LIVRO POP-UP: AS TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS DO PAPEL E DAS RELAÇÕES ENTRE LIVRO E LEITOR/ESPECTADOR
DANIELE KUSUNOKI SHIROZONO
Universidade Estadual de Campinas Instituto de Artes
LIVRO POP-UP: AS TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS DO PAPEL E DAS RELAÇÕES ENTRE LIVRO E LEITOR/ESPECTADOR
DANIELE KUSUNOKI SHIROZONO
Campinas 2013
Universidade Estadual de Campinas Instituto de Artes
LIVRO POP-UP: AS TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS DO PAPEL E DAS RELAÇÕES ENTRE LIVRO E LEITOR/ESPECTADOR
DANIELE KUSUNOKI SHIROZONO
Monografia apresentada para a conclusão do Curso de Artes Visuais da Universidade Estadual de Campinas
Orientação: Prof. Dr. Edson Prado Pfützenreuter
Campinas 2013
DANIELE KUSUNOKI SHIROZONO
LIVRO POP-UP: AS TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS DO PAPEL E DAS RELAÇÕES ENTRE LIVRO E LEITOR/ESPECTADOR
A Banca examinadora abaixo-assinada aprova a monografia apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas
__________________________________________________ Prof. Dr. Edson do Prado Pfützenreuter (Orientador) Universidade Estadual de Campinas
__________________________________________________ Profa. Dra. Lúcia Fonseca Ribeiro Universidade Estadual de Campinas
__________________________________________________ Profa. Ma. Fernanda Maria Macahiba Massagardi Universidade Estadual de Campinas
Campinas 2013
Para Bruno, Ă quele para quem dediquei meu primeiro livro pop-up
agradecimentos ao professor Edson do Prado Pfützenreuter, pela orientação e confiança.
aos professores Lúcia Fonseca, Tuneu, Fernanda Macahiba e Anna Gouveia, pelas preciosas contribuições.
à Priscila, pela companhia e pelos incentivos recíprocos.
à Brenda, por me emprestar um pouco do seu tempo.
à Gisele, Marta, Murilo, pela amizade sincera desses últimos 4 anos.
aos funcionários do Instituto de Artes, pelas portas sempre abertas.
à minha família, em especial à Deise, Nilo, Aimée e Thierry, pelo apoio de uma vida inteira.
ao Bruno, pelo companheirismo, e por sempre acreditar.
resumo O presente trabalho tem como objetivo um estudo aprofundado sobre os chamados livros popup, livros que possuem como essência a interatividade com o leitor a partir de mecanismos que ele deve movimentar ou de elementos que possibilitem a transformação do plano bidimensional do papel em tridimensional. Dessa maneira, a ênfase do projeto consiste no estudo sobre o percurso dos livros pop-up ao longo da história, bem como suas diferentes atribuições de funções, suas técnicas de confecção, além da abordagem acerca de trabalhos de artistas e designers que utilizam o livro como suporte para um trabalho de arte que incorpora tais elementos de transformação espacial do papel.
Palavras-chave: livro, livro pop-up, origami arquitetônico, kirigami, livro de artista, livro objeto.
abstract This work aims to the research of the Pop-up book, which have as their main purpose the dynamic interactivity between the reader and its contents, either while the person moves its mechanisms or when the elements of the book are able to transform two-dimensional planes into three dimensions. Thus, the emphasis of the project is the historical research of the pop-up books throughout time, as well as their unique role, their handmade techniques and the approach about artists and designers who consider the book as material for their artwork that incorporates such engines of spatial transformation on the paper.
Keywords: book, pop-up book, origamic architecture, kirigami, artist’s book, book-object
lista de figuras Figura 1 - Petrus Leffen e Mayardus Franciscus, De Homine, 1662 ...................................................... 14 Figura 2 – Petrus Apianus, Astronomicum Caesarum, 1540 ................................................................. 15 Figura 3 - Christophe Leutbrewer, La confession coupé, 1677 ............................................................. 16 Figura 4 - Raymond Queneau, Cent mille milliards de poèmes, 1961 .................................................. 16 Figura 5 – Martin Engelbrecht, Children’s theatre, 1730 ...................................................................... 17 Figura 6 – William Grimaldi, The Toilet, 1821 ....................................................................................... 17 Figura 7 – Jean-Pierre Brès, Livre joujou avec figures mobiles, 1831 ................................................... 18 Figura 8 – Lothar Meggendorfer, Lothar Meggendorfer’s International Circus, 1887 ......................... 18 Figura 9 – Le Motographe, ilustrações de Toulouse-Lautrec, 1898 ...................................................... 19 Figura 10 – André Hellé, Le petit Elfe ferme l’oeil, 1924 ...................................................................... 19 Figura 11 – Vojtech Kubasta, Tip and Top and Tap look at Ships, 1964................................................ 20 Figura 12 – Jan Pienkowski, The haunted house, 1979......................................................................... 20 Figura 13 – Andy Warhol, Index Book, 1967 ......................................................................................... 21 Figura 14 – David A. Carter e James Diaz, The elements of pop-up, 1999 ........................................... 21 Figura 15 – Robert Sabuda, Alice in Wonderland, 2003 ....................................................................... 21 Figura 16 – David A. Carter, One red dot, 2005 .................................................................................... 21 Figura 17 – Marion Bataille, ABC 3D, 2008 ........................................................................................... 22 Figura 18 - Disco giratório ou volvelle ................................................................................................... 26 Figura 19 - Cut-out ................................................................................................................................ 26 Figura 20 - Flap e pull-tab...................................................................................................................... 26 Figura 21 - Mudança de imagem ou changing Picture .......................................................................... 26 Figura 22 - Mecanismo de incisão ......................................................................................................... 28 Figura 23 - Espiral e barbatana.............................................................................................................. 28 Figura 24 - Dobra em V.......................................................................................................................... 29 Figura 25 - Camada frontal .................................................................................................................... 29 Figura 26 – Caixas .................................................................................................................................. 30 Figura 27 - Articulação .......................................................................................................................... 30 Figura 28 - Livro bandeira...................................................................................................................... 31 Figura 29 - Livro peep-show .................................................................................................................. 31
Figura 30 - Lygia Pape, Livro da Criação, 1959-60 ................................................................................. 35 Figura 31 - Amélia Toledo, Livro da Construção, 1959.......................................................................... 36 Figura 32 - Júlio Plaza e Augusto de Campos, Poemóbiles, 1974 ......................................................... 37 Figura 33 - Daniele Shirozono, Janela da Cor, 2013 ............................................................................ 41
sumário Introdução ............................................................................................................................................. 10 1.
2.
3.
O livro pop-up ............................................................................................................................... 13 1.1
Os livros pop-up e suas aplicações iniciais ............................................................................ 13
1.2.
Literatura infantil e entretenimento ..................................................................................... 16
1.3.
Do lado de fora das páginas dos livros pop-up ..................................................................... 22
Técnicas ......................................................................................................................................... 25 2.1
Mecanismos bidimensionais ................................................................................................. 26
2.2.
