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Comportamento
Você tem medo
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de quê?
O medo é uma reação natural diante de algum perigo, porém, em alguns casos, ele pode se tornar um problema e atingir a qualidade de vida
Texto Heloiza Helena C. Zanzotti Fotos: Arquivo pessoal
Quem não tem medo de alguma coisa nessa vida? Se pararmos para pensar, vamos descobrir que muitos de nós temos medo de coisas banais, muitas vezes sem justifi cativa aparente. Eu, por exemplo, confesso a você, leitor, que tenho medo de barata. Mas não pense você que é esse medo comum, não. É uma coisa apavorante, e já passei por muitas situações inusitadas por causa de uma simples (não para mim) barata. Para você ter uma ideia do que falo – e fi co até envergonhada - confesso que tenho medo até de barata morta. Você provavelmente vai rir, mas é a pura verdade!
Muitas situações pelas quais passamos podem desencadear o medo, desde se deparar com uma barata até ter um revólver apontado para sua cabeça.
DEFININDO O MEDO
Para Gabriela Parice Corrêa Leite, 26, psicóloga, o medo é uma emoção natural que todos os seres humanos sentem; também uma sensação desagradável e um estado emocional desencadeado por uma situação ou percepção de perigo, podendo ser real ou imaginário. “Quando o nosso cérebro identifi ca alguma situação de risco, ele automaticamente é ativado, e com isso alguns sintomas físicos são desencadeados como aceleração da respiração, alteração do sono, aumento do batimento cardíaco, tremores, sudorese, coração acelerado e falta de ar”.
Gabriela explica que há diferentes tipos de medo: os medos reais e os irreais. “Os medos reais são aqueles que estão associados a situações que oferecem riscos reais, como atravessar a rua sem olhar se está vindo um carro. É esse tipo de medo que nos faz pensar antes de agir. Já os medos irreais são aqueles criados pela mente humana e impossibilitam que o sujeito explore todo seu potencial, como o medo de ser rejeitado, por exemplo”.
MEDO E FOBIA
Apesar de serem confundidos, fobia e medo são muito diferentes e o limite entre os dois está na intensidade com que eles aparecem. De acordo com a psicóloga, o medo é uma resposta a algo real, ou seja, diante de uma ameaça nós nos protegemos. “Quando o medo nos domina, ele passa a ser uma fobia, como por exemplo, eu posso ter medo de altura, porém, consigo andar de elevador. Quando esse medo se transforma em fobia eu não consigo andar de elevador, desencadeando a acrofobia, que é o medo intenso de altura. Lembrando que fobia o indivíduo não consegue controlar, pois consiste em um transtorno mental ansioso que chega ao ponto de incapacitar a pessoa”, esclarece.
Entre as fobias, as mais comuns são a fobia social, que é o medo irracional de ser julgado e rejeitado; a claustrofobia - medo de lugares fechados, apertados, desconhecidos; aracnofobia - medo intenso de aranha; acrofobia - medo de altura; cinofobia - medo intenso de cães; aerofobia - medo de voar.
QUANDO O MEDO É POSITIVO
A psicóloga esclarece que existe um sistema que se chama reação do medo, que é acionado toda vez que estamos em risco, como por exemplo, ao atravessar a rua olhamos de um lado e do outro, ou seja, o sistema do medo detecta se estamos em perigo e, assim, atravessamos a rua com segurança. “Desse modo, o medo é necessário para nossa sobrevivência, pois é através dele que conseguimos nos proteger do perigo e diminuir os riscos de vida. Também é ele que faz com que prestemos mais atenção para não fazermos bobagens, nos tira da zona de conforto e nos faz correr atrás de novos desafi os”, pontua.
QUANDO O MEDO PASSA A SER UM PROBLEMA?
Quando não conseguimos controlar nosso medo, ele pode nos paralisar ou levar a quadros graves de ansiedade e síndrome do pânico. “Apesar de necessário, o medo passa a ser um problema quando o indivíduo paralisa ou tenta fugir, a ponto de fi car impedido de fazer coisas comuns do dia a dia, como deixar de andar de carro por medo de acidente, deixar de sair de casa por temer alguma violência, deixar de viajar de avião por ter medo de altura, deixar de se relacionar com as pessoas ou até deixar de trabalhar, ou seja, o medo passa a ser um problema quando leva a pessoa ao adoecimento”, argumenta a profi ssional.
A RELAÇÃO ENTRE MEDO E ANSIEDADE
O termo medo vem do Latim metus, que signifi ca “temor, inquietação, ansiedade”. Assim, medo e ansiedade estão interligados, como explica Gabriela: “não tem como dizer que uma pessoa que é ansiosa não é medrosa. Medo e ansiedade estão ligados à nossa sobrevivência; a diferença é que o medo é concreto e imediato, e a ansiedade é subjetiva, é uma reação emocional a um possível perigo futuro, real ou imaginário; uma sensação desagradável de tensão e apreensão”. Em outras palavras, a ansiedade é um sentimento produzido pela incerteza de que o perigo existe, fazendo antecipar um perigo futuro que pode ou não acontecer.
