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Borrar contornos, atravessar muros. Muitos artistas se esforçam para fugir a categorizações, suas ou de terceiros, seja porque simplesmente não gostam de limites, seja pelo desconforto em se admitirem datados, seja porque buscam de fato um salto de originalidade em relação ao consenso de uma época. Gary Baseman já disse que sua arte se situa naquele ponto nebuloso onde a linha entre genialidade e estupidez foi borrada e não pode mais ser reconhecida. Além de borrar essa linha e aproveitar para zombar dos limites entre a reflexão séria e a piada, Baseman faz de sua obra um manifesto pela liberdade de suportes estéticos de forma geral. A essa maneira de enxergar e produzir arte, ele batizou “pervasive art” – que traduzimos aqui como “arte difusa” –, ou arte pode ser feita em qualquer meio, desde que o artista “permaneça fiel a seus princípios e tenha uma mensagem forte”. Falamos com ele e com seu amigo de longa data Josh SHAG Agle, outro monstro da arte lowbrow californiana, momentos antes da abertura da coletiva dos dois na Choque Cultural, em São Paulo. A descontração e disposição da dupla rendeu uma das entrevistas mais memoráveis já publicadas aqui. Desafiar o senso comum também foi obsessão do percussionista e produtor musical Hélcio Milito, cuja vida têm uma intersecção imensa com a história da música popular brasileira. Quando o samba era considerado música de vagabundos, ele peitou a própria família, integrante da elite paulistana, e saiu de casa para mudar os rumos de muita gente. Provocou a bossa nova com seu Tamba Trio, ao abraçar elementos folclóricos e dar destaque à percussão. Como produtor da CBS, bateu de frente com executivos ao lançar artistas negros em época de monopólio da Jovem Guarda. No final, definiu a carreira de lendas como Jackson do Pandeiro e Candeia. Na ânsia por descobrir um novo olhar sobre o mundo, o fotógrafo Guilherme Maranhão foi de encontro à própria definição de fotografia: lançando mão de scanners quebrados, acabou por redesenhar a paisagem urbana com “uma geometria lúdica, em rastros luminosos que flagram a passagem do tempo”, nas palavras do crítico do MAM Eder Chiodetto. Atitude parecida definiu a ascensão do músico londrinense Bruno Morais: ao contornar noções ortodoxas de qualidade vocal e técnica instrumental, ele criou um método de trabalho colaborativo particular na sua geração. Bradando contra a cultura de ostentação do rap americano, Mos Def sentencia: “tenho orgulho de ter crescido pobre”. E aproveita para mandar uma mensagem a Obama: estamos cansados de símbolos. Ainda falamos com o jovem artista britânico Felix Thorn, cujas traquitanas navegam a fronteira entre música e arte, com o genial animador gaúcho Otto Guerra e com sua conterrânea Lidia Brancher, que pinta com naturalidade em ruas e galerias finas. Leia e desafie seus conceitos também. +SOMA 6
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O projeto +Soma é uma iniciativa da Kultur, estúdio criativo com sede em São Paulo. Para informações acesse: www.maissoma.com
Iniciativa .
ssssssssssssssssss Kultur Studio
Rua Fidalga, 98 . Pinheiros 05432 000 . São Paulo . SP www.kulturstudio.com REVISTA SOMA #16 Março 2010 Fundadores . Kultur Alexandre Charro, Fernanda Masini, Rodrigo Brasil e Tiago Moraes Editor . Mateus Potumati Assistente Editorial . Marina Mantovanini Fotografia . Fernando Martins Ferreira Revisão . Alexandre Boide Projeto gráfico . Fernanda Masini Arte . Jonas Pacheco e Rodolfo Herrera Conteúdo áudio-visual . Alexandre Charro e Fernando Stutz Colunistas . Tiago Nicolas, Ricardo “Mentalozzz” Braga & Daniel “Ouriço” Peixoto, Stêvz, Rafael Sica, Nik Neves, Gabriel Mesquita e Gabriel Goes Gostaríamos de agradecer a Suemira Shah, Rodrigo Brandão, Ricardo Mohr e Converse, Baixo Ribeiro e Choque Cultural, Larissa Marques, Eder Chiodetto, DJ Nuts, Fotonauta, Silvio Luiz, a todos os nossos colaboradores de texto, foto e arte, aos que enviaram material para resenha, anunciantes e aos pontos de distribuição da revista. Muito obrigado! Agradecimento especial a todos que direta ou indiretamente colaboram para que a revista se tornasse realidade e nos apoiam desde o início. Capa Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de
Gary Baseman
seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista. Periodicidade . Bimestral Publicidade . Cristiana Namur Moraes cris@kulturstudio.com
Distribuição . Gratuita em lojas, restaurantes, galerias de arte, museus, centros culturais, shows, eventos e casas noturnas. Veja os endereços em: www.maissoma.com/info
Para anunciar ou enviar material para review, entre em contato através do e-mail redacao@maissoma.com.
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Impressão . Prol Gráfica Tiragem . 10.000 exemplares
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+colaboradores
Mauricio Capellari
Tiago Mesquita
Arthur Dantas
Fotógrafo, é do staff da Void.
Tiago Mesquita é crítico de
31 anos. O capitalismo roubou
Curte Nei Lisboa, paletó branco e
arte, professor e está fantasiado de
minha virgindade e atualmente
passa longe de ideologias baratas.
pirata.
sou contra TUDO que tá aí. Ama Crass, 4 Walls e Itamar Assumpção. A favor da paz, do amor e da esperança.
Luise Malmaceda
Ana Ferraz
Fotonauta
Estuda artes visuais, é apaixonada
Coordena o escritório criativo NOZ.
O Coletivo Fotonauta é: Andrea
por história da arte e fotografia. Faz
ART e a galeria FITA TAPE, em Porto
Marques, Daryan Dornelles e
a melhor massa do mundo e já foi
Alegre. Escreve para as revistas Vista
Eduardo Monteiro.
aspirante a saxofonista.
e Void. No tempo livre manda zines e outros pacotes pelo correio, coleciona HQ e stationery compulsivamente e joga Animal Crossing.
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Débora Pill
Daniel Tamenpi
É jornalista, produtora cultural
Jornalista, pesquisador musical
e apresentadora do programa
e DJ especializado em soul, funk
“Conexões Urbanas”, na rádio
e hip-hop. Escreve o blog Só
Eldorado FM.
Pedrada Musical, onde apresenta lançamentos e clássicos da música negra.
Claudio Cologni
Amauri Stamboroski
Gabriéis Góes e Mesquita
Jornalista, cover do Jack Black e
Fazem a revista Samba, campeã
Sócio da Nitrocorpz, fotógrafo
orgulho de Ijuí. Durante o verão caça
da Feira de Quadrinhos do Piauí e
por hobby, roqueiro por herança e
insetos para a sua filha, Ramona.
indicada ao HQ Mix em 2009.
adora pamonha com linguiça.
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com FERNANDO CATATAU Por tiago nicolas
Seu disco mais pacato Os do James Taylor. Tenho alguns dele.
Um outro disco que poderia se chamar Uhuuu Eddy Grant – Killer On The Rampage
Disco de um cidadão obeso Não é um cidadão, mas é a melhor cantora que eu conheço... Alcione – Morte de um Poeta
Um presente de Papai Noel Elton John, talvez... Nem lembro qual. Esse se garante!
Um disco que poderia se tornar um musical doido Raul Seixas – Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10
Cidadão Fernando Catatau, o Instigado, anda fazendo o cabeção da moçada por aqui. Troquei aquela boa e velha ideia de som com o sujeito, para os cidadãos leitores poderem ter uma noção simplória do que o astro da psico-brega-progpop-revolutional-synth-spiritualart-rock brasileira transou, transa e transará. Uhuuuuuuuuu!
O disco do cidadão cachoeiroitapemirense Vixe... O de 1977, Amigo. Mas tem o de 73, A Cigana...
Um disco que você não entende mas mesmo assim pira muito Daminhão Experiença – Daimião
Um disco tributo Kenny Garrett – Pursuance. Só musica do Coltrane.
Um disco autografado Queria um do Roberto Carlos e um do Richie Havens
Um split que poderia chocar o mundo se fosse lançado hoje Cidadão Instigado – Uhuuu! / Voivod – Rrröööaaarrr
2Tiago Nicolas é 1/6 da Chaka Hotnightz 17
Por Daniel Tamenpi. Colaboração de Suemyra Shah
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rapper e ator norte-americano Mos Def veio ao Brasil em dezembro de 2009 para duas apresentações no Indie Hip-Hop, festival anual que acontece no SESC Santo André. Além dos shows, deu um rolê por festas tradicionais de São Paulo como a Chaka Hot Nightz, no clube Tapas. Bem à vontade, conversou com os presentes, rimou e cantou. Apesar da disposição geral do astro, porém, a produção do evento não tinha notícias animadoras à imprensa. Como parte do acordo para tocar no Brasil, Mos Def tinha feito uma exigência: não conceder entrevistas. “Não insistam”, pedia a assessoria, de forma cordial mas definitiva. Sem esperanças nem expectativa de encontrá-lo, eu já havia me conformado em apenas vê-lo no palco pela primeira vez. Mas por sorte a maré mudou: uma semana antes dos shows, fui avisado de que o rapper faria uma única entrevista no Brasil, para a +Soma. O caminho foi longo, mas consegui falar com Mos Def no trajeto até o aeroporto, no seu último dia no Brasil. Em um bate-papo curto, mas marcante, ficou claro que ele não é um dos grandes ídolos do hip-hop na última década por acaso. 1
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os Def, nascido Dante Terrel Smith-Bey, começou trabalhando em família. No início dos anos 1990, ao lado do irmão DCQ e da irmã Ces, formou o grupo Urban Thermo Dynamics. Mas foi só a partir de 96, quando participou de faixas em discos de Da Bush Babees e De La Soul, que seu nome começou a chamar atenção. Seu primeiro single, “Universal Magnetics” (1997), tornou-se um clássico instantâneo, elevando-o ao posto de promessa do gênero. Mas foi com Talib Kweli que Mos Def carimbou definitivamente seu nome no hall dos melhores MCs da década. A parceria dos dois no Blackstar, que rendeu o álbum homônimo lançado em 98, o colocou ao lado de Outkast e Lauryn Hill nas listas dos melhores álbuns de hip-hop do ano. O mesmo aconteceu com seu disco de estreia no ano seguinte, Black On Both Sides (Rawkus/Priority). Na companhia de bambas como DJ Premier, Q-Tip e Busta Rhymes, Mos Def alcançou a maturidade, atestada em faixas como a jazzistica “Umi Says”.
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Em 2000, outra aptidão do rapper chegou ao grande público, com sua estreia no cinema no filme Bamboozled (A Hora do Show, no Brasil), do diretor Spike Lee. A atuação faz parte da vida de Mos Def desde a adolescência, quando ele fazia pontas em séries de TV como The Cosby Misteries e Here And Now. Nos anos seguintes, ele fez pequenas participações em filmes como A Ultima Ceia e Showtime, até conseguir seu primeiro papel de destaque no romântico Brown Sugar, lançado em 2002. Desde então a carreira dramática de Mos Def disparou e ele ganhou papéis de destaque em filmes como Uma Saída de Mestre, 16 Quadras, O Guia do Mochileiro das Galáxias e o recente sucesso Rebobine, Por Favor. Mas a música não ficou de lado por muito tempo. Em 2004, o rapper retornou com o disco The New Danger (Rawkus/Geffen), apresentando uma proposta musical diferente do anterior, indo em direção ao rock e ao blues.
Contando com a participação em algumas faixas da banda Black Jack Johnson – que tinha em sua formação nomes da pesada como o baixista Doug Wimbish e o baterista Will Calhoun, ambos do Living Colour, além de Bernie Worrell, ex-tecladista do Parliament-Funkadelic e o guitarrista Dr. Know, do Bad Brains –, o disco causou uma certa estranheza no início, mas foi sendo aceito gradualmente pelos fãs. Porém, em 2006 veio o fraco True Magic (Geffen), álbum com história conturbada entre artista e gravadora – saiu em embalagem plástica, sem sequer uma capa. As músicas traziam o ótimo letrista de sempre, mas o conceito e a produção não estavam à altura. O rapper, então, anunciou seu quarto álbum, The Ecstatic, prevendo sem meias palavras que seria “um novo clássico”. Para endossar a promessa, Mos Def escalou um time de produtores que incluiu Madlib, J.Dilla, Oh No, Georgia Anne Mudrow e outros. Se é um clássico ou não só o tempo irá dizer, mas, para um ano como o de 2009, com poucos momentos espetaculares no hip-hop, The Ecstatic foi certamente um dos grandes destaques (ainda que esteja longe da obra-prima Black On Both Sides). Foi com essa turnê que Mos Def desembarcou no Brasil, realizando o sonho dos milhares de fãs que esgotaram, em questão de dias, os ingressos para as duas apresentações. No bate-papo com o público, durante a abertura do festival, via-se uma pessoa de fácil trato, com falas pausadas e sorrisos largos para todas as perguntas feitas. Aquilo me animou – afinal, além de jornalista prestes a entrevistá-lo, eu era também parte de seu público.
+ A entrevista aconteceu no último momento possível. Na caótica noite de segunda, 7 de dezembro, caía o mundo em São Paulo – o que viraria rotina na cidade durante o verão. Mos Def falou comigo dentro da van, a caminho do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Começamos falando sobre o Blackstar, seu primeiro grande trabalho gravado, destacando a importância de todos os envolvidos no projeto. “Tenho muito orgulho de ter trabalhado no Blackstar”, ele lembrou. “Muitas pessoas no grupo, além dos produtores e de Kweli, tiveram uma responsabilidade grande pela qualidade da obra. O ótimo clima que rolou entre todos contribuiu para o resultado final.” Nos últimos dez anos, Mos Def foi uma das figuras mais interessantes dentro do hip-hop. Seus discos trouxeram um estilo particular nas rimas e no flow, além de uma musicalidade nova, que incorporava influências variadas. Parte disse se deve ao fato de Mos Def ser também um instrumentista. “Eu toco bateria, baixo e teclado. Minha formação musical é bem diversificada porque meu pai é um cantor treinado no clássico, além de ser músico.” Ele lembra dos anos de adolescência: “Nessa época, eu já me apresentava com ele. Estudei música, mas, sinceramente, não era bom aluno”. A aplicação em sala de aula acabou não fazendo diferença para o mal, porque o rapper 21
gravou vários instrumentos ele mesmo em seus discos. “Em cada um eu toco alguma coisa. Em ‘Casa Bey’ (faixa de The Ecstatic), por exemplo, toco o piano no fim da música. Quero tocar ainda mais no futuro.” Sobre suas influências, Mos Def não destacou nenhum estilo em si. “Minha música é influenciada pela vida, não apenas por outros estilos musicais. A música é apenas uma expressão da vida, para mim. Em matéria de composição, às vezes eu estou tão envolvido no momento que não me recordo de como compus a música, mesmo depois de tê-la pronta. Elas se formam naturalmente. Essas tendem a ser as melhores.” Observo que essa naturalidade aparentemente contrasta com o comportamento de muitos rappers atuais, que repetem temas recorrentes em suas carreiras. Mos Def concorda com a afirmação, mas faz uma ressalva: “Não acho que seja ruim se repetir, mas algumas coisas não precisam ser repetidas. Todo mundo se repete, é normal. Mas certas coisas não merecem, sabe? E eu acho que é isso o que vem acontecendo.”
