Alinebarbosa

Page 1

UNIVERIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES Trabalho de Conclusão de Curso em Artes Visuais

UMA NOVA REPRESENTAÇÃO DE DRÁCULA NO CINEMA: OS FIGURINOS DE EIKO ISHIOKA

ALINE BARBOSA DA CRUZ PRUDENTE CAMPINAS -­‐ 2013


ALINE BARBOSA DA CRUZ PRUDENTE

UMA NOVA REPRESENTAÇÃO DE DRÁCULA NO CINEMA: OS FIGURINOS DE EIKO ISHIOKA

Monografia apresentada junto ao curso de Artes Visuais da Universidade Estadual de Campinas, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel sob a orientação do Prof. Dr. Ernesto Giovanni Boccara

Campinas 2013


INSTITUTO DE ARTES UNICAMP

Monografia apresentada junto ao curso de Artes Visuais da Universidade Estadual de Campinas, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel sob a orientação do Prof. Dr. Ernesto Giovanni Boccara.

COMISSÃO EXAMINADORA _________________________________ Prof. Dr. Ernesto Giovanni Boccara Universidade Estadual de Campinas Orientador _________________________________ Prof. Dr. Carlos Roberto Fernandes Universidade Estadual de Campinas Titular _________________________________ Profª. Heloísa Villaboim de Carvalho Universidade Estadual de Campinas Titular _________________________________ Mestre Igor Alexandre Capelatto Suplente

Campinas, 5 de dezembro de 2013


Agradecimentos Aos meus pais Maysa e Rinaldo e minha família, pelo apoio, compreensão, ajuda, e, em especial, por todo carinho ao longo deste percurso. Ao professor e orientador Ernesto Giovanni Boccara por seu apoio e inspiração no amadurecimento dos meus conhecimentos e conceitos que me levaram a execução e conclusão desta monografia. Aos professores do instituto de Artes da UNICAMP, em especial à Maria de Fátima Morethy Couto e Heloísa Villaboim de Carvalho, que foram tão importantes na minha vida acadêmica e no desenvolvimento desta monografia. À meu amigo Igor, por ter me incentivado a trabalhar com cinema. Aos meus amigos e colegas de curso, pela cumplicidade, ajuda e amizade.


She lives beyond the grace of God, a wanderer in the outer darkness. She is vampyre, Nosferatu. These creatures do not die like the bee after the first sting but instead grow strong and become immortal once infected by another Nosferatu. So, my friends, we fight not one beast but legions that go on age after age after age, feeding on the blood of the living. (Van Helsin, no roteiro de James V. Hart)


Resumo Esta pesquisa apresenta uma análise dos figurinos do filme “Drácula de Bram Stoker” de Francis Ford Coppola feitos pela designer, diretora de arte e figurinista, Eiko Ishioka. O filme traz uma interpretação diferente para o personagem Drácula com referências de indumentárias de vários países e épocas. O objetivo da pesquisa é reconhecer e analisar essas influências tanto para o figurino de Drácula, quanto para os figurinos das personagens Elisabetha, Mina, Lucy e Renfield, além de relacionar com teorias, como a psicanalítica de Jung. PALAVRAS-­‐CHAVE: Figurino – Eiko Ishioka – Drácula – Cinema


Abstract This research presents an analysis of costumes made by the designer, art director and costume designer, Eiko Ishioka from the film "Bram Stoker's Dracula", directed by Francis Ford Coppola. The film brings a different interpretation of the Dracula character, which wears a blend of influences from various countries and eras. The research aims to recognize and analyze these influences from Dracula’s costumes, and from costumes of other characters, such as Elisabetha, Mina, Lucy and Renfield, and relate to theories, such as Carl Jung’s psychoanalysis. KEYWORDS: Costume Design -­‐ Eiko Ishioka -­‐ Dracula – Cinema


Sumário

1. Introdução ........................................................................................................... 8 2. De Vlad Tepes a Drácula .................................................................................... 11 3. O Filme Drácula de Bram Stoker ........................................................................ 14 4. Os Figurinos ...................................................................................................... 22 4.1 Drácula .............................................................................................................. 24 4.2 Elisabetha, a Esposa .......................................................................................... 35 4.3 Mina, a Reencarnação ....................................................................................... 37 4.4 Lucy, de Humana a Vampira .............................................................................. 44 4.5 Henfield, o Louco ............................................................................................... 48 5. Considerações Finais ......................................................................................... 50 6. Bibliografia ....................................................................................................... 51 7. Filmografia ....................................................................................................... 53


8

1. Introdução “Welcome to my house. Come freely. Go safely; and leave some of the happiness you bring!” (Drácula, no romance “Drácula” de Bram Stoker)

Pele pálida, cabelos penteados para trás, roupas elegantes e capa preta. Esta é a imagem que geralmente temos do personagem Drácula e que a maioria dos filmes nos trás, porém em 1992 Francis Ford Coppola e a figurinista Eiko Ishioka trazem um novo Drácula. Figurinos quase surreais, que não pertencem a apenas um período histórico, além de uma personalidade sofredora e romântica são algumas das inovações que serão analisadas no decorrer dessa pesquisa. O Drácula do filme de Coppola tem várias faces, mas talvez a mais inovadora seja a de um velho sádico e cruel, mas que chora ao lembrar de sua falecida esposa. Ele veste uma túnica vermelha que se arrasta por metros e tem um volumoso penteado enrolando seus compridos cabelos brancos (Figura 1). Apesar da pesquisa enfatizar o personagem Drácula, praticamente todos os figurinos do filme são inovadores em algum aspecto, e, por isso, analiso também outros personagens e suas vestimentas do final do século XIX. A pesquisa se inicia com a vida de Vlad Tepes, o homem que inspirou o escritor Bram Stoker a nomear seu romance como “Drácula”. No capítulo seguinte são expostos os conceitos visuais que inspiraram o filme. Por fim, estão as análises dos figurinos criados por Eiko. Existem várias teorias que poderiam servir como base para analisar a figura do vampiro. Uma delas é de Freud sobre Eros e Thanatos, que em grego clássico significam vida e morte, respectivamente. Há uma frase do filme dita pelo vampiro que é “The blood is the life”, ou “O sangue é a vida”. O vampiro é um ser que tem a vida possibilitada a partir do consumo do sangue dos outros serem vivos, causando a morte destes. Sendo assim, o sangue significa a vida (Eros) para o vampiro, mas a morte para outro ser vivo (Thanatos). As teorias de Jung falam de arquétipos, que são imagens psíquicas presentes no inconsciente coletivo que todo ser humano teria acesso e que seriam passadas de geração para geração da mesma forma que os instintos. O vampiro seria, portanto, um arquétipo do homem animal, que não teria seus instintos reprimidos.


9

Há também as teorias de Joseph Campbell, que serviram de base para uma tese sobre Drácula do pesquisador Mauro Polacow Bisson. Essas teorias são parecidas com as de Jung até certo ponto, porém Bisson explica que para entender as teorias de Campbell, “é necessário deixar de lado a visão de que a linguagem mítica se refira a um aspecto instintivo do ser humano, portanto ligado ao seu lado infantil e até “animal”, e passar a entendê-­‐la como um fenômeno cultural do homem, um trabalho de “criação do espírito” de difícil comparação com a linguagem “lógica” predominante.” (BISSON, 1997, p. 27).

Apesar de ter estudado um pouco de cada teoria, acredito que o vampiro esteja ligado com o lado instintivo e animal do ser humano, e, por isso, é a teoria de Jung que uso ao longo das análises. O próprio filme de Coppola relaciona Drácula aos animais, mostrando que ele pode se comunicar e até se transformar em lobo, ratos, entre outros. Portanto, este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo analisar os figurinos criados por Eiko Ishioka e relacionar com algumas teorias psicanalíticas de Jung.


10

Figura 1 – Foto do figurino de Drácula. (COPPOLA; HART, 1992)


11

2. De Vlad Tepes a Drácula “I am nothing, lifeless, soulless, hated and feared. I am dead to all the world...hear me! I am the monster the breathing men would kill. I am Dracula.” (Drácula, no roteiro de James V. Hart)

Vlad Tepes nasceu em 1431 na cidadela de Sighisoara na Transilvânia, na época chamada de Schassburg, por causa da dominação dos Germânicos. Mais tarde chamado de Vlad Draculea, ele foi o homem no qual o mito do vampiro Drácula foi inspirado. O nome Dracul veio de seu pai e o sufixo “ea” significa filho de Dracul. No romeno atual, Dracul seria traduzido como “demônio” ou “diabo”, mas é possível que na época a associação do dragão com o demônio ainda não existisse. Seu pai ganhou a alcunha “Dracul” por ter entrado na Ordo Draconis, ou Ordem do Dragão, criada pelo rei da Hungria, a qual tinha um símbolo de um dragão sobre uma cruz. Pouco se sabe sobre essa ordem, mas segundo Branco (2012, p. 23), ela pode ter sido uma ordem religiosa-­‐militar como os Templários e os Hospitalários ou um pacto anti-­‐otomano de reis e nobre da região. BRANCO (2012, p. 110) define Vlad Tepes como “um voivoda cruel, com certa paixão pela guerra e pela tortura, mas também era alguém extremamente calculista e um formidável estrategista políticos e militar”. Sua vida é marcada por aprisionamento, guerras, assassinatos e, pelo que o deixou mais conhecido, a empalação, tendo ganho a alcunha de “Vlad, o Empalador” em sua época. Segundo pesquisas, ele teria aprendido essa técnica enquanto foi prisioneiro dos turcos otomanos e ficou fascinado pelo método de tortura e execução que consiste em atravessar uma lança pelo abdômen ou ânus da vítima, deixando-­‐a pendurada. Geralmente esse tipo de ferimento não mata instantaneamente, já que não perfura nenhum órgão vital, e a vítima agoniza até morrer de hemorragia ou desidratação. Vlad usou muito esse método como meio de uma guerra psicológica, tendo criado “florestas de corpos empalados” para assustar seus inimigos.

Figura 2 – Pintura de Vlad Drácula de pintor desconhecido. (Imagem fornecida por BRANCO)


12

Com a ajuda do pesquisador Arturo Branco, pesquisador brasileiro que mora em Goiânia, foi possível reunir algumas imagens das vestimentas e objetos usados por Drácula, além de quadros que o retratam (figuras 2 a 5).

