Radionovelas Educativas: em defesa dos direitos da criança e do adolescente

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Centro Artístico Cultural Belém Amazônia ONG Rádio Margarida

PROJETO

Radionovelas Educativas: em defesa dos direitos da criança e do adolescente

RELATÓRIO DE PESQUISA

Belém - PA 2010


Centro Artístico Cultural Belém Amazônia ONG Rádio Margarida

RELATÓRIO DE PESQUISA REFERENTE AO KIT EDUCATICO:

Radionovelas Educativas: em defesa dos direitos da criança e do adolescente

Coordenador da Pesquisa: Prof. Dr. Osmar Pancera Pesquisadora: MSc. Mirian da Silva Salomão Bolsista de Graduação: Erika da Silva Godinho Colaboradoras: Elaine Batista Eugenia Melo Carmen Rita C. de Lima

Belém - PA 2010 2


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: Premissas...................................................................................................................4 OBJETIVOS DA PESQUISA................................................................................................................6 PARTE I. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA................................................................7 1.1. Universo..................................................................................................................................7 1.2. Coleta de dados......................................................................................................................9 PARTE II. ANÁLISE DOS DADOS.....................................................................................................10 2.1. A utilização do Kit Radionovelas Educativas..........................................................................10 2.2. O Kit Radionovelas Educativas: construindo alternativas à sensibilização e divulgação dos direitos da criança e do adolescente......................................................................................13 2.3. A Institucionalização do Kit Educativo....................................................................................15 2.4. A contribuição do Kit Educativo na defesa e promoção dos direitos da criança e do adolescente............................................................................................................................18 2.4.1. Transmissão das informações sobre as temáticas.........................................................18 2.4.2. Clareza das informações contidas no Guia de utilização................................................20 2.4.3. Entendimento sobre as temáticas...................................................................................22 2.4.4. Diálogos e trocas de experiências..................................................................................24 2.4.5. A manifestação dos sentimentos....................................................................................25 2.4.6. A efetivação de ações transformadoras..........................................................................27 CONSIDERAÇÕES GERAIS..............................................................................................................31 REFERÊNCIAS...................................................................................................................................33

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INTRODUÇÃO: Premissas

O Centro Artístico Cultural Belém Amazônia, ONG Rádio Margarida, criado de fato em julho de 1991 e de direito em novembro de 2002, traz em sua bagagem um conjunto de práticas educativas em arte, educação, cultura, produção de eventos, campanhas, projetos e programas sociais criados e desenvolvidos a partir do olhar atento a realidade, no sentido antecipatório de políticas sociais (PANCERA, 2009, p. 74), atuação em redes sócioambientais, sistemas de garantia dos direitos da criança e do adolescente, bem como na realização de parcerias por meio de participação em editais, convênios e contratação, junto a parceiros públicos e privados. Uma história de práticas e vivências profissionais que reúne artistas, intelectuais, cientistas, técnicos, artesãos, operários e tantas outras pessoas que colaboram no processo da práxis artístico-cultural, por meio do método de educação popular adotado pela ONG, a fim de viabilizar uma ação transformadora da realidade socioeconômica, política e ambiental na qual se atua. É nessa perspectiva que se desenvolve e registra-se o Projeto Radionovelas Educativas: em defesa da criança e do adolescente1, realizado pela ONG Rádio Margarida em sua primeira versão no ano de 2007 a 2008, junto à 45 organizações que atuam direta ou indiretamente na área da criança e do adolescente na região metropolitana de Belém. No período inicial de doze meses, de maio de 2007 (seminário) a junho/julho de 2008 (oficinas de capacitação), 120 agentes sociais, entre técnicos, professores, educadores sociais, lideranças comunitárias e jovens de organizações governamentais e não governamentais dialogaram sobre questões e vivencias da violência contra criança e adolescente na Região Metropolitana de Belém. A culminância desse processo resultou na produção de um Kit Educativo composto por um CD – de radio novelas, spots e músicas – e um Guia de utilização deste CD. Por compreender o alcance do método de educação popular da ONG, destacadamente pela utilização desta tecnologia social de rádionovelas educativas no enfrentamento à violação de direitos da criança e do adolescente é que a Rádio Margarida, se propôs a realizar a presente pesquisa, a fim de mensurar de que meios e formas o Kit Educativo vem sendo utilizado pelas instituições e agentes sociais que o receberam e quais os seus desdobramentos na prática destas instituições e agentes. Para esclarecer acerca da natureza do que é pesquisado e da relevância do estudo, pergunta-se o seguinte: O Kit 1

Projeto financiado pela PETROBRAS

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tem sido incorporado ou vem sendo utilizado de maneira institucional como material educativo na prática das instituições participantes do projeto Rádionovelas? Os agentes sociais, capacitados pelo projeto vem utilizando o kit, sob a perspectiva dos três eixos da metodologia desenvolvida e utilizada pela Rádio Margarida: Comunicação, Sentimento e Ação Transformadora? Quais os impactos e apropriação desses instrumentos de comunicação e educação nas ações de defesa e promoção de direitos de crianças e adolescentes na Região Metropolitana de Belém (PA). Nossas indagações como entidade comprometida com a defesa dos direitos da criança e do adolescente que desenvolve processos educativos por meio de um método próprio de educação popular, vão além do que está posto nos registros internos da Rádio Margarida, que revelam ser o Kit Educativo um instrumental importante para realização de práticas educativas, ultrapassado os marcos dos princípios de defesa dos direitos da criança e do adolescente e se viabilizando como ferramenta na mediação de conflitos sociais para além das fronteiras territoriais da Região Metropolitana de Belém e ganhado tempo e espaço nas instituições de tantos outros municípios do Estado do Pará e em outras regiões do Brasil. Para a ONG Rádio Margarida distribuir esse material educativo é tão importante quanto comprovar sua utilização e seus rebatimentos no enfrentamento à violência contra criança e adolescente. Ainda que este estudo focalize-se apenas na Região Metropolitana de Belém, isso não nos tem impedido de sermos demandados, por outros municípios e regiões do Brasil, os quais vem solicitando o recebimento do Kit Educativo.

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OBJETIVOS DA PESQUISA

Objetivo geral:

Analisar experiências institucionais e individuais no uso do Kit Educativo produzido pelo “Projeto Radionovelas Educativas - Em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente”, para uma mensuração da eficiência, eficácia e apropriação desses instrumentos de comunicação e educação nas ações de defesa e promoção de direitos de crianças e adolescentes na Região Metropolitana de Belém (PA).

Objetivos específicos:

- Levantar dados quanti-qualitativos gerais acerca da apropriação e utilização do Kit Educativo (composto de 1 CD contendo radionovelas, spots e músicas + Guia de Utilização do CD) produzido pelo referido projeto; - Aprofundar casos que focalizem o uso exitoso dos referidos instrumentos educativos e de comunicação, quanto a eficiência e eficácia da tecnologia; - Identificar dificuldades/entraves à utilização sistemática do Kit Educativo (no todo ou em parte); - Identificar desdobramentos significativos na utilização/circulação desses materiais de áudio produzidos pelo projeto; - Coligir dados que sirvam de subsídios a outras ações institucionais similares; - Ampliar a quantidade de informações para alimentação de banco de dados específico sobre o projeto em questão, bem como para socialização dos resultados, do uso e apropriação da tecnologia social, por meio de publicação eletrônica e/ou impressa.

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PARTE I. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Este tópico se ocupa dos procedimentos adotados no desenvolvimento da pesquisa da pratica social e da análise teórico-conceitual da utilização do kit educativo Radionovelas Educativas pelas instituições e agentes sociais que o receberam. Trata-se de uma pesquisa explicativa, de caráter quali-quantitativo, para uma mensuração da eficiência, eficácia e apropriação desses instrumentos de comunicação e educação nas ações de defesa e promoção de direitos de crianças e adolescentes na Região Metropolitana de Belém (PA). A investigação orientar-se-á pelo tripé que forma a base do método de Educação Popular praticado pela instituição responsável pelo projeto, Rádio Margarida, qual seja: 1. Comunicação 2. Sentimento 3. Ação Transformadora Essas categorias, por sua vez, estão de origem, interconectadas pela oralidade, como elemento primordial da transmissão de conhecimentos circulação de afetos, sentidos, informação, emoção, ação, transformação, entre outros. Desse modo, serão privilegiados os aspectos concernentes ao “falar”, ao “ouvir”, ao “sentir”, ao “agir e ao “modificar”, percebidos, pelos/as facilitadores/as capacitados/as “Projeto Radionovelas Educativas - Em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente” quando das ações (institucionais e/ou individuais) por eles/elas desenvolvidas, tendo como instrumentos os materiais de áudio produzidos e disponibilizados pelo projeto.