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Seu último disco é exatamente o oposto da repetição. The Ecstatic não tem produções óbvias e as letras não seguem as rimas habituais do rap americano atual. Mos Def se dedicou ao conceito desse trabalho durante dois anos, gerando grande expectativa nos fãs. “Meu novo disco criou expectativas que
ignorei totalmente. Não dei a menor atenção a elas. Eu me importo muito com as pessoas, mas, sem querer soar egoísta, não faço música pra elas. Tenho que me sentir bem primeiro e, se isso acontecer, eu tenho certeza de que as pessoas vão sentir o mesmo. Acho que estou certo nesse ponto.” A levar pela recepção do disco, ele realmente está certo. The Ecstatic foi considerado um dos melhores álbuns de hip-hop em 2009 por diversas revistas e sites especializados. A sonoridade com ares do Oriente Médio, presente na maioria das produções, foi objeto de atenção detalhada. As letras, que tratam de assuntos relacionados ao Afeganistão, à Guerra do Iraque e ao Islamismo, também foram bastante comentadas. Mas não para por aí. O álbum é também seu trabalho mais globalizado musicalmente, indo a territórios sonoros da música latina, incluindo uma faixa cantada em espanhol (“No Hay Nada Más”). A música brasileira é homenageada em “Casa Bey”, que traz um sample de “Casa Forte”, da Banda Black Rio. “O MV Bill me deu um CD da Banda Black Rio, e foi inacreditável quando escutei”, ele lembra. “Minha relação com a música brasileira já vem de um tempo. Conheci melhor pelo David Byrne, que me apresentou bastante coisa. Alguns dos meus artistas preferidos são Jorge Ben, Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Flora Purim, Azymuth e Tim Maia”, completa. The Ecstatic foi ainda coroado com duas indicações ao Grammy: melhor álbum de rap, e melhor rap, com “Casa Bey”. Saindo um pouco do lado musical, sabemos que Mos Def tem uma história de militância ligada ao hip-hop, com letras críticas ao governo americano. Como a parceria com o rapper peruano Immortal Techinque no single “Bin Laden”, lançado em 2004. Na música, que teve produção do Green Lantern, a dupla inocenta a eminência parda do terror mundial dos atentados de 11 de setembro, apontando como principais culpados a doutrina Reagan e George W. Bush. “Dollar Day (Katrina Clap)” , do disco True Magic (2006), faz duras críticas ao abandono a New Orleans pelo governo Bush depois do furacão que devastou a região em 2005. A faixa foi proibida nas rádios, além de não poder ser cantada ao vivo – o rapper chegou a ser preso quando desobedeceu a ordem, na noite do MTV Video Music Awards de 2006. Na ocasião, Mos Def estacionou um caminhão-guincho em frente ao Radio City Music Hall (local da premiação) e começou a cantar a música diante da multidão que rapidamente se formou. Ele foi preso durante a performance, apesar de ter consigo uma autorização judicial para a apresentação na rua. O porta-voz da polícia de Nova York justificou a prisão devido “às condições da multidão e da segurança de todos os envolvidos”. A cena foi gravada em vídeo e pode ser vista até hoje no Youtube. Mos Def nasceu e foi criado em Bed-Stuy, região no centro do bairro do Brooklyn, em Nova York. Passou a infância e a adolescência nas Roosevelt Houses, conjuntos habitacionais gigantescos formados por prédios – conhecidos por lá como “projects”. Pedi uma comparação entre os projects de Bed-Stuy e as favelas do Brasil, já que o rapper conheceu a Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. “A diferença entre os projects americanos e as favelas brasileiras é uma só: os primeiros estão acima da linha do Equador e as outras abaixo. Pobre é pobre em qualquer lugar. Existem algumas diferenças, mas favela é favela. Algumas mais confortáveis, se é que se pode dizer isso, outras nem tanto, mas os pobres de toda parte se identificam. Eles têm noção de que ser pobre é uma merda. Mas também existe um certo orgulho na pobreza. Eu tenho orgulho de ter crescido pobre. Se você sobrevive a isso, é uma pessoa muito especial, tem algo único pra dar ao mundo. E eu faço parte disso. Tenho muito orgulho de ter sido pobre.” Perguntei se já tinha passado por sua cabeça ter nascido no Brasil, e a resposta foi direta: “Não. Eu não queria ter nascido em nenhum outro lugar ou momento diferente do que nasci. Eu nasci no Brooklyn, Nova York, em 1973, o ano em que o hip-hop nasceu. Tenho muita, muita sorte! Mas eu amo o Brasil! É um ótimo país, com ótimas pessoas. E, se conseguir se livrar do preconceito racial, será um dos lugares mais fascinantes do
mundo, até mais fascinante do que já é”, acrescenta, tocando diretamente em um dos grandes tabus da nossa autoproclamada democracia racial.
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Mos Def não vê com bons olhos a valorização imobiliária recente em sua área e no Brooklyn em geral: “O Brooklyn está mudando muito. Pessoas com dinheiro estão comprando tudo, abrindo empresas e valorizando aquela área. Estão tentando tirar as pessoas de verdade de lá. Isso, além de influenciar minha música, me dá raiva e tristeza. Estamos tentando consertar essa situação para que o bairro seja para as pessoas de lá – não para as pessoas que estão ali de passagem, mas para as pessoas de verdade.” Nesse contexto de identidade negra e afirmação dos mais pobres, o assunto Obama não poderia ficar de fora, com toda a expectativa e o choque de realidade do seu primeiro ano de mandato. Comentei que o presidente americano era um símbolo de esperança no mundo, e fui interrompido: “Barack Obama é exatamente isso: um símbolo da esperança. Um símbolo! Como uma corrente de ouro é um símbolo de riqueza, mas não significa que seu dono seja rico. Uma corrente de ouro pode ser símbolo de breguice também. Estamos cansados de símbolos! O Obama tem que acabar com essa porra dessa guerra! É isso que ele precisa fazer. Ele precisa mostrar personalidade de verdade. Eu imagino o que ele pensaria sobre essa guerra se tivesse dois filhos adolescentes, em vez de duas filhas pequenas. O fato é que os velhos fazem as guerras para os jovens morrerem nela, e ele é um cara bonitão, que fica bem de terno, tem um sorriso radiante, mas isso não ofusca o fato de que ele está mandando jovens para morrer por alguma baboseira. Você está ouvindo, mundo? Estão jogando com você. Estão te enganando. A Al-Qaeda não é o seu problema. O terrorismo não é realmente a questão, e todos os terroristas têm um emprego no governo. Então é isso, cara. Pare com essa porra dessa guerra, foda-se todo o resto. Se ele continuar com isso, quer dizer que mentiu pra todo mundo, te enganou, te enrolou, é um merda. É isso.” Mos Def ainda esbravejava contra o governo de seu país quando o motorista da van avisou que estávamos chegando ao aeroporto. O objetivo estava cumprido, mas não era nesse clima que eu gostaria de me despedir. Perguntei então sobre sua experiência com os shows de São Paulo e com o público brasileiro. “Eu me senti bem, me diverti muito”, ele respondeu de imediato, mudando o semblante. “Mas o mais importante é saber como as pessoas se sentiram, e muita gente disse que foi bom. Quando eu gosto e elas gostam, é perfeito. É um ótimo dia de trabalho. Eu adoraria voltar, significa muito pra mim estar tão longe de casa e me sentir em casa mesmo assim. Então eu sou muito, muito grato ao Brasil e a todas as pessoas que me apoiaram. Muito obrigado!” Que assim seja! Até a próxima. 3
1saiba mais mosdef.com
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Nascido em Brighton, no litoral da Inglaterra, Thorn começou a tocar piano na infância, época em que as notícias do que acontecia na vanguarda europeia chegavam diariamente à sua casa. Mais tarde, na adolescência, o artista viria a se interessar por essas poéticas inovadoras. Nessa época, ainda no litoral britânico, ele descobriu a importante cena de improvisação livre da Inglaterra e o free jazz americano. Dessa forma, tomou contato com uma música menos linear e a ideia de improvisação, o que mudou sua concepção de vida e de arte. Era a descoberta de uma produção de sons sem batuta e nem plano pré-determinado. Foi justamente a multiplicidade de eventos rítmicos e harmônicos que chamou a sua atenção. Aquela música era feita de melodias que não acompanhavam uma linha sincrônica com o ritmo e a harmonia. Era como se fosse criada uma série de eventos múltiplos na mesma unidade sonora. O gosto do artista por essa série de eventos paralelos, que se relacionam entre si mas não têm determinação uns sob os outros, se mantém até hoje.
“N m ã es ús o cu ic sã lp a, o o e ma b ob s je je um to to a s s.” m qu ús e t i o
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té o momento o artista construiu a sua obra atravessando territórios criativos. Começou como músico, depois quis fazer com que sua música eletrônica se manifestasse fisicamente. Trabalhou com instrumentos musicais, depois quis que o som viesse das engrenagens. Hoje faz esculturas e invenções que tocam suas composições. Com elas, já expôs em espaços de prestígio em Londres, como a Gasworks e a Royal Academy of Arts. Esses objetos não podem deixar de ser associados à música que executam. São quase-esculturas que operam como caixas de música abertas para o espaço. O artista cria a música para o objeto que a executará, o que, acredito, demonstra um desejo de refazer a música eletrônica por meios analógicos. Pude ver seu trabalho de perto durante uma coletiva realizada em uma antiga cervejaria em Brick Lane, Londres, no final de 2009. Dentre os trabalhos de que mais gostei, me impressionou uma traquitana chamada Spider – uma aranha de madeira e componentes de metal que tocam um som à medida que o visitante se aproxima dela. Era a primeira vez que ele tentava conectar o som à presença do espectador no recinto.
Ainda nos primeiros anos da idade adulta, Felix Thorn se dedicou a um trabalho mais sério com o som, algo a que aspirava desde menino. No fim da adolescência, ele descobriu os meios digitais de fazer música e começou a brincar com eles, inspirado na forma de criar de compositores populares ousados como Richard D. James do Aphex Twin e Luke Vibert. O curioso é que sua aproximação de compositores do universo da música eletrônica feita para as pistas não se deu no mundo das raves, mas em razão do gosto pela polirritmia do jazz vanguardista dos Estados Unidos e a improvisação livre dos americanos. Assim, as músicas com sons simultâneos e aparentemente separados uns dos outros o levaram para as baterias eletrônicas mais sincopadas. Sua motivação era a possibilidade de compor em um formato mais tradicional, utilizando as síncopes e assimetrias de que sempre gostou, mas deixando de lado a ideia de improvisação e abraçando a composição. A música era programada, e as peças batiam de acordo com uma linha do tempo previamente estabelecida.
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ic oc a a qu m e
Felix Thorn
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Acontecia então o que talvez tenha sido a primeira passagem do artista. Ele quis que a música que fazia fosse tocada sozinha, como se dispusesse de um número de elementos maior que apenas um instrumento musical. A música digital abria para ele a possibilidade de comandar sua própria orquestra. Ao terminar a faculdade, Thorn quis passar aquela pulsação para um lugar mais físico. A música de que ele gostava antes de embarcar no pop eletrônico se manifestava no espaço, não só no tempo. John Cage, Morton Feldman, Cornelius Cardew e Stockhausen sempre falaram de uma mecânica de sons no espaço, não só em uma ordem temporal. Porém, nada pode ser menos espacial que a eletrônica. O artista, então, começou a se utilizar de instrumentos acústicos programados de forma eletrônica para tocar em um determinado lugar. De compositor digital, ele agora passava a ser um engenheiro de instrumentos que se tornavam esculturas. Fascinado pela pianola e pela caixa de música, seu primeiro objeto de trabalho foi o piano. O piano automático, tão explorado por compositores geniais como Colon Nancarrow, era tratado como um piano temperado. O artista cortava, mexia dentro do instrumento e inseria pedaços de pau e papel para modificá-lo. No entanto, mais espaço era preciso. Foi por isso que Thorn começou a compor objetos visuais que tocavam música. Aliás, o modo como ele narra o processo de criação desses objetos é muito bonito: “Não são objetos que tocam música, mas uma música que esculpe objetos”. Nada parece mais preciso. A disposição, a escolha de cada peça, é sonora, mas de um som que molda um espaço. Dessa forma realizaram-se duas passagens: do digital e imaterial para o analógico e físico. Ao mesmo tempo, o artista tratou de incorporar nas suas composições o meio que propagava o som. Assim, instrumento passa a ser escultura. Nos primeiros trabalhos, uma escultura feita de instrumentos musicais, sobretudo instrumentos de percussão, acionados por motores simples, de brinquedos e eletrodomésticos. Pouco a pouco, leds de luz são incorporados ao instrumento, tal como os motores e engrenagem. Em Glide (2008), peça que o artista exibiu na Gasworks, a aparência não é de um instrumento engraçado, mas de uma escultura cinética, como as criações do artista suíço Jean Tinguely e do brasileiro Abraham Palatnik. Para cada som há um movimento de luz correspondente e uma reconfiguração visual da obra.
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Assim, duas tradições mecânicas das artes do século XX são colocadas lado a lado: as máquinas de fazer som e as máquinas visuais. O balé mecânico das esculturas é acompanhado da música eletroacústica. Não por acaso, o artista assina suas exposições não com o próprio nome, embora confesse que a tendência é abandonar o pseudônimo, mas como Felix’s Machines. Como se fosse manipulador de um artista mecânico e artesanal. Os trabalhos que vi em 2009 estão cada vez menos parecidos com instrumentos musicais e cada vez mais parecidos com engrenagens, aparelhos e máquinas. Isso melhorou a obra do artista. Não se trata mais de instrumentos acionados por energia elétrica, mas dos sons da máquina a executar música. Na peça mostrada durante a exposição coletiva, Thorn apresentou uma escultura que só podia ser acionada pela presença física de quem visitasse a mostra. Através de sensores, a máquina tocava uma música diferente de acordo com os movimentos da pessoa na sala. Assim, foi possível incorporar algo de que ele sempre gostou, algo de indeterminado na ordem dos sons. Muito da arte do século XX tentou transformar o gesto singular e acidentado do homem em algo mais regular e controlado, tal como a máquina. Com um senso estético totalmente pensado a partir da máquina, Felix Thorn tenta o inverso. Como se brincasse na hora do trabalho. 3
2Saiba Mais www.felixsmachines.com Tiago Mesquita viajou a Londres a convite de Converse, para visitar a exposição coletiva de lançamento da campanha “Spark Creativity”, que reúne jovens artistas visionários do mundo todo. (*)
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As Analisar a história em retrospectiva e apontar características de indivíduos ou grupos em determinados períodos de tempo é sempre mais fácil do que descrever algo em constante mudança. Talvez por isso falar da jovem artista Lidia Brancher não seja uma tarefa tão fácil. Lidia tem apenas 22 anos, mas já é um dos nomes mais interessantes da nova geração de artistas de Porto Alegre, tanto no círculo da street art quanto no das artes estabelecidas. Iniciou sua trajetória pintando personagens fofos e bonitinhos na rua, mas logo percebeu que eles não seriam o suficiente para expressar sentimentos mais profundos. 1
A
Mul heres de
idia L Por Ana Ferraz foto por Luise Malmaceda
pós suas primeiras incursões nos muros, procurou o Atelier Livre da Prefeitura, um espaço comunitário de arte em atividade desde os anos 1960 e que tem em suas raízes alguns dos principais artistas gaúchos, como Iberê Camargo e Xico Stockinger. Lá, Lidia se aprofundou no desenho, especialmente de modelos vivos, e na produção de gravuras. Além das artes visuais, sua busca por formação e referências se voltou para a literatura, enquanto suas experiências de vida começavam a emergir em suas obras. Foi a partir dessa mistura que a artista chegou àquela que seria uma das suas principais fontes temáticas: a mulher. Sem um discurso feminista óbvio e caricato atrelado, mas rico em reflexões, Lidia reconstrói sentimentos intimamente ligados ao sexo feminino através de sua arte. Seus desenhos mostram mulheres de verdade, sensação transmitida pela força ou ausência de traços, e não pela busca de uma representação realista.
rentes. No primeiro foi xilogravura, no segundo, pintura de painel e no terceiro, litogravura. Isso mostra a versatilidade de uma artista em formação que, apesar de vir de um contexto por vezes fechado em si (a arte de rua), não parou de pesquisar e experimentar diferentes formas de se expressar. Ainda assim, Lidia mantém uma característica fundamental da street art: a força de comunicação. Mesmo com a profundidade subjetiva do bom desenho contemporâneo, a arte dela pode ser apreciada de maneira simples e direta, pela forma, beleza e pelos sentimentos que surgem, sem a necessidade de maiores explicações.
