidade Velha, que

Apresentamos no Circular novidades que dão

também se estende ao Reduto, reúne grandes par-

gosto de morar na capital do Pará, embora tenha-

ceiros, empreendedores que sonham e oferecem

mos consciência da enorme necessidade de mais

espaços híbridos ou de linguagem própria e cria-

cuidados, segurança, restauros e investimentos

tiva, que trazem na arte, teatro, literatura, gastro-

públicos na zona mais antiga do município que

nomia, música, cultura popular e contemporânea,

abre as portas da Amazônia para o mundo. Rea-

o reflexo e a promessa de voos mais amplos.

lidade que não nos desanima, pelo contrário, só nos dá certeza para seguir o caminho.

É com prazer que apresentamos a Revista Circular - Número Zero, cuja edição tem como con-

Nosso objetivo é estabelecer um circuito artís-

vidados os professores Michel Pinho (História)

tico, cultural e econômico nos bairros históricos,

e Goretti Tavares (Geografia), parceiros que vêm

cada vez mais fortalecidos pelas iniciativas da

contribuindo com suas ações dentro do Circular

sociedade civil organizada. Formada por peque-

para um novo ponto de vista sobre os bairros mais

nos empresários e moradores, que trazem consigo

antigos de Belém, e também o fotógrafo Marcelo

a memória do lugar e repassam tal conhecimento

Lélis, que nos revela em um ensaio de imagens

às novas gerações, que flutuam entre o presente,

em P&B, uma cidade invisível em plena Campina.

o passado e o futuro revelados na paisagem destes

Na nossa sessão de entrevista, batemos um papo

três bairros inaugurais de Belém. Temos o privi-

com Flávia Lima, turismóloga e parceira incansá-

légio de visitar igrejas, museus, monumentos,

vel do projeto Circular.

ver resquícios da cultura indígena, casarios de

Ao propor um olhar diferenciado para o turismo

arquitetura portuguesa e francesa, ainda resis-

no Centro Histórico de Belém, também não podí-

tentes, e também de ir à casa de amigos, tudo em

amos deixar de falar da diversidade cultural ofere-

um centro histórico, cultural e comercial efer-

cida pelos espaços parceiros, com ênfase nas artes

vescente. Podemos circular em meio a tudo isso,

de rua, com destaque para o 10pintados, projeto

todos os dias, não somente como um passeio

que estreia na cidade, fazendo da arte urbana um

turístico pra fazer com quem chega de fora.

fator unificador e aglutinador de ideias e pessoas.

Acreditamos que é por meio da arte e da cultura,

Leiam, vejam, degustem com calma, sintam o

inerentes a esta cidade, que ganharemos a atenção

sabor de ser um circulante global, neste recorte de

devida, pois queremos manter este centro pre-

mundo que é a Amazônia, Belém do Pará, Cidade

servado, sim, mas principalmente vivo, atraindo

Velha, Reduto e Campina. 3


PROJETO CIRCULAR

ARTE DENTRO E FORA, NA VEIA! DESIGNADA “ARTE URBANA”, A INTERVENÇÃO ARTÍSTICA NAS RUAS REÚNE UM LEQUE DE EXPRESSÕES CRIATIVAS NO ESPAÇO COLETIVO. ALÉM DE ARTISTAS VISUAIS, ESTÁTUAS VIVAS, MÚSICOS, MALABARISMO, ARTE CIRCENSE EM GERAL OCUPAM PRAÇAS, RUAS, SINAIS DE TRÂNSITO, MAS SEMPRE COM A MESMA PREMISSA, A EXPRESSÃO ARTÍSTICA E HUMANA. O CIRCULAR ESTIMULA ISSO E PRETENDE VER MAIS INICIATIVAS, VINDAS DESSES ATORES CRIATIVOS DO COTIDIANO 4


REVISTA REVISTA No Zero 001 - ABR/2016

C

hegando a sua 11ª edição

que integram o projeto, o Circular vem

Para além das quatro paredes, é um

com fôlego e mais parcei-

realizando, a cada dois meses, sempre

dos ideais do Circular Campina Cidade

ros, o projeto vem num

em um domingo, uma verdadeira revo-

Velha enfatizar a arte pública em suas

crescente desde a pri-

lução no Centro Histórico de Belém.