Pop-ups de única peça .......................................................................................................... 28
2.3.
POP-UPS EM CAMADA .......................................................................................................... 29
2.4.
Mecanismos que transformam a estrutura dos livros .......................................................... 30
O Livro de artista ........................................................................................................................... 33 3.1
4.
Livros de artista e o diálogo com o pop-up ........................................................................... 34
3.1.1.
LYGIA PAPE: O LIVRO DA CRIAÇÃO................................................................................ 35
3.1.2.
O TEMPO E O LÚDICO: O LIVRO DA CONSTRUÇÃO DE AMÉLIA TOLEDO ...................... 35
3.1.3.
OS POEMÓBILES DE JULIO PLAZA E AUGUSTO DE CAMPOS ......................................... 37
JANELA DA COR ............................................................................................................................. 39
CONCLUSÕES ......................................................................................................................................... 43 referências bibliográficas ...................................................................................................................... 45
Introdução O fascínio pela interação e pela possibilidade de transformação espacial do papel proporcionado pelos livros pop-up é antiga e começa com minhas primeiras experiências com recortes e dobras em papel e a confecção de meus primeiros livros popup. No entanto, a motivação maior para o início de uma pesquisa acerca deste tema teve início quando conheci os trabalhos em papel do arquiteto japonês Masahiro Chatani e da designer francesa Marion Bataille. Masahiro Chatani foi responsável pela invenção do Origami Arquitetônico, técnica que combina o corte e a dobra para a transformação de um plano bidimensional em tridimensional. Já Marion Bataille, autora do livro ABC 3D, que começou como um livro de artista de apenas 30 exemplares e logo se tornou mundialmente conhecido e acessível, reapresenta o abecedário utilizando as técnicas do pop-up. Ambos enfatizam a transformação das dimensões de um plano, tendo como suporte para o trabalho o papel ou o livro. Além disso, o interesse por esse tema parte também pela própria essência carregada por este objeto, o livro. Eles são tidos como imprescindíveis para a manutenção do conhecimento humano, estão profundamente inseridos no nosso cotidiano, mas se tornaram algo tão familiar que, muitas vezes, são invisíveis em nossa cultura e experiências gerais. Ademais, trata-se de um objeto que também pode ser suporte para um trabalho de arte único ou reproduzível em larga escala e acessível a todos, como em ABC 3D de Marion Bataille. Dessa maneira, começa-se a pensar o livro como algo que, por possuir um valor importante perante a manutenção do conhecimento e das experiências humanas, não pode permanecer nessa zona de invisibilidade. Para isso, existem mecanismos que favorecem uma maior interação entre leitor/objeto/conteúdo ou espectador/obra de arte. E essa é essência dos livros pop-up, eles possuem um trabalho elaborado de arquitetura em papel que possibilitam a transformação de um material de duas dimensões em uma experiência tridimensional. Essa experiência muda a relação entre o leitor/espectador e o conteúdo de um livro, pois essa relação torna-se mais tátil, interativa e dinâmica.
10
E essa relação diferenciada pode ser entendida ao se considerar as primeiras aplicações dos livros pop-up. Os primeiros livros que possuíam mecanismos interativos datam do século XIII, e eram utilizados para fins didáticos. Eles surgiram justamente para mudar a relação entre este objeto e o leitor e, dessa forma, fazer com que seu conteúdo fosse facilmente compreendido. Como em Astronomicum Caesarum, um livro de Petrus Apianus de 1540, em que ele utilizava volvelles1, para calcular dados astrológicos e astronômicos. Ou em De homine, uma impressão baseada na obra de René Descartes realizada por Petrus Leffen e Mayardus Franciscus, em 1662, em que foram empregadas abas articuláveis para explicar as camadas de órgãos do corpo humano. Assim, este projeto abordará um estudo amplo e uma análise acerca do livro pop-up, seu percurso ao longo da história, seus mecanismos de transformação da relação tátil entre objeto e leitor/espectador, além de uma abordagem que também alcance o campo das artes visuais, por meio de livros de artista e da proposição e realização de um estudo prático.
1
São discos circulares que realizam movimentos giratórios graças à um eixo central que os ligam às páginas dos livros.
11
capĂtulo 1
o livro pop-up
12
1. O livro pop-up O termo livro “pop-up” surgiu na década de 1930, quando o escritor Harold Lentz o utilizou para transmitir a sensação de observar o movimento de alguns livros interativos em que as imagens pareciam brotar das páginas. Assim, os chamados livros pop-up diferenciam-se dos livros tradicionais por possuírem mecanismos de arquitetura em papel que proporcionam ao leitor uma experiência tátil de maior interatividade e dinamicidade com o objeto. Esses mecanismos se dão por meio de cortes, dobraduras ou colagens. Podem ser automáticos, quando o simples movimento de abertura ou fechamento viabiliza a transformação tridimensional do pop-up, ou podem ser mecânicos, nesses casos o leitor é convidado a levantar abas, puxar alavancas, girar peças, para se descobrir o conteúdo do livro. Mas, em todos os casos, as relações que devem ser estabelecidas com o leitor estão presentes, que são a interação e o elemento surpresa. Neste capítulo o percurso dos livros pop-up será analisado dentro de um contexto histórico. Atualmente, esse procedimento só é possível graças à organização de colecionadores que contribuem para a catalogação e pesquisa acerca desse tema. Dessa maneira, dois trabalhos serão de fundamental importância para essa pesquisa inicial, The art of pop-up do francês Jean-Charles Trebbi2 e o catálogo da exposição Paper engineering: fold, pull, pop and turn (2010 – 2011) realizado pelo Instituo Smithsonian e concebido por Elizabeth Periale.
1.1 Os livros pop-up e suas aplicações iniciais Atualmente os livros pop-up estão intimamente atrelados à literatura infantil ou de entretenimento. No entanto, a história nos mostra que essa relação nem sempre se deu desta maneira. Os primeiros dispositivos de interação entre leitor e objeto/conteúdo surgiram com finalidades didáticas ou práticas. Cientistas, matemáticos, astrônomos, buscavam meios para expressar suas teorias de maneira que, tanto sua explicação, quanto o entendimento dos leitores, fosse facilitada. Além disso, esses mecanismos também eram úteis para a visualização de esquemas complexos.
2
Trebbi, natural de Paris, é formado em arquitetura. Além de autor de livros sobre pop-up, também é artista e 13 possui trabalhos relacionados ao tema.
Os primeiros dispositivos mecânicos encontrados em livros são os discos giratórios, também conhecidos como volvelles, rodas ilustradas que giram devido a um eixo central que as liga à página do livro. Inicialmente elas eram empregadas para melhor explicar as teorias da época, os cálculos astronômicos e astrológicos, os calendários das igrejas. Não se tem registros sobre uma data exata, ou sobre quem inventou esses primeiros dispositivos mecânicos, mas um dos primeiros exemplos surge em um manuscrito do século XIII, intitulado Chronica Majora do monge beneditino inglês Matthew Paris, que colocou tabelas de cálculos dentro de um disco giratório, facilitando a visão do leitor, pois dessa maneira ele não tinha a necessidade de girar o livro para conseguir observar os cálculos. Posteriormente, no final da Idade Média, começam a surgir figuras anatômicas sobrepostas por abas articuláveis de papel que, quando levantadas, permitiam a visão de órgãos do corpo humano em camadas, bem como suas posições. Uma obra posterior, mas que ilustra bem esse tipo de mecanismo é De homine, uma impressão baseada na obra de René Descartes realizada por Petrus Leffen e Mayardus Franciscus, em 1662.