Desde então, Lidia Brancher já participou de diversos projetos legais, como o livro Xirugravura, editado pela Choque Cultural e exposto no Museu do Trabalho, as coletivas Usina Urbana, na Usina do Gasômetro, e NOZ NA FITA 2009, na galeria FITA TAPE, em Porto Alegre. É interessante notar que em cada projeto citado ela participou com técnicas e/ou suportes dife-
Como começou seu envolvimento com arte? Desde pequena eu gostava de desenho animado e quadrinhos, ficava tentando copiar. Tive professores de arte durante o colegial que estimulavam os alunos a produzir coisas interessantes. Estudei em colégio católico durante todo o primeiro grau. No ano de 2005 comecei a ter contato com o movimento de rua de Porto Alegre e surgiu a preocupação com uma linguagem direcionada para a cidade. Na mesma época procurei o Atelier Livre da Prefeitura e comecei a fazer cursos de gravura. Na xilogravura, tive um professor superexigente que me fez abrir os olhos e querer mais.
Na entrevista a seguir, Lidia conta um pouco mais de sua trajetória, comenta o significado de alguns elementos de sua arte e outras coisinhas, como hobbies, a produção de sketchbooks artesanais, a troca de moleskines pelo correio e sua relação com design gráfico.
Por que sua arte retrata essencialmente mulheres? Bem, mulheres... Primeiramente porque sou adepta das leituras feministas, tenho interesse pelo universo feminino. Sou mulher, sinto na pele todas as angústias, realidades, vontades e possessividades que caracterizam o gênero. Mulheres para mim têm a estética perfeita, são belas e tristes. Isso facilita na hora de desenhar, porque você pode criar uma interpretação em cada gesto, em função da delicadeza. Admiro a evolução das mulheres dentro da história da humanidade e estou sempre à procura de mulheres que fizeram alguma diferença. Me espelho em mulheres fortes, como Simone de Beauvoir, Frida Khalo, Kathe Kollwitz, Camile Claudel, Violeta Parra e Hilda Hilst.
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Noto que, juntamente com as mulheres, imagens de gatos também são recorrentes. Os gatos são sensuais, elegantes e delicados. São animais dóceis e costumam ser ponderados. Ao contrário dos cachorros, que necessitam de atenção, o gato parece ter todos seus atos calculados. Quando saltam de um lugar para o outro, são certeiros. Além do mais, gatos eram adorados no Egito, e eu gosto de arte egípcia. Essa relação entre gatos e humanos é expressada na história da arte há cinco mil anos. Como, por exemplo, Bastet, que era uma deusa representada com cabeça de gato, deusa da fertilidade e da felicidade. O engraçado é que na Idade Média os gatos eram associados às bruxas e assassinados juntos com elas. Existem sortilégios que envolvem o animal, é comum ele ser associado à sorte ou ao azar. Enfim, são fascinantes e companheiros leais. Acredito que sejam mais sinceros que os próprios humanos. Como você vê sua personalidade retratada nos seus desenhos? Existem várias pessoas dentro de mim. Às vezes sou mais rude e forte, às vezes mais delicada. Acredito que no momento que crio não penso só em mim ou na minha figura e expresso algum sentimento, como as minhas dores. Olhos fechados ou cabelos que se enrolam, animais dóceis, mulheres nuas, morangos, são todos elementos que fazem parte de alguma história minha, que pode ou não ser real. Como você começou a pintar na rua? Eu desenhava, mas era passatempo. Tinha amigos no mesmo bairro que pintavam e começaram a estimular. Comprei três latas e numa noite fui para baixo de um viaduto pintar... Sem noção, mas muito pelo feeling. Conheci pessoas e sigo me divertindo. Você pinta bastante com suas amigas. O quanto isso é importante para você? Acho muito importante ter companhia agradável e sinceridade. Para pintar procuro sempre estar com quem tem liberdade de falar o que gosta e o que não gosta. Entre as minhas amigas, algumas começaram a pintar quase na mesma época que eu, enquanto outras me passaram experiências. Inevitavelmente mantemos carinho por cada coisa que conseguimos realizar juntas. Compartilhamos sentimentos normais e anormais. Amizade é isso. Pintar na rua é entrar nesse universo de se envolver com os espaços e as pessoas de cada lugar.
Algum problema com a polícia ou situação inesperada pintando na rua? Não costumo ter problemas com a polícia, mas já tive sim. Já fui pra delegacia uma vez pintando com um amigo em um viaduto, e era vandalismo na cara dura. No fim deu tudo certo e conseguimos aval da Secretaria da Cultura, mas foi um susto bem grande. Outra situação foi com meninos de Curitiba. Eu estava só de acompanhante e acabei indo junto pra delegacia. Achamos que o policial estava plantando “coisas”, imagine! Os meninos (Cimples e Rimon) me taparam, enquanto os materiais ainda estavam expostos. Nisso, tinha um estojo que não era de ninguém. Eu peguei esse estojo e botei no lixo. Depois que nos liberaram, fui no lixo e peguei o estojo. Quando abrimos era só uma escova de dentes! Como você diferencia seu trabalho de ateliê do feito na rua? Tanto no trabalho de rua como no que produzo no ateliê tento manter um diálogo temático. Na rua, o caos: tinta, spray, pincel, dedo no muro, barulho, poluição. No ateliê geralmente produzo gravuras, traços mais delicados, em convivência com várias senhorinhas e com o impressor.
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Me fala da sua relação com caderninhos. Começou quando conheci pessoas em Curitiba que eram fanáticas, que produziam e preenchiam os caderninhos. Me apaixonei. Queria ter muito e aprendi a fazer, produzir séries para vender com meu amigo Federico. Ministrei algumas oficinas no Núcleo Urbanóide. Enfim, amo! Não posso ver um diferente que quero pra mim. São diários e parceiros nas minhas viagens, onde colo, risco e me sinto à vontade.
“Sou adepta das leituras feministas, tenho interesse pelo universo feminino. Sou mulher, sinto na pele todas as angústias, realidades, vontades e possessividades que caracterizam o gênero.”
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E as trocas pelo correio? Especialmente dos moleskines? Sempre gostei de trocar pelo correio. Quando a troca é de arte, o sentimento é o mesmo. Às vezes nem conheço muito pessoalmente quem vai receber, mas compartilho universos parecidos. Com os moleskines começou no ano passado. Já sabia da história que envolvia o caderno e ganhei de um membro desses grupos um moleskine tipo japonês. Foi um presente para participar do grupo “Moly_x_portrait4”, no qual fazemos retratos dos donos dos sketchbooks. Ou seja, pessoas de vários lugares me retratam no meu moleskine. O que te faz continuar a produzir arte? O que você tem vontade de fazer que ainda não teve oportunidade? Eu tenho mil sonhos quanto ao meu trabalho. No momento gostaria de pintar e fazer cada vez mais gravuras. Oportunidade de pintar laterais de prédios, como tem sido comum em São Paulo e em outros países que já têm a street art mais valorizada e associada a grandes galerias ou marcas. Na verdade, enquanto minha arte puder envolver as pessoas, eu me sinto avançando. Quando essa proporção aumentar, acho que uma parte de mim ficará mais completa, mas nunca satisfeita. Mais rua, mais exposições, mais produção, mais viagens e, claro, mais “din din” para poder continuar. O que te interessa no design gráfico, e como você pretende trabalhar na área? Sou apaixonada por materiais impressos: embalagens, papéis, rótulos, revistas, jornais, livros, zines... E também gosto de estampas. Pretendo trabalhar de preferência em um lugar que aceite meu perfil, mas por enquanto estou ainda tateando esse universo. Mas é na área impressa que gostaria de atuar. O que vem pela frente? Continuar produzindo gravuras e obras para uma exposição individual em 2010. 3
1saiba mais flickr.com/huanita 35
Por Mateus Potumati
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ctos. s aspe io r á v ica: um sob na mús é incom para entrar ramática Morais ão d olheu Bruno r que ele esc eitou a tradiç o Armazém e d ia r tó rov rup ns culia A traje lou o g rina, ap -comu ma pe ela for ido em Lond se – que reve aos lugares que os p r a ç e ranaen ra fugir A com ho em o. Nasc o teatr da cidade pa xemplo – pa te um camin ejeição e n eis: a r ndes a r e t ív o is m n p a d , o r s o p a trans mpçã ilencio vangu os gra ar Assu cal. Trilhou s pareceram in olamento d difícil de e Itam is s lo e o a a z l, ve sic inad e la, sica da mú ulos muitas eio mu grave, destre osa”, ele reve e m o c á n t s r z u e o o r q r obs v r o é t o t a zh um e, a laa natura tros do país, ava minha vo do um timbr ra p á d h cen obrin , assim ões e c Eu ac a s “ ir e r. e d a d i a lh traba “Mas fu de ser brinc vel a pretens deu deios. sem ro ‘agora deixou meio vulnerá ilhas e apren u lo d pensei tar’.” Em um evitou arma ciência. Reve s, s is n r a can r e o o c c ar ia mos, M dade e egar p pseudis ar com serie ante de agr s produtores lh o ilh a traba pacidade br a Guizado e daram a t c ue o aju o que is t q a e , p e um g m n o c a r t o XCh ar, dis s de como D e XX uperst e Vitamin A Vontade S s de melhor te, a polir m várias lista e transparen a e s figurou . De fala man u com a +Somao bre falo 2009 isco, so Morais A sua carreira deve muito a uma sacada da sua Bruno re o último d ro, e sobre parte: ter escolhido os caras certos pra trabalhar sob e Ze ll Red Bu r, Volum e ter feito a lição de casa nos lugares por onde anterio ssagem pela ar ix e d sua pa ademy. Sem es de passou. Você não toca nenhum instrumento, não lh Ac Music lado os deta é um grande cantor no sentido convencional, plar de de m e x mas transformou isso em virtude. Fala um pouco nada e imento. 1 r jo a um da influência desses parceiros no seu desenvolonhec auto-c vimento e de como você conseguiu reuni-los. Foi isso que eu sempre soube fazer mesmo, o resto eu não sei. Ainda estou aprendendo. Quando eu parei de fazer teatro e resolvi montar uma banda, em 97, descobri logo que era um cantor tosco, desafinado. E eu era bom ator. Mas tinha um parâmetro alto, ouvia muita música – sempre comprei bastante disco – e sabia o que queria. Você só fazia teatro naquela época, né? Ainda não tinha tentado nada na música. Eu sempre quis trabalhar com música, entrei no curso [da Escola Municipal de Teatro de Londrina] pra me aproximar de um trabalho vocal. Não tinha nada decente em Londrina – eu tinha feito duas aulas de canto lírico, uma tosquice sem tamanho (risos). Acho que eu sempre tive esse radar, de identificar as minhas falhas e o que eu precisava aprender. Hoje o fato de não ter essas habilidades virou minha ferramenta de trabalho. É um jeito bem particular de trabalhar.
Em que ano foi isso? 2003. Trabalhava de garçom ali no Santa Gula (bar/restaurante na Vila Madalena) e morava de favor com uma amiga. Conheci um monte de gente, mas não adiantava nada (risos). Não tinha tempo pra tocar. Aí fui embora querendo desistir, mas minha mãe me convenceu a não parar. Aí o Júlio [Anizelli, produtor londrinense] e o Gustavo [Potumati, também produtor] estavam construindo o estúdio deles em Londrina, e fui gravar meu disco.
E você montou a banda rápido em Londrina? Nada, o povo tinha preguiça de tocar com ator (risos gerais). Mas fui aprendendo aos poucos quem eu devia chamar. Quando gravei meu primeiro disco, coloquei Volume Zero (2005) porque eu não queria que fosse o primeiro. Eu queria dizer pras pessoas “ainda tô fazendo meu TCC”, perguntar o que elas achavam. Porque a gente é oriundo dessa falência da indústria, então eu já sabia que não tinha perspectiva nenhuma de pagar um aluguel bacana, mobiliar uma casa trabalhando com isso. Sabia que seria uma aventura eterna. Então tinha que ter alguma relevância, senão era melhor não fazer. Aí, quando a banda acabou por lá eu vim pra São Paulo.
Fora da periferia de Londrina quase ninguém escuta rap, e seu trabalho se sobressaiu lá muito por um cuidado de produção devedor ao gênero, mesmo quando é orgânico. Tinha uma época que eu gostava de groove – Beck, Jorge Ben, Tim Maia –, depois comecei a curtir muito hip-hop por causa do Voodoo (2000), do D’Angelo. E junto vieram Erykah Badu, The Roots, Common, Macy Gray. Essa galera me interessou muito. Paralelamente a isso, sempre ouvi João Gilberto, Caetano, Gil, Tropicália, Michael Jackson/Jackson 5. Mas até hoje o que eu acho a coisa mais bonita do mundo são mesmo Beatles e João Gilberto. E samba de raiz, que veio depois. 37
Logo depois do Volume Zero rolou a Red Bull Music Academy. Foi algo bem importante no processo de A Vontade Superstar, conta como aconteceu. Fiquei sabendo por acaso. Todo mundo me falava “olha, isso é muito difícil, muito concorrido”. Fiquei em dúvida se valia a pena. Mas mandei pra lá, e cinco meses depois eu estava em Seattle (novembro de 2005). Aí o negócio mudou. Lá, eu comecei a entender um monte de coisa, especialmente em termos de colaboração livre. Nove estúdios, trinta novos artistas do mundo inteiro. Foi muito interessante conviver com isso. Era a Disneylândia, aprendi a falar inglês em três dias (risos).
A versão que entrou no disco foi toda gravada na Academia? Algumas coisas sim, outras não. Eu tinha todas essas coisas já gravadas e fui fazendo, pedindo opinião para as pessoas. Depois chamei o XXXChange pra produzir “Planos”, chamamos o Tony Chang, do [septeto neozelandês de dub/jazz] Fat Freddy’s Drop pra fazer sopro... Ele gravou todas as faixas do disco e até hoje é parceiro. Aí, quando eu voltei, já tinha uma matéria um pouco maior falando de mim no jornal, tinha mais espaço pra conversar com os caras daqui... Porque a merda é assim mesmo, o pessoal só olha pra tua cara quando você tem o aval de alguém.
E além dos músicos também tinha vários produtores, né? Sim, eram 30 medalhões. O cara que produziu a Björk, Chuck D, ?uestlove, muita gente importante. E o conceito era essa coisa da gênese – a primeira grande palestra era com o Leon Ware. Ele inventou um lance, né? Compôs “I Want You”, do Marvin Gaye, trabalhou com o Quincy Jones, produziu Ike and Tina etc. Na primeira noite, bebaço, encontrei ele numa balada do evento. Não fazia ideia de quem era, mas entreguei o disco. No outro dia, ele chegou falando meu nome, que a minha voz era muito diferente das outras que tinha ouvido. E foi ali que eu comecei a entender de verdade a minha voz. Me senti muito autorizado a continuar com aquilo.
Você veio de lá com quantas músicas? Com três: “Planos” e “O Mundo é Assim”, que entraram no disco, e essa com o Leon Ware, que eu vou guardar pro futuro. Mas todo esse pessoal continuou gravando comigo, participaram de todo o disco. Uma raw mix dessas duas faixas entrou no disco da Music Academy, também, mas é algo bem distante da versão final. Aí, quando eu voltei, precisava de uma banda nova, porque todo mundo com quem eu tocava já estava em outra. O Marcelo (baterista) tinha ido embora pros EUA, não tinha como trazer o Mizão (guitarrista) pra cá, o Fuca (Rafael Fuca, parceiro e compositor) tinha ido embora. Também precisava de uma produtora, e achei a Lili [Molina], que me apresentou o [baterista] Guilherme Kastrup. O Kastrup me apresendou o Guizado, o Fuca me apresentou o “novo Fuca”, que era o Zé (o guitarrista José Passeti), que depois ganhou peso e compôs muita coisa comigo, e eu tinha essas bases que gravei em Londrina. Gosto muito de gravar lá, com o Felipe [Barthem], porque ele é muito bom de harmonia, traduz maravilhosamente bem o que eu quero e faz comigo uma coisa que ele não faz com mais ninguém, e vice-versa. Com o XXXChange também é parecido, o que ele faz comigo não tem nada a ver com o Spank Rock, ou os remixes famosos que ele fez pro CSS, Santigold. É outro planeta. Gosto disso, de chamar um cara pra se divertir, fazer algo que ele não faz normalmente. Já que eu não vou ter como bancar, que pelo menos ele seja feliz, descubra alguma coisa nova.