programações. O movimento, que nasce

meira vez que foi pensado

Espaços de arte, voltados à música ou

underground e no desejo de se expres-

como um projeto piloto

esporte, pequenos restaurantes, museus,

sar, enxerga no fazer artístico de inter-

em dezembro de 2013, reunindo seis

e ateliês de artes visuais, teatro, terapias

venção uma forma a mais de se colocar

espaços parceiros voltados a atividade

alternativas e brechós abrem com progra-

no mundo.

das artes visuais. Não deixou mais de ser

mações diversas, promovendo um grande

E no Circular as ruas também invadem

realizado. Pessoas que chegam pela pri-

encontro das pessoas com esta região da

as galerias, ateliês, os espaços híbridos e

meira vez, voltam sempre nas demais

cidade. São e continuam sendo muitas as

sustentáveis que o formam num conjunto

edições. Hoje, com mais de 30 espaços

conquistas.

que dá vida ao projeto, e vice versa. 5


PROJETO CIRCULAR

É PÚBLICA E URBANA Dentro deste pensamento, já foram realizados

pocket

shows,

exposi-

ções, cortejos, espetáculos, oficinas e encontros dentro e fora de ateliês e galerias, possibilitando ao público em geral conhecer os vários estabelecimentos de arte e cultura e também as ruas por onde andam e se encontram nos bairros da Cidade Velha, Campina e Reduto. Outras iniciativas neste sentido já foram realizadas em Belém, como o projeto R.U.A. (Rota Urbana pela Arte), que em 2013 trouxe ao bairro da Cidade Velha, a experimentação da cidade como local de encontros e percepções. Além de modificar o cenário de alguns pontos do bairro, com pinturas em grafite retratando personagens da cultura, da religiosidade e da

OS 10PINTADOS

histórica da Cidade Velha, o projeto tendia ao resgate de histórias passadas

n Antônio Maurity - Multi-artista:

n Drika Chagas - Artista visual,

ilustrador, artista plástico, figuri-

com poética ligada à linguagem da

zada por vários artistas, entre eles, a

nista, visagista, stylist, multimídia.

Arte Urbana. Iniciou sua carreira em

Artista visual Drika Chagas, que tem

Atua na área de cinema, televisão,

2009 e desde então tem sua produção

um ateliê no centro histórico e é uma

publicidade, teatro, espetáculos e

presente nas ruas e galerias brasilei-

das parceiras do Projeto Circular. É

galerias virtuais. Em seus trabalhos,

ras e do exterior. Realiza mural com

ela que, mais uma vez, está responsá-

usa técnica com sharpie (marcadores

técnicas em spray e stencil, além

vel por mobilizar o coletivo “10Pinta-

permanentes) e resíduo de cola sobre

de outros trabalhos com nanquim e

dos”, que já trabalha desde o mês de

madeira.

aquarela e participou da 3ª edição da

de geração a geração pelos moradores. A intervenção urbana foi organi-

Bienal Internacional Graffiti Fine Art.

março e vai estrear na nossa 11ª Edição

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do Circular Campina Cidade Velha.

n Coletivo Cosp Tinta - É uma

Quando você circular pelo bairro da

CREW de grafite que atua em Belém

n Éder Oliveira - Artista que tem já

Cidade Velha seja neste domingo,

desde 2005. Fazem suas intervenções

tem alguns murais no bairro Cidade

17, ou em outros dias, verá o traba-

nos muros da capital, do interior e

Velha, são retratos do homem ama-

lho de dez artistas visuais locais, que

fora do estado também. Os integran-

zônico e sua identidade. É licenciado

se expressam e experimentam a arte

tes atualmente são: George, Edpaulo,

em educação artística e pintor por

como tradução de seus sentimentos e

Fábio Graf, Bokão, Rog e Mina

ofício, e desde 2004 vem desenvol-

pensamentos. Saiba quem são e onde

Ribeiro. Utilizam as latas de spray

vendo suas experimentações nessa

encontrá-los:

para expressar sua arte e a cidade.

técnica e temática. Já participou de


REVISTA No Zero - ABR/2016

exposições na 31ª Bienal de Artes de

no Ateliê 397 em São Paulo e em

São Paulo, várias aqui no Pará e no

ocupações promovidas pelo projeto

exterior também.