Figura 1 - Petrus Leffen e Mayardus Franciscus, De Homine, 1662
No entanto, o primeiro livro considerado como interativo data de 1524. Tratase de Cosmographicus liber, do matemático e astrônomo alemão Petrus Apianus, que utiliza os volvelles para demonstrar os movimentos celestes. Mais tarde, em 1540, 14
Apianus finaliza, depois de 8 anos, o Astronomicum Caesarum, uma série luxuosa de volvelles ilustrados e coloridos à mão, eles possuíam várias camadas de discos de papel e podiam ser usados para calcular posições planetárias e outros dados calendarizais e astrológicos. Entre os séculos XVI e XVIII outros livros-móveis de caráter científico foram publicados, mas em 1677 uma inusitada publicação apresentava um novo formato e maneira de utilizar o livro como algo interativo. O padre Christophe Leutbrewer publica La Confession coupé ou La méthode facile pour se préparer aux confessions. Tratava-se de um livro em que vários pecados imagináveis eram dispostos e cortados em tiras, assim, o leitor, ao se confessar, precisava apenas levantar a aba da tira correspondente ao pecado que o fazia sentir-se culpado. Esse primeiro tipo de livro foi antecessor à publicação mais tardia do livro Cent mille milliards de poèmes de Raymond Queneau, em 1961, onde cada verso impresso em tiras poderia ser combinado para a criação de um número infinito de poemas.
Figura 2 – Petrus Apianus, Astronomicum Caesarum, 1540
15
Figura 4 - Raymond Queneau, Cent mille milliards de poèmes, 1961 Figura 3 - Christophe Leutbrewer, La confession coupé, 1677
1.2.
Literatura infantil e entretenimento A partir do século XVIII e após a Revolução Industrial, uma classe média emerge na Europa e a importância da educação infantil é reconhecida. Dessa maneira, os pais dessa classe emergente, com melhores condições financeiras, são incentivados à investir na educação de seus filhos. Assim, a publicação de livros voltados para esse público jovem aumenta e diversos temas são abordados: surgem livros sobre a alfabetização e outros assuntos do ensino primário, sobre religião, comportamento, livros ilustrados ou histórias para o entretenimento de crianças. No campo dos livros pop-up também há inovações. Em 1765, a editora inglesa Robert Sayer publica o primeiro livro pop-up para crianças. Criam os livros metamórficos ou harlequinades, compostos por uma série de abas ilustradas que, quando levantadas, revelam a sequência da história. Ainda no século XVIII há a aparição do primeiro livro peep-show com Children’s theatre do gravador alemão Martin Engelbrecht, que criou cenas ilustradas e recortadas de maneira que, ao serem dispostas em fileiras, uma atrás da outra com certo espaçamento, criava-se a visão de um cenário com profundidade. No começo do século XIX, em 1821, William Grimaldi lança The Toilet, seu primeiro livro com lições de moral, que eram reveladas após figuras sobrepostas serem levantadas por pequenas abas. Já em 1824, ele lança A suit of armour for youth, um livro 16
interativo sobre regras de etiqueta e as vantagens de ser um bom cavalheiro. O livro possuía também charadas e ditos populares que eram respondidos pelo mesmo mecanismo de abas do livro The Toilet.
Figura 5 – Martin Engelbrecht, Children’s theatre, 1730 Figura 6 – William Grimaldi, The Toilet, 1821
Os livros começam a ter o caráter de interatividade mais acentuado com a publicação, em 1831, de Livre joujou avec figures mobiles do francês Jean-Pierre Brès. Jean-Pierre foi o primeiro a pensar em conectar a imagem a um pull-tab, ou seja, a figura está ligada à uma tira de papel que, quando movimentada, revela uma segunda imagem. Além disso, asteriscos no texto mostravam o momento adequado para que o leitor interagisse, puxando o pull-tab para baixo. Na década de 1860, temos a aparição dos primeiros livros com cenas verdadeiramente tridimensionais. A editora inglesa Dean publica em 1865 Little Red Riding Hood, no qual o leitor levanta a cena, composta por camadas, por uma fita localizada no fundo desse cenário. A partir da década de 1870 há uma explosão no crescimento de livros pop-up. No século XIX, o famoso designer e ilustrador alemão Lothar Meggendorfer, publica cerca de 1000 trabalhos, entre eles o Lothar Meggendorfer’s International Circus de 1887. Meggendorfer foi autor de complexos trabalhos em que diferentes articulações eram ativadas por apenas um pull-tab, conferindo movimento em diversas partes da ilustração. 17
Figura 8 – Lothar Meggendorfer, Lothar Meggendorfer’s International Circus, 1887
Figura 7 – Jean-Pierre Brès, Livre joujou avec figures mobiles, 1831
Em 1898 surge o primeiro livro com ilusões ópticas, The Magic Moving Picture Book produzido na Inglaterra. A versão em francês foi produzida no ano seguinte, com o nome de Le Motographe, um livro composto por imagens animadas, no qual a impressão de movimento se dava quando as páginas do livro eram abertas. Além disso, Le Motographe contou com ilustrações do artista Toulouse-Lautrec. No final do século XIX, os livros pop-up e as imagens animadas convergem para os “Flip books”, livros que, quando folheados rapidamente, produziam uma espécie de filme curto ou um desenho animado. Depois da Primeira Guerra Mundial, a produção de livros pop-up declina, bem como sua qualidade. Eles serão retomados com a mesma seriedade que possuíam antes somente alguns anos depois, com, por exemplo, Le petit Elfe ferme l’oeil de André Hellé, de 1924, publicado pela editora Tolmer. Hellé traz nessa edição o mecanismo conhecido como cut-out, recortes que formam uma espécie de janelas vazadas, que permitem a visão das ilustrações das folhas anterior e posterior. Além disso, as páginas desse livro podiam ser abertas em duas partes.