E em A Vontade Superstar o grande salto foi a tua voz. É. E eu gravei com o Leon Ware. Foi a única gravação assistida por toda a academia e imprensa. Eu tava cagando de medo (risos). Mas isso significou que eu poderia colaborar com quem quisesse – porque lá você tem que ganhar as pessoas, o técnico, os colaboradores. Estava de olho no VitaminD (produtor de Blackalicious, Chali 2na etc.) e no XXXChange, que ainda não era ninguém (o DJ/produtor faria sucesso logo depois com o Spank Rock). Aí eu tinha levado pra Seattle um baixo de “O Mundo é Assim” (versão do clássico de Alvaiade que entrou em A Vontade Superstar), junto com outras ideias. O VitaminD gostou e produziu a faixa comigo. Depois chamei a Anya (cantora americana de ghettotech/soul) pra fazer aqueles “pa-pa-pa”. 38
Você falou do samba, que foi um salto importante pra você. Quando começou a se dedicar mais ao gênero? Qual era a essência do que eu escutava? Eu ouvia várias coisas, mas nunca fui muito a fundo na história delas. Naquele tempo que passei em São Paulo, eu precisava ganhar uma grana e comecei a fazer noite com o Fuca. Ele queria pegar um repertório de cover, Marisa Monte etc., mas eu falei “eu não tenho competência pra isso, não vai dar certo”. Aí ele começou a tocar uns sambas, e eu sabia cantar. Não era uma música que eu ouvia todo dia, mas sabia cantar – Orlando Silva, essas coisas. E aí comecei a ouvir mesmo, comprar muito disco. Entrei fundo na Velha Guarda da Portela. “O Mundo é Assim” é a primeira aventura nessa praia. Aí, de Seattle eu fui pra Chicago, conheci o Green Mill (clube centenário de jazz da cidade) e pirei! A história do jazz estava toda ali, a gênese de muita coisa que eu escutava. E tinha uma conexão com esse samba de raiz, então eu comecei a entender que o meu negócio era esse – de um jeito muito pop, que eu só ouvi pop a vida inteira –, e aí o disco apareceu. Você já soltou algumas faixas novas depois do disco (versões para músicas de Lulina e Rômulo Fróes). Como estão seus planos agora? Eu continuo aproveitando esse momento. O Maurício [Tagliari, da YB] fez, por conta dos 10 anos do selo, um especial com câmeras de cinema. Dois artistas da casa – eu e a Lulina, os mais novos –, a Tulipa [Ruiz], o [Marcelo] Jeneci e a Blue Bell. Cada um gravou duas músicas. Esse material foi pra internet, depois pra MTV, no Estúdio A. Agora as faixas vão virar clipe, e eu tenho tocado elas nos shows. E tô fazendo músicas novas. Vou fazer tudo do jeito que fiz, mas dá pra pensar passo a passo, sem crise, porque tenho uma produtora e tem a YB junto. Já conheço todo mundo aqui, então fica mais fácil continuar com essa brincadeira de chamar pessoas. Mas isso mais pra frente, por enquanto eu quero continuar esse show e dar um tempo de gravar. Interagir com esses amigos novos, compor com eles. 3
1saiba mais myspace.com/brunomorais Leia esta entrevista na íntegra e baixe as faixas exclusivas “Bichinho do Sono” e “Cidade Baixa” em www.maissoma.com
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G A H S & N A M E S A B GARY
Por Mateus Potumati e Tiago Moraes
Não é todo dia que temos a oportunidade de bater um papo descontraído com dois dos nomes mais importantes da arte underground atual. Foi nesse clima que sentamos com os norte-americanos Josh “SHAG” Agle e Gary Baseman, momentos antes da abertura da exposição de ambos na Choque Cultural no início de fevereiro, em São Paulo.
A ideia inicial era mediar um batepapo entre os dois, mas acabamos entrando na conversa. Gary fala pelos cotovelos e faz piadas o tempo todo com sua voz de desenho animado – ele próprio poderia ser um personagem de sua série animada Teacher’s Pet, produzida pela Disney no começo da década. Josh é mais comedido com as palavras e dado a enunciações acadêmicas, fruto de um curso de artes levado a sério na
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Cal State University. Ambos têm uma visão lúcida sobre sua obra e a História da Arte, devidamente apimentada por refinadas doses de autohumor e sarcasmo. Além do humor, outro ponto comum no trabalho dos dois é a inevitabilidade em lidar com a meia-idade. Aos 49 e 47 anos, respectivamente, Baseman e SHAG retratam à sua maneira os clichês e dúvidas reais do momento que vivem. Se SHAG abandonou o clima de festa e coquetéis de seus trabalhos anteriores, trazendo à tona um tom mais sombrio e surreal, Baseman parece desafiar cada vez mais os limites entre opostos como o divertido e o sombrio, o infantil e adulto, como se fosse uma batalha pessoal entre a juventude e a maturidade. 1
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SHAG . Você lembra qual foi o primeiro desenho que fez? Gary Baseman . Lembro do primeiro que vendi, eu tinha 12 anos (risos). Vendi por 100 dólares, era um cartão de Natal. Minha irmã trabalhava para uma empresa e me contrataram. Mais tarde comecei a trabalhar como ilustrador, fazendo coisas pra Time, Rolling Stone, The New Yorker. Revistas boas e ruins (risos). Em 1992 tive uma exposição (Nervous Twitches) em uma pequena galeria chamada Illustration Gallery, em Nova York. Naquela época, nenhuma galeria de arte aceitava alguém que trabalhasse com publicações. Hoje, não ligam se você é da street art, se é de Marte, se transa com bonecas. O que importa é a sua arte. GB . Essa pergunta foi bem interessante, agora vou fazer a minha: por que seu trabalho ficou tão fálico? (Risos gerais) SHAG . É pra valer? GB . Foi a primeira coisa que me veio à cabeça. 42
Posso fazer mais uma pergunta, se você quiser. SHAG . Não, a pergunta é boa. Em primeiro lugar, é fácil desenhar um pênis. É só você fazer o contorno e todo mundo já sabe do que se trata. Acho que também é uma forma de me distanciar do meu estilo anterior, que era basicamente sobre pessoas bebendo coquetéis, indo a bares, festinhas. Mas, se você olha para esta aqui (aponta para a tela Trojan Head, exposta no andar inferior da galeria), ela não é tão sexual como os trabalhos do Gary. Não tem personagens cobertos de sêmen ou algo assim (risos). GB . Não é sêmen! É creamy love, que o ChouChou expele depois de tirar as energias negativas das mulheres. GB . Mas a questão além: o que eu amo neste seu trabalho é o fato de você ter se inspirado e acho que muitos de nós hoje também o somos – em The Garden of Earthly Delights, de [Hyeronimus] Bosch. Você era o artista do
cool, do hip, do jazz, e ainda tem esses elementos – a paleta de cores continua a mesma, a abordagem para criar imagens ainda é SHAG, mas agora o tema principal tem uma natureza surreal, onde as coisas não são mais tão belas. Não que o seu trabalho anterior não fosse interpretativo, mas aqui ele está quase em um código onírico, como se fosse sua autocrítica. Por que isso agora? SHAG . Chega um ponto da sua carreira em que você alcança tudo que sempre teve vontade de ter, vários bens materiais, uma esposa que todo mundo olha e admira, mas isso não é necessariamente sinônimo de felicidade. Então você reavalia sua vida e tenta definir quais são as coisas que te fazem feliz e quais as que você pensa que te fariam feliz, mas que na verdade não fazem. É bem isso que está retratado nesse quadro. Eu estou bem ali, de quatro, e minha mulher e meus dois filhos estão sobre as minhas costas. Olho para aquelas duas mulheres lindas e nuas escorregando nas costas de uma baleia. Não vou fazer nenhuma interpretação (risos), mas acho que [o sentido] é bem óbvio.
4THE TROJAN HEAD . 2010 SHAG
+SOMA . A sua mulher está com uma expressão meio de pena, sua filha parece estar com muita raiva e o seu filho está achando o máximo (risos). SHAG . Exato. Eu tentei capturar a personalidade de cada um, a forma como eles reagiriam em uma situação dessas. Estou com 47 anos, devia ter uns 28 quando decidi que queria chegar a algum lugar na vida. Me matei de trabalhar nos 12, 14 anos seguintes. Não deixei passar nenhuma oportunidade de trabalho, pintava quase 18 horas por dia. O sucesso foi chegando, mas eu abri mão de qualquer diversão, só queria saber de pintar. Há um ano e meio ou dois, percebi que eu não queria mais só pintar, queria voltar a me divertir. Voltei a surfar, o que não fazia há 25 anos, voltei a sair com meus amigos, ter vida social. Foi mais ou menos nessa época que eu comecei a fazer trabalhos desse tipo. +SOMA . Você começou cedo como o Gary? SHAG . Eu não vendia desenhos com 12 anos (risos), mas tive bastante influência na infân-
“Enquanto eu trabalhava três semanas em uma tela, esses caras martelavam uma lata de cerveja numa cadeira e iam direto pro bar beber! (risos) E agora todo esse povo trabalha em alguma lojinha vendendo pôster, nenhum deles se tornou artista. Conceito é importante, mas vem depois. É preciso se concentrar em outras coisas antes.” SHAG cia. Meu avô era era um artista comercial bem sucedido, então eu sabia que existia a possibilidade de ter uma carreira. GB . Eu não tive nada disso! Tive só Bob Clampett e Sergio Aragonés (risos). Ninguém na minha família fazia nada que lembrasse arte. Meu pai era eletricista, minha mãe era confeiteira. Não conheci meus avós, mortos no Holocausto. Mas, mesmo sendo de classe média, tive a sorte de estudar em uma escola pública boa de Los Angeles. E as filhas de Bob Clampett estudavam lá. Ele criou um desenho animado nos anos 1960 chamado Beany and Cecil, mas também foi um dos primeiro diretores da Warner Bros., e lá ele fez um dos meus curtas de animação favoritos de todos os tempos, Porky in Wackyland (filme de 1938, com o porco que ficou conhecido no Brasil como Gaguinho), que é uma versão Bosch-surreal dos desenhos da Warner. Ele também criou o Piu-Piu. É um tremendo animador, muita gente se inspira nele até hoje, e foi falar na minha escola quando eu tinha 12 anos! De repente ele estava ali, a três metros de mim! Mas também, naquela época, meu irmão sempre me dizia “tenha seu próprio estilo”. Então, desenhar sempre foi mais desenvolver meu estilo e meus personagens do que copiar, mesmo que eu venerasse Bob Clampett. +SOMA . É verdade que você ganhou prêmios por bom comportamento? GB . É! Eu nunca fui de estudar muito, mas ganhei prêmios por ser um bom menino (risos) – do Los Angeles Youth Council e outros. Eu não era um grande aluno, não era inteligente ainda não sou (risos) – mas acho que os professores gostavam de mim. Tinha alguns objetivos claros: ser um bom menino, trabalhar duro, alcançar algum objetivo na vida. Meus pais eram sobreviventes do Holocausto, meus avós foram mortos na Polônia, perderam tudo que tinham. Assim, a dor pela qual eles passaram não teria sido em vão. É por isso que naquela época meu lema era obedeça às regras. Depois virou fodam-se as regras (risos). 43
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GARY BASEMAN
4The Nature of Chou Chou . 2007
+SOMA . Você citou o Mark Ryden e no trabalho dele há um senso de inocência contaminada, que eu também vejo nos seus desenhos. Talvez porque você tenha se inspirado muito no Bob Clampett na infância, antes de mandar as regras à merda. GB . Inocência Contaminada, tá aí o nome da minha próxima exposição! (risos) Bob Clampett me mostrou uma maneira de ganhar a vida, mas eu também era muito fã do John Lennon, por exemplo, que mesmo sem ser underground sempre foi rock and roll pra mim, e me mostrou que era possível misturar arte e poesia. Também teve a comédia, os Irmãos Marx, Jerry Lewis. Essas coisas me fizeram ter vontade de entreter as pessoas e fazê-las pensar. Alguns de meus personagens podem parecer sujos, malvados, mas o Chou Chou, por exemplo, tira o ódio das mulheres e traz amor. Ele tem algo de subversivo, e existe uma certa dor nele, mas as mulheres adoram, vivem dizendo “quero um pra mim” (risos). Em várias exposições minhas, acabei criando personagens que representam uma série. SHAG . Qual é o desta exposição? GB . Não tem (risos). Para esta exposição, eu estava experimentando estilos de pintura, e era minha desculpa para voltar ao Brasil no Carnaval (risos). Tentei evitar certos temas para criar uma realidade de sonhos, porque esta é uma exposição pequena. Em geral, quando faço uma grande, produzo em média 35 telas, mais uns 15 desenhos, em torno de 60 trabalhos no total. Aqui, são 14 telas e 6 desenhos. Eu amo os trabalhos que produzi para esta exposição, mas é diferente de montar uma grande série. Quando expus em Nova York, na Jonathan Levine – a minha Garden of Unearthly Delights (2005) – criei o Hot Cha Cha Cha, um demoniozinho que deflora anjos roubando suas auréolas. Na Earl McGrath, quando fiz a Happy Idiot (2003), contava histórias sobre um boneco de neve que se sacrifica por amor a uma sereia, se derretendo para que ela sobreviva em seu corpo transformado em água. Em todas essas exposições há um ícone. SHAG . Então é isso que essas coisas significam! (risos gerais) GB . Agora espero poder fazer mais narrativas. Nas minhas primeiras exposições, eu não queria nada escrito, queria que as pessoas entrassem na galeria como astronautas, vendo tudo pela primeira vez, cercados pelos trabalhos, e interpretassem por si mesmas. Agora, quero trabalhar em histórias que tragam mais vida a esse mundo. +SOMA . Como vocês veem a distinção entre o contemplativo e o conceitual no trabalho de ambos? SHAG . Quando estudei arte, tinha amigos cur-
SHAG
4THe Little Buck . 2010
sando escolas com grade bem mais conceitual. Eu estudei mais arte clássica, pintura a óleo, desenho a carvão com modelos nus, essas coisas. Enquanto eu trabalhava três semanas em uma tela, esses caras martelavam uma lata de cerveja numa cadeira e iam direto pro bar beber! (risos) E agora todo esse povo trabalha em alguma lojinha vendendo pôster, nenhum deles se tornou artista. Conceito é importante, mas vem depois. É preciso se concentrar em outras coisas antes. +SOMA . Onde fica a divisão entre ilustração e obra de arte, pra vocês? SHAG . Acho que ilustração é tentar contar uma história. Mas, claro, o trabalho de Gary conta histórias, o meu também... GB . Talvez o termo aí seja ilustrativo. Não significa necessariamente que seja uma ilustração. Pra mim, ilustração é uma tarefa geralmente realizada para uma publicação ou anúncio, quando alguém te apresenta uma história que deseja ilustrar. Acabei de fazer uma ilustração para a New Yorker, a primeira em cinco anos não tenho feito mais nada para revistas, concentro meu tempo no meu trabalho pessoal. Eles me mandaram uma história, eu li e criei uma imagem baseada nela. Nesse caso, foi um trabalho ilustrativo e foi também uma ilustração. Boa parte do meu trabalho também é ilustrativo. Quando você trabalha com desenho e pintura, exerce um lado ilustrativo, que vem da arte comercial – como Josh, Mark Ryden, os Clayton Brothers, Eric White e outros já fizeram. Mas, nas telas, você lida tanto com arte perceptiva como com ilustrativa. É por isso que uso o termo “arte difusa” (“pervasive art”), a ideia de que a arte pode ser percebida em qualquer lugar, que somos capazes de criar arte que não se prenda aos limites que outros tenham criado. Pra mim, a definição de arte difusa é: desde que você seja fiel à sua estética e tenha uma mensagem forte, pode fazer arte em qualquer coisa. Ao passo que arte comercial é negociar minha integridade para vender quadros. Mas não existe preto no branco. Há vários artistas de rua que ganham a vida com marcas de tênis. 45
+SOMA . Quando li sobre arte difusa pela primeira vez, pensei em Rauschenberg, que rompeu com o expressionismo de maneira parecida. Como você falou, os artistas de rua de hoje assumiram uma relação mais direta com a publicidade, com a arte comercial de massa. Você avalia isso como uma nova ruptura, como evolução natural ou como um mau sinal? GB . Não há resposta simples a essa pergunta. Depende do artista e do que ele faz. Se você faz um trabalho para uma grande corporação, já sabe: não pode xingar, mostrar genitais, fazer nenhuma crítica social ou política. Eles estão comprando só seu estilo. Como artista, eu nunca gostei de fronteiras. Quando era ilustrador, eu tinha que ser rápido e trabalhar dentro de um perímetro apropriado para aquela publicação. Da mesma forma, quando fiz minha animação para a TV, trabalhei dentro de limites. Como pintor, não quero saber dessas coisas. Gasto meu tempo criando à minha própria maneira, sem ninguém dizendo “ah, não pode colocar essa terceira perna no diabinho”, “não pode escorrer essa meleca do umbigo”. Estou dizendo algo maldoso? Estou machucando alguém? Não! Estou passando mensagens sobre amor, descoberta, abertura, aceitação. Quero ser um mágico que atravessa muros, que as crianças mais novas possam se apaixonar pela minha arte, que todos possam entendê-la e apreciá-la, do mais leigo ao maior especialista. Mas você acha que vai ver o Chou-Chou em um anúncio da Nike? Ou mulher pelada? Eles não querem receber uma carta de algum grupo ofendido. E eu tenho algumas amigas lésbicas que amam o ChouChou, mas também já recebi algumas cartas doidas – de homens (risos) – criando polêmica em cima de nada. +SOMA . Matt Stone e Trey Parker, do South Park, disseram em uma entrevista que a cada episódio eles se fazem a mesma pergunta: “o que teremos que fazer desta vez para sermos demitidos?” Teacher’s Pet não tem nada de chocante, acredito que tenha sido mais fácil de trabalhar com os produtores. Você teve muita interferência criativa? GB . A atitude do diretor e dos roteiristas a esse respeito era bacana. Quando [os produtores da Disney] diziam pra mudar alguma coisa, eles me mostravam que não era sim, senhor, vou mudar . Várias pessoas tirariam muito e acabariam matando a história, mas eles pensavam “queremos falar isso, como podemos tirar o mínimo possível? Nós não queríamos ofender só por ofender. Por mais que South Park seja muito ofensivo, também não é só isso. Eles estão se manifestando em favor da democracia, da liberdade de expressão. Eu nunca estudei arte, me formei em Comunicação na UCLA. Sempre defendi a Primeira Emenda [à Constituição dos EUA, que fala sobre liberdade de expressão], fui até estagiário da Federal Communications 46
Commision (agência independente responsável pela universalização da comunicação nos EUA). Quase fiz faculdade de Direito, mas depois percebi que a melhor forma de ajudar era participando. Perdi algumas batalhas, claro. Meu primeiro grande trabalho foi uma capa para o New York Times Book Review. Dentro, havia uma seção de arte, e eu desenhei detalhes de quadros importantes pra mim entre deles The Garden of Earthly Delights. Desenhei uma cena a próprio punho no fundo da página. E o diretor de arte virou pra mim e perguntou “o que é isso?” “É um detalhe de Bosch, arte clássica”, eu respondi. “Mas o que é isto aqui, em particular?” “Ah, isto? É uma flor saindo da bunda de um homenzinho, mas é parte de uma tela clássica, é arte!“ Ele disse, “Quando Bosch desenha, é arte. Quando você desenha, é uma flor saindo da bunda de um cara. Você tem que tirar isso daí (risos)”. Dez anos depois, quando montei a exposição na Jonathan Levine, a primeira tela que eu fiz foi um diabo com uma flor saindo da bunda (risos).