1.1. Universo da Pesquisa:

Em seu aspecto quantitativo:

Participantes do

Entrevistados (as)

Amostra da pesquisa

Projeto Instituições

45

27

60%

120

36

30%

(representantes) Agentes sociais

7


Em seu aspecto qualitativo:

Instituições Entrevistadas

Agentes entrevistados

1

Abrigo Euclides Coelho

Pedagogo

2

Associação Amigos da Terra Firme

Educadora social

3

CARITAS Brasileira – Programa Infância, Adolescência Socióloga e Juventude

4

Centro de Acolhimento Terapêutico e Social

5

Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – a) Pedagogo (2) CEDECA

Pedagoga

b) Assistente Social c) Educador Social

6

Centro Integrado de Atenção a vítima de Violência Coordenadora Sexual /PROPAZ

7

8

Centro de Referência em Assistência Social –

a) Educador Social

CRAS/Cremação

b) Terapeuta Ocupacional

Centro de Referência em Assistência Social – Educador Social CRAS/Icoaraci

9

Centro de Referência em Assistência Social – Pedagoga CRAS/Marco

10 Centro de Referência Especializado em Assistência Social – CREAS/Comércio

a) Socióloga b) Pedagoga c) Técnica

11 Centro Socioeducativo Feminino – CESEF

Educadora Social

12 Conselho Regional de Serviço Social – CRESS

Assistente Social

13 Companhia Independente Especial de Policiamento – Major CIEPAS (Batalhão da Polícia Ambiental) 14 Companhia de Polícia Especial de Proteção à Criança e Major ao Adolescente 15 Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Conselheiro Adolescente – CEDCA 16 Conselho Tutelar

Conselheiro tutelar

17 Defensoria Pública do Estado do Pará

a) Assistente Social b) Psicóloga

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18 Divisão de Atendimento ao Adolescente – DATA

Diretora

19 Escola Bosque

Professor

20 Fundação da Criança e do Adolescente do Pará –

a) Monitor

FUNCAP 21 Fundação Papa João XXIII – FUNPAPA

b) Educadora a) Educadora Social b) Pedagogo

22 Juizado da Infância e Juventude

Pedagoga

23 Polícia Rodoviária Federal

Agente (Policial)

24 Secretaria de Educação do Estado do Pará – Técnico em Educação Especial SEDUC/Unidade SEDUC na Escola 25 Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social – Assistente Social SEDES 26 Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais da Amazônia – SODIREITOS (ONG)

a) Coordenadora b) Técnica

de

Recursos

Humanos 27 Universidade Federal do Pará – Projeto Infância e Assistente Social Adolescência

Vale ressaltar que o universo da pesquisa, foi de 45 instituições e 120 agentes sociais. Os números aqui determinados correspondem a amostra concretizada. Dentre os diversos motivos pelos quais não foi possível garantir uma amostra maior do que a pretendida inicialmente da pesquisa estão: pouca disponibilidade de tempo por parte dos informantes articulados e o fato de haver outras prioridades institucionais (no que tange aos informantes).

2.3. Coleta de Dados

Para a coleta de dados a ONG Rádio Margarida fez uso das seguintes estratégias, por ordem de operacionalização: (1) contato telefônico; (2) envio do questionário pela internet; (3) protocolo qualificado; (4) agendamento de entrevistas presenciais (individuais e grupos focais).

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PARTE II. ANÁLISE DOS DADOS

2.1. A utilização do Kit Radionovelas Educativas

A produção do Kit Radionovelas Educativas não se constitui fruto da abstração idealista da ONG Rádio Margarida quanto às relações sociais, antes da idéia e lastro na realidade, nas práticas sociais, conexão entre o vivido e o pensado para a produção do conhecimento. Um conhecimento adquirido no diálogo realizado com os diversos atores sociais (pessoas e instituições) que trabalham na defesa dos direitos da criança e do adolescente e que agora, com a elaboração do Kit, é devolvido para o mesmo meio no qual veio sendo construído esse conhecimento, que traz em seu bojo o compromisso de modificar o meio no qual ainda existe a violação de direitos humanos e sociais, particularmente da criança e do adolescente, foco das ações desenvolvidas pela Rádio Margarida, no projeto Rádionovelas Educativas. Por entender que a adoção das linguagens artísticas e dos meios de comunicação favorece a construção de novos valores e referenciais de cultura em busca da elevação do senso comum a novos patamares de consciência e vida superior, é que a Rádio Margarida desenvolveu o Kit Educativo, uma ferramenta capaz de estimular as pessoas a refletirem sobre práticas, representações, manifestações e circunstâncias que determinam a vida cotidiana. Mediante essa compreensão deu-se início ao processo de coleta das informações para a pesquisa ora apresentada, no qual a primeira questão levantada com os entrevistados diz respeito à utilização do kit educativo. Como resultado dessa pergunta, 39% dos entrevistados (14 pessoas de 36) afirmaram ter utilizado o kit em processos de formação voltada para outros membros da instituição. Os outros 61% (22 pessoas de 36) dos entrevistados afirmaram ter utilizado o kit em atividades educativas com crianças, adolescentes, jovens e famílias, oriundos dos seguintes espaços: instituições públicas (programas e projetos sociais); universidades públicas e privadas (projetos de extensão); instituições eclesiásticas; e, organizações não governamentais. Sobre as ações dos entrevistados que utilizaram o Kit na formação de outros membros da instituição, bem como de instituições parceiras, esta ação corresponde ao compromisso que os participantes das rodadas de capacitação – realizada pela Rádio Margarida no Projeto Radionovelas Educativas – assumiram, no sentido de compartilhar com demais profissionais o conhecimento adquirido sobre trabalho infantil, violência doméstica e violência sexual contra criança e adolescente. A saber, alguns dos depoimentos a respeito:

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“Utilizamos o kit [...] na formação dos nossos companheiros analistas judiciários que trabalham nas varas de infância [...]; na vara de violência contra a criança [...]; o pessoal da vara de família e convidamos o comissariado da infância e juventude” (Pedagoga do Juizado da Infância e Juventude). (grifo nosso). “[...] utilizamos o kit numa primeira formação que foi feita com os professores de escolas públicas, tanto estadual como municipal, através da arquidiocese [...] participou o Conselho Tutelar e o Conselho de Direito [...]”. (Socióloga da CARITAS). (grifo nosso). “[...]Já utilizamos em capacitação em outros municípios em parceria com o UNICEF2 e com a SESPA3 para profissionais da área da saúde. Utilizamos também com conselheiros tutelares dos municípios de Altamira, Santarém, Barcarena e Abaetetuba [...]”. (Coordenadora do PROPAZ). (grifo nosso). “[...] utilizamos o kit [...] com os profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social nos municípios onde a gente trabalha”. (Assistente Social do CEDECA). (grifo nosso). “Nós utilizamos o Kit na capacitação do corpo todo, porque não adiantava capacitar só uma parte do grupo e o restante ficar olhando. Tinha que haver um envolvimento de todo mundo”. (Major da Companhia de Polícia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente). (grifo nosso).

Para garantir a defesa dos direitos de crianças e adolescentes é indispensável a capacitação dos profissionais que desenvolvem ações – seja qual for a natureza – com esse público. Contudo, é sabido que a falta de oportunidades, bem como de investimentos, em capacitação nessa área é uma realidade na prática de muitos profissionais, o que compromete, inclusive, a percepção desses profissionais, nos casos de violação dos direitos da criança e do adolescente, bem como dificulta a intervenção qualificada, conforme é ressaltado no depoimento abaixo: “[...] a gente sabe que alguns educadores não têm essa percepção ainda [...] aquele profissional que nunca discutiu isso vai ter dificuldades quando a criança for levar o problema, ele não vai ter como solucionar. Mas depois de conhecer o kit ele já vai saber como funciona o conselho tutelar, pra que serve a DATA [...].” (Major da Polícia Ambiental - CIEPAS). (grifo nosso).

Sobre as ações dos entrevistados que utilizaram o Kit em atividades educativas voltadas para crianças, adolescentes, jovens, famílias e comunidades – inseridos em programas, projetos sociais e ações desenvolvidos por instituições públicas; projetos sociais executados por instituições eclesiásticas; projetos de extensão universitária; projetos desenvolvidos por 2 3

The United Nations Children's Fund/ Fundo das Nações Unidas para a Infância. Secretaria de Estado e Saúde Pública do Pará.