18
Figura 10 – André Hellé, Le petit Elfe ferme l’oeil, 1924
Figura 9 – Le Motographe, ilustrações de ToulouseLautrec, 1898
Em 1929, Theodore Brown cria o primeiro livro pop-up automático para a editora inglesa Louis Giraud. Nesse tipo de livro sua simples abertura faz com que as imagens se projetem para fora da superfície da página, como em sua série Bookano Stories. Na metade da década de 1930 os livros de alta qualidade chegam para o mercado mais popular, e o termo pop-up, sugerido pelo americano Harold Lentz, aparece pela primeira vez para transmitir a ideia do movimento criado por esse tipo de livro. Sua editora Blue Ribbon vende 300 mil cópias de títulos de livros interativos. Na mesma época a Disney publica seus próprios livros pop-up. No período pós-guerra, as técnicas de construção de livros pop-up tornam-se mais simplificadas. Em Praga, a editora Artia publica um grande número de trabalhos de Vojtech Kubasta. Kubasta projeta as imagens para fora do papel utilizando um mecanismo de dobra com apenas uma folha de papel, sem a necessidade de se utilizar cola. Na década de 1960, o editor norte-americano Waldo Hunt tentou importar da Tchecoslováquia, para a distribuição nos Estados Unidos, um milhão de cópias de um dos trabalhos de Kubasta. Entretanto, o governo tcheco impediu essa operação por motivos
19
políticos. Assim, o editor decidiu produzir seus próprios livros pop-up em sua editora de nome Intervisual. Seus livros eram coloridos e possuíam uma enorme variedade da exploração da técnica pop-up. Em uma mesma cena era possível encontrar abas para levantar, puxar, empurrar, discos giratórios, elementos tridimensionais, entre outros. Em 1979 a editora Intervisual publicou a Haunted House de Jan Pienkowski. Esse livro pop-up combinava diferentes mecanismos, além de efeitos sonoros. Essa edição bateu recorde de vendas no mundo inteiro e, depois de seu sucesso, serviu de inspiração para muitas editoras.
Figura 11 – Vojtech Kubasta, Tip and Top and Tap look at Ships, 1964
Figura 12 – Jan Pienkowski, The haunted house, 1979
Em 1967, Andy Warhol homenageou Hunt com a reinterpretação sobre o livro pop-up em seu livro de artista chamado Index e produzido pela própria Intervisual. Essa parceria foi importante para a editora, pois abrangia o campo da Arte e conferia à ela um status mais sério por ter se vinculado a um artista atuante e importante para o cenário artístico daquele período. Em 1999, David Carter e James Diaz publicam o The Elements of Pop-up, o primeiro guia sobre o assunto. Nesse livro é possível encontrar os elementos da engenharia de papel que possibilitam o aprendizado e a confecção dos pop-ups.
20
Figura 13 – Andy Warhol, Index Book, 1967
Figura 14 – David A. Carter e James Diaz, The elements of pop-up, 1999
Em 2003 o engenheiro de papel Robert Sabuda apresenta o livro pop-up de Alice in Wonderland. Com complexos mecanismos, Sabuda consegue transmitir ao leitor a magia contida na história. David A. Carter reaparece em 2005 com One Red Dot, uma inovação que introduz ao tema dos livros pop-up as formas abstratas e cinéticas independentes de textos e de história. Segundo Carter, ele produz livros de artista para crianças de todas as idades.
Figura 16 – David A. Carter, One red dot, 2005
Figura 15 – Robert Sabuda, Alice in Wonderland, 2003
21
Em 2008 temos o ABC 3D da francesa Marion Bataille, ela reapresenta o alfabeto de maneira inusitada, utilizando mecanismos de pop-up. Esse trabalho teve início como um livro de artista de apenas 30 cópias para mais tarde ser mundialmente conhecido e acessível.
Figura 17 – Marion Bataille, ABC 3D, 2008
1.3.
Do lado de fora das páginas dos livros pop-up
Após muitos anos de produções e inovações no campo dos livros interativos, seus mecanismos, começam a transpor os limites do objeto livro alcançando outras áreas: eles invadem outras formas de expressão artística como o teatro, a decoração, arte digital; além disso, com a popularização dos livros pop-up e seu preço reduzido, além de se tornar um objeto de entretenimento de muitas pessoas, torna-se também uma ferramenta de aprendizagem. Esse maior acesso aos livros pop-up pode ser explicado observando-se a economia mundial, visto que a sua produção também incorporou tendências de mercado. Trebbi (2012) descreve o percurso da confecção industrial dos livros pop-up, e segundo o autor, ela reflete um pouco da história geopolítica que vivemos. Inicialmente os livros eram produzidos nos países em que seu design era idealizado, e isso se dava, sobretudo, nos EUA e na Europa. Mas, nas décadas de 1940 e 1950, sua confecção foi transferida para os países “em desenvolvimento”. O design e fabricação dos livros pop-up são procedimentos artesanais, como alguns desses livros precisam ser colados em diversas partes, só podem ser feitos à mão. Apesar da complexidade na produção desses livros, seus preços são extremamente baixos. 22
Quanto à utilização do livro pop-up como ferramenta potencial de aprendizagem, esse fato só começou a ser reconhecido na década de 1990, quando houve a criação de uma sociedade internacional de colecionadores de livros pop-up, The Movable Book Society, com seu extenso projeto de pesquisa e catalogação.
23
capítulo 2
técnicas
24
2. Técnicas Como já citado anteriormente, os livros interativos ou livros pop-up se distinguem dos demais por possuírem elementos que transformam o modo como o seu conteúdo é apresentado e como se dá a relação entre objeto/leitor/espectador, assim, características como a interatividade, dinamicidade e o fator surpresa estão sempre presentes. Entretanto, para que essas características sejam viabilizadas, o modo como o livro é construído deve ser levado em conta. Dessa maneira, entende-se a necessidade de uma abordagem teórica e prática acerca dos diferentes mecanismos utilizados para a confecção do livro pop-up. Ademais, o presente trabalho, além de dispor de uma parte teórica, possui também uma pesquisa prática que vai além da investigação acerca dos mecanismos de pop-up e propõe a realização de um trabalho escultórico que concilie os conceitos abordados até o momento e o desenvolvimento de uma poética visual própria, este tema será retomado em um próximo capítulo. Isto posto, reforça-se a necessidade dessa aproximação com as técnicas de pop-up, já que elas serão extremamente importantes para o alcance dos objetivos plásticos buscados. Como o objeto deste capítulo é a compreensão das diferentes técnicas utilizadas nos livros pop-up, a pesquisa prática acerca deste tema buscou apresentar ao espectador uma leitura extremamente fácil, didática. Para isso, dois elementos foram muito recorrentes na concepção do trabalho: folhas transparentes de acetato e papéis coloridos. Com o uso destes materiais tornou-se possível a visualização por completo dos diversos mecanismos de pop-up, já que a transparência do acetato permite ao leitor/espectador enxergar todas as camadas que os compõe, e os papéis coloridos, contrastando com o acetato, evidenciam a dinamicidade desses mecanismos. Após a compreensão sobre a importância de uma abordagem teórica sobre as diferentes técnicas de confecção de mecanismos pop-up, este capítulo as explica segundo a ordenação proposta por Trebbi (2012).