Dez anos depois, coloquei isso na parede de uma galeria importante. GB . Falar sobre flores saindo da bunda é o gancho perfeito para voltarmos ao trabalho do Josh (risos gerais). O que você está achando do Brasil? SHAG . Eu amo o Brasil, as pessoas aqui não parecem ser como em Nova York e LA, que vivem pisando nas outras pra subir na vida. GB . As pessoas que conhecemos até agora são mais tranquilas. Esta é a minha terceira vez aqui. Na primeira, fiquei só em São Paulo fazendo palestras. Na segunda, há dois anos, fui para o Rio também. Era perto do Carnaval, e me arrumaram uma credencial para a avenida. +SOMA . Foi só ver as Escolas de Samba ou viu mais coisa? GB . Vi tudo e todo mundo que você possa imaginar. Fui nas festas legais, nas festas caídas (ri-
4DETALHE DA OBRA “I WILL” . 2010 SHAG
“Gosto da ideia da difusão, de uma arte mais abrangente, capaz de quebrar as barreiras entre as mídias. Podemos trabalhar na moda, em shapes de skate, em brinquedos, criar uma performance. Prefiro pensar no método a pensar no conteúdo.” Gary Baseman
sos), nos blocos de rua com gente vestida de Mickey e outras fantasias muito bem sacadas. Todo mundo bebendo geladinho de cachaça, dançando direto por 30 horas. Depois a gente ia pra algum clube e voltava pra rua de novo. Fui ver os desfiles, consegui entrar na avenida e tirei nove mil fotos com este filho-da-puta (o boneco Toby, que carrega para todos os lados). Não vejo a hora de levar o Josh pro Rio, porque aqui é muito grande. Lá é mais fácil se movimentar por todos os cantos, ir à praia, aos morros. +SOMA . O Baixo [Ribeiro, da Choque Cultural] disse que pediu pra você escolher uma data e você disse Carnaval (risos). GB . Ele queria ter feito duas semanas antes, mas eu disse “não, vamos fazer mais perto do Carnaval” (risos). Em Los Angeles, tenho uma rotina de trabalho muito pesada, então a gente faz um esforço muito grande pra vir aqui, porque vale a pena. O Brasil tem uma identidade tão única, e o engraçado é que todo mundo aqui fica me avisando pra ter cuidado. Todos os lugares do mundo onde as pessoas me dizem pra ter cuidado acabam sendo os melhores! Me disseram pra ter cuidado na Rússia, em Israel, no Brasil. E todos foram inesquecíveis – as pessoas são mais animadas, amigáveis, e você vive coisas que não vive normalmente. Eu fui criado em Hollywood, que é um lugar muito transitório, pra onde muita gente vai, mas poucos ficam. Todo mundo vai pra lá pra tentar se dar bem no mundo do entretenimento, e muitos pensam que é como ganhar na loteria. Existe gente talentosa, é claro, mas muitas pessoas veem que você é pintor e pensam “que legal, acho que vou ser pintor também”. Eu penso “você não tem culhão pra isso!” (risos). O Josh, por exemplo, pinta todo dia, tem estrutura, algo a dizer. Esse povo acorda um dia e pensa “vou virar artista”, mas não tem nada a dizer! Ser artista não tem nada a ver com isso. Quando monto uma exposição, estou fazendo um manifesto, reunindo um conjunto de trabalhos. 47
gary baseman
4chouchou diptich . 2009
Quero desafiar as pessoas, fazê-las pensarem, rirem, serem mais confiantes em si mesmas, descobrirem coisas. A minha última exposição se chamava La Noche de La Fusion (realizada em Los Angeles em maio de 2009), que foi inspirada em parte pela minha última visita ao Brasil. Foi a noite da fusão, do derretimento, de borrar os contornos, misturar puro com impuro, certo com errado. Tinha garotas fantasiadas de personagens meus, bailarinos, cuspidores de fogo, escultores de balões, jogos. Foi mais do que uma festa, foi uma experiência, feita para as pessoas interagirem. +SOMA . O que você acha do termo surrealismo pop , usado por alguns para descrever o trabalho de artistas como você, Mark Ryden e outros? GB . Eu não gosto do termo, prefiro arte difusa. Chamar de surrealismo pop é tentar definir o conteúdo da arte. Pra mim houve a pop-art, que foi muito importante, mas é algo dos anos 1960. Surrealismo foi igualmente fundamental, inspirado por vários movimentos, mas é um fenômeno dos anos 1920-40. Warhol foi uma influência, certamente, mas, se você olhar para o conteúdo da arte dele, não é importante para os dias de hoje. Há tantos artistas talentosos, pintando de maneiras tão diferentes e originais. É muito limitado definir o trabalho deles como uma mistu48
ra entre cultura pop e imagens surreais. É por isso que gosto da ideia da difusão, de uma arte mais abrangente, capaz de quebrar as barreiras entre as mídias. Podemos trabalhar na moda, em shapes de skate, em brinquedos, criar uma performance. Prefiro pensar no método a pensar no conteúdo. Acho errado reduzir a isso o que Mark Ryden faz, a forma como ele cria seus ícones e os reúne, suas imagens oníricas, tão assustadoras, belas e perturbadoras ao mesmo tempo. Ou os Clayton Brothers, cujo trabalho é tão forte que criou um folclore próprio. Ou Camille Rose Garcia, que também criou seus personagens e tem um estilo muito particular. Ou mesmo o Shepard Fairey, que é designer, tem uma revista, uma linha de roupas, e tem um traço tão forte que ajudou a eleger nosso presidente. O trabalho dele atravessa essas fronteiras e tem densidade. Pra mim, isso é arte difusa. É possível que exista alguma semelhança estilística entre nós? Não sei, talvez cem anos depois da minha morte alguém consiga identificar, ou talvez isso seja chamado pra sempre de low-brow. +SOMA . Essa conversa começou entre vocês dois, então acho que vocês poderiam encerrá-la. GB . Deixa eu pensar... Onde você quer estar daqui a cinco anos? SHAG . Sendo bem sincero, eu gostaria de pintar
menos do que agora. Passar menos tempo trabalhando e mais me divertindo. Mas tenho mulher, dois filhos, uma casa, empregada... Várias pessoas dependem de mim. GB . E aposto que todos eles acham que você não passa tempo suficiente pintando (risos gerais). SHAG . Pois é, mas eu trabalho 10, 12 horas por dia. Cada peça nesta sala demorou em média um mês para ficar pronta. Será que se eu pintasse três vezes menos por ano, meus quadros valeriam mais (risos)? GB . Acho que todos nós, artistas, passamos por algumas revoluções pessoais. Quero chegar daqui cinco anos e me perguntar “como eu quero criar?” Comecei como ilustrador, trabalhei com animação para TV e me estabeleci como pintor. Em cinco anos, quero ser capaz de criar e trabalhar de maneira diferente mais uma vez. 3
2SAIBA MAIS www.shag.com www.garybaseman.com Leia esta entrevista na íntegra e veja a galeria com os dois artistas em www.maissoma.com
SHAG
4An Excuisite Hunger . 2010
49 GARY BASEMAN
4Dying of Thirst . 2007
O olho de um scanner abandonado não está cego. Apenas deixou de olhar o mundo conforme programação formulada pela indústria. Um equipamento quebrado se torna marginal na sociedade de consumo. A esse olhar marginal da máquina, Guilherme Maranhão sobrepõe a atitude libertária, subversiva, de reinventar seu ponto de vista sobre o visível. Ao recuperar esse olho eletrônico do lixo das lojas de sucatas e reinseri-lo no mundo, o artista tira do automático a máquina, a função do fotógrafo e, por fim, a percepção de quem observa tais imagens. Esse circuito, criado por Maranhão, permite que o acaso também concorra na interpretação da paisagem, conferindo-lhe uma visualidade que não tem como referência a hegemonia do olhar humano, e tampouco segue a bula do programa que transforma o mundo numa mimese pasteurizada e hegemônica, elaborado pelos engenheiros. “Pluracidades”, gestada à margem da automaticidade do olhar da indústria eletrônica e sob o ponto de vista deste fotógrafo desobediente das regras, faz emergir no nosso olhar robotizado a paisagem reinventada de uma cidade errática. Sem referências geográficas, essa estranha urbe se redesenha em geometrias lúdicas, em rastros luminosos que flagram a passagem do tempo. E, assim, a vida se precipita, linha por linha, em poéticas fusões de cores, formas e associações que redimensionam a experiência do olhar. Eder Chiodetto Curador do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM-SP
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4www.flickr.com/biaia Bia Bittencourt
Quer publicar seu trabalho na revista e expor no nosso espaço? Mande um email para entreoutros@maissoma.com com amostras da sua arte em baixa resolução (72dpi) e torça para ser selecionado!
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60 Amanda Pankill
4http://www.flickr.com/pankill
Loro Verz
4www.flickr.com/loroverz 61
62 Gais
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Bruno Borges
4www.oit8doi2.com
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por dĂŠbora pill . foto por fotonauta
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a gravar os “ Comecei compositores negros
Hélcio Pascoal Milito é uma lenda viva. Percussionista, baterista e produtor musical, foi também o inventor da tamba, instrumento de percussão formado por quatro frigideiras, caixa-clara, três tambores e dois bambus. Iniciou sua carreira profissional em São Paulo, em 1948, no Conjunto Robledo, e passou por grupos como a Orquestra do Maestro Peruzzi, o Sexteto Mario Casali, a Grande Orquestra de Luís César, o trio de Izio Gross e a Orquestra da Rádio Nacional. Em 1957, se mudou para o Rio e tocou no Conjunto de Djalma Ferreira; um ano depois, acompanharia Ary Barroso em sua turnê pela Venezuela. Ao lado de Roberto Menescal, Luiz Carlos Vinhas, Bebeto Castilho, Luiz Paulo e Bill Horn, formou o Conjunto Bossa Nova, nos primórdios do gênero, e gravou o compacto Bossa é Bossa (1959). Em 1960, tocou a tamba pela primeira vez durante o show do cantor Sammy Davis Jr. no Teatro Record, em São Paulo. Em 62, fundou o histórico Tamba Trio, ao lado de Luiz Eça e Otávio Bailly, logo substituído por Bebeto Castilho. Dois anos depois, saiu da banda e foi para os Estados Unidos tocar ao lado de feras como João Gilberto, Stan Getz, Astrud Gilberto, Luiz Bonfá, Gil Evans, Tony Bennett, Wes Montgomery e Duke Ellington. No Brasil, acompanhou Nara Leão, Eumir Deodato, Maysa, Carlos Lyra, Clementina de Jesus, Quarteto em Cy, Joyce, João Bosco, Sivuca, Milton Nascimento e Nana Caymmi, entre muitos outros. Produtor musical da CBS e Tapecar, promoveu uma revolução criativa nas duas gravadoras, levando à lista dos mais vendidos uma série de nomes ignorados por ambas. Participou também da trilha sonora dos filmes Cinco Vezes Favela, Os Cafajestes e Garrincha, Alegria do Povo. Milito ainda esteve presente em outros momentos históricos. Nasceu em meio à polêmica dos militares na ponte da Estrada de Ferro da Lapa, durante o movimento separatista paulista nos anos 1930. Botou fone no ouvido e, em um rádio-galena, sintonizou a primeira estação da região. Riscou o asfalto de Interlagos a 150 km por hora na corrida de 24 horas do autódromo. Teve que mostrar suas letras para as “quatro velhas histéricas” da censura. Em todas essas aventuras, garante, esteve “sempre com a mente na música”. Senhoras e senhores, o mestre Hélcio Milito. 1 66
das escola de samba. Se você quer gravar, tem que ouvir os caras! A fonte está ali, são eles! Eu calei a boca de todo mundo!”