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instituições não governamentais – destacam-se consideravelmente a realização de oficinas, palestras e ciclo de debates, conforme revelam os depoimentos dos entrevistados: “No JEPIARA4 a gente desenvolve o trabalho com o Kit ministrando oficinas para jovens e adolescentes nos municípios de Breves, Portel, Bragança no que se refere à questão da prevenção [...] a partir de então eles se tornam agentes multiplicadores”. (Pedagoga do CEDECA). “[...] utilizamos o Kit num terceiro momento nas escolas com os alunos e com a comunidade, têm muitos projetos na Prelazia com crianças e famílias; num quarto momento, vamos dizer assim, com as famílias, a comunidade e o pessoal das escolas em forma de oficinas, fizemos um ciclo de debate com as temáticas abuso e exploração sexual [...]”. (Socióloga da CARITAS) “[...]Nós utilizamos nas palestras que fazemos em escolas, em algumas instituições das universidades públicas e privadas [...]”. (Coordenadora do PROPAZ). “Esse Kit atende três demandas na instituição: juventude do Projovem Adolescente; crianças do PETI5 e Projovem. O trabalho se dá quanto à prevenção tanto para a família como para o jovem, o adolescente e a criança”. (Educadora Social do Centro de Referência em Assistência Social – CREAS - Comércio). “[...] a gente utiliza o kit, os spots, por exemplo, antes de palestras de exploração sexual. Também as músicas, na ambientação antes das palestras [...]” (Agente da Polícia Rodoviária Federal). “Eu utilizei o Kit [...] em palestras e oficinas educativas por seis meses junto à famílias de adolescentes onde a violência doméstica era algo predominante” (Educadora da Associação Amigos da Terra Firme).

Mediante esses depoimentos, é válido salientar que a formação para a apropriação e utilização do Kit Educativo é importante tanto para quem a realiza como para o individuo que a recebe. Primeiro porque se constitui numa relação de troca de vivências e saberes; segundo porque fortalece a unidade de conteúdos éticos, políticos e concepção de mundo, bem como sela o compromisso entre as pessoas na edificação do alicerce para elevação do senso comum, em busca de uma consciência crítica. Destaca-se nesses depoimentos além das instituições, projetos/programas sociais e público usuário da tecnologia social, expressões que revelam a eficiência e eficácia da utilização do kit: “onde a violência doméstica era algo predominante” (Educadora da Associação Amigos da Terra Firme).

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O Projeto 'Jepiara', atua no combate à exploração sexual no Pará. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

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2.2. O Kit Radionovelas Educativas: construindo alternativas à sensibilização e divulgação dos direitos da criança e do adolescente

O Kit Educativo tem alcançado comunidades marcadas pelo isolamento geográfico e pela carência de oportunidades. São comunidades de realidades diversas e adversas; pessoas com pouca instrução e raras possibilidades de acesso ao conhecimento e à informação. Situações estas que favorecem, muitas vezes, a violação de direitos de crianças e adolescentes: “[...] em algumas comunidades mais distantes o trabalho infantil chega a um patamar de máxima exploração [...]”. (Socióloga da CARITAS). Há que se considerar neste argumento, o fato de que, para muitas famílias o trabalho realizado por crianças não se constitui necessariamente uma exploração, mas uma forma de ajuda e também de transmissão de conhecimentos, saberes e práticas repassadas de pai para filho, como afirma a entrevistada:

“[...] para a família isso é normal, é uma forma de ajuda e também de transmissão de conhecimento, então não é fácil discutir [...] mas com as histórias e as lendas que eles ouvem nas radionovelas, sempre tem pessoas referências, então a gente consegue conversar [...].” (Socióloga da CARITAS). (grifo nosso).

Este depoimento constata a contribuição do Kit na abordagem do tema “exploração do trabalho infantil”, de forma que permita a reflexão de costumes e práticas sem desconsiderar os valores e a cultura local, bem como, o fato de que, nem sempre essas comunidades mais distantes têm acesso ao conhecimento do que hoje, se configura “os direitos da criança e do adolescente”. Em outros casos, ainda que as pessoas reconheçam que trabalho infantil é um erro, não conhecem outra forma de sobreviver, como reforça o depoimento abaixo: “[...] No interior é tão comum que eles não vêem como uma violação de direitos. Existem depoimentos que as pessoas reconhecem o erro, mas não sabem outra forma de comportamento e essa porta de entrada precisa de outros instrumentos porque nem sempre a gente dá conta” (Socióloga da CARITAS). (grifo nosso).

Portanto a difusão e a socialização de uma nova cultura não pode ser imposta de forma arbitrária e manipuladora, mas construída com os homens num processo de troca, por meio de contínuas aproximações e mediações de interpretação de concepções de mundo e práticas cotidianas que sensibilizem à formação de uma cultura superior. O Kit tem possibilitado a divulgação dos direitos da criança e do adolescente não apenas por instituições laicas, mas também por instituições religiosas que durante muito

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tempo – no que tange à violência contra criança e adolescente – se ocupou muito mais do “conforto espiritual e catequese” do que necessariamente do enfrentamento e denúncia, no sentido de articular a rede, como revela o depoimento a seguir: “Utilizamos o Kit como ferramenta de divulgação na assembléia dos bispos que tem 14 dioceses [...] como as igrejas sempre têm acesso à rádio popular e rádio do poste ajudou na visibilidade [...] os casos começaram aparecer [...] isso aumentou significativamente na prelazia, pessoas que chegavam, crianças, mulheres, visinhos que sabiam de casos e que depois de ouvir o áudio chegavam pra denunciar a ponto de a prelazia ter que tomar certa atitude no sentido de encaminhar para o conselho tutelar.” (Socióloga da CARITAS).

Tanto quanto a divulgação, o Kit tem se constituído numa ferramenta de sensibilização, uma vez que tendo acesso ao conteúdo nele disponível, as pessoas sentiram-se mais encorajadas a denunciar situações de violência contra criança e adolescente, como afirma a socióloga da CARITAS: “O material sensibilizou as pessoas porque elas tinham medo de denunciar”. Além da contribuição das instituições religiosas cristãs (católicas), é considerável o esforço da Polícia Especial de Proteção à Criança e Adolescente na capacitação de seus policiais, bem como na possibilidade de torná-los agentes multiplicadores do conhecimento adquirido, como demonstra o depoimento abaixo citado: “[...] nós capacitamos os policiais, depois trouxemos escolas para dentro da Unidade pra fazer uma discussão da questão da violência sexual, do trabalho infantil, da violência doméstica [...] Resolvemos ampliar isso, os policiais foram até as comunidades mais distantes, a exemplo das ilhas do outro lado de Belém, que são carentes de tudo que você possa imaginar [...] Então a partir daí começou uma coisa bem simples que foi ganhando forma e o material base era o produto das radionovelas [...] No começo era só a gente que utilizava a ferramenta, depois a gente começou a ceder para outros colegas (Major da Companhia de Polícia Especial de Proteção à Criança e Adolescente).

Nesse depoimento pode-se ressaltar a capacidade da multiplicação da comunicação, com repasse de materiais a outros colegas, sem que para isso tenha havido obrigação. Na mesma linha segue a Divisão de Atendimento ao Adolescente, que tem se utilizado do Kit nas suas ações de sensibilização aos direitos da criança e do adolescente junto aos municípios mais distantes de Belém, particularmente àqueles que vivem às margens dos rios: “Eu comecei a utilizar na viagem que fizemos na operação ‘Paz nos Rios’ nos municípios de Curupá, Curralhinho, Bagre, Melgaço, Ponta de Pedras, São Sebastião da Boa-Vista e Breves. E até hoje!” (Diretora da DATA).

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Referente ao efeito multiplicador do Kit é válido ressaltar que os profissionais que fazem uso dessa ferramenta, não têm se limitado às orientações preestabelecidas no Kit, antes tem contribuído para sua ampliação no que tange à novas formas de utilização. Como mostra a experiência da educadora social do CREAS, junto aos adolescentes com quem ela utilizou o Kit. Eles criaram um grupo de teatro a partir do contato que tiveram com o conteúdo das rádio novelas educativas, como observa-se no depoimento da referida educadora: “[...] eles criaram também, a partir das radionovelas, a sua própria história, o seu próprio texto. Porque eu não queria dizer pra eles assim, olha ta aqui, ta pronto, vamos fazer igualzinho. Eles tiveram que usar a criatividade e ter a iniciativa de criar sua própria história, seu próprio texto nas temáticas sexualidade, abuso e drogas, assuntos muitos delicados para os adolescentes começarem a se abrir além da escrita [...] o que eu achei interessante foi eles perceberem: se o pessoal da Rádio Margarida conseguiu eu também posso fazer [...]foi através dessa ferramenta que começamos a trabalhar o teatro, onde eles começaram a se apresentar nos sábados [...]”. (Educadora Social do CREAS).