Aparelho. Junior participa do projeto de pesquisa “Letras que Flutuam”,

n Igor Felipe – Artista que traba-

contemplado no Programa Amazônia

lha técnicas de stencil, spray e tinta

Cultural do MINC, que realiza ciclos

gauche. Seu trabalho “Casas Flu-

de exposições, conferências e oficinas

tuantes” foi premiado no 23º salão

no país.

de arte CCBEU “Primeiros Passos”. É membro da Crew CRC desde 2013

n Nega Suh - Artista que busca

e atualmente é artista residente do

valorizar a estética negra a partir

Ateliê 497B.

de um viés político e social de mili-

Dez artistas expressam seus trabalhos e experimentações artísticas nos muros da Cidade Velha

tância, arte e envolvimento com as

n Luis Júnior - Pintor profissional

comunidades de periferia, centro e

de tipografia naval, desenvolve sua

quilombos da cidade. Iniciou na arte

arte singular e característica, desde

em 2006 através do artesanato e

seus 14 anos de idade, na região do

logo passou a desenvolver também

Porto do Sal, em Belém. Já partici-

sua técnica de grafite. Arte educa-

pou de várias exposições na capital,

dora, artesã, grafiteira, articuladora

Acesse no link

/10pintados

mapa

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PROJETO CIRCULAR

e militante do movimento de mulheres negras, e diversos movimentos sociais.

n Pablo Mufarrej - Artista e professor. Desenvolve trabalhos que têm o vestígio, o fragmento e a apropriação como motes para investigações poéticas nas mais variadas técnicas, suportes e espaços. Já participou de diversas exposições coletivas no Brasil e exterior. Vai fazer um mural para o projeto 10Pintados na Cidade Velha com suas experimentações poéticas e fluídas.

n PP Condurú - Decidiu que seria artista plástico e desde a adolescência passou a estudar desenho e pintura por conta própria. Desenvolveu sua técnica e experimentação em pintura, tela, desenho, gravuras. Morou no Rio de Janeiro e São Paulo em busca de outras linguagens e em Belém pesquisa a arte e materiais da região amazônica, traços e raízes. Também trabalha com computação gráfica, utilizando essa plataforma para desenhar, pintar, editar vídeos-arte, artes gráficas. É artista e designer do projeto.

n Véronique Isabelle - Artista canadense que vive em Belém desde 2009. Faz doutorado em Antropologia na UFPA e paralelamente desenvolve seu trabalho artístico na pintura, fotografia, instalações, etc. Participou ativamente do coletivo do Atelier do Porto entre 2010 e 2013 e já fez diversas exposições individuais e coletivas, desde 2005, no Canadá, França e Brasil. 8


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PROJETO CIRCULAR

MEXIRA, CABANAGEM E ESMOLAS

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ENTRE O ESQUECIMENTO E A HISTÓRIA


REVISTA No Zero - ABR/2016

NO DIA 17 DE ABRIL DE 1835 APORTOU EM BELÉM A FRAGATA IMPERATRIZ COM MAIS DOIS NAVIOS DE GUERRA, O OBJETIVO DA COROA IMPERIAL ERA DIMINUIR OS ÂNIMOS DE UM POVO REVOLTADO. HAVIA APENAS TRÊS MESES, O LARGO DO PALÁCIO (HOJE PRAÇA DOM PEDRO II) ASSISTIU UM DOS MOMENTOS MAIS MARCANTES DA NOSSA HISTÓRIA: A MORTE DO GOVERNADOR LOBO DE SOUZA E A DEFLAGRAÇÃO DA CABANAGEM EM BELÉM DO PARÁ Por MICHEL PINHO*

O

Cidade

caboclos e índios baixavam (e a ainda

(hoje cidade velha) e

baixam nessa terra), traziam memórias,

da Campina são palcos

recados, demandas. Os objetos dos ofi-

privilegiados da nossa

ciantes para seus cultos eram criados

s

bairros

história.

da

Nas

ruas

podemos ainda ouvir os

passos dos escravos que levavam água, leite e as cestas de produtos compradas no Ver-o-Peso. Na travessa das Mercês (hoje Frutuoso Guimarães), um pequeno espaço