25
2.1 Mecanismos bidimensionais
Como o próprio nome já elucida, são mecanismos planos em que a interação e a transformação espacial do papel se dão, muitas vezes, pela inciativa do próprio leitor/espectador. - Disco giratório ou volvelle: É um disco de papel que está ligado por meio de um eixo central à página do livro. Foram os primeiros meios utilizados para proporcionar movimento ao papel, que é um objeto plano e estático. Datam do século XIII, e surgiram em decorrência da procura por mecanismos que facilitassem os cálculos de dados astrológicos e astronômicos. - Cut-out: Corta-se a folha de papel de maneira a formar em sua superfície uma espécie de janela. Desta maneira, o leitor consegue enxergar o conteúdo da página seguinte. Em 1924 André Hellé utiliza esse recurso em seu livro Le petit Elfe ferme l’oeil. - Flap: É uma aba articulável que, quando levantada, revela uma imagem ou texto. Mecanismos como este já eram utilizados no século XVII para explicar as composições e os órgãos do corpo humano. - Pull-tab: Este mecanismo possui um tab ou tira de papel conectado a duas ou mais imagens. Quando acionado pelo leitor, o tab desliza e outra imagem é posicionada no lugar da anterior. Jean-Pierre Brès foi o primeiro a pensar nesta técnica de interação com o leitor. Além disso, ele usava astericos em seus textos para indicar o momento exato em que se deveria puxar o tab. - Mudança de imagem ou transformação (changing picture): ao se puxar o tab uma imagem se transforma em outra. Este mecanismo é mais complexo, pois as duas imagens se sobrepõem de maneira que, quando o tab é acionado, uma desliza sobre a outra. A invenção desta maneira de interagir com o livro pertence ao alemão Ernest Nister, que é reconhecido por suas “cenas diluídas”. - Imagem rotativa (revolving picture): Ao se utilizar esta técnica, o leitor pode transformar a imagem duas ou mais vezes. São três os mecanismos possíveis: o primeiro e mais simples, consiste no movimento do leitor em levantar a imagem por uma aba para revelar outra por baixo dela; o segundo é um disco giratório sob uma folha de papel que possui um corte (ou cut-out); e, por fim, a invenção de Ernest Nister, em que duas imagens com formatos de discos deslizam uma sobre a outra. 26
Figura 18 - Disco girat贸rio ou volvelle
Figura 19 - Cut-out
Figura 20 - Flap e pull-tab
Figura 21 - Mudan莽a de imagem ou changing Picture
27
2.2.
Pop-ups de única peça
Estes mecanismos são realizados com uma única folha de papel e já entram no campo da tridimensionalidade do pop-up. Essa técnica é bastante usada no origami arquitetônico, pois combina apenas cortes e dobras. Estes dois procedimentos combinados proporcionam a surpresa ao leitor pois as imagens “saltam aos seus olhos” quando as páginas do livro são abertas. O tcheco Vojtech Kubasta tornou-se bastante conhecido ao introduzir essa técnica no mundo dos livros pop-up. Seus trabalhos eram ricos em detalhes e variados, ao mesmo tempo em que eram simples. Além disso, Kubasta criava uma cena completa sem precisar usar cola. - Mecanismo de incisão (incised mechanim): Combina a dobra do papel com um tipo de corte que não retira material. - Barbatana (fins): São dois cortes, cada um em uma página oposta, que se prendem entre si acima da dobra das páginas do livro. - Espiral (spiral): A espiral é cortada e o seu centro é colada na página oposta. Quando o livro é aberto suas formas continuam arredondadas, mas irregulares.
Figura 23 - Espiral e barbatana
Figura 22 - Mecanismo de incisão
28
2.3.
POP-UPS EM CAMADA
Estes mecanismos se baseiam na dobra central das páginas dos livros, pois é somente com a abertura destes que o cenário se sustenta. As camadas que compõem o pop-up são coladas nas duas páginas opostas. - Dobra em V horizontal (horizontal v-fold): Um pedaço de papel é dobrado em duas partes e cada uma dessas partes está colada em uma página do livro aberto, de maneira a ficarem em páginas opostas. A disposição deve formar um ângulo relativo. Quando o livro é aberto, o pop-up se revela, levantando-se. - Camada frontal (frontal layer): Neste tipo de mecanismo, quando o livro é aberto, as camadas se levantam e ficam perpendiculares às páginas dos livros, elas são ligadas a eles por meio de tiras de papel de sustentação. - Caixas (boxes): São estruturas geométricas dobradas de maneira a acompanhar o movimento de abertura do livro. - Entrelaçado (lattice): O pop-up é composto por várias peças que possuem em sua estrutura cortes que possibilitam o encaixe entre elas. Quando montado, a estrutura trava e não se desfaz, mas pode ser maleável. Quando fixada de maneira correta nas páginas do livro ela acompanha seu movimento de abertura e fechamento, montando-se e desmontando-se. - Articulação (pivot): Este mecanismo possui dobras que permitem a rotação de uma imagem ou de alguma parte do cenário quando a página do livro é aberta.
Figura 24 - Dobra em V
Figura 25 - Camada frontal
29
Figura 26 – Caixas
2.4.
Figura 27 - Articulação
Mecanismos que transformam a estrutura dos livros
- Mix-and-match: As páginas dos livros são cortadas horizontalmente, geralmente em três partes. Partes de diferentes páginas podem ser combinadas de inúmeras maneiras. - Livro bandeira (flag book): Este livro é dobrado em forma de acordeão. Tiras são recortadas e dobradas em oposição às páginas dos livros. - Livro de origami (origami bases): As dobraduras deste livro são baseadas na técnica japonesa do origami. - Livro Peep-show: Neste tipo de livro, cenas são cortadas utilizando-se a técnica do cut-out e dispostas uma atrás da outra. Uma tira de papel cortada e dobrada em forma de acordeão sustenta essas cenas. Quando o leitor/espectador observa a primeira janela consegue enxergar a cena composta por camadas que transmitem uma sensação de profundidade. - Livro Carrossel: As folhas desse livro são dobradas em forma de acordeão e quando abertas em um ângulo de 360º se encontram formando um círculo.