Esta iniciativa dos adolescentes tem como pano de fundo uma relação de troca, baseada num processo contínuo de aprendizagem entre educador e educando onde se compartilham idéias, saberes e fazeres. Demonstra também, que é preciso saber cativar e conquistar a confiança daqueles com quem se pretende estabelecer relação e fazer as mediações. Quiçá o caminho seja repetir incansavelmente os seus argumentos, variando literalmente na sua forma. Mas repetir com criatividade “e ter a iniciativa de criar sua própria história”, transformando os mesmos temas e conteúdos em novas formas de apresentação: “se o pessoal da Rádio Margarida conseguiu eu também posso fazer” (Educadora Social do CREAS).

2.3. A institucionalização do Kit Educativo

Institucionalizar o Kit significa torná-lo disponível e acessível aos profissionais, departamentos, programas e/ou projetos da instituição que atuam no combate à violência contra criança e adolescente. Não por meio de uma imposição institucional, mas através de uma sensibilização – por parte de seus dirigentes – quanto à importância do Kit, mediante sua contribuição para a discussão das temáticas apresentadas. De acordo com os dados da pesquisa, em 39% das instituições pesquisadas o Kit assumiu um caráter institucional, sendo feita a apresentação do material como parte do acervo institucional; distribuição, para outros departamento e unidades da instituição do Brasil

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inteiro; disponibilidade do material para todos que tenham interesse em utilizá-lo, conforme reforçam os depoimentos abaixo citados: “Na USE 5 a utilização do Kit assumiu um caráter institucional [...] Primeiramente eu fiz uma apresentação de todo o material com os diretores, começamos com os diretores das escolas e depois nos reunimos só com a equipe técnica que são os pedagogos e técnicos de todos os turnos e chegamos até aos professores, porque eles são o nosso foco maior enquanto escola, já que estão atuando diretamente com os alunos. São os professores que percebem as mudanças de comportamentos que os alunos tem em sala de aula, não só na sala de aula mas na escola como um todo”. (Técnica da SEDUC – Unidade Seduc na Escola/USE 5). “Nós distribuímos os Kits para todas as regionais da Polícia Rodoviária do Brasil inteiro. Inclusive de vez em quando eles me solicitam. Eu mando alguns pra eles, por malote, isso mostra que foi institucionalizado. Aqui no Pará nós utilizamos nos trabalhos educativos da polícia – mais de 100 policiais rodoviários já tiveram acesso ao material –, nos nossos eventos em praças, nas nossas caminhadas, nas nossas palestras para o PETI e o PROJOVEM” (Agente da Polícia Rodoviária Federal). “Aqui nós temos um projeto que é ‘O juizado vai à escola’, a coordenadora do projeto e os próprios comissários têm utilizado o Kit nos momentos de formação. A Juíza da Vara da Infância já utilizou o Kit quando ela fez um encontro com educadores para falar sobre a violência dentro das famílias. Ou seja, aqui o kit está disponível para todos que tenham interesse em utilizá-lo”. (Pedagoga do Juizado da Infância e da Juventude).

Já em 61% das instituições pesquisadas o Kit ainda é utilizado apenas pelos profissionais que participaram diretamente das rodadas de capacitação. Conforme já descrito em relatos anteriores (ver item 2.1) e no relato atual, os profissionais assumiram o compromisso com a utilização do material, e isso vem acontecendo em atividades educativas com crianças, adolescentes, jovens e famílias, porém plenamente em suas instituições isso não ocorreu, conforme revelam alguns dos informantes a seguir: “Normalmente sou eu quem utiliza o Kit [...] Já fiz palestras com conselheiros tutelares, equipes técnicas dos CRAS, alunos e professores em Belém e no interior” (Diretora da DATA). “Na verdade fui eu que utilizei o Kit na minha prática [...] Eu cheguei a usar com os alunos do EJA, a noite, os quais eram pais dos alunos da tarde – crianças que viviam metidas em brigas. Foi um trabalho de conscientização com esses alunos que também eram pais. Eles acharam o material tão interessante que chegaram a pedir para levar para a comunidade deles [...]” (Professor da Escola Bosque).

A utilização do Kit se reveste de importância na medida em que oferece uma direção pedagógica para educadores sociais, professores, pedagogos, assistentes sociais, psicólogos e tantos outros profissionais que atuam no processo de defesa de crianças, adolescentes, jovens e

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famílias no que tange às reflexão de temáticas como violência sexual, trabalho infantil e violência doméstica, como ressaltam os depoimentos de alguns dos informantes: “O kit é um norte pra gente poder discutir, ampliar as próprias idéias, o conhecimento em prol da problemática, daquilo que ta posto no dia-a-dia que são as dificuldades que essas crianças vivenciam, tanto na campo da violência como no campo do abuso, do trafico [...] Como a gente, às vezes, tem dificuldade de colocar no papel as idéias e concretizá-las na prática a utilização dessa ferramenta ajuda [...]”. (Pedagogo do Abrigo Euclides da Cunha). “[...] nas nossas escolas especiais as técnicas acharam o Kit muito interessante porque muitos pais não aceitavam a condição do filho com alguma deficiência e com isso as crianças e adolescentes estavam sofrendo maus tratos. A quem recorrer? Esse material tem mostrado meios que poderão contribuir para sensibilizar pais e orientar os nossos profissionais. (Técnica da SEDUC – Unidade Seduc na Escola/USE 5).

Por sua forma de narrar as histórias, o kit ajuda, inclusive, a diminuir a tensão de algumas crianças que vivenciam situações de violência e agressividade:

“[...] eu cheguei a pegar uma turma de segunda série muito conturbada, muitos problemas de violência, crianças agressivas e eu não conseguia dar aula. Pedi ajuda da coordenação e nada. Então o kit veio para dar um direcionamento no sentido de me auxiliar em ajudar aquelas crianças. Eu e uma outra professora que passava pela mesma situação”. (Professor da Escola Bosque).

Assim como há instituições que adotam a incorporação do Kit como ferramenta de sensibilização e divulgação dos direitos da criança e do adolescente, há aquelas que o vêem com certa resistência, não em virtude do conteúdo, mas da forma, uma vez que em algumas instituições prevalece uma lógica institucional diferente da proposta do Kit, como declara a Major da Polícia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente: “[...] levamos a proposta para dentro da Polícia Militar, foi a primeira vez e criou uma discussão dentro da instituição, de resistência, porque eles alegavam que isso não era papel de policial, mas foi bom pra dar uma balançada [...].”

Embora a prevenção também esteja entre as atribuições da Polícia Militar, é ainda o seu histórico, basicamente a lógica interventiva e repressiva que predomina no bojo desta instituição, o que torna mais difícil introduzir uma concepção de política pública e social com base na prevenção. Esse fato só reforça a importância de uma maior institucionalização do Kit, para poder orientar melhor a postura de profissionais e instituições do Sistema de Garantia de Direitos da

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Criança e do Adolescente (SGDCA), estabelecendo padrões previamente definidos de conduta, que a canalizam em uma direção por oposição às muitas outras direções que historicamente vem sendo adotadas, mas que nem sempre correspondem aos resultados esperados. Por outro lado, quanto maior for a abrangência de utilização e de institucionalização do Kit significa submetê-lo a um maior controle social, a mais olhares críticos de pessoas, instituições e profissionais que em muito podem contribuir para o aprimoramento dessa tecnologia social.

2.4. A contribuição do Kit Educativo na defesa e promoção dos direitos da criança e do adolescente

2.4.1. Transmissão das informações sobre as temáticas Na concepção da educação popular, a categoria informação foi colocada, inicialmente, como uma das categorias do método, analisada em sua abrangência e redimensionada como um dos componentes da comunicação. Comunicar é uma arte capaz de estabelecer a troca verdadeira, diferente da massificação e da informação manipuladora. A informação tida como direito do cidadão, fonte primária para que se possa iniciar o conhecer, o refletir, o mensurar, estabelecer comparações e decidir.