Figura 3 – Pintura de Vlad Drácula desconhecido. (Imagem de pintor fornecida por BRANCO)

Figura 4 -­‐ O sabre de Drácula, no Museu do Palácio Real de Targoviste. (Imagem fornecida por BRANCO)

Na opinião de Branco (2012, p. 106-­‐107), apesar de existirem várias histórias macabras envolvendo Drácula, pode ser que muitas delas tenham sido inventadas. O império germânico havia perdido muitos homens contra o exército de Drácula então resolveu parar de lutar, mas usar os métodos de impressão, que haviam sido inventados a pouco tempo por Gutemberg, para espalhar pela Europa folhetos com a intenção de difamá-­‐lo. Segundo o autor, esses folhetos (Figura 5) podem ter tido o efeito inverso. Espalhando a fama de crueldade de Drácula pode ter na verdade ajudado a proteger seu reino. Além disso, foi por causa desses folhetos que a história de Drácula perdurou por séculos. Nos comentários feitos pelo diretor Francis Coppola

Figura 5 – Folheto alemão. (Imagem fornecida por BRANCO)

durante seu filme, ele cita que Dr. Polidori, escritor e médico inglês que viveu entre os séculos XVIII e XIX, escreveu um conto chamado “Varney, The Vampire” inspirado na figura de Lord Byron, que era bonito e charmoso, mas era muito alto e tinha uma deformação no pé. Este conto virou um sucesso e inspirou Bram Stoker a escrever um romance sobre um vampiro. O escritor estava sem um título para o romance e, ao ir em uma exposição que incluía esses folhetos feitos pelos alemães, ele ficou fascinado com a história de Vlad Tepes e colocou o nome de “Dracula” em seu romance. Stoker chegou a incluir em seu romance fatos da vida real de Vlad Dracul (pai) e Vlad Tepes Draculea (filho) quando Drácula fala da história de sua família. Ele narra em terceira pessoa, dizendo


13

“nós, os Dracul, ...”, mas inclui tantos detalhes que o personagem Jonathan Harker desconfia de que o próprio Drácula tivesse presenciado aqueles eventos. Coppola também usa alguns fatos reais da vida de Vlad Tepes em seu filme, quando, no epílogo mostra Drácula no período medieval em uma batalha contra os turcos. Apesar de Drácula ter ganho a fama de vampiro, o mito é muito mais antigo do que ele. Pela análise de Carl G. Jung, o vampiro pode ser considerado um arquétipo do homem animal e “simboliza a natureza primitiva e instintiva do homem” (JUNG, 2008, p. 318). Jung descreve em seu livro o quanto o homem “civilizado” tem ignorado seu “animal interno”, ou seja, seus instintos, e o quanto isso perturba a humanidade. Segundo autora Aniela Jaffé, “O animal em si não é bom nem mau; é parte da natureza e não pode desejar nada que não pertença a ela. Em outras palavras, ele obedece a seus instintos. [...] Mas no homem, o “ser animal” (que é a sua psique instintiva) pode tornar-­‐se perigoso se não for reconhecido e integrado na vida do indivíduo. O homem é a única criatura capaz de controlar por vontade própria o instinto, mas é também o único capaz de reprimi-­‐lo, distorcê-­‐lo e feri-­‐lo – e o animal, para usarmos uma metáfora, quando ferido, atinge o auge de sua selvageria e periculosidade. Instintos reprimidos podem tomar conta de um homem, e até mesmo destruí-­‐lo” (JUNG, 2008, p. 321).

Os personagens do filme de Coppola mostram a relação do vampirismo e da libertação dos instintos animais do homem. Como é o caso de Renfield, que não chegou a ser vampirizado, mas depois de ter contato com Drácula ele volta a Londres com comportamentos considerados estranhos, como consumir insetos, e por isso é considerado louco e internado em um hospício. O filme também relaciona o vampiro ao animal em uma cena em que todos fogem do cinematógrafo que acaba de ser invadido por um lobo. Apenas Drácula e Mina permanecem e acariciam o animal selvagem, então Drácula diz “There is much to be learned from beasts”1. Segundo PASCUAL e MATEU (2001, p. 89, tradução nossa), “a mitologia do vampiro sempre relacionou a troca de sangue com a experiência sexual. [...] As presas substituem o falo e a mordida representa a penetração e o coito”. Para as autoras, Stoker materializou esta ideia velando-­‐a com o “monstruoso”. Já o diretor Coppola coloca este conceito em evidência mostrando um vampiro sedutor. Durante as análises dos figurinos essa discussão da libertação dos instintos será retomada.

1

“Há muito o que se aprender com os animais” (Roteiro de James V Hart, tradução nossa)


14

3. O Filme “Drácula de Bram Stoker” “I do so long to go through the crowded streets of your mighty London, to be in the midst of the whirl and the rush of humanity, to share its life, its changes, its deaths.” (Drácula, no roteiro de James V. Hart)

“Drácula de Bram Stoker” teve o roteiro escrito por James V. Hart e é considerado a adaptação para o cinema mais fiel ao livro de Bram Stoker. Francis Ford Coppola foi o diretor do filme e chamou Eiko Ishioka para ser a figurinista. Apesar do tema do filme ser um dos mais reproduzidos pelo cinema, o diretor conseguiu trazer uma nova imagem para o vampiro com a ajuda de Eiko. Nascida em Tóquio, Japão, e graduada em design pela Universidade Nacional de Belas Artes e Musica de Tóquio, Eiko ganhou fama fazendo campanhas publicitárias, chegando a ser a primeira mulher a ganhar o prêmio “Japan Advertising Club” (JAAC). Essa fama se deve ao fato de ela querer mudar a visão tradicional da mulher japonesa de ser quieta e submissa. Eiko dizia "I wanted someone vigorous, with a big body, big expression, big everything, big, big, big."2 Nos anos 80, ela se muda para Nova Iorque e começa a trabalhar também na área de cenário e figurino. Alguns anos depois, ganhou um prêmio no Festival de Cannes pela direção de arte do filme “Mishima – Uma Vida em Quatro Tempos” (1985). Em 1992 foi convidada por Coppola para fazer os figurinos do filme Drácula. Apesar de primeiramente ter recusado o convite, acabou aceitando a proposta e ganhou o Oscar de melhor figurino no mesmo ano. Ela também fez outros filmes que ficaram famosos como “A Cela” (SINGH, 2000) e, o último trabalho de sua carreira, “Espelho, Espelho Meu” (SINGH, 2012). Ao ser chamada para ser a figurinista de “Drácula de Bram Stoker”, Eiko disse que se sentia mais uma production designer que também desenha os figurinos, já que são uma parte importante do set. Então Coppola pede para que ela faça todo o conceito visual do filme. Ela comenta em um dos documentários sobre a produção que nunca havia visto um filme de Drácula até então. Ao

2

Em “Eiko Ishioka”, Disponível em: http://www.adcglobal.org/archive/hof/1992/?id=217


15

pesquisar sobre estes filmes ela se deparou com uma imagem clichê de Drácula construída ao longo dos anos, a qual ela queria quebrar neste filme, e seguindo os conceitos estabelecidos pelo diretor de um simbolismo surreal, de algo estranho e impossível, Eiko consegue quebrar esse clichê. Infelizmente, há uma dificuldade em encontrar livros sobre Eiko no Brasil, mas várias descrições sobre seu processo de trabalho em reportagens na internet concordam que ela une influências do ocidente e do oriente em seus figurinos, além de um surrealismo com um toque sensual. Como ela mesma diz, "Eroticism, is a very important factor in attracting people's souls."3. O uso da cor vermelha também é uma característica bem forte em seu trabalho, e isto também se mostra no filme de Coppola. Várias biografias sobre Eiko dizem ser esta sua cor favorita, mas podemos também relacionar com a cor da bandeira do Japão ou com a intenção da artista em expressar erotismo em seus trabalhos. Eiko faleceu em 2012, aos 73 anos e chegou a ser indicada ao Oscar de melhor figurino no mesmo ano por seu último filme “Espelho, Espelho Meu”. Coppola é um diretor americano nascido em 1939. Ganhou fama dirigindo filmes como a trilogia de "O Poderoso Chefão" (1972, 1974 e 1990) e "Apocalypse Now" (1979). Coppola trabalhou com Eiko no filme "Mishima: Uma Vida em Quatro Estações", como produtor executivo. Sobre a produção de "Drácula de Bram Stoker", o diretor comenta que os figurinos seriam a cenografia: "O roteiro foi feito pensando em atores bem novos, então eu disse para mim mesmo, não vamos gastar nosso dinheiro nos cenários, mas nos figurinos, pois estes estarão mais perto dos atores. Eu decidi que os figurinos seriam a cenografia."4 (tradução nossa). Quando Coppola chamou Eiko para o longa, ela até então só havia feito direção de arte para cinema e cenários e figurinos para teatro. Por vídeos de entrevista com o diretor, sua intenção ao chamar Eiko, apesar de sua inexperiência com cinema hollywoodiano, era de que ela fizesse algo novo e criativo, não necessariamente seguindo os vestuários históricos. Sobre os resultados dessa parceria, Coppola se mostra satisfeito. "Quando você faz um filme, você não consegue exatamente o que você queria. Você consegue porcentagens. Exceto por Eiko. Ela consegue o que ela quer."5 (tradução nossa).

3

Fonte: <http://www.adcglobal.org/archive/hof/1992/?id=217>

4

“The script was envisaged for very young actors, so I said to myself, Let’s spend our money not on sets but on the costumes, because the costumes are closest to the actors. I decided that the costumes would be the set.” Disponível em: http://www.wmagazine.com/culture/art-­‐and-­‐design/2012/04/eiko-­‐ishioka-­‐late-­‐costume-­‐designer-­‐and-­‐art-­‐director 5

“When you make a movie, you don’t get exactly what you want—you never do—you get percentages,” Coppola wrote. “Except for Eiko. She got what she wanted.” Disponível em: http://www.wmagazine.com/culture/art-­‐and-­‐ design/2012/04/eiko-­‐ishioka-­‐late-­‐costume-­‐designer-­‐and-­‐art-­‐director


16

Para Coppola, sua versão de Drácula foi a adaptação para o cinema mais fiel ao livro, mas ao contrário da obra de Stoker, o filme traz um romance entre o vampiro e Mina. O vampiro, geralmente retratado como um predador, assassino e apático, ganha então uma face de compaixão e ternura. O filme conta a trajetória do começo ao fim de Drácula quanto vampiro. Com o suicídio de sua esposa, Drácula renuncia à Deus e recebe a maldição de ser um morto-­‐vivo que necessita de sangue para viver. Ele encontra a reencarnação de sua amada quatrocentos anos depois em Londres e tenta reconquistá-­‐la, porém é caçado e ferido. No fim do filme, o casal entende que o amor deles ultrapassa o tempo e o espaço, e Mina mata Drácula, o livrando de sua maldição. O diretor queria que o filme fosse um “pesadelo soturno e erótico” e mais um evocativo dos sonhos e psicológico do que mera realidade. Para isso a estética do filme foi baseado principalmente no movimento simbolista. O livro que deram as primeiras ideias de imagem foi “Dreamers of Decadence” de Phillipe Jullian. Infelizmente não foi possível ter acesso a esse livro, mas se sabe, por descrições, que o livro descreve o movimento simbolista6 desde suas primeiras influências dos pré-­‐ rafaelitas7. Alguns dos artistas citados pelo diretor no documentário “Método e Loucura – Visualizando Drácula” são Jan Toorop, Jean Deville e Kubin, mas é de uma obra de Kupka, “The Black Idol” (Figura 6) que o filme faz uma referência direta, usando esta imagem para o castelo de Drácula (Figura 7).