A construção de uma cidade é contínua, viva, pulsante. Cada passo que damos, circulamos e entramos em uma espiral do tempo.”

nos quintais de Belém, banhos e ervas eram comprados onde? No Ver-o-Peso. E assim, comércio, fé, devoção, alimentação e hoje memória e história se encontram nas ruas, travessas, praças e por que não quintais de Belém. A construção de uma cidade é con-

para a alimentação do pouco gado que

tínua, viva, pulsante. Cada passo que

existia na cidade. A falta de carne verde

damos, circulando, entramos em uma

(carne fresca) sempre foi um problema

espiral do tempo. Visitamos o passado e

para a alimentação dos habitantes

Santa Rita, um espaço religioso para os

reconstruímos nosso presente. Conhe-

locais. O pirarucu que vinha de Igarapé

presos rogarem pelo perdão dos seus

cer Belém é reconstruí-la. Não há pos-

Mirim e de Cachoeira do Marajó era lar-

delitos.

sibilidade de sermos cidadãos ativos

gamente vendido como solução diante

Longe do porto, já próximo da estrada

sem sermos, obrigatoriamente, agentes

da fome que avançava. Será que hoje,

da Pólvora (atual Presidente Vargas) no

multiplicadores de conhecimento. Em

circulando por esses dois bairros, caso

terreno, com o menor largo até hoje,

um estado de emergência, onde a vio-

perguntássemos para os comerciantes

sem muita riqueza de detalhes, com

lência, o descaso e o medo assola, a

se há mexira para vender, eles teriam?

oragos modestos, os negros forros e

melhor resposta é tomar as ruas com

popularmente

escravos edificaram a Igreja de Nossa

arte, cultura e história. n

conhecida como Comércio, também

do Rosário dos Homens Pretos. Um via-

abriga parte das devoções históricas de

jante em 1848 relata as cantorias dos

Belém. A igreja de Santana, edificada

devotos levando telhas, paus e tijolos

em homenagem a mãe de Maria, avó

para a construção. Dizem que esses

P.s: O que é mexira?

de Jesus, que reza a lenda onde Landi

cânticos podem ser ouvidos até hoje.

Peixe boi frito na sua própria

Hoje

a

Campina,

trouxe da Europa um relicário com os ossos da própria santíssima.

Mais distante deste centro, na beira

gordura.

dos igarapés, nas margens de lá da

E a igreja do Carmo, com seus padres

rua das Mongubeiras (atual Almirante

*Michel Pinho

pedindo esmolas em Lisboa para edifi-

Tamandaré) ou mesmo para as bandas

Historiador e fotógrafo.

car a fachada? Mas a história também se

da Pedreira, os cânticos eram outros,

Mestre em comunicação,

faz de esquecimentos. Na Rua da Cadeia

somados a tambores e atabaques. Toi

linguagens e cultura.

(atual João Alfredo) havia a capela de

Averequete, Jarina, Herondina, Mariana,

(55) 91 - 91313469 11


PROJETO CIRCULAR

REVISTA No Zero - ABR/2016

ENSAIO FOTOGRÁFICO MARCELO LELIS*

CAMPINA – RECORTE DE UMA CIDADE INVISÍVEL

C

aminhar num domingo

zendo novas perspectivas e prosperi-

pelo Centro Comercial

dade a uma cidade que já foi chamada

de Belém é padecer no

de Pequena Paris na América? Há outras

Paraíso. De lojas fecha-

perguntas a fazer, certamente. Por isso,

das, as ruas do bairro da

em um domingo qualquer do mês de

Campina

revelam

março, desafiamos o fotógrafo Marcelo

edificações seculares que, lamenta-

Lélis* a nos revelar com seu olhar esta

velmente, negligenciadas ao longo de

paisagem obscurecida em parte e em

muitas décadas, estão sempre em risco

outra, já destruída.

nos

de vir ao chão. O tempo não perdoa.