Somente a informação, hoje na era da informática, não

basta para que ocorra o processo educativo. Antes se faz necessário o estabelecimento da comunicação enquanto mediadora da construção do conhecimento e experiências de vida, fonte de relações sucessivas e aproximações de saberes, entendimentos por meio do diálogo. Nesta perspectiva do método de educação popular da ONG Rádio Margarida, destacadamente quanto a tecnologia de radionovelas, acompanhada de spots e músicas, associada ao guia de utilização, compreende que esta pode favorecer o entendimento dos conteúdos transmitidos pelo Kit Educativo (violência doméstica, trabalho infantil e violência sexual), uma vez que, a ferramenta se apropria de uma linguagem acessível a qualquer público, seja criança, adolescente, adulto, pessoas com elevado nível de formação ou com baixo nível de instrução, e ainda sugere alternativas de como educadores sociais, professores, conselheiros tutelares, agentes de saúde, lideranças sociais, jovens, médicos e artistas podem desenvolver trabalhos de grupo a partir da utilização do Kit. Para reafirmar essa compreensão a pesquisa procurou indagar sobre as formas de comunicação apresentadas no Kit (radionovelas, spots, músicas e guia de utilização), no sentido de saber se são adequadas ou não para abordar e transmitir informações sobre violência

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doméstica, trabalho infantil e violência sexual. Desse modo, alguns dos entrevistados destacaram: “O material possibilita a transmissão nas suas várias formas de utilização [...] podese trabalhar com a reflexão a partir da escuta ou fazer trabalhos em grupos, onde a partir dos textos sugeridos, situações podem ser dramatizadas. Essa forma facilita a compreensão sobre tudo àquilo que é oportunizado a partir da escuta da radionovela ou da própria leitura. Alguns adolescentes conseguem compreender mais com a escuta e outros com a escrita apresentada a partir do guia. Como resultado eles podem estar relatando, podem estar falando e também produzindo de acordo com a sua interpretação, com a sua capacidade de criação [...]”. (Pedagoga do CEDECA).

A forma original de apresentação das temáticas ajuda na compreensão dos conteúdos, uma vez que desperta a atenção, aguça a percepção e gera um envolvimento de todo o corpo. “Sim com certeza [...] quando você traz uma coisa diferente como a radionovela você cria uma coisa meio sinestésica porque o corporal da criança fica envolvido naquilo, é o ouvido dela que está ali para escutar, ela se envolve [...]” (Pedagoga do Juizado da Infância e Juventude). “Eu considero esse kit educativo essencial no meu trabalho, principalmente numa época em que o adolescente é a geração da imagem. Aí eu consigo resgatar com ele o som, o ouvir” [...]”. (Educadora Social do CREAS-Comércio).

Além disso, o Kit é uma ferramenta relativamente simples, que não exige de quem a utiliza, conhecimento aprofundado sobre tecnologias, condições materiais sofisticadas, em se tratando de comunidades mais carentes. Basta um equipamento de som simples, que faça leitura de CD, como ressalta o depoimento abaixo: “[...] em regiões muito afastadas, a sede do município já era carente [...] então basta ter um rádio-gravador, já facilita muito, tu não precisas ter televisão, tu não precisas ter internet, basta ter um rádio-gravador, isso já é suficiente, foi o que eu percebi” (Agente da Polícia Rodoviária Federal).

De um modo geral, cada entrevistado ressalta de forma bastante peculiar e particular o que há de positivo no uso de linguagens artísticas quando o tema é violência contra criança e adolescente. Neste sentido, a ferramenta ajuda a tornar evidente, inclusive, a trazer à tona situações de violência até então não percebidas, conforme se observa na argumentação do entrevistado: “Com toda certeza o Kit é adequado [...] é uma ferramenta que ajuda a tornar evidente aquilo que está escamoteado muitas das vezes [...]”. (Pedagogo do Abrigo Euclides Coelho).

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Evidentemente, tratar de temas como violência sexual que provoca traumas na pessoa e reações adversas no grupo, nem sempre é uma tarefa fácil. E o fato de o Kit trazer esse debate de forma lúdica ajuda a suavizar a discussão, como ressalta a Major da Policia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente em seu depoimento: “[...] as crianças ficavam encantadas com a idéia, porque você sabe que trabalhar essa idéia, friamente, cria um constrangimento na criança, porque falar de sexualidade, violência, é uma coisa que constrange o adulto, você imagina a criança, o jovem é difícil, então acaba sendo uma ferramenta que torna a coisa mais fácil, lúdica, suave sendo um tema tão forte [...]”.

Desse modo, acredita-se que o elemento lúdico pode, além de suavizar o debate sobre violência sexual – sem perder de vista sua dimensão violenta e traumatizante – contribuir para a mudança de mentalidade e de comportamento de pessoas comuns e agressores em potencial, como destaca a Agente da Polícia Rodoviária Federal: “No trabalho com os caminhoneiros, pela reação a gente sabe se ele já praticou, se ele tá praticando [...] e ali ele tá se transformando [...] ele tá se reciclando, talvez ele esteja pensando: poxa eu não vou mais fazer isso. Ele acaba refletindo [...]”.

Esta observação só reforça o argumento de que o ser humano pode modificar a suas praticas pelo seu entendimento. Para tanto a transmissão de informação é de fundamental importância sobre as temáticas e deve ser colocada dentro de uma categoria maior, ou seja, a categoria comunicação, associada a outras categorias do método: sentimento e ação transformadora.

2.4.2. Clareza das informações contidas no Guia de utilização

O Guia de utilização foi uma ferramenta desenvolvida para auxiliar o professor, o educador social, o pedagogo, o psicólogo, o assistente social, o conselheiro tutelar, o agente de saúde, a liderança social, o jovem, o artista que fizer uso do CD Educativo na realização de trabalhos de grupo. Além de orientar radialistas e comunicadores no desenvolvimento de inúmeras possibilidades de difusão de conteúdos em programas de rádio com caráter educativo. Quando questionados sobre a clareza das orientações contidas no Guia de utilização do CD, foi comum observar expressões do tipo: muito claro, objetivo, de fácil compreensão, linguagem acessível, como reforçam alguns dos entrevistados nos depoimentos a seguir:

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“[...] E o guia contribui também porque ele é muito claro e objetivo, tanto pra pessoa que tem um nível mais elevado de educação, como pra pessoa que tem um nível mais fundamental de educação. Ambos vão compreender claramente, não há duplos sentidos ali, não há orientações obscuras [...].” (Pedagoga do Juizado da Infância e Juventude). “[...] a linguagem é fácil, compreensível não só para os profissionais que estão trabalhando na temática, mas para as pessoas que estão ouvindo as palestras, elas absorvem com muita clareza esse conteúdo”. (Coordenadora do PROPAZ).

Além desses aspectos foi ressaltado, na argumentação dos entrevistados, o fato de o Guia indicar um caminho, uma possibilidade de uso, dentre outras novas intervenções: “[...] o GUIA vai mostrar o caminho, mas quem vai utilizar tem que orientar esse caminho, acrescentar dentro da sua vivência, da sua experiência [...]”. (Conselheiro Tutelar).

“[...] o guia é didático ele já nos orienta aos passos que a gente deve dar [...] agora, claro que a gente pode também fazer as nossas adaptações [...] ele é passo orientador, mas a gente pode a partir do guia também ta tratando novas intervenções.” (Pedagogo do Abrigo Euclides Coelho).

De outro modo, esses depoimentos, trazem à luz a perspectiva do trabalho criador, onde o indivíduo utiliza e aperfeiçoa processos que desenvolvem a percepção, a imaginação, a observação, o raciocínio, a partir da fusão de novas experiências com as vivências acumuladas. Não é porque o Kit aponta uma proposta didático-pedagógica, no que tange a sua utilização, que os sujeitos do processo educativo (educador e educando) devam posicionar-se passivamente na medida em que se adaptam à referida proposta. Pois orientar não significa adestrar, mas estimular a capacidade de aprender como um sujeito crítico, que constrói o conhecimento ou participa de sua construção. A proposta exige apreensão da realidade, não para a adaptação, mas para a transformação, para a intervenção e para a recriação desta realidade a partir de novas possibilidades, como reforça o depoimento abaixo: [...] quando eles pegam um material como esse, eles seguem o roteiro e começam a dar um monte de possibilidades pra eles, e eles se apropriam tanto, que eles querem pra eles, pra trabalhar dentro da sala de aula, pra trabalhar na escola [...]” (Assistente Social do CEDECA).