Quando a música invadiu a sua vida? Eu tinha 6 anos de idade, era 1937. Minha mãe tinha aqueles fogões a lenha enormes, com oito bocas. Eu resolvi pendurar um monte de tampa de panela pra tocar. Foi do nada – eu não tinha visto isso em lugar nenhum! Não faço ideia de onde tirei aquilo. Talvez seja uma coisa genética mesmo. A verdade é que eu pendurava as panelas, batia e infernizava a vida da minha mãe (risos). E a inspiração veio de onde? Meus avós por parte de mãe eram pintores e escultores. Minha mãe era desenhista de moda, de Milão – desenhava chapéus para as grandes famílias da sociedade paulista. Meu pai era engenheiro da estrada de ferro São Paulo Rail Company. Todos italianos que chegaram aqui e foram estudar. Eu vim desse meio. Além disso, minha mãe cantava ópera afinadíssima, a capela. E seu pai? Meu pai não era ator profissional, mas andou aparecendo como amador. Ele era boa pinta, tipo calabresão. O pessoal achava ele mais bonito que o Clark Gable! Escrevia poemas, não usava revólver. Porque lá embaixo, no Sul da Itália, era um faroeste danado. Quando você largou as panelas e foi tocar de verdade? No meu bairro tinha um salão de baile. Eu ajudava o baterista, que era o titular da orquestrinha do Orlando Ferre. Na época não tinha escola, os bateristas brasileiros tinham que ir pra Buenos Aires estudar. Aí eu estudava na casa de um amigo, que foi professor na escola do Zimbo [Trio], mas não adiantava, porque a gente não conhecia o sistema! Só fui conhecer o sistema com um professor, master de percussão da Sinfônica de Cleveland. Eu saí de lá sabendo trabalhar até como regente! Quando fui pros EUA, entendi o quanto isso tinha sido importante, porque ia gravar com orquestra e cada vez encontrava um regente diferente. Um regente inseguro leva você a se sentir inseguro também. Minha estreia em São Paulo foi num táxi-danças...
4a Tamba
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“
Os ‘donos da bossa nova’, que eu não preciso falar o nome, criticavam! E eu falava: ‘Bicho, vocês estão totalmente por fora. Isso é bossa nova, é samba, não interessa! Eu estou interessado no país, na cultura da gente! Não vou ficar preso’.”
O que eram os táxi-danças? Era um grande acontecimento por aqui, copiado dos EUA. As meninas ficavam sentadas dentro do salão, e, quando você entrava, ganhava um cartão com vários números. Elas eram obrigadas a dançar com você, não podiam rejeitar. Era grosseiro… muito machismo. Quando terminava a dança, a menina marcava o tempo e dava pro fiscal, que perfurava o cartão. Aí você sentava, tomava sua cerveja, e quando saía tinha um caixa. Eles faziam o cálculo pelo cartão e você pagava a conta. Muitas meninas enlouqueciam, mas elas não podiam deixar de ganhar aquele dinheiro. Tinham que aturar um monte de cafajeste, que aprontavam todas. Esse táxi-danças ficava na esquina da Ipiranga com a São João, se chamava Dancing Maravilhoso. Tinha também o Cuba, perto da Duque de Caxias, o Olido… Eu fui progredindo, mesmo sem escola, tocando nesses lugares todos. Em 1952, acabei tocando com a banda do Maestro Peruzzi, considerada a melhor na época. Era praticamente só de negros. Eles usavam aqueles paletós com o ombro que vinha até aqui, sabe? (mostra um tamanho maior que o ombro). Cópia das bandas americanas, você deve ter visto nos filmes velhos. Fora a calça justa. Tinha um delegado no Rio que jogava uma laranja na calça do sujeito, pela cintura. Se não passasse, ele prendia o cara. Se você usasse a boca da calça justa era sinal de que era malandro. Aliás, se você tocasse samba, era malandro e podia ser preso. Você sofreu preconceito por ser branco e tocar samba? Minha família era racista. “Você vai tocar esse instrumento de bêbados e negros?” Eu era bem jovem. E não aguentava mais aquilo, por isso fui embora. E quando veio a primeira gravação? Em 1954 gravei um “dobrado” em comemoração dos 400 anos de São Paulo. Dobrado porque a música brasileira é em dois por quatro, é marcial. É militarista, veio de uma mentalidade militar. Como você foi parar no Rio? Nós trabalhamos aqui no Teatro da Praça Júlio Mesquita com o José Vasconcelos. Eu estava namorando uma moça que era modelo na peça dele. A gente apaixonadão, aquela coisa de jovem... E lá fomos nós pra Bahia com a peça do Zé. Passamos um mês lá. E ficar apaixonadão na Bahia é um negócio maravilhoso! Sinto muitas saudades dessa época. Bom, aí a gente foi pro Rio com ele. Acontece que o Zé não pagou a gente. E lá no Rio, não tendo como pagar o hotel, eu tive que me virar. Liguei pro meu pai, depois o Dom Romão me ajudou também. Aliás, ele foi um dos grandes amigos que eu tive. Adorável. Onde você tocou no Rio? Lá eu tocava no Drink, que era uma casa do Djalma Ferreira. Eu e a Marlene morávamos no segundo andar do Drink. Eu descia por dentro pra ir tocar! E ela desfilava com Carlos Machado na época, então vinha pro centro e voltava. E eu lembro de várias histórias lá no Drink... Por exemplo: praticamente toda noite, eu levava o Ary Barroso pra casa, lá no Leme. Ele ficava de porre! Mas porre mesmo, de ficar com a boca mole. Ele me chamava: “Ô garoto! Quer me levar pra casa?" Tinha um Chevrolet 55, e eu dirigia pra ele sem ter carteira nem nada. Deixava ele em casa e escutava um “Brigado, garoto!”. (risos)
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E aí você foi pro rádio. Na sequência, arrumei um emprego na Rádio Nacional. Era bom, pagava meu aluguel. Eu era o sexto baterista da Rádio. Naquela época era tudo ao vivo – às 14h, Marlene, Emilinha, Ângela Maria... Toquei com todas. Eu era o mais novinho. Teve um dia que era a Ângela Maria, e eu tava com aquela energia toda, quebrando tudo... A orquestra fez a abertura da música e eu tinha um pequeno breque de bateria de dois compassos. Quando vi a parte – eu já estava estudando, lendo e tal – não sei por quê, mas fiz um troço que ela não conseguiu atracar! Foi um desastre! Caiu a orquestra, caiu ela… O maestro queria me matar! Me suspender! E olha que ela era muito boa de ritmo, hein! Ela era danada! A melhor de todas… E queria me jogar lá de cima, do 22º andar. Eu era inexperiente… Depois, mais velhos, a gente conversou sobre isso e morreu de rir. Quando você resolveu criar a tamba? A nossa geração tinha muito orgulho de dizer que era brasileira. Vocês não imaginam! Toda aquela coisa – nova capital, cinema novo, primeira Copa do Mundo de futebol… O Juscelino era o presidente bossa nova. Não era só a música bossa nova, tudo era bossa nova! Entendeu? Todos nós pensávamos em criar alguma coisa! E todos eram inocentemente nacionalistas. Então eu pensei em criar um instrumento! Eu pensava: “Por que tenho que tocar um instrumento americano? O ritmo brasileiro tem que ser tocado em pé, com movimento!” Eu tocava sentado, mas me sentia melhor tocando em pé. Fiz então o instrumento, à mão, com um amigo. Simplezinho. E de onde veio a inspiração do desenho da tamba? A Rússia tinha acabado de mandar o Sputnik, e eu comecei a filosofar sobre a coisa de o homem sair de si mesmo. Como se fosse um novo nascimento, sabe? Aquilo me impressionou. Eu olhava o Sputnik ali, com as três antenas, e resolvi virar de ponta-cabeça, transformar em três perninhas. Aí furei a bola com uma rosca, botei as perninhas e estava pronta a tamba! E o Tamba Trio? O Tamba não era só bossa nova. A gente pegava uma música folclórica, fazia o arranjo e éramos ovacionados em qualquer lugar! Nos shows, eu colocava a tamba no canto do palco e o Bebeto parava o baixo, fazia ponte com a flauta e voltava a capela… Aí iam os três pro lado da tamba, o Luiz pegava o tamborim, o Bebeto, o agogô e a gente fazia uma batucadinha! 69
4Três compactos da pesada produzidos por Milito: Capim Gordura (Tapecar), Watusi (Epic) e Rô e Carlinhos (CBS), este último bastante raro. Embaixo, seu grande orgulho: o 78 70 da primeira gravação de “Garota de Ipanema”, feita pelo Tamba Trio, à época ainda sem letra.
Mas aí os “donos da bossa nova”, que eu não preciso falar o nome, criticavam! E eu falava: “Bicho, vocês estão totalmente por fora. Isso é bossa nova, é samba, não interessa! Eu estou interessado no país, na cultura da gente! Não vou ficar preso…” E como era a CBS quando você entrou? Só funcionava ieieiê com Roberto Carlos. Eu criei algumas coisas, comecei a gravar os compositores negros das escola de samba, por exemplo. Esse era o meu trabalho, ouvir os caras. Se você quer gravar, tem que ouvir os caras! A fonte está ali, são eles! Eles ficavam lá na porta da companhia. Eu saía pra almoçar, voltava, eles estavam lá. E onde é que eles iriam estar? Tinham que estar lá mesmo! Então eu me equipei, botei um gravador bom e passei a atendê-los. As pessoas não acreditavam, isso nunca tinha sido feito. E eu calei a boca de todo mundo lá dentro! No final das contas, botei cinco, seis nomes na lista dos mais vendidos: Wilson Moreira, Zuzuca, José Pegador, a Velha da Portela – acabei me tornando membro da escola por causa disso –, o Candeia. Você sabe, eu não bebo, mas subia o morro e tomava cachacinha com ele pra ouvir o som. É assim, quando você quer ouvir, tem que fazer, não ficar na conversa! E por que eu mantinha o Jackson do Pandeiro na CBS? Porque esse cara é de uma importância… Esse pessoal não pode imaginar o que ele fez pra música brasileira! A suingueira que ele era… Um simples pandeirista! Ele e a Almira! Pena que antes de ele morrer eles se separaram… Outro orgulho foi o Jacob do Bandolim. Eu tirei ele da RCA. Os dois últimos álbuns ele gravou na CBS. Foi uma grande vitória pra mim. E “Capim Gordura”? Essa foi outra vitória. Composição do [maestro] Laércio de Freitas. Eu dei pro [pianista Luís Carlos] Vinhas, pra ele ganhar um dinheiro. Ele era um problema pra todo mundo, menos pra mim… Eu adorava ele. O disco vendeu 900 mil cópias. Outra coisa muito boa naquele álbum é que no lado B eu botei “Chovendo na Roseira” do Tom. Imagina! De um lado, “Capim Gordura”, interior de São Paulo, com vocal carregado de sotaque e tudo… Outro mundo! (risos) E vendeu pra caramba! O Imagem Barroca também foi assim. Fico feliz em saber que até hoje, depois de 42 anos, esse disco ainda vende no Japão. Era cravo, quarteto de cordas, instrumentinhos… E eu mesmo fiz a bateria, um negócio muito leve. O Bailly num lado e no outro Luiz Eça, duas coisas opostas! O Luiz vivia se queixando. Na verdade todo arranjador de valor reclama que não tem chance de fazer um grande trabalho. Então eu falei pro Luiz meter a caneta, e ele escreveu. Mas não vem com essa de improvisação, senão não vende! Eu escolhia outros caminhos, mas que vendiam. Você tem que calar a boca deles fazendo, só isso.
Em meio a tantos sucessos, houve algum erro? Dom Salvador. Ele usava aquele cabelão do black power e tal. E eu fiz a capa assim, ele com a mão fechada na mesa, tudo em preto e branco, ele com uma jaqueta meio black panther. Mas ele era gatinho, não tigre! Perdi tempo. E ele também. E a companhia perdeu dinheiro. Na época eu pensava: “Vou fazer um disco que vai vender menos, mas que precisa ser feito. Alguma coisa vai acontecer”. Não vendeu e eu nem me incomodei, porque sabia. Foi assim com a Orquestra Afro-Brasileira, com o Pedro [Santos, do enigmático e idolatrado disco Krishnanda].
ia vender – eu não poderia mexer, o repertório era deles –, mas não podia deixar aqueles caras sem um álbum. Acabei gravando [o disco Orquestra Afro-Brasileira, de 1968] do jeito que eles tocavam, no estilo deles, com o vibrato, que o músico de jazz não gosta. Porra, tô de saco cheio desse troço, músico de jazz virou palavra final agora? Tem outro tipo de música que é legal. Por exemplo, tem dias que eu ouço Miles Davis porque acho fora do tempo. De repente ouço música clássica, outro dia vejo na TV um duo sertanejo com uma letra bem humana. Como eu adoro o eletrônico às vezes. Música é momento, arte é momento.
E, falando em momento, qual o segredo dessa energia toda aos 79 anos de vida? Olha, eu nunca fui de entrar em porcariada. Não entrei em droga nem bebida. Eu sabia que, se entrasse, não saía mais. Fui fazer ioga. Entrei numa escola onde um amigo, que tocava violino, praticava. Ele percebeu que eu também estava buscando alguma coisa diferente. Porque Nova York é muito dura, se não estiver bem consigo mesmo você dança. E quando bate aquele frio de 30 abaixo de zero? Mas lá fui eu… E me encantei pela coisa! Depois, já aqui no Brasil, aprendi um relaxamento que até hoje faço se estou com estresse. É uma época de muita transformação no mundo. E eu não tenho religião, então faço exercício, a técnica Schultz, em que você controla seu corpo. É fantástico. Não tomo nada: só sento, faço esse exercício e passa tudo.
4Disco de Dom Salvador: “único fracasso”.
Conta do Pedro. Ele era baterista da Orquestra do Severiano Araújo. Eu já tinha ouvido falar dele, e ele falou comigo das ideias que tinha, umas coisas místicas, mas que no final não eram místicas, e por isso o povo chamava ele de “Pedro Maluco”… Essa coisa ignorante.
E quais os planos para o futuro? Estou de olho em uma companhia para fabricar a tamba. E tem o método também, que vai sair. Além do que você viu aqui nessa tamba, tem dois bambus que o Pedro [Santos] me deu em 67. Agora eu adicionei os tubos que uma família italiana fez pra mim em Nova York, são lindos. O som é celestial. Porque barulheiro tá cheio por aí! A percussão tem o seu romance, a necessidade de diálogo, por isso que eu gosto de gravar coisas, porque é um diálogo. Um desenho aqui, outro lá. Aí eles tocam. Eles falam! Um fala com o outro. 3
Que ideias eram essas? Ele era profundamente contra o que as religiões pregavam, tinha outros caminhos pra explicar suas preferências. Você vê que o álbum é todo ele, a música que ele criou, o desenho da capa, a filosofia, as letras. Olha só o que tem ali! Como percussionista, ele era o melhor de todos. Se fosse lá pra fora, seria um cara riquíssimo, porque ele criava. Pegava um brinquedinho de criança e transformava num instrumento. Não é todo mundo que faz isso.
1saiba mais myspace.com/tambatrio bit.ly/d25NfO (verbete do All Music Guide, em inglês)
E a Orquestra Afro-Brasileira? A Orquestra do Abigail Moura foi apresentada pra mim pelo Carlos Negreiros. Vi eles ensaiando, achei tão humano, tão bonito! Sabia que não 71
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Otto Guerra trinta an os e
enfim a Sb ornia
Por Arthur Dantas . Retrato por Maurício Capellari . Imagens divulgação
Esqueça os estereótipos e os desenhos animados para crianças. A Otto Desenhos Animados, criada pelo lendário notívago e biriteiro gaúcho Otto Guerra, 53 anos, está por aí faz mais de trinta anos jogando areia nos olhos dos incautos e fazendo dinheiro quando possível. O que começou nas telas ingenuamente, com o O Natal do Burrinho – sucesso no Festival de Cinema de Gramado de 1984 – acabou em longas mais cascas-grossas como Rocky & Hudson (baseado nos personagens de Adão Iturrusgarai), de 1994, e Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll (personagens de Angeli), de 2006. Após a versão tropical de Cheech & Chong, o negócio ficou sério: são 42 pessoas trabalhando no estúdio, onde estão no meio de um longa baseado na peça Tangos & Tragédias, Fuga em Ré Menor de Kraunus e Pletskaya e se preparam para a operação mais audaciosa: um filme baseado na fase recente de tiras mais nonsense e existencialistas de Laerte. 1
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“ [Tangos e
Tragédias] tá na metade, falta um ano e meio mais ou menos de produção. Eu preferi dar um foda-se para os prazos e fazer uma puta animação. Vai ficar em um nível altíssimo!” No site da Otto Desenhos, há uma síntese da gênese nada sagrada do lance todo, descrita com o humor característico de seu criador: “Em agosto de 1978 a Otto Desenhos Animados Ltda. surgiu a partir de uma iniciativa do jovem, musculoso e talentoso Otto Guerra, do alto dos seus 22 anos de idade. Naquela época a TV broadcast (sic) exigia as mesmas 720 por 486 linhas de definição de hoje e o mínimo para alcançar esse patamar era a película 16mm. Uma câmera Paillard Bolex usada custava algo como 8 mil dólares! (…) Sendo assim, após locar durante um ano esse equipamento (…) a empresa comprou em São Paulo (...) a tão almejada Bolex. A primeira Bolex a gente nunca esquece!” A entrevista foi realizada a palo seco – contrariando os conselhos de amigos em comum, que achavam mais interessante entrevistá-lo no bar, regado a muito álcool – em sua produtora de aparência nada chamativa, onde o notório boêmio nos falou das incomuns pedradas criadas lá dentro. Porque, como disse Allan Sieber em mensagem também alcoolizada, “animação no BRAZIL é cuzeta mesmo, mas pelo menos o Otto faz alguma coisa menos monga”. Qual a maior parte do trabalho do estúdio? Faz uns seis anos que não trabalho com publicidade – graças a Deus (risos). Em vinte e tantos
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anos de trabalho fiz uns 600, 700 comerciais. Como eu fazia quadrinhos antes de montar a produtora, a ficção é quase como um filho, e a publicidade com o vínculo com o cliente tem o objetivo concreto de venda e deixa a coisa muito restrita. Mas foi através desses trabalhos que formei mão-de-obra, comprei equipamentos. Agradeço a propaganda todos os dias, mas que é um saco é um saco. O último trabalho que a gente fez foi uma campanha grande pra RBS (“Monstros RBS”), que é a Globo daqui. Até chamei o Jaca pra esse trabalho, só que a linguagem dele é muito evoluída pra propaganda (risos). A partir da genial derrocada do cinema brasileiro causada pelo gênio Collor, com o fechamento da Embrafilme, posteriormente surgiram entidades públicas e privadas sem aqueles vícios todos de corporativismo, de conchavo, toda aquela merda... Mas tá rolando de novo, não? Tá rolando de novo a mesma merda. A Ancine tirou a força das novas entidades. Como o último concurso era setorial, foram aprovados apenas projetos do Rio de Janeiro e de São Paulo. A Marta [Machado Desenhos], que é nossa produtora, uma guerreira, entrou numa briga com os cachorros grandes. Não dá pra deixar o corporativismo voltar – seria trágico para o cinema. Esse modelo brasileiro de o cinema ser mantido por grana pública é um lance polêmico pra burro: cinema deveria ser uma indústria com o ingresso pagando a produção. Daí tem essa distorção de o cinema não precisar atrair público. Sempre questionei isso: o pessoal fala do lance de dar grana pra filmes e não pra hospitais, por exemplo. Mas é um exagero: um país não ter uma produção de cinema causa uma doença de falta de identidade. Quando eu era guri o cinema era algo muito mais cultural – era quase como ler um livro, não era entretenimento apenas. O cinema tá passando por um fenômeno que é cinema pra comer pipoca e se divertir. No mundo todo.
O Andres Lieban, um argentino que mora no Rio e faz produção para o Canadá, animou o Rock & Hudson. O Lancast Mota, um cearense que animou a série Annabel, que foi a primeira a passar em TV comercial, na Nickelodeon. Muita gente, aqui em Porto Alegre tem muito.
“A Ancine tirou a
Como começou seu interesse por animação? Sou da mesma geração do Jaca e do Angeli, por exemplo. Em Porto Alegre tem uma comunidade de desenhistas fantástica. Mas todo mundo tem dificuldade pra viver disso. E na década de 1970 já era assim. A animação foi uma forma de conseguir fazer dinheiro. Mas animação não era um lance fácil, eu imagino. Ainda mais em Porto Alegre. Tinha uns argentinos – eles têm uma puta tradição em animação, foram os argentinos que fizeram o primeiro longa animado do mundo – que vieram pra Porto Alegre, tinham a manha toda, revelar os filmes de 16mm, sonorizar etc. Eu trabalhei com eles, fazendo muita publicidade, para o Brasil todo. Como o custo de vida no Rio e em São Paulo era mais alto, as produções lá custavam mais, e assim gente de todos os cantos faziam com a gente. E você era uma espécie de sweatshop dos argentinos no Brasil. Lógico (risos). E assim consegui comprar meu equipamento. Uma câmera custava um balaio de grana. E na real a história de vender a alma ao diabo custou meu estilo próprio, que era um lance bem Tintin, do Hergé. Eu perdi o estilo e meu desenho não evoluiu. A partir de 1984 parei de desenhar. O diretor de arte do filme atual é o Alemão (Eloar Guazelli, artista das HQs e ilustrador gaúcho que vive em São Paulo).
força das novas entidades. Como o último concurso era setorial, foram aprovados apenas projetos do Rio de Janeiro e de São Paulo. (...) Não dá pra deixar o corporativismo voltar – seria trágico para o cinema.”
E qual foi a primeira ficção? Foi o curta O Natal do Burrinho, de 1984. Naquela época era muito raro um filme de animação brasileiro de ficção. Eu pegava dinheiro do próprio bolso pra fazer esses filmes, não tinha retorno. Com a retomada do cinema nacional, a partir de 1995, fizemos um longa, Rocky & Hudson, do Adão Iturrusgarai, que também escreveu o roteiro do longa. Era muito divertido – foi tudo feito à base de muita birita, o storyboard feito com caneta BIC (risos). Uma verdadeira esbórnia. Sim. Aliás, o novo longa é baseado em Tangos & Tragédias (Sbónia é uma metáfora avacalhada do Rio Grande do Sul, uma ilha que fica vagando no oceano criada pelos comediantes Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky), uma peça que está em cartaz faz mais de 25 anos. Eu vi a dupla em 1984 e foi a primeira vez que me identifiquei com algo da cultura gaudéria. Por mais que quando fosse guri usasse bombacha em Alegrete. Tu acaba se identificando mais com Johnny Quest na TV do que com as tradições. E como será a animação? A peça é um musical, uns esquetes. O roteiro tinha a pretensão de fazer cinema comercial mesmo – mas não estúpido – e chamamos dois roteiristas: o Tomás Kreus e o Rodrigo John, que fez o roteiro do Wood & Stock. Eles escreveram por dois anos. O filme tá na metade, falta ainda um ano e meio mais ou menos de produção. Eu preferi dar um foda-se para os prazos e fazer uma puta animação. (Wood & Stock já rendeu problemas com o MinC pelos mesmos motivos, em 2000). Fazer um filme que custaria US$ 10 milhões com apenas 2 milhões. Vai ficar em um nível altíssimo!
O Allan Sieber e o Fabio Zimbres já trabalharam com você. O Allan começou bem guri, fazendo faxina, lavando banheiro (muitos risos). O Zimbres fez direção de arte em dois curtas nossos. O cara tem um estilo fantástico. O Jaca fez pouco. A gente chegou a tentar fazer um curta que não foi adiante. Mas antes de morrer quero terminar, o trabalho dele se presta muito a animar. E tem outros animadores conhecidos que passaram pela produtora? 75
MEMoRIAS ALCOoLICAS,
por Allan Sieber
“Em 2000, morávamos eu, Denise (minha mulher e sócia na época), Lica (minha outra sócia) e todo o Defalla num apartamento do Leblon que funcionava como moradia e produtora. Era um inferno. Na época, Otto estava numa merda medonha e resolveu morar no Rio. Odiou muito, claro. Pois bem, uma bela noite estou trabalhando de madrugada na sala e irrompe Otto aos urros: ‘Filho da puta!’ Ele tinha acabado de tomar banho e se secado numa toalha que estava cheia de merda. Até hoje ele acha que eu caguei na toalha dele.Provavelmente foi ele, bebum, que fez isso na noite anterior.”
O estilo é diferente das produções anteriores? Sim, o filme novo dá um banho. Minha sobrinha de 10 anos viu o Wood & Stock e falou: “por que você fez ele assim?” (risos). E agora que você é o patrão? Onde entra a sua mão nesse processo? É uma polêmica aqui no estúdio. Dizem que há dois polos. Um que escolhe as pessoas para o trabalho, pra fazer a animação etc., e outro que vai mexer em todo o processo. Eu seria o primeiro: escolhi a história, escolhi quem seriam os melhores animadores e os melhores roteiristas. Participo também na edição final – o que faz o cinema, a narrativa cinematográfica, é a edição. O Brasil não tem tradição forte em animação. Isso ajuda ou atrapalha? Pessoalmente, foi muito importante ter um olho em terra de cego. É bom e é ruim. Por outro lado, não ter uma escola, uma tradição, não ajuda muito. As primeiras coisas que fiz eram horríveis – são poucas as coisas que eu não teria vergonha de mostrar. O Wood & Stock entrou em todos os festivais – em Brasília só entrou porque não tinha filme brasileiro. Estamos reinventando a roda. Teve o Sinfonia Amazônica (primeiro longa animado do Brasil, de 1953), do Anélio Lattini Filho. A gente quer ter uma produção constante, tem feito um trabalho atrás do outro e esse novo filme vai nos colocar em outro nível. E o cinemão de animação dos Estados Unidos? Pixar, Disney etc... Eu gosto muito. Vi agora A Era do Gelo 3. Eles estão num nível de roteiro surpreendente. A expressão mais desenvolvida do ser humano é o desenho, porque é a mais antiga – é dela que vem a escrita. A animação com desenho é algo muito 76
Tem muitos animadores brasileiros trabalhando para os grandes estúdios no exterior? O Carlos Saldanha, por exemplo. Ele fez a direção do A Era do Gelo, criou aquele esquilo maluco. Teve o Ennio Torresan, que trabalhou em Madagascar, Bob Esponja...
“No filme do Laerte
fantástico, tem muito a se desenvolver. Estamos fazendo o roteiro de um filme do Laerte, Cidade dos Piratas. Eu tava indo pra São Paulo conversar com ele e caiu a ficha que não valia a pena tentar esse tipo de cinemão, início-meio-conflito-virada-virada-fim, porque não dá pra competir. No filme do Laerte vou me agarrar a referências ao cinema marginal brasileiro – brincar em cima da transgressão. E esse existencialismo atual do Laerte é genial. Já tem um argumento, usando as tiras mais atuais: vamos usar várias fases dessas tiras, amarrando tudo isso. É um longa, porque tem que ser um produto pra ter visibilidade. Só assim tem chance de ser exibido. O Brasil é um país muito rico culturalmente. A gente tem essa coisa de falar que o país é pobre, atrasado, e é um estereótipo que vem de fora. Em um festival na Itália, ano passado, passou o Wood & Stock. Um italiano numa mesa de debate ficou assustado pelo fato de o governo pagar por um filme daqueles, com sexo, drogas. E eu falei: “Sim, o Brasil é um país muito evoluído” (risos). E é verdade! O italiano ficou de cara. Estamos fazendo uma co-produção sobre o José Lutzenberger, um ecologista famoso aqui do Sul, secretário do Meio Ambiente no governo Collor. Bebum notório, uma pessoa maravilhosa. Ele contou pra mim, em um bar, uma história ótima: já muito incomodado com a história toda do governo etc, ele foi pra Áustria em encontro com o Collor, a Zélia Cardoso de Mello – só o primeiro escalão. E todos os ministros, o presidente, falando em inglês, dizendo que o Brasil era um país pobre. O Lutz falava alemão fluente, e fez um discurso que era mais ou menos assim: “O Brasil é um país rico em todos os aspectos, tem riquezas naturais, um povo maravilhoso, uma cultura riquíssima... pobres são os políticos, como vocês puderam observar pelas falas anteriores” (risos). E ninguém do governo sabia alemão. No outro dia, com a repercussão toda, exoneraram o Lutz do cargo.
vou me agarrar a referências ao cinema marginal brasileiro – brincar em cima da transgressão. E esse existencialismo atual do Laerte é genial. (...) Quero fazer um clássico, com ideias que não tentem reproduzir aquela maravilhosa e fantástica indústria americana, que vem evoluindo continuamente desde A Branca de Neve.”
Você pensou em ir pra gringa? Eu tive algumas propostas – era muito dedicado, nerd, mandava currículo pra todos os lados. Chegaram até a me chamar, mas eu não sabia inglês e pensei: “Porra, vou acabar diluído naquilo tudo”. E tinha um clichê da época que dizia “é melhor ser a cabeça do rato do que o rabo do leão” (risos). Com esse filme do Laerte eu quero fazer um clássico, com ideias que não tentem reproduzir aquela maravilhosa e fantástica indústria americana, que vem evoluindo continuamente desde A Branca de Neve. Você gosta de algum animador novo por aqui? Tem aquele povo que fez o Avaiana de Pau, completamente anárquico, e o próprio Allan Sieber, com a Toscographics, que eu admiro muito. Você fez a voz de Deus em Deus é Pai (série polêmica criada por Sieber), né? Sim, foi o primeiro papel que eu fiz. Me deram um à minha altura (muitos risos). Eu ajudei também na filmagem. Acabamos em Paris por causa do filme, tomando chope (risos). 3
2Saiba Mais Além do Youtube, você pode ser os filmes da Otto Desenhos Animados em: www.ottodesenhos.com.br www.portacurtas.com.br
E essa história entra no filme? Não, é uma conversa pessoal. Mas ele foi muito espirituoso e derruba essa pecha de sermos pobres. A gente tem uma cultura riquíssima, nós absorvemos tudo, e eu acho isso fantástico. 77
Ranking Joe texto e retratos Por Marina Mantovanini
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Os shows estavam marcados: Rio de Janeiro, São Paulo, Florianópolis e Pindamonhangaba, no interior do estado de São Paulo. Depois de fazer uma turnê pela Europa, esse foi o trajeto das apresentações que Joseph Jackson, conhecido como Ranking Joe, fez no Brasil em dezembro de 2009. Era a sua segunda passagem pelo país, e também a chance de conseguir uma entrevista cara a cara com o toaster jamaicano – que cresceu na periferia de Kingston, gravou o primeiro single com o mestre Coxsone Dodd e se mantém na ativa até hoje, aos 50 anos, sem perder o fôlego. Mesmo vivendo em São Paulo, escolhi entrevistá-lo em Pindamonhangaba por dois motivos: primeiro, era a cidade em que eu cresci e que me ensinou a gostar de reggae; segundo, o show aconteceria no Eco Bar, um galpão rústico a uns 40 minutos do centro da cidade, cercado por montanhas e cachoeiras, e muito semelhante aos locais onde rolavam os bailes de sound system, regados a ganja, na Jamaica dos anos 1960 e 1970. Enquanto eu percorria a estrada sinuosa e escura, rodeada de plantações de eucalipto, para chegar ao Eco Bar – um trajeto que fiz muitas vezes para assistir aos shows que aconteciam nos sítios da região – pensava nas dificuldades de entrevistar um artista jamaicano: o inglês que mais parece um dialeto e o humor peculiar que eles cultivam. 1
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Cheguei ao sítio às 11 da noite, e tínhamos combinado de conversar uma hora depois. Já era uma da manhã quando ele apareceu e decidiu que não queria ficar nem um minuto no camarim, inquieto com as lembranças que o local tinha despertado nele. “Parece que estou na Jamaica com meus amigos. A gente tocava em uns lugares muito parecidos com este.” Perguntei se a gente podia bater um papo em um lugar mais reservado, fora do galpão pouco iluminado onde acontecia o show da Tropa, banda que abriu a noite. Estendendo-me a mão, ele disse que sim. Bem à vontade, começamos a andar devagar, em silêncio, em direção ao rio que circunda o sítio. Ranking Joe continuou até parar embaixo de uma árvore perto da água, de onde observou bem o lugar antes de falar sobre sua inserção na música.