Figura 6 – “The Black Idol” de František Kupka (Fonte: http://www.wikipaintings.org)

Figura 7 – Fotograma do filme “Drácula de Bram Stoker”

6

“Corrente artística de timbre espiritualista que floresce na França, nas décadas de 1880 e 1890. […] O seu fim é dar expressão visual ao que está oculto por meio da linha e da cor que, menos do que representar diretamente a realidade, exprimem ideias” (Itaú Cultural -­‐ Simbolismo). 7

Em 1848 surge a Irmandade Pré-­‐Rafaelita: grupo de jovens artistas que desejavam realizar uma reforma na arte britânica usando como modelo os pintores florentinos do Quattrocento. “Propõem como solução ao artificialismo da arte acadêmica a retomada dos pintores anteriores a Rafael (1483-­‐1520), para eles o responsável por toda a insinceridade da arte diante da natureza.” (Itaú Cultural – Pré-­‐rafaelitas)


17

Os conceitos simbolistas e surrealistas 8 , foram usados principalmente nas cenas com Drácula. Na sua presença as leis da natureza são alteradas: a sombra do vampiro se movimenta independente de seu corpo e, em seu castelo, ratos andam no teto e goteiras pingam para cima. Em cenas excluídas podemos ver ainda mais fenômenos, como por exemplo, uma cena em que Drácula anda pelo castelo com Jonathan e ao subir uma escada ele aparece a frente do outro personagem, mas ao sair de cena, ele aparece subindo por atrás dele. Além das obras de Klimt, Rossetti e de pré-­‐rafaelitas, há também influências japonesas, como do teatro Nô, como será analisado mais adiante. Outro conceito importante usado no filme era mostrar a ciência e a tecnologia da época. A virada do século foi marcada por muitas inovações tecnológicas e várias destas foram reproduzidas no filme, como a primeira forma de transfusão de sangue e uso do telégrafo. Entre as tecnologias recriadas inclui-­‐se o uso de métodos antigos de filmagem. Não se usou chroma-­‐key em nenhuma cena, mas uma técnica antiga de pintura sobre vidro para criar os cenários, além de maquetes em miniatura usadas em perspectiva, pixelation, dupla exposição do mesmo filme, projeção de imagens sobre os atores e até algumas cenas de Londres foram feitas com uma câmera Pathé. O cinema, recurso também inventado no fim do século XIX, foi usado como metalinguagem no filme. Na cena em que Mina encontra Drácula pela primeira vez, ele pede informações de como chegar ao cinematógrafo. Mina se mostra desinteressada, mas o vampiro consegue seduzi-­‐la e eles vão juntos à este território de ilusões e fantasia. MATEU e PASCUAL (2001, p. 73, tradução nossa) comparam o cinema ao vampirismo por “ambos terem a possessão e a imortalização das vidas das pessoas”. A forma circular tem um papel importante tanto na arte quanto no roteiro. Em vários momentos aparecem imagens circulares: na cenografia do quarto de Lucy, nos planos detalhe de olhos, no túnel do trem, na vista de cima de um copo, no círculo de fogo, entre outras. O círculo é um símbolo de atemporalidade que se aplica ao encontro de Drácula e Elisabetha/Mina, como também tem relação com a circularidade da história. O filme começa na capela do castelo com Drácula ao lado do corpo de sua esposa e termina no mesmo local, mas desta vez com Mina ao lado do corpo de Drácula. Em várias análises do filme, se fala das polaridades evidenciadas pelo filme: bem X mal, ciência X sobrenatural, luz X trevas, consciente X inconsciente, ocidental X oriental. Bisson (1997, p. 120) nos da um exemplo do começo do filme, quando Drácula chega a ser confundido com Deus por

8

O movimento surrealista é definido por seu fundador, André Breton, como "estado de fantasia supernaturalista" com base nas ideias de Guillaume Apollinaire. O movimento valoriza o mundo onírico, o irracional e o inconsciente. (Itaú cultural – Surrealismo).


18

ser vitorioso na guerra para recuperar as terras cristãs. Porém, cria-­‐se uma dualidade quando Drácula renuncia a Deus e ele vira seu oposto: um demônio. Coppola comenta nos documentários sobre o making of que os filmes “Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens” (MURNAU, 1922), “Vampyr” (DREYER, 1932) e “La Belle et la Bête” (COCTEAU, 1946) serviram de inspiração para seu filme. Uma das principais características do filme de Murnau incorporadas por Coppola é o uso da sombra expressionista. A sombra do vampiro toma formas distorcidas e tem o poder de tocar, como vemos na figura 9 em que a sombra da mão do vampiro aperta o coração da personagem. Outra característica pode ser a interpretação das mãos: ambos fazem movimentos lembrando aracnídeos. Essa interpretação foi usada por vários filmes clássicos de vampiros e até em filmes recentes.

Figuras 8 – Fotograma do filme “Nosferatu” –

Figuras 9 – Fotograma do filme “Nosferatu” –

sombra do vampiro apertando o coração da

sombra do vampiro

personagem

No filme de Dreyer também há o uso da sombra, mas desta vez com movimentos e até existência independente de um corpo, como na figura 10 em que é sugerido que essa sombra existe mesmo sem ter um corpo. Além disso, essa sombra faz o movimento contrário de cavar. A inversão é também uma técnica usada por Coppola na cena da cripta de Lucy. A figura 11 mostra a sombra indo encontrar seu corpo depois de ter andado por vários lugares sem ele.

Figura 10 – Fotograma de “Vampyr” – sombra cavando “ao contrário”.

Figura 11 – Fotograma de “Vampyr” – sombra indo encontrar seu corpo.


19

Há várias influências que podem ter sido tiradas do filme “La Belle et la Bête”. Primeiramente, o romance entre um ser monstruoso e amaldiçoado e uma jovem e bela mulher. Além disso, o filme serviu de inspiração estética para o interior do castelo como, por exemplo, o uso de braços na decoração, como vemos na figura 12, braços segurando candelabros com velas.

Figura 12 – Fotograma de “La Belle et la Bête”.

Além de se inspirar nos filmes citados anteriormente, o diretor faz homenagens à outros filmes como “The Bitter Tea of General Yen” (CAPRA, 1933) (Figura 13). Há uma porta de vidro semelhante à do filme de Capra no quarto de Lucy. O filme “The Shining” (KUBRICK, 1980) (Figura 15) também tem uma homenagem na cena em que Drácula morde Lucy até sua morte e seu sangue é esguichado por todo o quarto.

Figura 13 -­‐ Fotograma de “The Bitter Tea of General Yen” – detalhe da janela.

Figura 14 -­‐ Fotograma de “Drácula de Bram Stoker”


20

Figura 1 5 -­‐ Fotograma de “The Shining”

Figura 16 -­‐ Fotograma de “Drácula de Bram Stoker”

Como dito anteriormente, a principal inovação do filme foi a proposta do diretor de que os figurinos fossem o set e o set fosse luz. Para ele o set seria um espaço escuro com projeções enevoadas e alguns objetos de cena, porém, como se por ver no filme, isso não acontece. É possível ver uma considerável preocupação com a cenografia, como, por exemplo, o interior do castelo de Drácula é labiríntico como as obras de Escher (Figuras 17). Coppola não comenta nos documentários porque isto aconteceu, mas nas “trivialidades” (“trivia”) sobre o filme descritas no site IMDB é dito que foi imposto pelo estúdio que ele construísse “sets decentes”.

Figura 17 -­‐ Escher -­‐ “Escada Acima e Escada Abaixo”, 1960. (Fonte: http://www.wikipaintings.org)

Figura 18 – Fotograma de “Drácula de Bram Stoker”

Apesar da maioria das cenas serem com sets construídos, ainda há cenas com cenografias que são basicamente luz e poucos objetos, onde a atenção é voltada para as sombras, como na cena em que Drácula e Harker fazem negócios (Figura 19). Nesta, há uma referência ao filme “Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens” (MURNAU, 1922) quando a sombra de Drácula começa a fazer movimentos diversos de seu corpo e mover objetos.


21

Há também cenas em que a sombra é o único elemento, como a luta contra os turcos que é apenas um teatro de sombras (Figura 20). O fundo é alaranjado e vemos as silhuetas dos personagens lutando. Estas cenas foram feitas dessa forma tanto pelo conceito do uso de sombras no filme, mas também por se ter pouca verba, o que fez a produção repensar a forma de fazer várias cenas.

Figura 19 – Fotograma de “Drácula de Bram Stoker”

Figura 20 – Fotograma de “Drácula de Bram Stoker”

Em suma, o diretor usou de várias referências visuais tanto da história da arte, quanto do próprio cinema, mas ainda assim trás inovações, como o uso de luz e sombra e principalmente em relação ao figurino como será analisado a seguir.


