5 minute read

Legislação

Next Article
Modernize

Modernize

A inadequação técnica

O governo do Presidente Bolsonaro tem sido afetado pela baixa capacidade técnica de alguns de seus ministros

Advertisement

Texto: Deputado Federal Ricardo Izar

Podemos exemplifi car, sem medo de errar, que esse problema tem causado ao Secretário Geral de Desestatização, Salim Mattar, momentos difíceis. Considerada área estratégica quando da sua criação pelo Ministério da Economia, as privatizações e concessões de estatais defi citárias ou que oneram o contribuinte não ocorrem muito em função do retrocesso institucional a que os ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente têm se dedicado. Suas gestões têm isolado e manchado diariamente a imagem do país no cenário internacional, tornando improváveis o alcance de metas relativas à entrada de capital estrangeiro no país. Enquanto o Ministro Ernesto Araújo aposta em um discurso de polarização ideológica sintonizada a posturas do governo norte-americano, parceiro idolatrado da atual gestão federal, o Ministro Ricardo Salles investe no desmonte de políticas de preservação de ecossistemas brasileiros e seus instrumentos de fi scalização, envergonhando o país mundialmente. Com amigos assim, para que inimigos?

No dia 02 de julho deste ano, mais de duas toneladas de materiais de combate ao coronavírus foram doadas pelo embaixador chinês ao Brasil. A cerimônia online – importante frisar – contou com a presença de parlamentares e assessores do governo. O Ministro das Relações Exteriores? Ausente. Tal desfeita diplomática, tão simples de evitar em uma cerimônia virtual, só intensifi ca o desgaste criado entre Brasil e China, iniciado em março deste ano com acusações sem provas feitas por um parlamentar de que a potência asiática estaria omitindo ao mundo informações sobre o coronavírus. O embaixador DEPUTADO FEDERAL RICARDO IZAR

Economista, coordenador para o Sudeste da Frente Parlamentar em Defesa do Consumidor de Energia Elétrica e membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal, Presidente da Frente Parlamentar de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, Membro do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados

chinês respondeu a acusação indignado. O chanceler Ernesto Araújo, de quem se esperaria diplomacia, invocou o espírito do olavismo-trumpismo que lhe domina, exigindo do embaixador chinês retratação pública pela sua crítica ao parlamentar autor do imbróglio.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, interviu mais uma vez, com um pedido público de desculpas à China dizendo que essa “atitude não condiz com a importância da parceria estratégica Brasil-China e com os ritos da diplomacia”. A postura bélica do Ministro não se restringe à potência asiática. Europa e Israel já criticaram duramente Ernesto Araújo pela sua falta de tato diplomático em declarações indigestas. O embaixador do Irã no Brasil, por exemplo, já realizou videoconferências com a Ministra da Agricultura Tereza Cristina e com o Vice-Presidente Hamilton Mourão, sem contudo demonstrar disposição para conversar com o chanceler, dada sua exagerada sintonia à cartilha norte-americana. Além disso, a insistência pela mudança da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém tem acirrado os humores das relações comerciais e diplomáticas com a comunidade árabe. Na condição de presidente da Frente Parlamentar Brasil-Líbano, recebo diariamente reclamações de importantes parceiros do Oriente Médio que, desgostosos, repensam seus futuros empreendimentos. O histórico de constrangimentos provocados pelo ministro tem feito diplomatas experientes do ministério manifestarem imenso desconforto com sua gestão e sua política de assédio. O Itamarati infelizmente se transformou em um bunker ideológico.

Com o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles não tem sido diferente. Tornadas públicas suas declarações durante

reunião ministerial com o presidente Bolsonaro no dia 22 de abril, repercutiu muito mal na Comunidade Europeia a ideia de Salles de “passar a boiada” e flexibilizar ainda mais as leis ambientais no país. Coube à eurodeputada alemã do Partido Verde Anna Cavazzini a reflexão: “(…) a confirmação inconcebivel mente descarada de algo que o governo Bolsonaro está fazendo há semanas: desmantelando passo a passo os regulamentos de proteção da Amazônia, enquanto o mundo combate o coronavírus”. Aqui no Brasil, sabemos que o ataque de Ricardo Salles não se restringe apenas à Amazônia. O Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e outros delicados ecossistemas brasileiros, funda mentais ao bem-estar do país e do globo, estão na mira do antiministro do meio ambiente. A fala de Ricardo Salles deu resultado: a proposição para que o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia não seja ratificado. Três parlamentos nacionais europeus já votaram contra a ratificação. Centenas de ONGs têm protestado contra a cooperação com o Brasil, havendo agora também a intenção de bancos, fundos e empresas de retirarem seus inves timentos do país se as mazelas ambientais não forem controladas. Em carta aberta enviada ao governo brasileiro, 29 bancos e fundos globais detentores de um total de 3,75 trilhões de dólares em ativos expressaram apreensão pelo aumento do desmatamento na Amazônia, o declínio da política ambiental e de direitos humanos do país. Importante lembrar que já tivemos em agosto de 2019 a suspensão por parte do Ministério do Meio Ambiente Alemão de cen tenas de milhões de reais para financiamento de projetos para a proteção da biodiversidade na Amazônia.

O caso do Ministro do Meio Ambiente é especial. Condenado por adulteração e fraude em um plano de manejo de Área de Proteção Ambiental paulista quan do Secretário do Meio Ambiente – o que já deveria ser suficiente para não torná- -lo ministro -, Ricardo Salles teve recém interposta uma ação de improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal. Na ação, 12 procuradores pedem o afastamento do ministro do cargo em caráter liminar, além de sua condenação em penas previstas no documento. Para o MPF, Salles promove de forma dolosa a desestruturação de políticas ambientais e o esvaziamento de preceitos legais, favorecendo interesses que não têm qualquer relação com a finalidade da pasta. O desmonte de Salles do sistema de proteção ambiental incentivou o aumen to do desmatamento, de queimadas, grilagem de terras e de garimpos ilegais (fiscalizados e regulamentados pela Agência Nacional de Mineração de forma extremamente morosa e corrupta). Tudo isso só tem piorado a imagem do país no exterior. Não por menos ficou famosa a expressão de que o Brasil tem hoje dois ministros da Agricultura e nenhum ministro do Meio Ambiente.

Antes visto como uma referência internacional, tanto em termos de mercado como em questões de meio ambiente, diplomacia e saúde, o país vai con quistando hoje uma posição marginal no cenário de discussões e interesses globais. Já não bastasse termos de enfrentar uma pandemia que ceifou mais de 65 mil vidas, uma recessão econômica em visível formação, temos dois ministros que dedicam-se a destruir pontes previamente construídas ao longo de governos anteriores das mais variadas cores políticas. O aporte financeiro sustentável, transparente e justo, é fundamental para o país. Contudo, par ceiros do exterior sinalizam incredulidade sobre a segurança jurídica do país e consideram descartá-lo como possibilidade de negócio. Por melhores que sejam as intenções do presidente Bolsonaro, penso que o Brasil precisa hoje buscar urgentemente novos atores para essas pastas. Como disse recente mente o diplomata e jurista Rubens Ricupero, “Poucos países perderam tanto a reputação como o Brasil”. Infelizmente, tudo sempre pode ser pior. 

This article is from: