NARRATIVIDADE, QUADRINHOS E ARTE-EDUCAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA ESCOLAR COM ADOLESCENTES Fábio Purper Machado purper@ymail.com Universidade Federal de Santa Maria http://symptomamundi.blogspot.com RESUMO Relato, nesta narrativa, situações de minha experiência no Estágio Supervisionado da Licenciatura em Artes Visuais com uma oitava série da Educação Básica da Escola Augusto Ruschi, na cidade de Santa Maria-RS. É mostrada a proposta inicial, de trabalhar questões da arte utilizando para isso a linguagem das histórias em quadrinhos, a pesquisa empreendida no intuito de solucionar o problema de sua relativa inadequação aos interesses dos educandos, e a gradual adaptação para possibilidades que melhor se relacionam a este contexto, entre elas a criação fotográfica e uma aproximação à arte pública através de intervenções no espaço escolar.
da criação de cenários, e, por último, os três mais apreciados: a plasticidade e gestualidade escultóricas, primeiro em papel e depois em argila, as fotonovelas e um princípio de intervenções. Temáticas como o sexo e a violência se fazem fortemente presentes em trabalhos apresentados, o que não surpreende se considerarmos o primor da mídia em confundir valores e reforçar tabus, e a própria violência imposta de forma velada pelo sistema de educação formal. Algumas questões pendiam na transição entre os dois semestres do estágio, e é o ponto de onde parto nesta narrativa: - Como continuar o trabalho, percebendo que a linguagem dos quadrinhos não marca o cotidiano desses jovens como foi com o meu?
PALAVRAS-CHAVE: Arte-Educação, Narratividade, Quadrinhos, Cultura Visual.
ABSTRACT This narrative reports situations from my experience of Supervised Training in Visual Arts Teaching with an eight series of Basic Education at Augusto Ruschi School, Santa Maria-RS, Brazil. The initial proposition, of working art questions using comics for that end, is shown, followed by the research which was employed to solve the problem of its relative inadequateness to the students’ interests, and by its gradual adaptation to possibilities which better relate to this context, amongst them the photographic creation and an approach to public art through interventions at the school space. KEYWORDS: Art-Education, Narrative, Comics, Visual Culture.
- Como incitar e organizar o debate sobre tantas questões da Cultura Visual que pulsam em seus hormônios? - Como mediar, dentro do ambiente formatado e obrigatório da educação formal, essa ânsia por liberdade, sexo e violência, demonstrada nas atitudes e expressada nos trabalhos? Recorri a uma pesquisa entre autores da educação libertária e da cultura visual, assim como da HQ, a fim de obter subsídios para descobrir as respostas a estas questões. Peciar (in SIQUEIRA, 2009) sugere que não se ensina arte, mas que se pode motivar o estudante a aprender sozinho. Corrêa (in SIQUEIRA, 2009) critica a
Este trabalho foi realizado para, a princípio, servir como a apresentação que
compulsoriedade e imobilização do sistema escolar, alegando que a possibilidade de
acompanhava o artigo de minha defesa de Estágio Supervisionado IV na
obter prazer na experiência de conhecer, não só em arte, é severamente dificultada
Licenciatura em Artes Visuais na UFSM. No entanto, creio ter atingido, através das
por estas características instituídas.
imagens, melhor clareza do que com o texto.
A rebeldia e desinteresse adolescentes que transparecem nos relatos sobre este
A linguagem das histórias em quadrinhos (HQs) foi minha escolha para abordar
estágio não são sem-causa, ao mesmo tempo, não se dão somente como reação à
questões das artes visuais nesta experiência docente, devido à pesquisa que já há
educação escolar. Há uma crescente diversidade de práticas e artefatos dentro da
alguns anos desenvolvia sobre o tema, e também por crer que o ato de criar e narrar
cultura contemporânea com potencialidade tanto para educar quanto para
histórias através de imagens seria bem-vindo entre adolescentes. Entendi, já nos
deseducar, e a perspectiva da cultura visual (HERNÁNDEZ, 2009, CHARRÉAU,
primeiros meses lecionando para uma oitava série da Escola Augusto Ruschi, que
2007) nos mostra que há como problematizar, ver, perceber até onde estamos
estes educandos não se identificam como eu previa com a forma narrativa escolhida.
sendo doutrinados por uma ideologia hegemônica ou aprendendo algo proveitoso,
No primeiro semestre foram trabalhadas algumas linguagens da arte através da HQ:
mesmo através dela.
uma proposta de narratividade livre, uma pouco compreendida de criação alegórica, a apropriação dadaísta através da colagem, o desenho linear através da caricatura e
A visualidade cotidiana está carregada de ícones que alimentam nosso imaginário com impressões a serem interpretadas, digeridas. Podemos dizer que os
artefatos da cultura visual possuem grande influência em nossos meios de ver o
TAMBÉM CONSULTADOS
mundo e de agir em relação a ele. No entanto, em alguns momentos da história,
humanidade desacreditar de certas formas de arte, generalizá-las como “influências
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. Trd. José Lino Grünnewald. In A Idéia do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. pp. 5595.