30
Figura 28 - Livro bandeira
Figura 29 - Livro peep-show
31
capĂtulo 3
o livro de artista
32
3. O Livro de artista Para Fabris e Costa (1985, p. 3) “[...] o livro de artista constitui um veículo para ideias de arte [...]”. Segundo Paulo Silveira (2008, p. 25), o “[...] o termo livro de artista pode fazer referência ao trabalho de arte em si, bem como a categoria artística [...]”. Definido o termo livro de artista como meio de expressão que já possui uma categoria própria, é preciso acrescentar ademais que, para se ter um livro de artista, ele não precisa ser, necessariamente, confeccionado por inteiro por este, além disso, não é a sua semelhança física com um livro que vai defini-lo como qual. O elemento imprescindível para a existência de um livro de artista, além de seu caráter expressivo e artístico, é sua natureza sequencial. Como afirma Annateresa Fabris e Cacilda Teixeira da Costa no catálogo para a exposição Tendências do livro de artista no Brasil: “Ao fazer um livro, o artista trabalha com uma sequência coerente de espaços – as páginas -, o tempo que é necessário para virá-las, o gesto do leitor e a intimidade que estabelece entre o livro e a pessoa que o manipula. Por mais variadas que possam ser as técnicas, por mais variadas que possam ser as diretrizes estéticas, o livro de artista explora sempre as características estruturais do livro: a obra não é cada página e sim a soma de todas elas, percebidas em diferentes momentos. O livro de artista configura-se, portanto, como uma sequência espaço-temporal, determinada pela relação cinética entre página e página [...]” (FABRIS e COSTA: 1985, p. 5)
3.1 Livros de artista e o diálogo com o pop-up Os livros pop-up, diferentemente dos livros convencionais, exigem, em suas etapas de confecção, um trabalho manual cuidadoso que inicia-se nos ensaios práticos e termina no acabamento (colagens e dobraduras). Dessa maneira, podemos aproximá-los do campo das artes visuais por este “fazer artístico”. Não é por menos que, durante a pesquisa inicial, nos deparamos com exemplares de livros pop-up idealizados por artistas, como Index Book de Andy Warhol, ou como ABC 3D de Marion Bataille que, antes de ser reproduzido em larga escala e de ter se tornado acessível no mundo inteiro, era um livro de artista com uma tiragem pequena. 33
Antes de tudo, porém, o livro como objeto já é um meio ideal para expressão, por isso, hoje, ele possui uma categoria artística própria, a dos livros de artista, como vimos no início deste capítulo. No entanto, como o universo dos livros de artista nos traz inúmeras possibilidades, e para que um diálogo seja estabelecido com o campo dos livros pop-up, onde a interatividade por meio da transformação espacial do papel é prioridade, foi necessário que esta pesquisa sofresse um refinamento para atender aos objetivos buscados. Em vista disso, o critério para a seleção de trabalhos de arte a serem abordados nesta pesquisa baseou-se nas relações entre livro de artista, técnicas de transformação espacial do papel e interação obra-espectador; além de se tratar de trabalhos que foram bastante influentes no desenvolvimento de uma poética pessoal própria e que muito contribuíram para a realização do trabalho escultórico final proposto nesta pesquisa. Portanto, trabalhos de Lygia Pape, Amélia Toledo e Júlio Plaza foram referências bastante importantes, sobretudo por suas experiências plásticas relacionadas ao concretismo e neoconcretismo que, precedidos pelos poetas destes movimentos, que privilegiavam a imagem como forma e a interação tátil para a existência efetiva de seus poemas-objetos e livros-poema, mudaram a relação entre obra-espectador por meio da exploração espacial do papel e da palavra ou não-palavra.
3.1.1.
LYGIA PAPE: O LIVRO DA CRIAÇÃO A partir de 1959, quando artistas e poetas tentavam reinventar o livro como estrutura, conteúdo e a relação que ele possuía com o leitor, Lygia Pape (1927 – 2004) inicia sua trilogia sobre as experimentações neoconcretas com o livro, produzindo o Livro da Criação (1959-60), Livro da Arquitetura (1959-60) e Livro do tempo (1960-1965). No entanto, nesta pesquisa, o foco se dará sobre o Livro da Criação. Este livro de Lygia Pape traz singelos desdobramentos de escultura em papel cartão. Sua sequencialidade não é física, como no livro tradicional, cujo as páginas podem ser folheadas sempre em um mesmo sentido. Ao invés disso, suas “páginas” são soltas e possuem elementos que podem ser modificados pelo espectador e que reconfiguram sua espacialidade. O Livro da criação discorre sobre a criação do mundo. No início tudo era água, depois descobriu-se o fogo, a roda etc, até o momento em que tudo se transforma em 34
luz. Esta narrativa é ausente de palavras ou verbos, ao invés disso, são as formas e as cores que contam a estória ao permitir que, com a participação do espectador, o plano bidimensional do papel alcance o espaço ao seu redor ao se tornar tridimensional. No entanto, para Merquior3 (2000), ao se introduzir o leitor-realizador e dispor de uma narrativa que só se concretiza com a participação efetiva do espectador, o livro não conta somente a criação do mundo, mas também as experiências criativas do homem, pois cada criação é uma vivência única, e cada um precisa criar para existir: “É realmente a aventura do homem no mundo – a criação -, mas a aventura de cada homem exigida a cada um na leitura como criação e alcançada quando cada história pessoal tocou o Livro e com ele criou uma estória única e irrepetível. Assim, o que o Livro sugere, o que ele dá para poder ser, é em resumo a própria condição do homem. Seu maior valor é dá-la corretamente. O que temos de comum no livro é que nenhum de nós vive como o outro. E, por isso, o Livro de Ligia [sic] imita finalmente a verdade da vida e do mundo: é um microcosmo. A essência do Livro é ser a ilustração da Existência. (MERQUIOR, 2000: p. 215)
Figura 30 - Lygia Pape, Livro da Criação, 1959-60
3.1.2.
O TEMPO E O LÚDICO: O LIVRO DA CONSTRUÇÃO DE AMÉLIA TOLEDO No mesmo ano em que Lygia Pape criava seu Livro da Criação, Amélia Toledo (1926) realizava seu livro de artista intitulado Livro da Construção. Suas páginas feitas de papel cartão e papel de seda são ligadas umas às outras, elas possuem cortes retangulares por onde a luz pode passar. Neste trabalho, o ato de folhear o livro é inexistente, mas sua configuração espacial permite que o espectador a transforme de diversas maneiras.
3
35
Lygia Pape, José Merquior et al, Gavea de tocaia, 2000.
O tempo e o lúdico são dois os elementos que se encontram no Livro da Construção, de Amélia Toledo, e que mudam as relações entre obra e espectador. No entanto, tais elementos não devem ser citados separadamente neste trabalho pois se completam e tornam as relações (obra-espectador) mais efetivas. O espectador sai do papel distante e tradicional de quem contempla um trabalho de arte e se envolve com ele, esta relação gera novas experiências e significados à medida que: “[...] o “livro” apresenta um caudal de referências espaço-arquitetônicas: moldura, abertura e fechamento, mudança de perspectiva, o exterior se torna interior e vice-versa.” (BRETT: 2012, p. 23)
A forma como o trabalho foi pensado, permite que o espectador realize
diversos
gestos
que
acentuam seus sentidos. Ele se torna parte do trabalho ao ajudá-lo a ser construído e, como afirma Farias (2004), seu tempo se mescla com o tempo do trabalho. Além disso, como citado anteriormente, a forma é outra questão bastante importante em Livro da Construção. Suas páginas se ligam
umas
maneira,
nas
outras.
quando
Dessa
tentamos
movimentar uma página, as outras também se mexem, configurando um novo formato dentre as diversas possibilidades fornecidas por este trabalho.
36
Figura 31 - Amélia Toledo, Livro da Construção, 1959
3.1.3.