Sobre o aprendizado que o Guia proporciona aos facilitadores,

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“[...] esse guia, para eles, foi de grande importância porque eles puderam acumular um conhecimento que eles não tinham e nem sabiam como lidar com aquilo, então sendo de fácil acesso de eles lerem e compreenderem o assunto, ai eles puderam inserir isso como função de multiplicador da própria comunidade [...] “. (Assistente Social do CEDECA).

É importante destacar que a multiplicação, não se dá por um mero processo de transferência de conhecimento. Pela simples razão de que não existe um saber feito e acabado, suscetível de ser captado e compreendido por aquele que transmite e, em seguida, depositado naquele que recebe. Antes, o aprendizado se constitui num processo de estímulo crítico-criativo da realidade, num processo contínuo de troca, onde cada sujeito traz consigo vivências e saberes que ajudam na reconstrução da realidade, para isso se fazem necessário que se tenha uma informação que traduza aquela realidade, orientação que de segurança e possibilidades para optar e agir.

2.4.3. Entendimento sobre as temáticas

De acordo com alguns dos entrevistados, a utilização de sons, histórias, canções e a arte de um modo geral, na transmissão do conhecimento, não apenas facilitou o entendimento das temáticas: violência doméstica, trabalho infantil e violência sexual, como também foi o grande diferencial do Kit Educativo na leitura da realidade, como ressalta a socióloga da CÁRITAS: “[...] é uma linguagem acessível, chama atenção porque têm os depoimentos, as histórias, as lendas [...]”. Esse diferencial se determina não apenas pela uso da linguagem lúdica e acessível mas também pela capacidade de gerar uma identificação dos ouvintes para com os personagens. É a ficção e a realidade se confrontando num mesmo plano: “[...] eles acabam se identificando, porque foi muito ligado a um espaço, tipo “é aquilo que eu vivo”. (Socióloga da CARITAS). Por outro lado, as formas de apresentação do conteúdo se revelam como um meio mais eficaz de agir sobre o pensamento e a percepção e de construir novos valores e novas referências, uma vez que estimulam a criatividade, aguçam a percepção e despertam os sujeitos para uma nova forma de apreensão da realidade, como expressam os entrevistados abaixo: “[...] quando eles ouvem uma historinha começa a passar as imagens no cérebro deles, é como se fixasse mais, é diferente de você ter só a parte teórica [...]. (Agente da Polícia Rodoviária Federal). “[...] os spots eles tem umas mensagens muito diretas, são mensagens que por serem curtas elas são de fácil memorização e remete uma reflexão também,

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Quanto às radionovelas eu acho assim, que no grupo elas favorecem [...]”. (Coordenadora da SODIREITOS).

Além da capacidade de fixar e apreender melhor o conteúdo do Kit a partir das linguagens artísticas e meios de comunicação social, conforme o depoimento supracitado, outros elementos se agregam ao caráter positivo dessa tecnologia, a saber, a acessibilidade do conteúdo, a praticidade da ferramenta e a possibilidade de transformar o modelo habitual – e porque não, convencional – de transmissão do conhecimento num modelo interativo, dinâmico e que tenha base na realidade concreta, de forma a considerar que as pessoas se vejam e se reconheçam em seu processo, em suas mediações, conforme enfatiza o depoimento abaixo: “Eu acho que esse kit é mais acessível às pessoas porque através de uma praticidade você consegue introduzir aquela dinâmica teórica [...], então ele é mais prático pra que as pessoas possam estar vivenciando pra ver como realmente aquilo acontece, de que forma acontece [...]”. (Assistente Social do CEDECA). “[...] o CD é muito vivencial. Tu ouves as radionovelas e elas trazem situação de vida concreta. Então quando tu estás trabalhando com um grupo, é muito comum a pessoa ouvir aquela radionovela e dizer assim [...] eu nunca tinha parado pra pensar, mas eu também passei por isso” (Pedagoga do Juizado da Infância e Juventude).

Observa-se ainda, neste último depoimento, que a tecnologia (radionovela), utilizada na abordagem dos conteúdos, é apontada como uma linguagem e meio de comunicação acessível, que propicia uma “dinâmica teórica”, por isso ele é mais prático. A relação prática e teoria é facilitada e aguça o pensamento e a percepção. Também para aqueles que nunca haviam pensado sobre esses assuntos ou temáticas, mas se dão conta que já passaram por isso, o contato com essa tecnologia conduz a uma atenção dantes não despertada. Ainda sobre essa perspectiva, “[...] uma coisa do kit que é legal, é a ilustração, o formato da letra, a cor, isso tudo empolga o educador para trabalhar, porque ele quer também trabalhar com um material bonito, um material bacana [...]”. (Pedagoga do CEDECA).

O visual, a imagem são recursos que ocupam um lugar privilegiado na comunicação e na aprendizagem, uma vez que identificam, registram e transmitem uma idéia, uma concepção, um valor, bem como a qualidade do material trás uma valorização para quem usa.

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2.4.4. Diálogos e trocas de experiências

A concepção de diálogo adotada aqui se refere à capacidade de gerar processos, metodologias e técnicas que expressem o vivido em que os sujeitos possam se encontrar consigo, com sua história e com o outro, produzindo juntos novos saberes e novas posturas diante de situações que comprometem os direitos da criança e do adolescente. De acordo com os dados da pesquisa, os entrevistados afirmaram que a utilização de radionovelas, spots e músicas propiciou o diálogo, auxiliou o debate, estimulou relatos de histórias e situações vivenciadas, elevou o nível das rodadas de conversa e desse modo, favoreceu a troca de experiências e saberes entre os participantes das atividades educativas desenvolvidas com o Kit, como reforçam alguns depoimentos: A perspectiva do diálogo é importante na medida em que cria o momento de troca e reciprocidade de conhecimento e experiências, como ressaltam os depoimentos: “[...] eles colocam as situações a partir do material que foi usado […], as radionovelas e o próprio spot, a partir desse material eles começam a travar o debate daquilo que eles vivenciam, daquilo que eles já observaram [...]” (Técnica de Recursos Humanos do CEDECA). “Após a exposição da radionovela sobre violência sexual, a discussão sobre o assunto fluiu de modo mais dinâmico. As famílias conseguiram expor suas experiências sobre o assunto”. (Terapeuta Ocupacional do CRAS/Cremação).

Essa maneira de fazer fluir de modo mais dinâmico é, acima de tudo, a essência de um processo educativo que gera oportunidades, para que as pessoas desenvolvam seu poder reflexivo e crítico da realidade, que pode ser o despertar ou o acordar, para que possam tomar decisões, ter opção e compromisso no que tange à promoção dos direitos da criança e do adolescente, como destaca o relato do entrevistado: “[...] a partir dali a gente também pode ta ser retratando diante da problemática das temáticas que estão sendo colocadas [...] porque muitas vezes eu posso também ta envolvido numa situação dessa natureza, e o kit pode ser um elemento, que pode ser o despertar ou o acordar melhor pra que a gente tome, não sei se consciência, mas que a gente desperte pra situações que até a gente vivencia [...]”. (Pedagogo da FUNPAPA).

Outro elemento importante a destacar, que surgiu nos processos participativos, nos espaços de diálogo, é que o Kit gerou como resultado a identificação de situações de violência

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sexual e outras formas de violação, como relatam alguns dos entrevistados em seus depoimentos: “O mais inusitado foi uma criança dizer que estava passando por aquilo, que tava sendo violentada, na frente de todo mundo, como se fosse algo natural, ao ponto de todo mundo ficar estranho, [...] foi uma reação muito ruim, porque tem reação que a gente já espera [...] agora uma criança chegar e dizer que isso acontece com ela e falar com naturalidade, são reações que você nunca espera”. (Educadora Social do CESEF). “Foram suscitadas discussões, dúvidas e até revelações de abuso que não haviam sido tratadas como tal: uma jovem vítima de voyeurismo6 que não considerava abuso, apesar de se sentir incomodada.” (Coordenadora do CRAS).

A proposta do Kit não tem o objetivo, de forma alguma, de criar um ambiente onde a criança seja estimulada a depoimentos que a façam reviver traumas e constrangimentos. A proposta caminha na perspectiva do alerta, da prevenção, da informação, do diálogo, da comunicação.