Fomos guiados pela professora do do

curso de Geografia da UFPA, Goretti

bairro, percebemos os pontos críticos que

Tavares, parceira do Circular, que nesta

sempre norteiam projetos que surgem de

edição assina um texto sobre seu projeto

anos em anos para a restauração desta

Roteiro Geo-Turístico. Neste domingo

área comercial e histórica de Belém. O

17 de abril, na nossa 11ª edição, ela

que fazer com a poluição visual que torna

convida também o público a dar uma

toda essa beleza invisível aos olhos de

circulada pelo bairro da Campina, vejam

quem passa por ali no dia a dia. E como

em nossa programação no site do Circu-

remanejar este mercado informal exis-

lar: www.projetocircular.com.br .

Caminhando

pelas

entranhas

tente, com suas barracas fincadas a ferro

Desafio aceito, Marcelo Lélis desem-

nos paralelepípedos e trilhos que sobre-

penhou com maestria o seu papel de nos

vivem em meio à paisagem histórica?

fazer enxergar o invisível, sem deixar de

Seria mesmo impossível construir um projeto, com soluções viáveis, tra12

Quando explorei os planos abertos, na maioria das vezes, havia um obstáculo, seja nos toldos agressivos encravados nas fachadas ou nas lonas que cobrem as barracas dos ambulantes. Os planos fechados mostram mato e os danos em azulejos históricos, que no abandono, o próprio tempo se encarregou de fazer”.

explorar o deplorável. O resultado traz dor e beleza. n

Marcelo Lelis - Fotógrafo


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PROJETO CIRCULAR

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PROJETO CIRCULAR

*Marcelo Lélis Atua desde 1999 no fotojornalismo paraense, assim como em agências de comunicação, revistas e outras publicações. Integrou a mostra de Fotografia Coletiva no vídeo “Quase todos os dias”, fez assistência de fotografia no vídeo “... Feito poeira ao vento...” e assina o Still e making of dos curtas-metragens “Matinta” (Fernando Segtowick, 2009) e “Ribeirinhos do Asfalto” (Jorane Castro, 2010), e da minissérie “Miguel Miguel” (Roger Elarrat e Adriano Barroso, 2010), produções do audiovisual paraense. Atualmente, é Editor de Fotografia do Jornal Diário do Pará e se prepara para realizar a sua primeira exposição individual. 23


PROJETO CIRCULAR

ENTREVISTA FLÁVIA LIMA

24

DIÁLOGO, CULTURA E TURISMO


REVISTA No Zero - ABR/2016

V

ivemos de memórias, muitas tasiosas,

vezes acerca

fandas

nossas origens e grandezas vividas na Belle Époque paraense, mas

a verdade é que ainda há muita matéria viva do passado, presente nas ruas da Campina e Cidade Velha, bairros oficialmente tombados como Patrimônio Cultural Brasileiro, em maio de 2012, após um longo processo para se aprovar o projeto elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), vinculado ao Ministério da Cultura. É simples entender porque é necessá-

rio preservar todo este patrimônio, mas ainda não sabemos como aproveitar este potencial, uma vez que na maioria das vezes dependemos do poder público para realizar projetos que exerçam esta função catalizadora. O cenário do centro histórico da capital paraense começa sua construção em 1616, quando os portugueses expulsaram, definitivamente, os franceses do território brasileiro e a cidade de Belém tornou-se o elemento de ligação entre o Rio Amazonas e o mar, possibilitando a posse de toda a

aponta que os dois bairros, protegi-

embrião que o Projeto Circular Campina

Amazônia.

dos por elementos naturais como baía,

Cidade Velha vem atuando e buscando

Foi graças a esta posição estratégica,

igarapé e alagadiços, constituem, ainda

alternativas para que o centro histórico

que a capital paraense se transformou,

hoje, um dos maiores e mais íntegros

de Belém seja pulsante durante toda a

à época, no maior entreposto comercial

conjuntos urbanos do país.

semana, não somente aos sábados e domingos.

das riquezas produzidas na região. Vale

Para efetivar o tombamento, levou-se

lembrar que no apogeu do ciclo da bor-

em conta, ainda, que esse conjunto da

Uma delas seria o investimento

racha, entre 1890 e 1920, Belém foi uma

cidade consolidado entre os séculos 17

no potencial turístico existente nos

das cidades mais prósperas do mundo.