OS POEMÓBILES DE JULIO PLAZA E AUGUSTO DE CAMPOS
Em 1968, Júlio Plaza começa a realizar seus Objetos. Tendo o papel como suporte, ele o corta e o dobra, assim, cria mecanismos que transformam a espacialidade do papel (do bidimensional, ele passa a ser tridimensional) à medida em que é manuseado. Além disso, Plaza também trabalha, por meio da serigrafia, com as cores primárias. Em seguida, Augusto de Campos é convidado por Plaza para escrever uma crítica sobre este seu trabalho e, ao invés de produzir um texto, o poeta produz um poema-objeto: uma folha dobrada ao meio, formando duas páginas, com recortes retangulares que se projetam para o lado oposto da dobra da folha. Nessas projeções, Augusto de Campos jogava com as palavras abre, fecha, entre, amarelo, azul e vermelho, utilizando também as cores citadas neste poema. Ainda que o foco principal deste capítulo seja o trabalho intitulado Poemóbiles de Júlio Plaza e Augusto de Campos, esta primeira abordagem acerca de Objetos torna-se importante na medida em que ela constitui uma primeira experiência que, mais tarde, culminará em Poemóbiles. Dessa forma, em 1974, Júlio Plaza e Augusto de Campos retomam o primeiro poema-objeto agregando outras criações, somando um total de 12 poemas concretos. Esta primeira edição foi composta de mil exemplares. As páginas deste livro são soltas e são apresentadas dentro de uma caixa. Além disso, o espectador é peça fundamental para que o trabalho aconteça. Poemóbiles é um trabalho realizado por duas pessoas, mas que faz referência à uma terceira: Alexander Calder. Ao escolher este título, Plaza e Campos fazem alusão aos trabalhos cinéticos de Calder, à seus móbiles, uma vez que seus poemas só podem ser vistos quando o espectador faz o movimento de abertura e fechamento da página. Esta ação aciona os mecanismos que projetam as palavras para dentro ou para fora da folha, transformando-os em verdadeiras esculturas de papel. 37
Figura 32 - Júlio Plaza e Augusto de Campos, Poemóbiles, 1974
capĂtulo 4
janela da cor
38
4. JANELA DA COR A Janela da Cor é um trabalho que se desenvolveu paralelamente à pesquisa teórica apresentada até o momento. Trata-se de um livro de artista que incorpora, como meio de expressão, os mecanismos de interação presentes nos livros pop-up. Assim, com esta primeira informação, entende-se que a participação do público é essencial para que o trabalho aconteça e seja apresentado por completo, uma vez que os mecanismos só podem ser acionados pela ação do espectador. Esta mudança de comportamento, na qual o espectador passa da contemplação à ação, é algo que já vimos em Livro da Criação, Livro da Construção e Poemóbiles, sendo, por isso, uma das razões pela qual estes trabalhos foram escolhidos como fontes de referência para o desenvolvimento desta pesquisa prática, além, evidentemente, de suas características plásticas e poéticas. A Janela da Cor possui 7 páginas que se apresentam dentro de uma caixa, elas não possuem uma ligação física entre si, são páginas soltas, desta maneira, a sequencialidade não é imposta ao espectador. O trabalho em questão foi realizado com diversos tipos de papéis, pois tratase de um material ideal para a aplicação das variadas técnicas de pop-up, uma vez que sua estrutura permite que dobras sejam feitas sem rompimento do material e sem que sua maleabilidade seja comprometida, ao contrário de certos tipos de plástico, por exemplo. Esta característica foi observada nos livros pop-up, que são inteiramente feitos de papel, e nos próprios livros de artista abordados no capítulo 3 deste presente trabalho. Ademais, o estudo acerca das técnicas de pop-up, tema discutido anteriormente, foi essencial para se compreender quais as qualidades do papel que melhor se adaptavam à exigências dos mecanismos pop-up. Este estudo também se mostrou importante na medida em que a montagem e funcionamento destes mecanismos foram assimilados e possibilitaram a realização de Janela da Cor. Sobre o processo criativo da Janela da Cor, uma referência importante para descrevê-lo é o que diz Amélia Toledo à respeito da criação do Livro da Construção em entrevista à Giancarlos Hannud4: “Arte não é lógica, é outra história. A gente cria as coisas
4
Entrevista de Amélia Toledo à Giancarlo Hannud em 18 de março de 2012. Entrevista contida em Amélia Toledo: as naturezas do artifício, Agnaldo Farias, São Paulo, 2004, p. 263.
39
espontaneamente. Essa obrigação de ter um sistema lógico preexistente para que a peça exista não é o que funciona para mim”. O conhecimento sobre os mecanismos de interação utilizados em livros popup era algo que eu já possuía, uma vez que minhas experiências com papel já tinham se iniciado a alguns anos atrás. Além disso, elas foram aprimoradas durante esta pesquisa pois dediquei parte do meu tempo a compreender o funcionamento de tais mecanismos por meio de observações, livros explicativos, vídeos e fotografias. No entanto, assim como cita Amélia Toledo, posso afirmar também que as ideias para as páginas de Janela da Cor surgiram espontaneamente, e o processo mais lógico era abordado somente ao adaptála aos engenhos de interação do pop-up. Mas, embora as ideias surjam espontaneamente, não deixamos de ter consciência sobre as experiências passadas que nos influenciam nas escolhas presentes, o que nos possibilita a discursar sobre nossa criação, impor nossos ideais, expressar o que queremos dizer com elas. Desta forma, Janela da Cor deriva de experiências anteriores com o papel que, no passado, começam com a dobradura japonesa (origami), elemento demasiado presente em minha infância devido minhas origens orientais, e que, posteriormente, se desdobram em dobras e recortes, até alcançar o que chamo de janelas, cortes geométricos que retiram material sem alterar o espaço ao seu redor. O segundo elemento fundamental deste trabalho é, como diz seu título, a cor. Mas não se trata de algo que se apresenta isolado pois, antes de se tratar de cor, se tem a admiração pelas pesquisas e pela obra de Josef Albers e Piet Mondrian. Ou seja, o que está em questão agora não é somente a cor, mas também a forma. Portanto, a Janela da Cor é um convite para enxergarmos além, adiante da imensidão do branco do papel, para um tempo que já passou, para os acontecimentos que influenciaram o que nos tornamos, e para o que está por vir. Por este motivo as páginas podem ser fechadas, pois os elementos que irão sugerir que existe algo a se descobrir em seu interior estarão sempre presentes.
40
Figura 33 - Daniele Shirozono, Janela da Cor, 2013
41
conclus천es
42
CONCLUSÕES O estudo sobre os livros interativos denominados pop-up, no Brasil, são mínimos e, quando encontramos algo sobre este tema, normalmente o assunto é tratado de maneira muito superficial. Desta forma, o presente trabalho buscou um estudo mais aprofundado à respeito deste assunto e o estendeu à uma categoria artística que, no país, está sendo consolidada desde a década de 1950: o livro de artista. Assim, após todas as considerações discorridas ao longo de 4 capítulos, podemos concluir que esta pesquisa conseguiu: - promover a aproximação de duas categorias distintas; - evidenciar o caráter transformador que possuem os mecanismos de interação presentes em livros; - além de estender a compreensão das técnicas de confecção de tais mecanismos para a realização de Janela da Cor.