nefastas”, como é o caso da história em quadrinhos. Como em toda forma de arte,
CIRNE, Moacy. A explosão criativa dos quadrinhos. Petrópolis: Vozes, 1970.
encontramos exemplos de histórias que, ao serem lidas sem uma adequada contextualização, podem desvirtuar valores, ser mal-interpretadas ou reforçar a
EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial. Trd. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
alienação hegemônica, mas também se pode ver esta linguagem como um vasto
. Narrativas Gráficas. Trd. Leandro Luigi. São Paulo: Devir, 2005.
pessoas amargas e conservadoras utilizaram esse mesmo argumento para fazer a
campo de possibilidades artísticas, expressivas, ou comunicativas. O caráter misto da HQ, a junção entre texto e imagem, que demonstra a diluição contemporânea das fronteiras entre os meios artísticos (LUYTEN, 1985), serviu como ponto de partida para o trabalho desenvolvido no segundo semestre, onde busquei dar continuidade às propostas que obtiveram melhor aceitação: a intervenção no espaço escolar, pautada em um pouco de pesquisa e de apreciação
HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da Cultura Visual: Propostas para uma nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007. LUYTEN, Sonia M. Bibe. Mangá: O Poder dos Quadrinhos Japoneses. 2ª. ed. São Paulo: Hedra, 2000. MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. Trd. Hélcio de Carvalho, Marisa do Nascimento Paro. São Paulo: Makron Books, 1995.
artística, a criação narrativa fotográfica e a expressão através do desenho e da
. Reinventando os Quadrinhos. 2000, Trd. Roger Maioli. São Paulo:
palavra oral. Nessa narrativa visual, realizada na linguagem da fotonovela, comunico
M.Books, 2006.
alguns dos problemas encontrados no percurso e das alternativas por mim
MENDONÇA, João Marcos Parreira. O Ensino da Arte e a Produção de Histórias em Quadrinhos no Ensino Fundamental. Dissertação, Universidade Federal de Minas Gerais: 2006.
encontradas para contorná-los, assim como as interessantes potencialidades artísticas descobertas dentro dessa turma de oitava série. Também cito momentos
MOYA, Álvaro de. (org.) Shazam! São Paulo: Perspectiva, 1977.
chave de minha pesquisa e concluo procurando deixar no ar certas questões sobre a instituição escolar e seus problemas e possibilidades.
BIBLIOGRAFIA CITADA
PATATI, Carlos; BRAGA, Flávio. Almanaque dos quadrinhos: 100 anos de uma mídia popular. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
Fábio Purper Machado é formado em Artes Visuais: Licenciatura Plena em Desenho e Plástica na UFSM e atualmente cursa o Bacharelado em Desenho e Plástica e a Especialização em Tecnologias
CHARRÉAU, Leonardo. Imagem Global e Cultura Visual: Sobre o que se pode aprender no espaço mediático. Congresso Interncional: A Unicidade do Conhecimento. Universidade de Évora, 17 a 19 de Maio de 2007.
da Informação e da Comunicação Aplicadas à Educação. Membro do GEPAEC (Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura) e do Coletivo de Ações Artísticas (Des)Esperar, ministra oficinas de artes visuais com ênfase na narratividade e trabalha com escultura, ilustração, quadrinhos,
HERNÁNDEZ, Fernando. Da alfabetização visual ao alfabetismo da cultura visual. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Orgs.) Educação da CulturaVisual – Narrativas de Ensino e Pesquisa. Edufsm: Santa Maria, 2009. pp. 213-240. LUYTEN, Sonia M. Bibe. O que é História em Quadrinhos. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1985. SIQUEIRA, Juliano Reis. Aprendizagem da Arte e Formação de Educadores. Dissertação. Santa Maria: UFSM, 2009.
cenografia, criação gráfica, edição de vídeo e traduções entre língua inglesa e portuguesa.
Assim foi apresentado esta narrativa visual em Goiânia no III Seminário Nacional de Pesquisa em Cultura Visual, ocorrido entre 9 e 11 de junho de 2010, na Faculade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV-UFG). Aqui revisado e atualizado, o texto introdutório do trabalho se encontra nos anais do evento, entre as páginas 1648 e 1651. ISSN:1983-1919.
Os termos utilizados em opiniões expressadas demonstram certo “rancor” com a educação formal, que hoje pode ser considerado superado, sendo que em minha produção textual posterior, e na própria apresentação oral do trabalho, busquei, através da perspectiva da oficina e da educação libertária, lidar com mais cautela com as falhas encontradas no ensino institucionalizado. Empreendi tal mudança em respeito à dedicação observada em diversos profissionais da desvalorizada escola pública brasileira em humanizar este sistema, em especial nas experiências realizadas dentro do Projeto Escola Aberta, entre elas o grupo de hiphop CZO (Conexão Zona Oeste), desenvolvido na mesma instituição, e no apoio por mim recebido ao propor uma oficina de quadrinhos na Escola Edna May Cardoso, também da cidade de Santa Maria.
Fábio Purper Machado, 2010. symptomamundi.blogspot.com arte-hq-interdisciplinar.blogspot.com des-esperar.blogspot.com