e 18 – com igrejas e suas torres, largos,

bairros, voltado à cultura, incluindo

De acordo com os estudos feitos, a área

praças e coretos, mercados e feiras,

nos roteiros guiados a museus, igrejas

tombada alcança quase três mil edifi-

em interação com a Baía de Guajará, é

e monumentos históricos, uma passada

cações, e o parecer do Departamento de

suficientemente expressivo para retra-

pelas pequenas galerias, restaurantes e

Patrimônio Material do Iphan também

tar a história urbana de Belém. É neste

espaços culturais voltados à economia 25


PROJETO CIRCULAR

ENTREVISTA FLÁVIA LIMA

criativa e artísticas existentes ao longo

valorizarem os bairros, trazendo melho-

dos bairros da Cidade Velha, Campina e

rias. No caso do nosso Centro Histórico,

Reduto.

existe a preocupação em preservar, já que

Talvez seja possível, assim, impulsionar

empreendimentos

temos aqui 2,8 mil imóveis tombados.

culturais,

Talvez o maior problema desses tom-

gerando uma nova forma de sustenta-

bamentos seja o desconhecimento das

bilidade nos bairros, envolvendo mora-

vantagens e desvantagens desse ato,

dores e a população de outras áreas em

porque isso serve de atrativo turístico e

ações artísticas e de cidadania a serem

vejo que hoje já há um movimento neste

desenvolvidas

galerias,

sentindo, que busca um entendimento

espaços culturais, atraindo turistas de

do papel de cada um dos atores sobre a

outros estados e países, interessados

atual situação desses bairros, à exemplo

pela cultura local.

do Circular, o Sindilojas e a Associa-

em

praças,

A ideia é que a gente encerre um capí-

ção dos Moradores da Campina, mas é

tulo de hostilidades que afasta as pessoas

preciso haver diálogo, para uma visão

do Centro Histórico de Belém, princi-

do futuro de todos os envolvidos.

palmente nos finais de semana, quando o centro comercial se fecha; assim como

REVISTA CIRCULAR: Em sua opinião,

os moradores, por insegurança, se reco-

como a ação do Projeto Circular soma

lhem ao interior de suas casas. Este é

neste sentido?

o tema proposto à turismóloga Flávia

FLÁVIA LIMA: Um dos pontos é a

Lima, que conversa com a gente no pri-

reflexão que o projeto faz através da

meiro bate papo da Revista Circular.

Economia Criativa e o outro é a atenção que chama para se enxergar a situação

REVISTA CIRCULAR: Potencial turís-

desses bairros. Essa atividade é reali-

tico o Centro Histórico de Belém sempre

zada durante um dia em que não existe

teve. O que pode ser feito para poten-

um fluxo de carro e por isso oportuniza

cializarmos essa aptidão que o Centro

a todos verem com calma o nosso Patri-

Histórico tem?

mônio que se encontra abandonado,

FLÁVIA LIMA: Qualquer cidade do Mundo que trabalha a atividade turís-

justamente por falta de um diálogo e

edição, um tour guiado pelos espaços

parceria entre o público e o privado.

que estão participando do Projeto Circular Campina Cidade Velha, para cola-

tica com fins econômicos, já revitalizou ou tem revitalizado seu patrimônio

REVISTA CIRCULAR: Você está estru-

boração de indicação e conhecimento

histórico. Temos os exemplos de Salva-

turando um projeto que envolve uma

desses locais e, após, referendar um

dor, na Bahia, São Luís, no Maranhão, e

agência de turismo interessada em ofe-

roteiro permanente para Turistas que

João Pessoa, na Paraíba, que realizaram

recer novos enfoques aos turistas que

visitam a nossa cidade independente

um trabalho principalmente nos bairros

recebe em Belém. Você poderia explicar

do evento, para ser comercializado nos

onde sua história começou. Esses inves-

melhor como isso vai funcionar?

pacotes oferecidos por esta agência.

timentos oportunizam novos negócios, ocupações e geram empregos, além de 26

Qualquer cidade do Mundo que trabalha a atividade turística com fins econômicos, já revitalizou ou tem revitalizado seu patrimônio histórico. Temos os exemplos de Salvador, na Bahia, São Luís, no Maranhão, e João Pessoa, na Paraíba, que realizaram um trabalho principalmente nos bairros onde sua história começou. ”

FLÁVIA LIMA: Estamos na fase de estruturação.