O MEDO PODE SER TRATADO?
Bruna Cosenza, escritora, autora de “Sentimentos em comum”, lembra que alguns medos e fobias são decorrentes de situações que aconteceram lá na infância. “Às vezes, um trauma pode ter desencadeado um medo que você mesmo não sabe explicar”, argumenta. Aqui, leitor, dou uma pausa para dizer que acredito que isso explique o meu medo de barata – minha mãe também tinha esse pavor!
A terapia é uma maneira muito efi caz de trabalhar os seus medos com a ajuda de um profi ssional capaz de conduzir diálogos construtivos. A psicóloga Gabriela reforça que o medo pode, sim, ser tratado com ajuda de um profi ssional através da psicoterapia, uma vez que o medo geralmente é associado a algo mais profundo e um profi ssional poderá ajudá-lo a explorar isso. “Você também pode deixar de alimentar o seu medo enfrentando-o; quando você não enfrenta, o medo aumenta, e passa a controlar você”, conclui.
MEDO DE ÁGUA
Aline Fernanda da Silva Paris, 35, corretora de imóveis, tem pavor de águas correntes, praia, cachoeiras. “Há alguns anos, quando conheci a praia, todos os meus amigos foram para o mar e eu me senti amarrada, não consegui nem molhar os pés”. Ela acredita que esse medo foi desencadeado na infância. “Minha mãe conta que eu caí de um cavalo, junto com a minha avó, em um rio. Então, nessas situações, eu me sinto impotente, insegura e com muito medo. É algo que nos paralisa e nos priva de termos algumas sensações únicas. Eu já voltei à praia diversas vezes, mas nunca entrei”.
ENTENDENDO E ENFRENTANDO
Fábio Rodrigues de Moraes, 63, advogado, conta que de repente começou a sentir medo de tudo, sem explicação lógica. “Sentia medo de exercer a profi ssão que exerço há 38 anos, de ir ao fórum, de sair na rua. Começou a aparecer um medo incontrolável, sentia um mal estar no corpo, geralmente no abdômen, também piscava muito, às vezes chegava até a embaçar a visão, sempre com receio de tudo”. Ele começou a estudar o assunto, analisar a situação e percebeu que levava uma vida muito corrida, estressada. “Tomava conta de muitas coisas ao mesmo tempo, anos seguidos, décadas seguidas”.
A partir daí, Fábio procurou diminuir o ritmo e descobriu através de muita pesquisa que a melhor maneira de acabar com o medo seria enfrentando. “Conversei com uma pessoa muito amiga, por sinal meu sócio, que teve isso também anos atrás, e ele falou que isso que eu tinha era pânico. Eu tinha medo de sair na rua. Não tinha perigo nenhum, minha vida estava ótima, excelente, não tinha porquê ter medo. Então fui observando meu comportamento, fi z uma autoanálise, foi difícil no começo, mas depois que eu saía dessa zona do medo e fazia aquilo que eu tinha medo, ele desaparecia, e eu voltava a me sentir bem”.
MUITA FORÇA DE VONTADE
Fábio conta que não tomou nenhum remédio e não procurou um especialista. “No meu ponto de vista, o medicamento faz uma maquiagem, e eu também não queria fi car dependente de remédios, porque qualquer medinho que eu sentisse ia tomar medicamento e estaria mascarando o meu pânico. Diminuí a intensidade da minha vida, procurei sair, me divertir mais, conversar mais com pessoas e notei que foi passando. Sempre fui uma pessoa alegre, bem humorada, e isto estava me tirando a alegria de viver. Eu já não tinha prazer em quase nada e procurei forçar a situação porque eu queria voltar a ser a pessoa que eu era antes. Graças a Deus fi quei livre disso. Mas foi a determinação que eu tive um dia, quando decidi que estava cansado daquilo. Nunca fui assim, isto estava tornando minha vida sem alegria, sem cor”.
UMA NOVA VISÃO SOBRE O MEDO
Para o advogado, o medo não é uma emoção, é uma sensação. “Há uma grande diferença. Aprendi isso com um espírita que já não está mais entre nós, o Luiz Antonio Gasparetto. Essa sensação de medo vem geneticamente das cavernas, segundo ele, quando o tipo de vida era outro. Não sei diferenciar se é uma cadeia genética biológica ou espiritual - que também existe - mas dá para ser enfrentado, basta ter determinação.
Se você me perguntasse do que eu tinha medo, responderia: não sei, minha vida está boa, família tudo bem, não tinha porque ter medo. Mas vinha e batia legal. Só que não aceitei fi car nessa situação”. Ele afi rma que hoje tem uma outra visão do medo. “É uma coisa que não me afeta mais e, lógico, também não faço nada para correr perigo e ter medo”.