22

4. Os Figurinos “The costumes are the sets” (F. F. Coppola)

Analisando as obras de Eiko Ishioka como um todo, pode se dizer que ela foi escolhida pelo diretor Coppola por realizar seus trabalhos dando grande importância aos figurinos durante toda sua carreira, mesmo ela nunca tendo se considerado figurinista, mas sim diretora de arte. Até trabalhar neste filme de Coppola, Eiko só havia feito figurinos para teatro. O teatro, em geral, trabalha com o lúdico e faz uso do simbolismo, que “é a raiz do desenho de figurino [...]. Os figurinos se tornam uma metáfora do caráter dos personagens. As roupas refletem os tempos, ação, estação, condições e até mesmo o tumulto interior dos personagens [...]” (LA MOTTE, 2010, p. 70, tradução nossa). O simbolismo aparece na forma dos figurinos e nas cores temas que Eiko escolheu para cada personagem de destaque. A partir dessas características, que se mantém ou mudam para cada personagem durante o filme, é possível dizer muito sobre esses “tumultos interiores”. Eiko comenta no documentário “Figurino – Design de Eiko Ishioka” que quando Coppola mostrou a pintura “O Beijo” de Klimt ela sentiu o gosto oriental na pintura ocidental, e então ela decidiu expressar um encontro entre o oriente e o ocidente. Eiko diz, “Eu senti que um hibrido multicultural da decadência daria o tom correto para a estória”. A figurinista diz buscar esta mistura de oriental e ocidental para o filme de Drácula, mas é possível que isto já fosse algo recorrente no trabalho dela, talvez por ela vir do oriente (Japão) e tentar se encaixar no ocidente (EUA). Para fazer os figurinos do filme de Drácula, Eiko se inspira em figuras animais, principalmente os que tem aparência estranha ou são “feios”, como insetos, vermes e até mesmo tatus. Ela comenta em seu livro que vários artistas da área dizem que essas inspirações são incomuns. Segunda ela, 99% dos figurinistas procuram imagens no mundo da moda e em fontes mais tradicionais, pois o que eles procuram é fazer o corpo humano parecer bonito. E não é este o objetivo de Eiko. Principalmente para este filme, ela buscou trazer algo original, algo que fosse difícil até de reconhecer as referências visuais. Seu processo criativo as vezes é baseado em ideias que lhe ocorrem por acaso. Ela escolhe, por exemplo, que vai usar a imagem de um verme, mas sem um motivo especifico. Ela comenta que,


23

“Quando as pessoas me perguntam coisas como “Por que um lagarto?” ou “Por que um verme?”. Eu sempre tentava imaginar por que esperam que os criadores desenhem coisas que eles são capazes de explicar. Se um artista fosse limitado a desenhar apenas com justificativas já feitas, o processo criativo se tornaria muito limitado. Minha resposta é “Não tem razão. Descubra por si mesmo. Agora me deixe em paz para continuar criando.” (ISHIOKA, 2000, p. 84, tradução nossa).

Apesar de inovar nas referências pictóricas, ela ainda se baseou em referências tradicionais, como na indumentária bizantina e vitoriana. A primeira foi usada para os figurinos medievais, principalmente em relação as cores. Em relação à indumentária vitoriana usada na Inglaterra no fim do século XIX, ela diz ter reinterpretado de acordo com sua própria visão e então “estampou com a marca do fim do século XX” (EIKO, 2000, p. 77, tradução nossa) Nas páginas a seguir serão analisados os figurinos feitos por Eiko Ishioka, a partir de seus depoimentos em seu livro e no making of do filme, além de análises de outros autores e estudos sobre a indumentária.


24

4.1 Drácula O romance “Drácula” é epistolar, ou seja, é composto de cartas, matérias de jornais e diários, neste caso, dos personagens Harker, Mina, sua amiga Lucy e do Doutor Seward. É a partir das descrições feitas por esses personagens que temos a imagem de Drácula. Harker é quem mais o descreve. Sua primeira impressão foi de “[...] um velho, de rosto completamente escanhoado, exceto pelo longo bigode branco, e trajado de negro da cabeça aos pés, sem traço ou vestígio de qualquer outra cor” (STOKER, 2002, p. 23). Posteriormente, o personagem faz uma descrição mais detalhada: “Seu conjunto facial enquadrava-­‐se no tipo aquilino – aliás, acentuadamente aquilino – graças ao destaque bastante característico de uma arcada nasal alta e fina, em contraste com os orifícios das narinas, arqueadas de forma peculiar. A testa era abaulada e os cabelos, muito profusos nas demais partes visíveis de sua cabeça, mostravam-­‐se escassos, em especial, ao redor as têmporas. As sobrancelhas formavam o traço compacto, praticamente se encontrando por sobre a arcada do nariz e com fios longos que pareciam formar anéis, como se tivessem vida própria. Então, a boca...Até onde permaneceria visível debaixo do vasto bigode, revelava-­‐se dura e de aspecto cruel, emoldurando dentes alvos e estranhamente pontiagudos. Na verdade, eles pareciam projetar sobre os lábios, os quais se mostravam de um tom de rubro tão intenso que sugeriram uma inusitada vitalidade em um homem de tanta idade. Suas orelhas eram extremamente brancas e com um formato afilado na parte de cima. O queixo era largo e forte, e as faces mostravam-­‐se firmes, embora um tanto encovadas. O efeito geral causava a impressão de uma profunda e extraordinária palidez. Eu só havia notado, até aquele momento, o dorso de suas mãos, que repousavam sobre seus joelhos, então parcialmente iluminadas pelo clarão da lareira, e elas me pareceram razoavelmente claras e finas. Agora, vendo-­‐as bem de perto, seria possível não perceber quanto eram grosseiras, pesadas e largas, com dedos grossos e curtos. Entretanto, a mais estranha particularidade residia em insólitos tufos de pelos no centro da palma das mãos. As unhas, longas e finas, tinham sido aparadas em um corte pontiagudo”. (STOKER, 2002, p. 25)

Apesar desta descrição “original” do personagem, a imagem clássica de Drácula criada pelo cinema foi outra, e esta pouco variou durante os anos. Talvez Eiko e Coppola tenham sido os primeiros a querer fugir desse clichê de um homem vestido de preto. Os dois mais famosos interpretes de Drácula no cinema foram os atores Bela Lugosi e Christopher Lee. Ambos ficaram conhecidos por atuarem principalmente filmes de terror. Bela Lugosi (Figura 21) é um ator húngaro e seu filme mais famoso interpretando o personagem foi “Dracula” (BROWNING, 1931). O ator reinterpretou o personagem em outros filmes também em 1936 e 1943.


25

Seu figurino como Drácula não é inteiramente preto. Ele usa uma camisa e colete brancos e o interior de sua capa parece ser vermelha, apesar do filme ser em preto e branco. Christopher Lee (Figura 22) é inglês. Seu primeiro filme como Drácula foi “Horror of Dracula” (FISCHER, 1958), o qual teve uma continuação em 1970, além de outros filmes. O figurino do filme de 1948 é completamente preto, sendo o mais próximo do que foi descrito no livro de Stoker. No filme de 1970, Lee reaparece como Drácula com uma capa de forro vermelho, como a de Lugosi.

Figura 21 – Bela Lugosi como Drácula (1931). (Fonte: http://telecinebrasil.blogspot.com.br)

Figura 22 – Christopher Lee como Drácula (1958). (Fonte: http://draculacriatura.blogspot.com.br)

Ao contrário destes personagens com uma aparência definida e que as vezes se transformam em morcego, Eiko buscou algo que “não é homem ou mulher, velho ou jovem, animal ou humano”, mas um “o que é isso?”. Ela via Drácula como um personagem com milhões de rostos, com transformações sem fim. E assim, Drácula tem várias formas: velho, jovem, ratos, morcego, lobo, entre outras. O filme “Drácula de Bram Stoker” começa contando a história de como ele se tornou um vampiro, a partir de fatos reais da vida de Vlad Tepes. Isto não aparece no romance e nem nos filmes clássicos. Em 1462 na Transilvânia, quando Constantinopla foi tomada pelos turcos, o personagem, definido como um cavaleiro da Ordem Sagrada do Dragão (“Sacred Order of the Dragon”) conhecido como Draculea, vai a luta defendendo o cristianismo. Ele aparece neste momento usando uma armadura vermelha com segmentações lembrando a textura de músculos. O capacete tem duas orelhas compridas e pontudas, formando a imagem de um “homem-­‐besta”. A figurinista nos conta em seu livro Eiko on Stage (2000) que a armadura foi inspirada em músculos humanos e de lobo. Por vídeos de making of vemos que a armadura é feita de várias partes de plástico o que mobiliza vários movimentos do ator e dificultou um pouco a filmagem das cenas. O ator teve que fazer tanto esforço para se mover dentro da armadura que chegou a desmaiar durante as filmagens.


26

Os músculos podem ser um símbolo de que o personagem é humano. Ele ainda vive e é feito de carne e osso, ao contrário do que acontece em seguida com o personagem, quando é amaldiçoado e passa a ser um morto-­‐vivo. O vermelho, tanto da armadura, quanto de outros figurinos, remetem ao sangue, à emoção, ao instinto.

Figura 23 – Desenho da Armadura. (ISHIOKA, 2000)

Figura 24 – Fotografia da Armadura. (ISHIOKA, 2000)

Eiko não buscava exatidão histórica ao desenhar este figurino, mas pesquisou armaduras medievais para entender sua relação com os movimentos do corpo humano. As armaduras eram feitas de aço e presas com tiras de couro. Sendo assim, as semelhanças entre a armadura de Eiko e uma armadura real são as partes articuladas presas ao corpo e o formato do capacete (Elmo) as vezes parecer com a cabeça de um animal (figuras 25).

Figura 25 -­‐ Elmo no formato da cabeça de um leão. Itália, 1470-­‐1480. Aço, cobre dourado, vidro, policromia (Fonte: The Metropolitan Museum of Art)

As próximas cenas do filme coincidem com o começo do romance de Stoker, o qual se inicia no século XIX com a viagem de Jonathan Harker até o castelo de Drácula. Há muitas descrições sobre as paisagens, comidas, roupas e pessoas com as quais o personagem encontra, que nos dão a clara impressão de se estar saindo do ocidente e entrando do oriente. O filme não é tão descritivo, mas trabalha isso principalmente com as cores, como quando Harker está no trem, o céu não é mais azul, mas vermelho. A primeira aparição de Drácula é na verdade como cocheiro. Harker descobre isso ao longo do romance quando percebe que o conde não tem nenhum empregado. É ele próprio quem buscou


27

o hospede e que arruma as refeições e sua cama. No romance ele é descrito por Harker como “[...] um homem de estatura elevada, com longa barba castanha e um amplo chapéu de abas largas que ocultava suas feições. Só me foi possível ver o lampejo de seus olhos dotados de um intenso brilho e que, à luz da lanterna, pareciam vermelhos quando nos fixavam.” (STOKER, 2002, p. 18). No filme, Drácula aparece completamente coberto com uma espécie de armadura negra com uma gola alta e um capacete lembrando a forma de um bico de pássaro que lhe cobre o rosto. Em um dos desenhos de Eiko, pode se ver que suas primeiras ideias eram mais semelhantes com a descrição de Stoker (Figuras 27 e 28), porém na versão final ela usou uma espécie de gola alta que tampa quase todo o rosto. Todo o figurino tem uma textura que lembra escamas, as quais Eiko diz Figura 26 – Foto com o figurino final do cocheiro. (COPPOLA; HART, 1992)

ter se inspirado em tatus.