2.4.5. A manifestação dos sentimentos

Os sentimentos manifestam-se a partir das relações que as pessoas estabelecem entre si na vida cotidiana, ao longo de suas vivências, nas trocas de experiências, no exercício do diálogo, no compartilhar de conceitos e opiniões. Sua manifestação concreta se releva nas expressões de medo, receio, revolta, tristeza, solidariedade, insegurança, certeza, alegria, amor, etc. Na expressão adaptada do idioma inglês se diz, aquela pessoa tem feeling, tem sentimento, percepção. Em relação à pesquisa ora apresentada, foi perguntado aos entrevistados sobre a manifestação de sentimentos – no que tange às temáticas abordadas no CD e no Guia – pelos participantes das atividades educativas. De acordo com os entrevistados, os sentimentos, mais freqüentes, manifestados pelos participantes das atividades educativas foram: indignação; angústia; revolta; desejo de justiça; solidariedade; tristeza e choro nos depoimentos; compaixão; sensação de impunidade; postura reflexiva/pensativa; alívio por saber que não está só; euforia; e, sensação de gratificação em

6Voyeurismo

é uma prática que consiste num indivíduo conseguir obter prazer sexual através da observação de outras pessoas. Voyeurismo é uma prática que consiste num indivíduo conseguir obter prazer sexual através da observação de outras pessoas.

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alguns profissionais por saber que eles podem colaborar, auxiliar, como revelam alguns dos depoimentos: “[...] ela vai expressar, geralmente sentimento de revolta, de querer justiça, de querer se interar do que deve fazer em uma situação dessa. As pessoas sempre manifestam algum sentimento, a gente não ver sentimento de aceitação, sempre sentimento de angústia e indignação”. (Conselheiro Tutelar). “[...] tem gente que chora contando e tem gente que chora pensando no que poderia acontecer com o neto. Tem gente que nunca passou, mas chora diante da possibilidade de que isso possa acontecer com o neto ou com o filho. É mais uma maneira de prevenção porque quando toca no emocional ele grava, fixa e quando é uma coisa normal o cérebro não retém, só retém quando toca no emocional.”. (Agente da Polícia Rodoviária Federal). “Em relação à polícia, as pessoas da comunidade ficaram surpresas pelo fato de nunca terem visto polícia fazer esse tipo de coisa, dessa forma que é passada as questões de violência. Pra nós que utilizamos esse material a sensação de gratificação é olhar pro rosto de uma criança, ela te procurar pra dizer alguma coisa, pra querer saber como foi feito [...] essas coisas não têm como mensurar”. (Major da Polícia Ambiental). “E eu dei uma palestra de trabalho infantil numa igreja evangélica, uma senhora começou a chorar, chorar, ai eu pensei... será que eu fiz alguma besteira? aí quando foi depois, ela pegou o microfone e deu o testemunho dela [...] ela disse “poxa, como é importante isso que a senhora tá falando. Quando eu era criança eu apanhei, apanhei tanto, davam de pau na minha cabeça. Me trouxeram do interior pra trabalhar aqui e eles davam na minha cabeça de pau. Poxa, se fosse hoje em dia, se tivesse isso daí, eu não tinha apanhado tanto [...]”. (Agente da Polícia Rodoviária Federal).

A singularidade do Kit está na sua capacidade de envolver os participantes por meio dos sons, das histórias, das canções. O envolvimento se dá por duas vias: a da identificação e a da sensibilização. A via da identificação se dá em virtude das experiências de vida que algumas pessoas têm ou já tiveram, semelhante ao que é abordado pelo Kit; a via da sensibilização ocorre em razão da capacidade que o ser humano tem de se comover, de se sensibilizar diante de atos violentos e cruéis. No caso da radionovela, por exemplo, uma vez transmitida em áudio, possibilita à pessoa se transferir, mentalmente, para uma determinada situação e, ainda no campo da imaginação, vivenciar esta situação: “[...] a história da radionovela envolve a pessoa que está ouvindo, de tal forma que é vivencial. Daí começavam as histórias: ‘por que eu vivi isso!’”. (Pedagoga do Juizado da Infância e Juventude). “[...] o principal viés da radionovela é esse, de a pessoa se colocar no lugar da história que é contada. Ela propicia isso. Porque quando você ouve a história, você

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entra nela, aí fica pensando: poxa, se fosse eu, também não teria a mesma oportunidade que eu tive hoje, e estaria na mesma situação que essa criança”. (Agente da Polícia Rodoviária Federal).

Como conseqüência dessa primeira fase da experiência, advém a segunda fase, que se configura na atitude do se colocar no lugar do outro: “Normalmente eles passam a se sentir um pouco mais responsáveis, responsável pelo filho do vizinho que ta sofrendo uma violência e assim se colocar no papel de denúncia. [...] aconteceu uma situação semelhante com a filha do meu vizinho, mas poderia ser minha filha [...]”. (Coordenadora da SODIREITOS). “[...] tu ficas imaginando o que está acontecendo [...] tu te transferes para aquela situação como observadora. Se tu fechar os olhos, tu vai imaginar o que esta acontecendo e na tua visualização mental tu não vai gostar, porque isso aí te choca [...]. O kit te coloca dentro da situação e você cria seus mecanismos de defesa ou você trabalha enquanto pessoa: eu quero sair dessa situação, eu quero mudar”. (Técnica em Educação Especial/SEDUC).

Ouvir, imaginar, visualizar mentalmente, linguagens e comunicação em movimento que geram os sentimentos que por sua vez, geram sensibilização, que geram mobilização, que geram ações de caráter transformador da realidade própria e do meio em que vivemos.

2.4.6. A efetivação de ações transformadoras

A certeza da transformação do mundo das necessidades para o plano das liberdades é a convicção na capacidade de que todos os seres humanos possam mudar para uma realidade melhor em busca de oportunidades sociais, políticas, econômicas, onde crianças e adolescentes estejam a salvos da violência, do preconceito, da discriminação e da injustiça. Nesta perspectiva, a categoria “ação transformadora” do método de educação popular e os dados da pesquisa revelam o seu encontro de propósitos, e, que ainda existem indivíduos imbuídos do desejo de mudança e que acreditam que sonhar é um direito, não como algo irrealizável, mas como algo que se concretiza no cotidiano, como enfatiza o depoimento abaixo:

“Eu plantei o direito de sonhar [...] tudo se voltou pra fala de algumas crianças que falaram assim: ‘eu não quero o futuro da casa vermelha pra mim (cena do bordel), eu quero ser cobradora de ônibus que aí eu vou viajar por Belém, vou trabalhar’. A outra fala: ‘[...] não quero vender peixe pro meu tio [...] ele fica o dia todo deitado lá em casa e eu vou vender peixe, eu quero ser advogado [...]’. Eu posso ter o direito de sonhar e levar esse direito ao sonho a construção de uma nova realidade pelo menos na forma mental para ser construído de uma forma material”. (Educadora social do CRAS/Comércio).

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O estar no mundo significa empenhar-se em ações, reflexões e lutas. Neste sentido, a pesquisa revelou que o conhecimento e o reconhecer da necessidade de mudar, acompanhado de uma ação efetiva na realidade tal como ela se apresenta, levou pessoas e profissionais a fazer a sua parte, com uma percepção consciente, crítica e participativa: “[...] quando eu vi aquele grupo de policiais, que fazem aqueles teatrinhos voltados para essa temática, apoiado por essa radionovela, fantástico! [...] eles estão ali, tão pré-dispostos, estão fazendo sua parte. [...] é a semente que a gente joga. Acho que é isso que a radio margarida faz, primeiro você joga a semente, depois você vai ter que regar essa semente para crescer essa planta. Eu acho que esse é o processo maior de fazer com isso germine se multiplique no todo.” (Coordenadora do PROPAZ). “[...] eu vou propor, de forma lúdica, que seja utilizado nas academias de polícia, porque o que eu to percebendo é que o policial ele sai, mas não sabe nada de exploração sexual ou de trabalho infantil [..]”. (Agente da Polícia Rodoviária Federal).

Dessa ação partilhada decorre a construção do conhecimento mediada por sujeitos com valores e concepções diversas. Não obstante, é justamente essa heterogeneidade que enriquece o diálogo, a cooperação e a informação, ampliando conseqüentemente as capacidades individuais, bem como a consciência coletiva:

“A partir da utilização do Kit, técnicos, profissionais e/ou a família podem refletir sobre sua atuação ou vivência frente ao problema da violência sexual, o que pode provocar uma efetiva ação transformadora”. (Terapeuta Ocupacional do CRAS/Cremação).

O que se propõe é a construção de alternativas que conduzam à renovação do entendimento, do saber, da consciência e da prática com base na relação que as pessoas estabelecem em contato com as outras e com o mundo: “[...] nós fizemos uma amostra cultural no dia 30 de agosto que tem o Plano de Ação Comunitária. Aí a ação da turma foi falar sobre a pedofilia, uma vez que eles viram que isso existe muito e, é tratado com naturalidade. A prostituição predomina lá [...]”. (Monitor da FUNCAP).