Desta maneira, este trabalho alcança a aproximação de duas categorias distintas ao se buscar as ferramentas comuns compartilhadas pelos livros pop-up e livros de artista, pois, ao se pensar no primeiro, o referencial mais comum gerado em nossos pensamentos são os livros de entretenimento infantis que encontramos nas livrarias mais próximas, uma vez que seus preços são acessíveis e sua produção é feita em larga escala. Entretanto, este cenário muda quando nos referimos ao segundo, eles, no modo mais amplo, nos remetem à museus, obras únicas, altos preços, enfim, um acesso reduzido. Dois temas geradores de opiniões completamente diferentes dificilmente estariam conectados. Contudo, o presente trabalho consegue fazer esta aproximação entre dois universos distintos, e faz isso, como citado anteriormente, pelo que possuem em comum, ou seja, tratam-se de meios que utilizam o livro como suporte (ou, à ele, aludem), se valem de mecanismos de escultura em papel para promover a interação entre livroleitor/espectador e, por vezes, possuem as características pertencentes à categoria contrária, por exemplo, como a abordagem, no capítulo 1, sobre Index Book, um livro popup idealizado por Andy Warhol, ou o livro de artista ABC 3D de Marion Bataille que foi amplamente reproduzido e que, atualmente, podemos encontrar facilmente nas livrarias. Além desta aproximação de categorias distintas, outra questão evidenciada por este trabalho foi a transformação nas relações entre livro e leitor/espectador pela presença de mecanismos de interação nos livros. Pôde-se notar que a introdução destes 43
engenhos já se inicia com o intuito de mudar a postura do leitor/espectador, pois são incorporados de maneira à facilitar a explicação de seu conteúdo, como, por exemplo, se dava a utilização de discos giratório, por Petrus Apianus, para calcular posições planetárias e outros dados calendarizais e astrológicos. Posteriormente, eles continuam a ser utilizados para proporcionar essa mudança de relação. A partir do século XVIII, quando a educação infantil é compreendida como prioridade, essas ferramentas chegam ao universo dos livros de comportamento e entretenimento infantis, pois seu caráter lúdico estimulava outros sentidos além da visão, tornando o aprendizado mais fácil e divertido. Esse sintoma também é verificado em certos trabalhos de livro de artista. Tomemos como exemplo os trabalhos já citados anteriormente: Livro da Criação, de Lygia Pape; Livro da Construção, de Amélia Toledo; e Poemóbiles, de Júlio Plaza e Augusto de Campos. Destes, Poemóbiles é o único que se apropria, claramente, das técnicas conhecidas de pop-up, no entanto, os outros possuem mecanismos que possibilitam a sua transformação espacial pela ação do espectador. Dessa forma, fica evidente que a participação do público é fundamental para que estes trabalhos aconteçam. Com isso, tais artistas questionam a postura meramente contemplativa do leitor que, por vezes, a afasta do trabalho de arte. Assim, eles priorizam sua ação e propõem a união das experiências sensoriais promovidas pelo livro de artista e sentidas pelo espectador. Por fim, o último item alcançado durante esta pesquisa abrange a compreensão técnica na confecção de mecanismos pop-up, tarefa esta que se mostrou fundamental para o êxito na realização de Janela da Cor. A construção e funcionamento de engenhos, que promovem a experiência tátil e dinâmica nos livros pop-up, são atividades puramente técnicas, ou seja, sem esses conhecimentos, sua viabilização não é possível. Assim, parte do tempo desta pesquisa foi dedicado ao estudo, ensaio e observação de tais mecanismos, o que possibilitou o êxito na realização do livro Janela da Cor, já que, uma vez assimiladas as técnicas, tornou-se possível sua aplicação de acordo com os objetivos plásticos buscados. Portanto, feitas as considerações finais acerca dos objetivos que foram alcançados durante esta pesquisa, é preciso acrescentar, ainda, que apesar de se tratar de um trabalho que marca o fim de um período, o curso de Artes Visuais, este é apenas o seu começo.
44
referências bibliográficas BLASSELLE, BRUNO. Histoire du Livre: 2/Le triomphe de l’édition. 1ª Edição. Paris: Gallimard, 1991.
BRETT, GUY et al. Aberto fechado: caixa e livro na arte brasileira. Curadoria de Guy Brett. São Paulo, SP: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2012.
CAMPOS, AUGUSTO DE; PLAZA, JÚLIO. Poemobiles. São Paulo, SP: Brasiliense, 1974.
DOMICIANO, CASSIA L. C. D. Livros infantis sem texto: Novos desafios. Casa da Leitura, Braga, Out. de 2006.
Disponível
em:
<
http://195.23.38.178/casadaleitura/portalbeta/bo/documentos/ot_livros_infantis_sem_texto_b.pdf >. Acesso em: 31 mar. 2013.
DOMINICIANO, CASSIA L. C. D.; COQUET, EDUARDA. Livros sem texto: Modo de leitura. Casa da Leitura,
Braga,
Fev.
de
2008.
Disponível
em:
<
http://195.23.38.178/casadaleitura/portalbeta/bo/documentos/ot_cassia_domiciano_a.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2013.
FABRIS, ANNATERESA; COSTA, CASSILDA T. Tendências do livro de artista no Brasil. Curadoria de Annateresa Fabris, Cacilda T. da Costa. São Paulo, SP: Centro Cultural São Paulo, 1985.
FARIAS, AGNALDO. Amelia Toledo: as naturezas do artifício. 1a Edição. São Paulo: W11, 2004.
MUNARI, BRUNO. Das coisas nascem as coisas. 1a Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MUNARI, BRUNO. Design e comunicação visual. 1a Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
PALMER, MIKE. Pop-up: Greetings Cards. 1a Edição. Londres: Chartwell Books, 1993.
PAPE, LYGIA; MERQUIOR, JOSÉ G. et al. Gavea de tocaia. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2000.
45
PAPE, LYGIA; HERKENHOFF, PAULO (text.). Lygia Pape: espaço imantado. Curadoria de Manuel J. Borjas-Villel, Teresa Velázquez. São Paulo, SP: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2012.
PLAZA, JÚLIO. O livro como forma de arte (I). Arte em São Paulo, São Paulo, n.6, abr., 1982.
PERIALE, ELIZABETH. Paper Engineering: Fold, Pull, Pop and Turn. Washington: Smithsonian Institution’s Libraries, 2010.
PULEO, BERNADETTE. Next Stop pop-ups: The Influence of Paper Engineering on Visual Media. 1ª Edição. Pennsylvania: Master of Fine Arts, 2011.
SANTAELLA, LÚCIA. Porque as comunicações e as artes estão convergindo? 3ª Edição. São Paulo: Paulus, 2008.
SILVEIRA, PAULO. A página violada: Da ternura à injúria na construção do livro de artista. 2ª Edição. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
TREBBI, JEAN-CHARLES. The art of Pop-up: The Magical World of Three-Dimensional Books. 1a Edição. Barcelona: Promopress, 2012.
TOLEDO, AMÉLIA; BELLUZZO, ANA M. M. Entre, a obra está aberta. São Paulo, SP: SESI (São Paulo), 1999.
VALENTA, BARBARA. Pop-o-Mania: How to create your own pop-ups. 1a Edição. Nova Iorque: Dial, 1997.
46