Figura 27 – Primeira versão do figurino do cocheiro. (ISHIOKA, 2000)

Figura 28 – Segunda versão do figurino do cocheiro. (ISHIOKA, 2000)

Ao chegar no castelo, Harker é recebido oficialmente por Drácula. Ele usa uma túnica branca e, por cima, uma túnica de cetim vermelho com forro preto. Ela é aberta na frente e tem uma cauda comprida que se arrasta por 7 metros. A intenção da figurinista era que, ao andar, essa cauda parecesse um rastro de sangue, mas é difícil ter esta impressão, pois o filme é muito escuro. Em fotos tiradas posteriormente da para ter uma noção do que a figurinista queria mostrar (Figura 29). Ela descreve essas dobras do cetim “como ondas em um mar de sangue”.


28

Em cada lado de seu peito está o símbolo da Ordem do Dragão, que foi desenhado por Eiko a partir de formas de dragão, lobo, pássaros, entre outras. (ISHIOKA, 2000, p. 80). O vermelho, que tem relação com o sangue, pode significar tanto a vida quanto a morte. Para Drácula é a fonte de vida, mas é a morte de sua vítima. “Trata-­‐se, na verdade, da representação simbólica da “vida que se alimenta da vida”, um tema mítico por excelência, desde as arcaicas sociedades caçadoras [...].” (BISSON, 1997, p. 127). Com

este

figurino

e

maquiagem,

o

personagem ganha uma imagem andrógina. Eiko

Figura 30 – Fotografia do figurino de Drácula. (ISHIOKA, 2000)

comenta que queria uma mistura do feminino e do masculino que chegasse a uma assexualidade aterradora.

Figura 29 – Foto do figurino de Drácula. (ISHIOKA, 2000)

“A concepção da “bissexualidade universal” como consequência da bissexualidade divina, da qual nos fala Eliade, é o modelo de principio de toda existência, já que “no fundo, em semelhante concepção está contida a ideia de que a perfeição, portanto, o Ser, consiste, em suma, numa unidade-­‐totalidade.[...]”” (BISSON, 1997, p. 124 apud ELIADE, M. Mefistófeles e o Andrógino. São Paulo : Editora Martins Fontes, 1991, p. 111).

Esta túnica, talvez um dos melhores figurinos do filme, teve diversas inspirações. A intenção da figurinista era criar algo completamente novo que não remetesse a apenas uma época ou civilização, mas várias. Isso se justificaria pela idade e experiência do personagem que já havia conhecido vários lugares do mundo. Entre essas inspirações a figurinista cita influências bizantina, turca e romena medieval. Apesar de ela dizer que usou estas inspirações para a túnica vermelha, foi possível identificar que elas também foram usadas para os outros figurinos. Eiko pesquisou a indumentária turca no Museu do Palácio de Topkapi da Turquia e diz que se surpreendeu, pois encontrou influências ocidentais na indumentária retratada. Pelo site deste museu, podemos ver alguns retratos de sultões. Em uma dessas pinturas (Figura 30), vemos que o sultão usa uma capa com pelos parecidas com de reis ingleses.


29

O figurino vermelho pode ser uma espécie de “caftan”: espécie de túnica usada em vários países do oriente e parte da Europa medieval (Figura 31). Foi observada também uma influência do vestuário dos sauditas para a roupa de baixo da túnica vermelha: o “Thobe”, que seria uma túnica comprida delgada, com mangas longas e feita geralmente de linho branco (Figura 32).

Figura 30 – Retrato de Sultão. Título e pintor desconhecidos. (Fonte: Museu do Palácio de Topkapi)

Figura 31 -­‐ Caftan de veludo com fios de prata dourada, 1514. (Fonte: Museu Nacional de Arte Romena)

Figura 32 – Thobe: peça da indumentária básica dos sauditas. (ANAWALT, 2011)


30

Este figurino e maquiagem também tiveram influências da cultura japonesa e do teatro Nô, que “[...] refletia a visão de mundo budista e expressava temas universais mediante o uso de máscaras, mímica, dança estilizada e canto.” (ANAWALT, 2011, p. 209). A face branca e a testa aumentada lembram as máscaras desse teatro clássico japonês. Além disso, o cabelo de Drácula, com volume lembra o penteado das gueixas (Figura 33). Eiko confirma em seu livro a influência do Nô, como

também

do

filme

“Ugetsu

Monogatari”

(MIZOGUCHI, 1953). Neste filme há uma jovem e rica

Figura 33 – Detalhe de duas gueixas em “Alta Sociedade” de Kitagawa Utamaro. Séc. XVIII. (ANAWALT, 2011)

mulher, Lady Wakasa, que se apaixona por um ceramista pobre, Ohama. Este abandona sua mulher e filho, para se casar com Lady Wakasa e viver em sua casa, até que ele descobre que ela é na verdade um espírito. Tanto a jovem, quanto suas ajudantes morreram em um incêndio naquela casa que era apenas ruinas, mas que, pela força dos espíritos, se materializava aos olhos do homem. A jovem havia morrido sem conhecer um grande amor, então uma de suas ajudantes a trouxe de volta ao mundo dos vivos para que ela o encontrasse e o levasse para o outro lado. O rosto de Lady Wakasa é bem similar a imagem da máscara do teatro Nô, com os olhos marcados com um risco preto e as sobrancelhas pintadas no alto da testa.

Figura 34 – Lady Wakasa (Fotograma do filme Ugetsu Monogatari)

Figura 35 – Máscara de teatro Nô. (Fonte: http://nohmask.exblog.jp/page/4/)

Após as cenas no castelo, Drácula viaja para Londres. Durante o percurso, tanto na ida quanto na volta para a Transilvânia, ele viaja com um figurino inspirado na obra “O Beijo” do pintor Gustav Klimt (Figura 38). Foi um pedido do diretor que Drácula tivesse este figurino, o que para Eiko se encaixou perfeitamente nas formas e na paleta de cores do personagem. O figurino é feito com vários pedaços diferentes de tecido dourado, como um mosaico. A figurinista teve a ideia de colocar uma imagem de Maria com Jesus na altura do peito. A intenção


31

dela era que nas cenas finais em que Drácula é morto, a espada fosse fincada no lugar da imagem, mas isso acabou não acontecendo por ser algo muito forte. Há influências da indumentária bizantina neste figurino. Tanto na paleta de cores, com o uso do dourado, quanto na forma da túnica e no uso de ícones nas roupas, como podemos ver ao comparar as fotos do figurino com a figura 39. Há o uso também de uma gola circular sobre os ombros. Ela é dourada e bordada com pedras. Essa gola remete tanto à cultura bizantina, apesar de ser uma peça usada geralmente por mulheres, quanto a um outro filme citato pela figurinista “Ivan the Terrible”. O próprio Ivan, que foi o primeiro Czar de toda a Rússia, tem certas semelhanças com Vlad Tepes: ambos tiveram grandes conquistas, mas também ficaram conhecidos pela violência.

Figura 36 – Desenho do figurino. (ISHIOKA, 2000)

Figura 38 – Gustav Klimt -­‐ “O Beijo”. (Fonte: http://www.wikipaintings.org)

Figura 37 – Fotografia da túnica dourada. (ISHIOKA, 2000)

Figura 39-­‐ “Sakkos” – vestimenta usada por pastores. Século XIV-­‐XV. (BYZANTINE art…, 1978)


32

Ao chegar em Londres, Drácula tem uma aparência jovem, com cabelos compridos e bigode. Ele se veste de forma elegante (Figuras 40 a 43) e sempre com símbolos que remetem ao seu reino, como o símbolo da Ordem do Dragão e os ramos de folhas do figurino de Elisabetha. Este último (Figura 43) em especial, é usado em um jantar com Mina, em que Drácula tenta fazer com que ela relembre de sua vida passada.

Figura 40 – Desenho do figurino usado nas ruas de Londres. (ISHIOKA, 2000)

Figura 41 – Figurino na Londres vitoriana. (COPPOLA; HART, 1992)

Figura 42 – Desenho do figurino do jantar com Mina. (ISHIOKA, 2000)

Figura 43 – Figurino do jantar com Mina. (ISHIOKA, 2000)

O primeiro figurino (Figuras 40 e 41) é um traje comum no século XIX para se usar durante o dia: fraque, colete e calça. Já o segundo (Figuras 42 e 43) tem um casaco pouco comum que lembra um caftan, só que mais curto, chegando até um pouco abaixo do quadril.


33

Esses figurinos são usados para encontrar Mina em sua passagem por Londres. Para ela, o vampiro se identifica como “Principe Vlad, de Szekely”. Eles chegam a ter um romance, mas que é logo interrompido. Ao ser deixado por Mina, Drácula transita da tristeza para a fúria, retornando à sua aparência velha e monstruosa. Essa transição começa a ocorrer na cena em que recebe o bilhete de despedida de Mina, sobre o qual Drácula chora lágrimas de sangue (Figura 44). Nesta cena ele ainda veste uma de suas roupas elegantes e excêntricas, com o símbolo da Ordem do Dragão.

Figura 44 – Figurino branco com símbolo da Ordem do Dragão. (COPPOLA; HART, 1992)

Na raiva de ter sido rejeitado, Drácula decide transformar Lucy em vampira. Nesta curta cena em que ele ainda tem forma humana, mas logo se transforma em lobo, ele usa uma túnica preta fechada na frente e com a gola alta. As mangas são longas e engruvinhadas. Em um close do filme podemos ver a textura vertical do tecido (Figura 46).

Figura 45 – Foto do figurino preto. (ISHIOKA, 2000)

Figura 46-­‐ Detalhe da textura do tecido e rosto de Drácula (Fotograma do filme)

Outras formas que o personagem assume são de lobo, “homem-­‐lobo” (Figura 47), “homem-­‐ morcego” (Figura 48) e fumaça verde. Na maioria dessas formas não há figurino, mas uma elaborada maquiagem feita por Greg Cannom, o qual também ganhou um Oscar por seu trabalho neste filme.


34

Figura 47 – “homem-­‐lobo”. (Fonte: http://www.blastr.com)

Figura 48 – “homem-­‐morcego”. (Fonte: http://monsterlegacy.blogspot.com.br)

Figura 49 – Maquiagem de Greg Cannom. (Fonte: http://www.icollector.com)

Analisando todos os figurinos de Drácula podemos constatar que apesar desta nova interpretação do personagem, que aparece como um romântico sofredor, Drácula ainda mantém sua forma monstruosa e sinistra com o uso de influências simbolistas e orientais, além da variedade de faces, criando, talvez, o Drácula mais extraordinário do cinema até então.