MAIS QUALIDADE DE VIDA
De acordo com Fábio, depois que passou por esta crise de pânico, que durou uns dois ou três anos, sua vida melhorou. “Estou mais resoluto, falo o que penso para quem quer que seja, sem medo de represálias, sem medo de acharem que sou sem noção ou mal educado, acho que a verdade tem que ser dita. A cura do pânico me trouxe isto, não tenho medo de mais nada. Também revi todas as minhas crenças, as que aprendi desde a infância, analisei e vi que estavam muito ligadas a isso, ao pânico. Então reformulei tudo, joguei muitas fora, não acredito em muitas coisas que nos é dito na infância e que depois pesa na idade adulta. Eu me desfi z de todas essas crenças limitantes, em todos os sentidos. Fiquei muito melhor depois que enfrentei isso sozinho, mas infelizmente tem pessoas que precisam dessa ajuda”, fi naliza.
PÂNICO, ANSIEDADE E IMPOTÊNCIA
Débora Piruzini, designer de comunicação e responsável pelas ações de mídia social aqui na Energia, tem verdadeiro pânico quando precisa enfrentar alguma situação que envolva agulha. Quando recebeu uma mensagem no grupo de WhatsApp da família perguntando se todos estavam com a vacinação completa, ela comentou: “Ao responder que estava aguardando um acompanhante para a receber a dose extra da vacina, pensei: poxa, quantas pessoas não tiveram a mesma oportunidade que estou tendo! Muitos consideram esse pânico de agulha uma frescura ou medo bobo, mas o medo aterroriza e se você acha pequeno, espera para ver o que acontece quando damos importância - ele aumenta e cresce o desespero. Tudo pode dar errado, potencializando dores e situações. Para mim, o medo é a combinação de ansiedade e impotência. É assim que me sinto quando sou submetida a qualquer procedimento com agulha”.
EXPLICAÇÕES NA INFÂNCIA
Débora conta que já fez terapia para lidar com esse medo e todas as vezes, segundo ela, volta à fase de gestação da sua mãe. “Ela estava em pânico no meu nascimento. Na verdade, queria me manter ali dentro, protegida. Minha mãe estava afl ita se eu nasceria com algum defeito físico ou mesmo sem vida, devido à sua gestação anterior, quando meu irmãozinho nasceu sem a caixa cefálica e não resistiu após o terceiro dia de vida. Como se isso não bastasse, meu pai estava indo para o centro cirúrgico, para uma cirurgia de emergência, com grande risco de não sobreviver. Suas palavras colocando as mãos na barriga da minha mãe foram: cuide bem da nossa Débora - foi neste momento que decidiram o meu nome. Ele resistiu à cirurgia e, sim, conseguiu me segurar em seus braços”.
EQUILÍBRIO E MEDITAÇÃO
A designer lembra que a mãe sempre tinha que contornar as visitas ao pediatra, algumas vezes com o atendimento em casa. “Hoje, quando preciso de medicação ou coleta de exames, tenho que me acalmar e permanecer deitada para continuar o procedimento. Alguns profi ssionais são compreensivos, outros, nem tanto, o que piora bastante o quadro de pânico. Preciso me concentrar e dedicar um tempinho meditando quando preciso passar por qualquer procedimento que envolva agulha. Graças a Deus nunca fui submetida a algum tipo de cirurgia e me cuido também, para minimizar problemas de saúde. Sei que tudo isso se passa aqui, dentro da minha cabeça, e quando consigo dominar, com muito equilíbrio e meditação, fi ca mais leve, fácil e rápido realizar um exame. Nem sempre é fácil, mas tento relaxar, juro!
Ela deixa um recado às pessoas: “Da próxima vez que alguém estiver passando mal ao seu lado, seja paciente, converse, acalme e aguarde até a crise passar. Seja empático, pois nunca sabemos o gatilho ou até mesmo o motivo que despertou o pânico. Em meio à pandemia, mudamos nossa rotina. Fortalecemos em alguns aspectos, outros, ainda engatinhamos para a evolução espiritual e inteligência emocional”.
DICAS PARA LIDAR COM O MEDO
1. Aceite os seus medos - é importante ter clareza e aceitar essa emoção. 2. Cultive pensamentos positivos – nunca pense que é difícil demais ou impossível superar. 3. Converse sobre os seus medos – não tenha medo de expor seus sentimentos. Fale deles com seus amigos e familiares. 4. Foque na sua respiração – a respiração tem ligação direta com o seu estado emocional. Respirar fundo e ter controle sobre o ar que entra e sai pode ser muito efi caz nesses momentos. 5. Faça meditação - a meditação é uma ótima maneira de começar a trabalhar a sua respiração e o foco no presente. 6. Faça terapia - nem todos nós somos capazes de superar o medo exagerado por conta própria, além disso, alguns medos e fobias são decorrentes de situações que aconteceram lá na infância. Às vezes, algum trauma que você viveu desencadeou um medo que você mesmo não sabe explicar.