Vamos

realizar

nesta

Essa etapa exigirá uma conversa com todos, para serem acordados horários


REVISTA No Zero - ABR/2016

de visitas, capacidade de cada um dos

FLÁVIA LIMA: Como eu disse, vamos

espaços, valores e volumes de comer-

precisar de muito diálogo, pois cada

cialização. É só o começo de uma ideia

um tem uma visão diferente desse pro-

que me parece muito promissora e

cesso, mas todos têm o mesmo objetivo,

oportuna para todos.

a nossa sugestão é que, cada um dos atores contribua para que haja melhoria

REVISTA CIRCULAR: Quais seriam

nos bairros. Em relação aos lojistas, por

as suas sugestões pra melhorar a situ-

exemplo, acreditamos que eles saibam

ação do Centro Histórico, em relação à

da importância turística, mas ainda não

prática do turismo cultural nesta região

sabem é como fazer isso sem a partici-

da cidade?

pação da Máquina Municipal.n 27


PROJETO CIRCULAR

ENTENDO OS ROTEIROS GEO-TURÍSTICOS

EXPERIÊNCIA E DIFUSÃO DO PATRIMÔNIO URBANO EM BUSCA DE PRÁTICAS TURÍSTICAS QUE ESTIMULEM O RESGATE DA MEMÓRIA SOCIAL, HISTÓRICA E GEOGRÁFICA DA CIDADE DE BELÉM, INTEGRANDO A SOCIEDADE E VALORIZANDO SUA MEMÓRIA SÓCIO-ESPACIAL E SEU PATRIMÔNIO CULTURAL, AMBIENTAL, MATERIAL E IMATERIAL 28

Os roteiros vão para além do passeio, eles desvendam a complexidade da formação do espaço e suas mazelas, com o intuito de despertar nos cidadãos e no poder público a importância e a necessidade de mais limpeza, restauros e sinalizações turísticas nos bairros do Centro Histórico.”


REVISTA No Zero - ABR/2016

Por GORETTI TAVARES*

O

Centro

Histórico

de

-Turístico ressignifica o turismo, tor-

turísticas em Belém e como ação esti-

apresenta

nando-o uma arena de estudo e prática

muladora de resgate da memória social,

ampla diversidade de

para que agentes locais passem a se (re)

histórica e geográfica dos bairros da

vidas que o produzem,

conhecer e a (re) valorizar sua história e

Cidade Velha, Campina e Reduto, o

para além das poucas

seu espaço.

projeto visa contribuir para o planeja-

Belém-PA

edificações

reforma-

A construção desses roteiros no

mento de ações turísticas para a cidade

das. Estão presentes, atividades comer-

Centro Histórico de Belém nasce das dis-

de Belém e na revalorização histó-

ciais (formais e informais), espaços

cussões sobre o turismo e o desenvolvi-

rica patrimonial, cultural e turística da

em deterioração, lixo, festas, ativida-

mento social na Amazônia. A proposta

cidade (associações locais, população

des portuárias, etc. E toda essa diver-

foi idealizada pelo Grupo de Estudos de

em geral e turistas).

sidade diz muito sobre o passado e o

Geografia do Turismo (GGEOTUR), da

presente da cidade de Belém. É o que

Universidade Federal do Pará, onde se

Roteiro Geo-turístico tem se mostrado

aponta o projeto Roteiro Geo-Turístico,

percebeu a necessidade de ações volta-

bastante positiva. Desde o primeiro

que envolve discentes do ensino médio,

das para o turismo histórico, cultural e

roteiro que contou com a participação de

graduandos, mestrandos e professores

patrimonial na cidade de Belém.