35

4.2. Elisabetha, a Esposa Vlad Tepes teve uma esposa que, desesperada pela invasão em seu castelo, pulou de cima deste e caiu em um rio que ficou conhecido como “Rio da Princesa”, mas ao contrário do personagem do filme, Vlad não pareceu se importar com sua mulher e fugiu com seu filho, o qual acabou perdendo na fuga. No começo filme, o casal se despede, pois Drácula está a caminho de uma batalha da qual ele poderia não voltar. Elisabetha recebe uma carta falsa dizendo que seu marido havia morrido e, então, comete suicídio. Elisabetha usa apenas um figurino: um vestido verde com o símbolo da Ordem do Dragão

Figura 50 – Foto do figurino de Elisabetha. (ISHIOKA, 2000)

no peito e bordados dourados de ramos de folhas na saia e nas mangas. Ela também usa uma coroa de folhas de ouro, lembrando a coroa de louros grega. O vestido também tem mangas bufantes e uma saia volumosa no quadril. Coppola inspirou a cena de Elisabetha morta no quadro “Ofélia” do pintor inglês John Everett Millais, como podemos ver nas figuras 51 e 52.

Figura 51 – Fotograma do Filme “Drácula de Bram Stoker”

Figura 52 – “Ofélia” de Millais (1852). (Fonte: http://www.wikipaintings.org)

As cenas em que Elisabetha aparece ocorrem na idade média, no ano de 1462. A indumentária feminina daquela época na Europa era composta por um vestido largo e reto, além de algum tipo de chapéu ou véu. Era muito comum também raspar a parte da frente do cabelo e usar


36

um hennin na cabeça (Figura 53), que era uma espécie de chapéu, com uma ou duas pontas, as vezes coberto por um véu. Apesar dessas descrições gerais retiradas de livros sobre a indumentária medieval, nos parece que na Transilvânia era diferente. Foi possível encontrar a imagem de uma princesa em um fragmento de afresco da Valáquia, região da Romênia na qual Drácula viveu. Nesta imagem (Figura 54) vemos que a princesa usa uma túnica branca de mangas compridas por baixo de uma

Figura 53 – Imagem de m ulher medieval (PENDERGAST, 2004)

vermelha sem mangas. Por cima das outras túnicas há ainda uma espécie de casaco com tecido possivelmente bordado. Ela também parece usar várias joias e uma coroa. Comparando a imagem desta princesa com o figurino de Elisabetha podemos perceber que neste caso Eiko não se inspirou na indumentária romena medieval. Ao procurar alguma possível referência usada pela figurinista, foram encontradas algumas semelhanças com a indumentária francesa do século XV, como o uso da cintura baixa em V. A maior semelhança é com os trajes do século XIX. O volume criado pela saia nas laterais do quadril, além da manga volumosa nos ombros no estilo “princesa” são característicos dessa época. Podemos concluir então que o figurino de Elisabetha foi inspirado principalmente na indumentária do século XIX, possivelmente como uma forma aproximar Elisabetha de sua reencarnação, Mina.

Figura 54 -­‐ Princesa Roxanda -­‐ Fragmento de afresco do Mosteiro Curtea de Argeş, pintado por Dobromir, 1526. (Fonte: Museu Nacional de Arte Romena)

Figura 55 – Trajes franceses de 1469. (PEACOCK, 2010)

Figura 56 – Trajes ingleses de 1887. (PEACOCK, 2010)


37

4.3 Mina, a Reencarnação Mina, a reencarnação da esposa de Drácula, vive no ano de 1987. Foi nesta época que Stoker escreveu o seu romance e que começava a ocorrer alguns poucos avanços em relação à libertação da mulher. O próprio escritor coloca Mina como um personagem ativo, de forma que os outros personagens até se impressionam com sua coragem e esperteza, características evitadas pelas mulheres naquela época, pois elas deviam ser “tolas, impotentes e belas” (XIMENES, 2009, p. 44) para serem adoradas. Nesta época, as mulheres não deviam andar sozinhas na rua e tinham que ter várias habilidades como cozinhar, costurar, tocar piano, entre outras para conseguirem um bom casamento. A personagem Mina é uma professora, seguidora desses costumes e está prestes a casar com Jonathan Harker, que viaja a negócios para Transilvânia antes do casamento. A silhueta feminina no século XIX era basicamente composta por uma cintura afinada pelo espartilho e a região do quadril volumosa “remontando às ancestrais representações da mulher de ancas enormes que, de fato, simbolizam a fertilidade” (XIMENES, 2009, p. 45). “No fim do século XIX, o ideal da beleza feminina ainda é inspirado pelo romantismo. A mulher deveria ser delicada e parecer uma flor. O espartilho, usado desde os 11 anos, afina o torso, acentua a cintura e o peito e causa deformações na estrutura óssea. “ (O PREÇO..., 2004, p. 20). Sobre a indumentária do século XIX, a autora Maria Alice Ximenes (2009, p. 44) nos explica, “A roupa ocupa um papel fundamental na comunicação subjetiva reprimida, pois é por meio dela que existe uma diálogo da mulher com o mundo exterior. As mulheres estavam em dupla prisão: ficavam trancadas em espaço privado e também em suas roupas, verdadeiras embalagens de tortura, cujo exemplo mais significativo é a roupa interna, composta por espartilhos e saiotes.”

Apesar de ainda se usar o espartilho, no fim do século XIX já não se usava mais as anquinhas, ou cul de Paris. Ao invés disso, os vestidos possuem vários babados, franzidos e drapeados de forma à criar volume na região das nádegas e, esses volumes se estendem criando uma cauda que se arrasta no chão (Figura 57).


38

Figura 57 – Modelos de vestidos vitorianos (XIMENES, 2009)

Para criar essa silhueta vitoriana para a atriz Winona Rider, a figurinista teve muita dificuldade. Eiko descreve que as roupas dessa época em geral são para mulheres “encorpadas” e quando se colocava o espartilho, as partes flácidas, como os seios, são espremidas e aparecem de forma sensual no vestido, porém a atriz era muito magra e pequena para se conseguir isso. Até para fazer suas roupas, Eiko teve que fazer um manequim especial a partir de um infantil com algumas modificações. Em geral, a personagem Mina usa vestidos, em sua maioria verdes, fechados na frente, com gola alta e mangas compridas. Assim, ela passa a imagem de uma mulher certa, justa, conservadora, virginal e modesta. Durante o filme, há uma evolução da personagem que se reflete nas cores e formas de suas roupas. Quase todos os figurinos de Mina, além de serem verdes, possuem ramos de folhas parecidos com os do vestido de Elisabetha, mostrando uma relação entre as duas personagens.

Figura 58 – Figurino do dia a dia. (ISHIOKA, 2000)

Figura 59 – Figurino de festa. (Fotograma do filme)

Figura 60 – Figurino usado para sair. (COPPOLA; HART, 1992)


39

O verde pode ter sido usado para criar um contraste com Drácula, que usa principalmente a cor vermelha, já que as duas cores são complementares opostas. O vermelho de Drácula está associado ao instintivo e irracional, e o fato de Mina vestir a cor oposta pode ter a ver com ela seguir os costumes da época, ser recatada e inocente. Outra cor usada com menos frequência pela personagem é o branco, como um vestido que usa num dia normal na casa de Lucy (Figura 61) e a camisola branca usada na noite em que Drácula chega em Londres transformado em homem-­‐lobo. O desenho para esse figurino é bem curioso, pois mostra várias camadas brancas parecendo penas, o que não tem tanta semelhança com o figurino final (Figuras 62 e 63).

Figura 61 – Figurino: vestido branco (Fotograma do filme)

Figura 62 – Desenho do figurino: camisola branca. (ISHIOKA, 2000)

Figura 63 – Figurino: camisola branca (Fotograma do filme)

Mina conhece Drácula nas ruas de Londres e os dois acabam tendo um romance secreto. Em um de seus encontros em um restaurante, o figurino de Mina mostra uma mudança na personagem inocente e recatada (Figuras 64 e 65). O vestido vermelho tem um decote em V, tanto na frente, quanto nas costas e mangas mais curtas. Nestas cenas, Mina bebe absinto, bebida associada a boemia e conhecida por causar alucinações de uma fada verde. Como Drácula diz, “Absinthe is the aphrodisiac of the self. The green fairy who lives in the absinthe wants your soul. But you are safe with me.”9.

9

“O absinto é o afrodisíaco do self. A fada verde que vive no absinto quer sua alma. Mas você está salva comigo” (Roteiro de James V. Hart, tradução nossa).


40

No decorrer da cena ela pergunta sobre a terra natal de Drácula, mas ela mesma tem visões que a faz lembrar deste lugar e da “princesa com rosto de um rio de lágrimas de tristeza”, a qual ela teria sido em outra vida.

Figura 64 – Desenho do figurino: vestido vermelho. (ISHIOKA, 2000)

Figura 65 – Foto do figurino: vestido vermelho. (ISHIOKA, 2000)

Mina usa bege e cinza depois que abandona Príncipe Vlad e vai para Transilvânia encontrar Jonathan para se casarem, como se tivesse se apagado ou se neutralizado para seguir as convenções de usa época. O futuro marido estava em uma igreja ortodoxa se recuperando dos ataques das vampiras “noivas de Drácula”. O vestido que usa durante a viagem é bege e seu chapéu possui um véu que cobre os olhos (Figuras 66 e 67). Durante a viagem ela tenta se livrar de tudo que indique que ela teve um romance secreto jogando cartas e páginas de seu diário no mar.

Figura 66 – Desenho do figurino: viagem. (ISHIOKA, 2000)

Figura 67 – Desenho do figurino: viagem – costas. (ISHIOKA, 2000)


41

O vestido de casamento de Mina (Figuras 68 a 70) é de cetim cinza, com uma abertura na frente mostrando rendas. Há também um chapéu com véu branco. A parte de trás de seu vestido parece ser feita com uma técnica moderna de shibori que forma volumes. Essa é uma técnica japonesa usada para tingir tecidos, que foi resgatada e recriada por designer têxteis, como Silke Bosbach nos apresenta em seu livro “Modernes Shibori”.

Figura 68 – Desenho do figurino: vestido de casamento. (ISHIOKA, 2000)

Figura 69 – Foto do figurino: vestido de casamento. (ISHIOKA, 2000)

Figura 70 – Foto do figurino: vestido de casamento – parte de trás. (ISHIOKA, 2000)

Ao voltar para Londres e reencontrar Drácula, Mina descobre que ele é um vampiro e, mesmo assim, ela deseja se juntar a ele. Mina é mordida e logo depois bebe o sangue de Drácula por um corte em seu peito. Mina começa a se transformar em vampira e isso se reflete em seu figurino. Seu vestido (Figura 71 e 72) tem um decote bem aberto e suas mangas são compridas e abertas até a altura do cotovelo. Apesar da predominância da cor preta neste figurino, ainda há, no forro de sua roupa, a cor verde que caracterizou a personagem na maior parte do filme. Mina ajuda os caçadores do vampiro a encontrarem Drácula para mata-­‐lo e para que ela possa se livrar da maldição antes de se transformar em vampira. Para encontrar o vampiro, eles viajam para Transilvânia. Em um breve momento durante a viagem, podemos ver que Mina usa uma capa verde por cima do figurino preto (Figuras 73 e 74).