O Kit Educativo leva as pessoas a refletirem sobre a violência contra crianças e adolescentes e à medida que fazem isso tomam consciência do seu caráter destrutivo e, por conseguinte, buscam criar alternativas para prevenir situações de violência, como revela o depoimento:

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“O Kit desperta nas pessoas o desejo de realizar algo para prevenir situações de violência. O Grupo de Protagonismo Juvenil é um exemplo”. (Pedagoga do CREAS/Marco).

As diversas formas de utilização e estimulo à efetivação de ações transformadoras tem sido diferenciada de acordo com os ambientes de convivência e os modos de vida característicos de cada localidade/comunidade e de acordo com as responsabilidades e sensibilidade de cada um: “Sim, estamos em um espaço de igreja, então nós sabemos que muitas situações que não são discutidas na igreja, a questão da mulher, da exploração sexual. Então, esse kit, não sei se a arquidiocese utiliza, mas está presente em todas. O bispo da paróquia de Nossa Senhora da Conceição no sul do Pará utiliza e faz questão de utilizar. Quando temos oportunidades utilizamos. Abaetetuba e Santarém utilizam porque tem a pastoral do menor. Bragança utiliza porque a Cáritas esta lá. Cametá utiliza porque tem sensibilidade no assunto porque depende das afinidades. Igarapé-Miri utiliza” ( Socióloga da CARITAS).

A utilização do kit como acompanhamento das diversas atividades de educadores sociais, permiti que cada um realize do seu jeito, no seu espaço, na sua localidade vá procurando essa transformação: “[…] todas as pessoas que tem o contato com esse material geralmente utilizam dessa forma, como acompanhamento das suas atividades. Acredito que isso aí seja cada um do seu jeito, cada um no seu espaço, na sua localidade vá procurando essa transformação. Eu geralmente [...] utilizo em outros momentos fora da atividade do conselho tutelar, em uma palestra, escola, num evento pelo conselho estadual da criança, eu continuo utilizando esse material, eu acredito que a gente possa ta também contribuindo pra essa transformação […]”. (Conselheiro do CEDCA).

A categoria “ação transformadora” soma-se às demais categorias do método, uma forte e dialética união. O diálogo, essência fundamental da comunicação, expressão e sentimento humano, destaca-se nessa fala como sendo o maior poder de transformação do método: “[...] mas através do diálogo, esse é o maior poder de transformação que eu vejo através do KIT. Eu trabalhei o KIT também no PROJOVEM URBANO, que lá em Marituba, já teve caso dentro da escola. Tanto é que as escolas que eles escolheram, a diretora chegou a relatar pra nós [...] que os alunos pegaram duas alunas da escola que estavam sendo prostituídas por um senhor de 60 anos. Aí elas acionaram o Conselho Tutelar e foram atrás. Aí era o momento, nós começamos um debate na sala de aula, começamos a discutir, pras próprias meninas perceberem. Então durante o debate uma das alunas colocou que ela

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passou por isso, e não conseguiu falar pra família, mas conseguiu externar pro grupo. Achei muito legal isso! Aí ela disse que sentiu um alívio [...]” (Monitor da FUNCAP).

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

Para desenvolvimento da pesquisa da prática social e da análise teórico-conceitual da utilização do kit educativo Radionovelas Educativas pelas instituições e agentes sociais que o receberam, foram levantados dados quanti-qualitativos gerais acerca da apropriação e utilização do Kit Educativo (composto de 1 CD contendo radionovelas, spots e músicas + Guia de Utilização do CD) produzido pelo referido projeto. O Universo da pesquisa foi de 45 instituições e 120 agentes sociais, sendo que foram entrevistados 27 representantes das respectivas instituições, com uma amostra de 60% do total das instituições e 36 agentes sociais do total de 120 capacitados, uma amostra de 30% do total dos agentes sociais. As informações coletadas foram suficientes para descrição, análise e interpretação de dados, bem como para o aprofundamento de casos exitosos na apropriação e utilização dos instrumentos educativos e de comunicação (Kit de Rádionovelas). Não foram identificadas dificuldades/entraves à utilização sistemática do Kit Educativo (no todo ou em parte), ao contrário foram identificadas limitações quando da falta de capacitação “o que compromete, inclusive, a percepção desses profissionais, nos casos de violação dos direitos da criança e do adolescente, bem como dificulta a intervenção qualificada” (Major da Polícia Ambiental - CIEPAS). Com relação a desdobramentos significativos na utilização/circulação desses materiais de áudio produzidos pelo projeto, destaca-se que em diversos depoimentos ficaram registrados a significância, relevância tanto na capacitação do corpo técnico: [...] “com os profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social nos municípios onde a gente trabalha” (Assistente Social do CEDECA), como na utilização direta junta a população atendida nessas instituições “[...] utilizamos o Kit num terceiro momento nas escolas com os alunos e com a comunidade, têm muitos projetos na Prelazia com crianças e famílias; num quarto momento, vamos dizer assim, com as famílias, a comunidade e o pessoal das escolas em forma de oficinas, fizemos um ciclo de debate com as temáticas abuso e exploração sexual [...]”. (Socióloga da CARITAS). Ao longo dos depoimentos transcritos e analisados nesse relatório pode-se mensurar a eficiência (capacidade para produzir realmente um efeito) e eficácia (virtude de tornar efetivoefetivo ou real) do Kit Radionovelas Educativas na defesa e promoção dos direitos da criança e do adolescente a partir da sua apropriação e incorporação institucional e utilização individual por profissionais e instituições das mais variadas áreas que atuam no enfrentamento à violência.

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Em destaque nas falas dos agentes sociais, ressalta-se que o Kit tem sido importante para divulgar os direitos da criança e do adolescente; prevenir situações de violência; capacitar profissionais na identificação de casos de violência; qualificar a intervenção profissional no âmbito pessoal (abordagem) e institucional (articulação da rede); sensibilizar e mobilizar pessoas e instituições para uma ação transformadora. Em seu efeito multiplicador o Kit contribuiu para estimular a criatividade dos profissionais na construção de novas formas de abordagem (dramaturgia, pintura, música) dos temas: violência doméstica, trabalho infantil e violência sexual. Condição esta que, segundo os entrevistados, favoreceu o aprendizado de quem recebeu a informação e tornou mais leve a discussão. Além disso, a utilização do Kit foi mencionada como uma ferramenta capaz de oferecer uma direção pedagógica na prática profissional. A utilização do Kit favoreceu também a troca e reciprocidade de conhecimento e experiências capaz de gerar nas pessoas um comportamento reflexivo, crítico e dotado do desejo de mudança no que tange à violência contra crianças e adolescentes. Além disso, promoveu nas pessoas, segundo os depoimentos, a vontade de se tornarem defensoras e agentes multiplicadoras de uma nova cultura. Em suma, a produção desse relatório conduziu à informações nucleares que servem de subsídios a outras instituições que trabalham em defesa de crianças e adolescentes e imprescindíveis para a reflexão na medida em que traduziu conceitos e informações de forma simples e agradável, teve o cuidado de trabalhar com leveza para driblar e decodificar os preconceitos, desmontando-os, desmistificando-os e dizendo o que precisava ser dito sem se mostrar impositivo em suas concepções. Tal relatório também tem como resultado a ampliação da quantidade de informações para alimentação de banco de dados específico sobre o projeto em questão, bem como para socialização dos resultados, do uso e apropriação da tecnologia social, por meio de publicação eletrônica e/ou impressa. Tais recursos foram utilizados quando se fez também uma leitura do contexto e da cultura local, retirando dela elementos importantes para se falar a mesma linguagem introduzindo novos componentes para mexer nas posições pré-estabelecidas, criar o novo e despertar para sensos, comportamentos e atitudes. Esse posicionamento, que é acima de tudo político, tem base na concepção de que para substituir o senso comum e as concepções conservadoras tem-se de saber cativar e conquistar a confiança daqueles com quem se pretende estabelecer relações e fazer mediações necessárias em busca de uma cultura de direitos humanos. 32


REFERÊNCIAS

BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Tradução Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 17.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra: 1979. ____________. Pedagogia do oprimido. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da história. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1987. PANCERA, Osmar. A práxis artístico-cultural da ONG Rádio Margarida: uma história de linguagens artísticas e meios de comunicação social. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifica Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, São Paulo, 2009.

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