vários profissionais (geógrafos, turis-

do curso de Geografia da UFPA. A experiência do projeto Roteiro Geo-

A

experiência

de

construção

do

De extrema relevância e pertinên-

mólogos, historiadores, museólogos e

cia para a ressignificação das práticas

arquitetos), estudantes de graduação e 29


PROJETO CIRCULAR

sociedade local, observamos que temos contribuído para mostrar à sociedade de maneira geral que há necessidade de se valorizar o patrimônio cultural de nossa cidade, e isso não depende exclusivamente do poder público. A população local pode e deve contribuir também. RECONHECENDO O CENTRO HISTÓRICO Nosso intuito com o Roteiro Ge-Turístico é apresentar à comunidade científica, à sociedade local e aos turistas uma nova proposta, que se diferencia de um roteiro turístico convencional, pois busca incluir aí, conhecimentos históricos, arquitetônicos, culturais e geográficos. Inserimos locais que não têm sido visitados frequentemente nos passeios comercializados, espaços nos quais é nítida a carência de ações do poder público, principalmente no que se refere à limpeza e segurança, ao contrário do que ocorre em certos espaços restaurados ou redirecionados a outras funções. Partindo desta abordagem, observa-se a importância da participação da população local neste processo, pois ações como estas podem ser um ponto de partida para a formulação de políticas públicas de turismo que agreguem tanto os valores culturais como de produção econômica. O projeto Roteiro Geo-Turístico vem resgatando a memória sócio-espacial da cidade, tomando como base a formação histórica e a atual função dos espaços, por isso nossos roteiros vão para além 30


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do passeio, eles desvendam a complexidade da formação do espaço, revelando também suas mazelas. Neste desafio de analisar a ação empírica da geografia por meio do turismo, é importante evidenciar a necessidade da maior participação dos moradores do bairro, com o intuito de empregar os princípios de turismo de base comunitária. Convém destacar, finalmente, que o projeto, em sua construção, tem sido interessante porque traz informações que estavam esquecidas sobre a cidade, além de sua realização ser uma intensa socialização das mais diversas áreas do conhecimento.

Importante

também

ressaltar as parcerias do projeto, como por exemplo, a do Projeto Circular Campina-Cidade Velha, que bimestralmente incentiva a realização de atividades culturais e artísticas no Centro Histórico, propiciando com que a população em geral possa circular obtendo outra leitura e apropriação da cidade e da importância do patrimônio material e imaterial da mesma. n

*Maria Goretti da Costa Tavares Profª. Dr.ª do Programa de PósGraduação em Geografia (PPGEO) e da Faculdade de Geografia e Cartografia da Universidade Federal do Pará. E-mail: goretti@ufpa.br 31


PROJETO CIRCULAR

GALERIA O Circular Campina / Cidade Velha registra suas edições. Para a Revista Circular, número zero, selecionamos fotos de alguns momentos marcantes da participação da Marujada de Bragança e da Comitiva de São Benedito, em nossa 10ª edição, especial dos 400 anos de Belém, no início deste ano. Num encontro inédito, a imagem peregrina de São Benedito de Bragança encontrou-se com a imagem secular de São Benedito das Rosas de Cametá, que saiu mais uma vez às ruas do bairro histórico, retomando uma tradição iniciada ainda nos anos 1970, por Dona Lulu Guedes. Emoção, devoção e fé marcaram o dia 17 de janeiro, no Bairro da Campina. Com patrocínio do Banco da Amazônia, esta foi a nossa homenagem ao aniversário da cidade, ao Santo Preto e a Dona Lulu, in memoriam.

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​PROJETO CIRCULAR CAMPINA CIDADE VELHA EQUIPE GESTORA Coordenação Makiko Akao

Produção Executiva Camila Fialho

Comunicação e Assessoria de Imprensa Luciana Medeiros

Designer Gráfico Márcio Alvarenga

Programador

EXPEDIENTE ​REVISTA CIRCULAR

Rafael Dias

Fotógrafa Irene Almeida

Número Zero - Abr/2016

Coordenação de ação educativa PERIODICIDADE Semestral

Josianne Dias

www.projetocircular.com.br

TEXTOS E EDIÇÃO ​Luciana Medeiros

DESIGNER GRÁFICO Márcio Alvarenga

E-mail circularcampina01@gmail.com circular.comunica@gmail.com Facebook https://www.facebook.com/ocircular/

​​

CONSELHO EDITORIAL Makiko Akao Camila Fialho

Instagram​ @circularcampinacidadevelha

#vemcircularbelem

FOTOS Irene Almeida Luciana Medeiros

Autor Corporativo

Kamara Kó REVISÃO

Travessa Frutuoso Guimarães, 611. CEP: 66017-170. Bairro: Campina. Belém - Pará

Camila Fialho

Apoio:

Patrocínio:

Realização:


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#vemcircularbelem

400 anos

de histรณria

www.projetocircular.com.br


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