Figura 71 – Figurino de vampira em cena. (ISHIOKA, 2000)


42

Figura 72 – Foto do figurino: vampira. (ISHIOKA, 2000)

Figura 73 – Desenho do figurino: capa de vampira. (ISHIOKA, 2000)

Figura 74 – Foto de detalhe da capa. (ISHIOKA, 2000)

Em seu processo de transformação, Mina vai perdendo suas características de mulher conservadora. Seus cabelos estão soltos, ela tem atitudes provocadoras (Figura 71) e possuí poderes. Em uma análise a partir das teorias de Jung, poderia se dizer que ela encontrou seu lado animal. Jung analisa o filme “La Belle et La Bête”, que o diretor Coppola afirma ter usado como referência para Drácula. O autor nos fala de Bela como uma moça muito ligada ao pai e por causa dessa ligação tão forte, o pai acaba entrando em conflito com a Fera. Para salvá-­‐lo, Bela toma o lugar de seu pai e vira uma prisioneira. A Fera se apaixona por Bela e a pede em casamento várias vezes, mas Bela recusa. Quando ela finalmente se entrega aos seus desejos, ela aceita o casamento e a Fera se transforma em um homem. Jung analisa a mulher que precisa abrir mão da relação com o pai, para se relacionar com outro homem e cumprir seu papel como mulher, o que tem algumas semelhanças com o percurso de Mina em “Drácula de Bram Stoker”. A figura do pai não aparece, mas Mina é bem ligada ao seu futuro marido Jonathan, mas é Drácula quem realmente desperta seus desejos e faz com que ela não os reprima mais. Desde o primeiro encontro com Drácula, Mina diz já o conhecer de algum lugar. Aos poucos, ela vai lembrando de sua vida passada e nas cenas finais, quando Drácula está ferido dentro da capela, ela parece entender seu destino e livra o vampiro de sua maldição. A cena final nos mostra o afresco no teto da capela com Vlad e Elisabetha, como se estivessem se encontrando no céu (Figura 75).


43

Figura 75 – Detalhe da cenografia da capela do castelo de Drácula. (Fonte: http://www.pinterest.com)


44

4.4 Lucy, de Humana a Vampira Lucy é uma amiga muito próxima de Mina. Ela parece ser de uma classe superior e tem características opostas em relação a amiga. A caracterização desta personagem mostra que ela tem uma certa tendência para o “mal”. Seus cabelos são ruivos, que cria uma relação com o vermelho de Drácula, suas roupas são menos comportadas e ela seduz seus pretendentes. Na descrição que Mina faz da amiga, ela diz que “Lucy é uma garota pura e virtuosa. Mas, eu admito que o jeito livre de ela falar às vezes me choca. Jonathan diz que é um defeito da aristocracia que diz o que lhes agrada. A verdade é que eu admiro Lucy, e não estou surpresa que os homens se juntem ao redor dela. Eu gostaria de ser tão bonita e adorada quanto ela”10. Seu primeiro figurino é um vestido branco (Figura 76), o que poderia indicar pureza, porém seus ombros estão à mostra e seus cabelos ruivos soltos, mostrando que ela não é tão rígida quanto Mina.

Figura 76 – Figurino de Lucy: vestido branco do dia a dia. (Fotograma do filme)

Apesar de ter menos de 20 anos, Lucy está a procura de um marido, o que na época era muito comum. Para conhecer melhor seus pretendentes, Lucy faz uma festa e chama 3 pretendes: Dr. Jack Seward, Arthur Holmwood e Quincey P. Morris. Para seduzi-­‐los, Lucy veste o que ela mesma chama de seu “vestido de cobra”. Apesar de ser verde, a cor da inocência, seu tecido é bordado com cobras enroladas, que é um animal geralmente associado ao mal e ao pecado. Seus ombros mais uma vez estão à mostra, mas seus cabelos presos. O uso do verde talvez seja uma forma de comunicar a inocência e pureza procurada pelos homens na época, mas seu comportamento é o oposto: ela é sedutora, faz trocadilhos e beija seus pretendentes próximo à boca. Nas cenas seguintes vemos que Lucy aceita se casar com Arthur Holmwood. No livro, os dois amigos de Arthur a pedem em casamento antes dele, mas Lucy recusa por já estar apaixonada por Arthur. O personagem criado por Stoker é uma mulher seguidora dos costumes como Mina. Na verdade, é Mina quem se destaca, mas por sua coragem e pro atividade.

10

“Lucy is a pure and virtuous girl. But, I admit that her free way of speaking shocks me sometimes. Jonathan says it is a

defect of the aristocracy that they say what they please. The truth is that I admire Lucy, and I'm not surprised that men flock around her. I wish I were as pretty and as adored as she.” (Roteiro de James V. Hart, tradução nossa).


45

Figura 77 – Desenho do “vestido de cobra”. (ISHIOKA, 2000)

Figura 78 – Figurino de Lucy: “vestido de cobra”. (ISHIOKA, 2000)

Sobre os trajes para festa, XIMENES (2009, p. 44) nos fala que

“O corpo vestido para ocasiões sociais era muito diferenciado, pois havia um nítido contraste entre a roupa diária e a roupa de festa: enquanto a roupa do dia a dia cobria a mulher, das pernas aos braços e pescoço, as destinadas as festas despiam-­‐lhe o colo, os braços e definiam sua cintura e ancas com as elaboradas saias.”.

Apesar das roupas que deixavam a mulher mais à mostra serem usadas apenas em ocasiões especiais, Lucy as usa até em seu dia a dia. Comparando as figuras 76 e 78, podemos perceber que apesar das ocasiões distintas, os desenhos dos dois vestidos são semelhantes, sendo do modelo “tomara-­‐que-­‐caia” e deixando o colo à mostra. Mina, ao contrário, usa roupas fechadas mesmo em ocasiões especiais. Lucy começa a sofrer de sonambulismo na noite em que Drácula chega a Londres. Ele a atrai para fora de casa e a ataca. Nestas cenas vemos que até as roupas de dormir da personagem são sensuais, sendo translucidas e esvoaçantes. Uma delas tem uma espécie de espartilho com barbatanas horizontais (Figura 79). A figurinista diz que é a primeira vez em que usa o laranja em um figurino.

Figura 79 – Foto do Figurino de Lucy: roupa para dormir 1. (Fonte: http://mondomoda.org)

Em uma noite, Doutor Van Helsing chega a conclusão de que


46

a “doença” de Lucy é na verdade causada pela mordida de Drácula. Na agitação de sua descoberta, Van Helsing comenta que Lucy não havia sido escolhida por acaso, ela seria uma “concubina do diabo”, o que reforça a ideia expressa nos figurinos de que ela já teria uma pretensão ao mal.

Figura 80 – Foto do figurino de Lucy: roupa para dormir 2. (Fonte: http://costumerism.tumblr.com)

Em uma noite em que Van Helsing, Quincey, Dr. Seward e o noivo de Lucy tentam protege-­‐la, ela é morta por Drácula, que estava furioso por ter sido deixado por Mina. Lucy é enterrada com seu vestido de casamento. Este figurino parece ter várias camadas, sendo a última feita de renda. Além disso, ela usa um enfeite grande na cabeça que esconde todo o cabelo e um rufo no pescoço com uma gargantilha de pérolas, possivelmente para esconder as marcas da mordida de Drácula em seu pescoço. O rufo foi usado pela nobreza durante os séculos XVI e XVII. Eiko resgata essa peça não por razões históricas, mas pelo processo criativo. A atriz Sadie Frost havia ensaiado as cenas de vampira se movendo como um lagarto e a figurinista se utiliza disso usando como referência para criação um lagarto australiano, também conhecido como Lagarto-­‐de-­‐gola por ter extensões de cartilagem no pescoço que se abrem quando ele quer assustar um predador.

Figura 81 – Desenho do figurino: vestido de casamento. (ISHIOKA, 2000)

Figura 82 – Figurino de Lucy: vestido de casamento. (ISHIOKA, 2000)


47

Por estar morta, Lucy está tão branca quanto seu vestido, criando uma aparência fantasmagórica. Apenas seus lábios tem cor, estando sujos de sangue vermelho vivo. Depois de se tornar vampira, Van Helsing convence Arthur, Jack e Quincey de que ela é uma morta-­‐viva e eles vão até sua cripta para colocar uma estaca em seu coração e cortar sua cabeça. É nesta cena em que Coppola se utiliza da inversão, fazendo com que Lucy retorne ao seu caixão andando para trás ao ver uma cruz. Esta técnica usada por Dreyer foi recriada com intenção de que a presença do vampiro causasse uma quebra das leis naturais. No romance, os caçadores de vampiros demoram a matar a “morta-­‐viva” e seus atos acabam por aparecer em manchetes com os títulos de “O horror de Kensington”, “ A Mulher Esfaqueadora” ou “A Mulher de Negro”. A vampira raptava crianças no fim da tarde e elas apareciam no dia seguinte fracas, com dois orifícios no pescoço e perguntado onde estava a “dama cheia de ardis”. Em suma, ao se transformar em vampira, Lucy entra em contato com seu lado animal. Conscientemente ou não, isso se refletiu literalmente na composição da personagem ao imaginarem que ela se moveria como um lagarto. Essa referência, porém, permaneceu apenas no figurino.

Figura 83 – Foto com figurino de Lucy. (COPPOLA; HART, 1992)


48

4.5 Renfield, o Louco Apesar de ser um papel menor, o personagem de Renfield é de extrema importância para a estória. Ele é uma espécie de servo do vampiro, o qual ele chama de “mestre”. Drácula, porém, o usa para conseguir entrar no hospício e se aproximar de Mina, já que os vampiros precisam ser convidados para poderem entrar em algum lugar. Ao perceber seu erro, Renfield trai Drácula e é morto. O comportamento de Renfield varia muito de acordo com a proximidade de Drácula e isto serve de ajuda para seus caçadores. Na noite em que o navio chega a Londres com o vampiro, todos os loucos do asilo parecem sentir a presença estranha e ficam agitados, assim como os animais do zoológico. O romance de Stoker não explica sua origem, mas no filme ele trabalhava na mesma empresa de Jonathan Harker e, ao ir para Transilvânia fazer negócios com Drácula, ele enlouquece. Por isso, Harker encontra Drácula para terminar os negócios começados por Renfield. Seu comportamento “estranho” para a sociedade é basicamente atrair insetos para comer, pois, para ele, ele precisa consumir vidas. Com o tempo ele quer “vidas maiores” e chega a pedir para o Dr. Seward que lhe de um gato. Ao ser negado, ele ataca o médico como um animal. O personagem usa uma camisa de força inspirada em “vermes com um toque de grotesco” (ISHIOKA, 2000, p. 85, tradução nossa). Para Eiko, esta relação é clara: um verme vive enfiado na lama molhada e Henfield vive em uma cela podre de um asilo de loucos. “Privado de tratamento humano, ele tem uma existência não diferente de um inseto” (ISHIOKA, 2000, p. 85, tradução nossa).

