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ÍRIS Uma despedida
Texto de Gudrun Mebs Ilustrações de Beatriz Martín Vidal Tradução de Daniel Bonomo
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papai veio, mas eu já estava quase dormindo. Ele disse “minha menina” e me abraçou, ajeitou o lençol e me deu um beijo, e eu percebi que ele não olhou pra cama da Íris. Ele saiu de mansinho e eu acabei dormindo. E me esqueci de perguntar sobre o câncer. Quem sabe ele me explica amanhã... No dia seguinte, eu acordei e nem olhei pra cama da Íris, eu já sabia que ela não estava lá. A segunda noite sem a Íris. 19
Espero que não dure muito. A Íris ronca um pouquinho quando dorme, e ela puxa a minha coberta de manhã e diz “dorminhoca”. É muito irritante. Mas se ninguém puxa a minha coberta eu também não acho bom. E agora ninguém ronca mais à noite. Eu queria que a Íris voltasse. Eu ainda fiquei um tempo deitada, pensando se precisava ir pra escola hoje, porque a Íris ia ser operada. Lembrei que eu tinha me esquecido de perguntar a que horas que a Íris ia ser operada e quanto tempo durava a operação. E enquanto eu pensava a vovó entrou no quarto, me abraçou e me tirou da cama como se eu fosse um bebê e me balançou pra lá e pra cá. Depois me soltou e disse: “O café da manhã está pronto”. Então ela saiu de repente e foi pra perto do telefone. Eu perguntei se ela não queria tomar o café da manhãcomigo e 20
ela disse que não, que tinha que vigiar o telefone, porque estavam operando a Íris naquela hora, e o papai ou a mamãe podiam ligar a qualquer momento pra dizer como tinha sido. Hoje a vovó não quer café da manhã e está ao lado do telefone. Ela ficou lá e ainda estava lá quando eu cheguei da escola. Eu tive que ir pra escola, porque a vovó disse que eu estou bem de saúde. E parecia até que ela estava brava comigo, porque eu estou bem de saúde e a Íris, doente. A Íris é a queridinha da vovó, já sei disso faz tempo. Eu nunca liguei muito, mas hoje foi diferente. Também acho um pouco estranho isso de o papai não ir trabalhar pra ficar cuidando da Íris com a mamãe. Tudo mais ou menos confuso. Eu fui pra escola assim mesmo, porque não dá pra desobedecer a vovó. 22
E na escola foi bom também, porque todo mundo sabia que a Íris tinha um tumor na cabeça e ia ser operada e que isso é uma coisa muito ruim, uma coisa terrível. A professora, a senhora Weller, contou pra todos, ela estava séria e falou baixinho alguma coisa sobre “respeito”, e então todo mundo olhou pra mim, era como se eu fosse uma pessoa especial. Eu tinha errado o resultado da lição chata de matemática, mas a senhora Weller foi boazinha e disse que não tinha importância, e todo mundo me olhou com cara de inveja. Com eles era diferente, não podiam errar a solução do problema de matemática, mas eles também não tinham irmã doente no hospital. Até que foi bom. Também não recebi lição de casa, disseram que tinham que me poupar. Eu não entendi muito bem. Eu não estou 23
doente, a Íris é que está doente. Mas é bom não ter que fazer lição de casa. Então voltei animada pra casa e encontrei a vovó ao lado do telefone. Tive certeza de que ela tinha esquecido de fazer o almoço, mas não tem problema, porque eu faço um lanche e pronto. A vovó quase não falou, quer dizer, a vovó não disse nada, só olhava para o telefone e suspirava, então eu percebi que o papai não tinha ligado e que ainda estavam operando a Íris. Ou será que nem tinham começado? A vovó respondeu: “Nada ainda”, e eu fiquei bem assustada. Eu fiz as contas. Desde cedo até agora: quase cinco horas! O que será que fazem por tanto tempo com a Íris? Eu perguntei pra vovó, e ela suspirou de novo e mal respondeu: “Também não sei, filha”. Por que eu não perguntei ontem à noite pro papai? Ele podia ter me 24
explicado como ia ser a operação. Agora a gente não sabe de nada, nem a vovó nem eu. Então fui buscar o meu banquinho e sentei com a vovó, e a gente não falou nada, só esperou. Eu senti fome, mas não tive coragem de sair dali pra preparar um pão com geleia na cozinha. Eu não queria deixar a vovó sozinha, esperando. A gente ficou quase uma hora ao lado do telefone. De vez em quando a vovó suspirava e eu pensava como devia ser uma operação. Será que dói? Acho que não, acho que a pessoa dorme e não sente nada. Mas eu não consigo imaginar direito. Por exemplo, se eu durmo e alguém vem e espeta o meu dedo, eu vou acordar bem depressa! Porque dói muito... Imagina a Íris? Ela é tão delicada que não aguenta nem um arranhãozinho. Se ela soubesse que iam abrir a cabeça dela! Mas 25