Figura 84 – Desenho do figurino de Renfield. (ISHIOKA, 2000)

Figura 85 -­‐ Figurino de Renfield. (ISHIOKA, 2000)


49

Para criar uma semelhança com vermes, a camisa de força tem segmentações horizontais e parece ter manchas de sujeira. Além disso, as mangas e uma das pernas tem o tecido afunilado até fechar formando uma ponta. Para expressar a ferocidade do personagem, Eiko imaginou um tipo de focinheira como a de um cachorro furioso. Porém, ao longo do processo, ao invés de amordaçar a boca, a ideia se transformou em uma espécie de “armadilha para as mãos” (Figura 86). Mais uma vez, há um elemento do personagem com semelhança formal com insetos, mas desta vez, uma aranha.

Figura 86 – Desenho da “armadilha para mãos” (ISHIOKA, 2000)

Figura 87 – Fotograma do filme “Drácula de Bram Stoker” com Renfield

Eiko não comenta sobre os figurinos dos seguranças do asilo, porém parece que o que ela havia imaginado inicialmente para Renfield passou a ser usado por estes personagens, como vemos na figura 88, porém como uma forma de proteção para eles mesmos. Podemos concluir, então, que Renfield é o personagem que se liberta das regras da sociedade e assume seu lado animal, tornando-­‐se agressivo e caçando de seu próprio alimento, no caso, insetos ou qualquer outra coisa que lhe satisfaça, e por isso, é trancafiado em um asilo de loucos.

Figura 88 – Figurino dos seguranças do asilo de loucos (ISHIOKA, 2000)


50

5. Considerações Finais Diante das análises apresentadas podemos concluir que Eiko foi original ao criar o conceito visual do filme, partindo de referências que são pouco usadas como animais e vermes, assim como a indumentária oriental, tão pouco descrita em livros disponíveis no ocidente. Ela também leva em consideração as imagens do homem que inspirou o personagem, mantendo os cabelos compridos e o bigode, o que foi pouco feito na história do cinema. A cada dia surgem mais e mais Dráculas e outros vampiros em filmes e séries, mas talvez nenhum tão ousado quanto o apresentado nesta pesquisa. Em geral, estes novos vampiros são jovens, bonitos, alguns são “do bem” e até vivem um romance com uma mulher humana. O vampiro de Eiko tem várias faces, inclusive uma romântica, mas que não exclui o lado monstruoso do personagem que vive do sangue dos vivos e inspira medo Em suma, Eiko e Coppola conseguiram equilibrar essa imagem romântica do vampiro com o mito do aterrador morto-­‐vivo.


51

6. Bibliografia 1992 – Hall of Fame: Eiko Ishioka. Disponível em: <http://www.adcglobal.org/archive/hof/1992/?id=217>. Acesso em: 4 de setembro de 2013. ANAWALT, P. R. A História Mundial da Roupa. São Paulo : Editora Senac São Paulo, 2011. BISSON, M. P. Mito: O Sagrado no Cinema Contemporâneo. O caso “Drácula” de F. F. Coppola, Tese de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas. Campinas : [s.n.], 1997. BOSBACH, S. Modernes Shibori. Suíça : Haupt Verlag AG, 2010. BOUCHER, F. 20.000 Years of Fashion: The History of Costume and Personal Adornement. Expanded Edition. New York, NY: Harry N. Abrams, 1987. BRANCO, A. As Origens de Drácula: o homem, o vampiro, o mito. São Paulo : Madras, 2012. BREIDING, D. H. Arms and Armor—Common Misconceptions and Frequently Asked Questions. Disponível em: <http://www.metmuseum.org/toah/hd/aams/hd_aams.htm>. Acesso em: 27 de outubro de 2013. BREIDING, D. H. Arms and Armor in Renaissance Europe – Disponível em: <http://www.metmuseum.org/toah/hd/rarm/hd_rarm.htm>. Acesso em: 27 de outubro de 2013. BYZANTINE art in the collections of soviet museums: introduction and notes on the plates by Alice Bank. New York, NY: Abrams: Aurora Art, 1978. COLLECTION – Sultan Portraits. Disponível em: <http://www.topkapisarayi.gov.tr>. Acesso em: 4 de novembro de 2013. COPPOLA, F. F; HART J. V. Bram Stoker’s “Dracula”: The Film and the Legend. New York : New Market Press -­‐ Pictorical Moviebook, 1992. HIRSCHBERG, L. The Image Maker -­‐ Costume designer, art director, provocateur: the late Eiko Ishioka had a vision of global chic that was as singular as the woman herself. Disponível em: <http://www.wmagazine.com/culture/art-­‐and-­‐design/2012/04/eiko-­‐ishioka-­‐late-­‐costume-­‐designer-­‐ and-­‐art-­‐director>. Acesso em: 4 de setembro de 2013. ISHIOKA, E. Eiko on Stage. Nova Iorque : Callaway Editions, 2000. ISHIOKA, E; SUGIMOTO, H. Eiko Ishioka. Tóquio : Ginza Graphic Gallery, 2005.


52

ITAÚ Cultural. Pré-­‐Rafaelitas. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto &cd_verbete=3744>. Acesso em: 16 de junho de 2013. ITAÚ Cultural. Simbolismo. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto &cd_verbete=3841>. Acesso em: 16 de junho de 2013. ITAÚ Cultural. Surrealismo. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto &cd_verbete=3650>. Acesso em: 8 de outubro de 2013. JUNG, C. G. [et al] ; [concepção e organização Carl G. Jung]. O Homem e Seus Símbolos. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2008. LA MOTTE, R. Costume Design 101: The Business and Art of Creating Costumes for Film and Television. California : Michael Wiese Productions, 2010. MATEU, C. A; PASCUAL, M. A. Guía Para Ver y Analizar – Drácula de Bram Stoker, Barcelona : Octaedro, 2001. O PREÇO da Sedução: do Espartilho ao Silicone. Coautoria de Denise Mattar. São Paulo : Itaú Cultural, 2004. PEACOCK, John. The chronicle of western costume: from the ancient world to the late twentieth century. London: Thames & Hudson, 1991. PENDERGAST, S. Fashion, Costume, and Culture: Clothing, Headwear, Body Decorations, and footwear Through Ages – Volume 2: Early Cultures Across the Globe. EUA : The Gale Group, 2004. ROMANIAN Medieval Art. Disponível em: <http://www.mnar.arts.ro/Romanian-­‐Medieval-­‐ Art>. Acesso em: 4 de novembro de 2013. SANTOS, L. M. Tópicos da Teoria Psicanalítica Freudiana. Disponível em: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/topicosfreud.html>. Acesso em: 18 de novembro de 2013. STOKER, B. Drácula. São Paulo, SP: Nova Cultural, 2002. TRUMAN, N. Historic Costuming. Inglaterra : Sir Isaac Pitman & Sons Ltd., 1949. XIMENES, M. A. Moda e Arte na Reinvenção do Corpo Feminino do Século XIX. São Paulo : Estação das Letras e Cores, 2009.


53

7. Filmografia AUBRY, K. Efeitos Visuais de Drácula. [documentário] Produção por Kim Aubry e ZAP Zoetrope Aubry Produções. DVD, 19 min. Color. som. AUBRY, K. Figurino – Design de Eiko Ishioka. [documentário] Produção por Kim Aubry e ZAP Zoetrope Aubry Produções. DVD, 14 min. Color. som. AUBRY, K. Método e Loucura – Visualizando Drácula. [documentário] Produção por Kim Aubry ZAP e Zoetrope Aubry Produções. DVD, 12 min. Color. som. AUBRY, K. O Sangue é a Vida – Making of de Drácula. [documentário] Produção por Kim Aubry ZAP e Zoetrope Aubry Produções. DVD, 28 min. Color. Som. BROWNING. T. Dracula. [Filme-­‐vídeo] Produção de Tod Browning e Carl Laemmle Jr. EUA, 1931. Arquivo digital, 71 min. Preto e branco. Som. CAPRA, F. The Bitter Tea of General Yen. [Filme-­‐vídeo] Produção de Frank Capra e Walter Wanger. EUA, 1933. Arquivo digital, 83 min. Preto e branco. Som. COCTEAU, J. La Belle et la Bête. [Filme-­‐vídeo] Produção de André Paulvé. França, DisCina, 1946. Arquivo digital, 90 min. Preto e branco. Som. COPPOLA, F. F. Bram Stoker’s Dracula. [Filme-­‐vídeo] Produção e direção de Francis Ford Coppola. California, Columbia Pictures, 1992. DVD, 127 min. color. som. DREYER, C. T. Vampyr. [Filme-­‐vídeo] Produção de Carl Theodor Dreyer e Julian West. Alemanha, 1932. Arquivo digital, 73 min. Preto e branco. Mudo. EISENSTEIN, S. M. Ivan The Terrible – Parte 1. [Filme-­‐vídeo] Produção de Sergei M. Eisenstein. União Soviética, 1945. Arquivo digital, 98 min. Preto e branco. Som. EISENSTEIN, S. M. Ivan The Terrible – Parte 2. [Filme-­‐vídeo] Produção de Sergei M. Eisenstein. União Soviética, 1958. Arquivo digital, 84 min. Preto e branco e Color. Som. FISHER, T. Horror of Dracula. [Filme-­‐video] Produção de Michael Carreras. Reino Unido, 1958. Arquivo digital, 78 min. Color. Som. KUBRICK, S. The Shinning. [Filme-­‐vídeo] Produção de Stanley Kubrick e Jan Harlan. Reino Unido e EUA, 1980. DVD, 142 min. Color. Som. MIZOGUCHI, K. Ugetsu Monogatari. [Filme-­‐vídeo] Produção de Masaichi Nagata. Japão, 1953. Arquivo digital, 96 min. Preto e branco. Som. MURNAU, F. W. Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens. [Filme-­‐vídeo] Produção de Enrico Dieckmann e Albin Grau. Alemanha, 1922. Arquivo digital, 93 min. Preto e branco. Mudo.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.