Sound System O trabalho de Ranking Joe foi muito influenciado pelos sounds systems jamaicanos surgidos nos anos 1960. Naquela década, o interesse pelo blues e o jazz norte-americanos abriu caminho para o surgimento dos famosos deejays, que perambulavam pela ilha com suas caminhonetes carregadas de grandes caixas de som, tocando discos de 45 rotações com pérolas da música local e dos EUA. DJs como King Edwards e o lendário Sir Clement “Coxsone” Dodd, vestidos com roupas extravagantes como coletes de lamê, coroas brilhantes, capas pretas e caveiras, competiam para ver quem trazia mais novidades a uma juventude ávida por música.
Gun Court
Depois de treinar em casa, Joe fez algumas apresentações na escola com músicos como Winston McAnuff, U Brown e Earl Sixteen e viajou por algumas paróquias, se apresentando com Horace Andy e outros nomes agenciados pelo músico e produtor Jackie Brown. Em 1974, com apenas 15 anos, participou de uma audição no lendário Studio One, de Sir Clement “Coxsone” Dodd, e apresentou a música “Gun Court”. A canção falava sobre o problema das armas e da violência em Kingston. “Naquela época, as armas estavam invadindo o nosso país. Precisávamos de uma lei que regulamentasse. Músicas com temas políticos e sociais foram importantes naquele momento. Queríamos mudanças e falávamos sobre isso nas letras. Coxsone gostou e gravou meu primeiro single.” Na época, Joe tinha outro epíteto: Litlle Joe. “Como artista, você quer um nome que as pessoas se lembrem. A maioria dos deejays daquele tempo escolhia nomes de gente do cinema, como Dillinger ou Clint Eastwood. Optei por Little Joe porque gostava de ver Bonanza na TV. Mas aí minha popularidade cresceu e as pessoas me perguntavam: ‘Por que é que ainda se chama Little Joe?’ Em seguida, o [produtor] Prince Tony Robinson começou a me chamar de Ranking Joe. As pessoas gostaram, eu também, e aí ficou.“ “Gun Court” cresceu nas paradas de sucesso em Londres e Kingston, e a gravação atraiu a atenção dos produtores Bunny Lee, Watty Burnett e Brother Derrick Howard, que gravaram mais músicas suas. A sorte estava lançada, e em 1976 o deejay passou a fazer parte de um dos mais importantes sistemas de som da ilha, o King Stur-Gav Hi-Fi, de U-Roy. “Eu respeito muito o URoy. Foi ele que tornou possível para mim viver de música, como toaster, e eu tive o privilégio de trabalhar com ele e aprender com um dos maiores.”
Era um momento de revolução musical na Jamaica. Os sistemas de som e o reggae cresciam exponencialmente no gosto popular. Todos queriam participar de alguma forma, e Ranking Joe tinha o exemplo dentro de casa. “Ser um toaster foi uma inspiração que Jah Rastafari passou para o meu pai”, lembra. “Quando eu era criança, ele operava sound systems, e a aparelhagem ficava guardada na nossa casa.”
Em 1977, Ranking lançou seu primeiro álbum. The Best Of Ranking Joe incluía hits como “John Saw Them Coming” e “Queen Majesty Chapter 3”. No ano seguinte saiu Weakheart Fadeway, com a canção clássica homônima, uma das músicas mais tocadas nas noitadas de reggae. Enquanto lançava os discos, ele continuava como deejay no sound system de U-Roy e construía uma reputação respeitável com suas enérgicas apresentações ao vivo.
Entre os oito e os nove anos, ele gastava o dinheiro do lanche da escola em vinis de U-Roy, I Roy e Dillinger, entre outros. “Eu queria cantar como eles. Ser um deejay. O problema era que não tínhamos microfone, então eu usava o receiver do telefone e colocava os discos como base. Tudo escondido do meu pai, que nem podia imaginar que eu usava o equipamento”.
Metrica Rapida
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Durante os shows, o toaster criou um estilo que lhe rendeu o apelido de Bionic Deejay – rimas muito rápidas misturadas a onomatopéias e gritos agudos. Podia soar estranho, mas tinha força.
“Eu sempre quis fazer diferente. Queria criar algo meu, ter um estilo. Então eu treinava em casa, tentava rimar cada vez mais rápido, e depois comecei a misturar com alguns barulhos.” A necessidade de sempre se aperfeiçoar e nadar com a maré o fez passar por diversos sistemas de som diferentes. “Cada sound system tem estilo e vibração distintos. Quando um sistema de som começa a crescer e se tornar grande, o ego atrapalha, e as pessoas querem dizer o que deve fazer e tocar. As mudanças são necessárias e fazem também você conhecer outras pessoas, outros estilos, crescer.” Seguindo essa linha de pensamento, ele aceitou o convite para gravar uma versão dub de “Time”, do clássico Dark Side of The Moon, do Pink Floyd. “Nunca tinha escutado o som deles, ouço mais hip-hop, R&B e música jamaicana. Aí fui convidado pelo EasyStar AllStars para gravar uma música do disco. Topei sem ouvir a versão original, foi interessante o processo, mas até hoje não tive a oportunidade de ouvir esse disco.” Há quatro anos, Ranking Joe veio passar as férias no Brasil e conheceu Marcus MPC, um dos integrantes e fundadores do Digitaldubs. Ficaram amigos, tocaram e decidiram gravar uma música juntos. “Fya Bun Dem” nasceu de um desses encontros, e a ideia para uma turnê também. Os dois também participaram, no ano passado, do consagrado Ostróda Reggae Festival na Polônia, onde fortaleceram sua parceria. “Antes de um show sempre faço uma seleção de discos da Studio One. Mas a maior parte do show é espontânea, gosto quando o DJ lança uma música nova ou diferente e eu rimo em cima, só vou sentindo e falando.” Assim que a entrevista terminou, voltamos para o galpão escuro. Estava na hora de o show começar. De música brasileira, Ranking Joe assume entender muito pouco. Escutou algumas coisas que o DJ Marcus MPC mostrou a ele, mas não lembrava o nome de nenhum artista. No palco, porém, a dupla se entende perfeitamente – do primeiro ao último minuto, com o grave rolando solto e entre bases de reggae e riddims de rub-a-dub, Ranking disparou as rimas intercaladas pelos clássicos gritos (“waaawl!”) e deu uma aula de improvisação. No final, tentou agradecer a cidade por recebê-lo: “Muito obrigada, ‘Bingomonhangaba’”. Ele pode não ter acertado o nome, mas acertou coisas muito mais importantes naquela noite. 3
2Saiba Mais www.myspace.com/digitaldubssound www.myspace.com/rankingjoemusic
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121 decibéis. Um show de rock que chega a esse volume, contando com toda aparelhagem, já é considerado muito alto. Só como referência, 126dB mantiveram o The Who no Guinness por oito anos como banda com o som mais alto do mundo ao vivo. Em novembro de 2009, durante a passagem de som para seu show conjunto no Goiânia Noise, MQN e Walverdes chegaram aos 121dB. Mas com um detalhe: durante a medição, estavam ligados apenas os monitores de palco. Para quem não entende os pormenores técnicos, basta saber que, na hora do vamos ver, ficou MUITO mais alto. Eu sei, eu estava lá. A brincadeira de medir volume, a um só tempo masturbatória, divertida e adolescente, resume bem o estado de espírito, naquele dia e sempre que se encontram, dessas duas velhas parceiras de estradas esburacadas, vans apinhadas de marmanjos e uma alternância entre noites memoráveis e presepadas homéricas. A “molecagem” no Noise foi o último golpe nos tímpanos de uma amizade que se confunde com a história da música independente no Brasil. A partir de Goiânia (MQN) e Porto Alegre (Walverdes), as duas bandas ajudaram a costurar uma rede sólida de bares, festivais, bandas e produtores que estão mudando a cara da música no país. Mas o que faz a cabeça deles mesmo é tocar. Alto. 1 82
Por Mateus Potumati . Fotos por Claudio Cologni
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O Walverdes é mais antigo que o MQN, então imagino que a amizade entre vocês veio do interesse da Monstro no Walverdes, é isso? Fabrício Nobre . O Walverdes entrou na Monstro antes de mim. O 90 Graus saiu pelo selo em 1999, mas na primeira vez que eles tocaram no Noise eu estava na produção, e o MQN tocou. Foi na 6ª edição, em 2000. Lembro que o Jorge [Nascimento, ex-baixista] pirou no Walverdes. E eu e Mini já éramos amigos via [a lista de discussão] Poplist. É isso, Mini? Gustavo Mini . É isso aí. O Léo [Bigode, da Monstro] entrou em contato com o Marcos [Rubenich, baterista do Walverdes] quando a gente estava terminando o 90 Graus. Era ótimo sermos lançados por uma gravadora de fora do Rio Grande do Sul. E o Fabrício era nosso parceiro de Poplist, o cara do CD-R com aquela capinha esquisita, uma letra cheia de rococós escrito MQN (risos). Você já conhecia a Monstro? GM . A gente conhecia a Monstro por alto. Eu não tinha noção da força que o selo viria a ter. Era um bom parceiro pra lançar nosso EP, que entendia o som e falava a mesma língua. E tinha a disposição de botar na rua, porque nós nunca fomos muito bons nesse lado. FN . Marcio [Jr., sócio da Monstro] e Bigode são muito do zine, e o Mini também, né? GM . Eu fiz três números de um zine chamado Pôneifax. Foi uma experiência bacana, mas não me considero propriamente fanzineiro. Li e troquei muito fanzine, mas nunca militei na causa. Foi uma passagem experimental bem bacana. Meu contato veio também das fitas dos Walverdes. A gente lançou seis, então trocamos muito com fanzines. Vocês falaram da Poplist, e a lista teve um papel importante em toda uma geração de bandas e produtores. GM . Era um lance muito fértil, deu em muitos contatos que frutificam até hoje. FN . Não tenho mais tempo e/ou saco pra seguir, mas foi foda. Poplist era o Twitter. Você fazia um lance e ficava louco para as pessoas saberem. GM . A quantidade de informação circulante era bem alta, numa época em que não tinha tanta informação como hoje. Foi algo muito valioso. E tinha um componente humano também: todo mundo fazendo porque gostava ou de música ou de bagunça, então a coisa rolava de um jeito leve. FN . Hoje em dia tem outra geração que vem de outras articulações de web, mas muitos Poplisters seguem firmes. A primeira vez que tocamos em São Paulo foi com a Debbie, Adriano Cintra 84
não tinha essas tours de hoje – um show em SP e um festival pagando tudo. Era tour mesmo! Mas me lembro de ter ouvido os refrões na demo do Anticontrole (disco do Walverdes lançado em 2002) e pensado “pelo menos alguém aproveitou” (risos). GM . Mas peraê, quando fizemos essa tour o Anticontrole já estava gravado... FN . Então não serviu mesmo pra nada! Fodeu! (risos gerais)
e Marco Butcher (Thee Butchers Orchestra e Ordinary Records). Também foi nas listas que conhecemos Lariú, Wry, Relespública... O pessoal de Brasília, da Divine, Prot(o) e tal. Autoramas, pessoal da Borracharia, Rodrigo do Grenade, os Irmãos Martucci de São Carlos, Sandro Garcia (Continental Combo), Zimmer e Ambervisions, o pessoal do Nordeste... Além de Walverdes, Video Hits e Bidê ou Balde. Essa galera meio que virou a turma da Monstro daí 5 ou 6 anos, fizemos shows e discos de quase todos. A Obra (Claudão) e Motor Music (Jeff, Fernanda e Boffa) também ajudaram muito, marcaram nossos primeiros bons shows fora – SXSW, Seattle com a Estrus. Pessoal da Slag, e em volta deles depois Gui, Dago... Putz, vou esquecer alguém e pagar um baita mico, certeza (risos). Em 2001 vocês fizeram a tour com Nebula. Foi a primeira tour gringa da Monstro? FN . Foi a primeira que a Monstro se meteu a fazer sozinha. Latada! (risos) Tomaram no cu? FN . Cara, tomar no cu é algo bem menor (risos). Não recebemos Londrina até hoje, tivemos que bater no baixista drogado num dia, voltamos dentro da van de reboque de Uberlândia a Goiânia, quase fomos presos com a van toda enfumaçada na fronteira entre Goiás e Minas. Perdemos toda a grana que tínhamos ganhado no Noise. Aquelas roubadas que só a Monstro foi capaz de fazer (risos). Mas foi foda. Era 2001,
Lembro que um jornalista de São Paulo falou mal dessa tour, que vocês tinham colocado os gringos numa van (risos). GM . Foi o Álvaro Pereira Junior. Eu escrevi pra ele dizendo “Os caras se matam pra trazer uma banda pra vocês assistirem e você só reclama?” E na resposta o cara foi bem menos ácido e mais compreensivo... Tem jornalista que tem síndrome de reclamão e confunde isso com qualidade. Vocês também tocaram juntos com o Breeders em 2004, né? FN . Essa tour foi classe. Tocamos no Club Fuzz em São Paulo com o Diagonal, no Curitiba Pop Festival, na Obra em BH com Space Invaders... E teve o Amexastock em Floripa, com Ambervions e The Dools! GM . Amexastock no Rio Tavares com presença do Fábio Massari e do Gastão. FN . Na Chácara do [guitarrista do Ambervisions] Amexa! Foi foda! As bandas tocaram literalmente na garagem. E nós levamos o Gastão e o Massari, que encontraram a gente em Curitiba. Chegando lá tinha uma bebida chamada “Aquela Mistura” (risos). Ficou todo mundo bêbado, 100% da festa. Daí a galera dormiu na casa do Amexa, e no outro dia dois fatos aconteceram: um cara cagou na cadeira da sala (risos) e a Fender novinha do Amexa sumiu. Acordou todo mundo de ressaca e puto, mas logo virou piada: os únicos não conhecidos eram os dois, então um tinha cagado no sofá e o outro roubado a
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a gente deixou a coisa meio em banho-maria. Com o 90 Graus e a Monstro, a gente começou a tocar mais e sair de Porto Alegre. Foi fundamental pra abrir os olhos, formar contatos, ver como as pessoas de outras cidades resolviam suas questões. Nos primeiros anos a gente não era nada empreendedor, era um lance muito “subir no palco, ligar os instrumentos e ver no que dá”. E dava frutos, porque a melhor forma de conhecer Walverdes é ver o show. O Anticontrole foi outro salto. O disco nos deixou mais conhecido fora de Porto Alegre, por conta das músicas, da produção e do trabalho da Monstro. Todo mundo ganhou com ele: a gente, o [produtor] Iuri Freiberger e a Monstro. Não dinheiro, mas reconhecimento. E o MQN, quando começou a sair mais? FN . Em 1999 a gente foi pra São Paulo numa viagem com Motherfish, Prot(o) e Divine. Tocamos na Borracharia, Matrix, Torre e Alternative, e ainda gravamos Lado B MTV. Lembro exatamente o valor do nosso primeiro cachê na Borracharia: R$ 79, rachados com a Divine (risos). O mais importante pra uma banda é viajar. É meio inacreditável saber que já dividi palco com Buzzcocks, Mudhoney (Mark Arm até cantou com a gente), Trail Of Dead, Deep Purple, Nashville Pussy, L7 etc.
guitarra! (risos gerais) Ficamos rindo disso o dia inteiro, depois acho que até contei pro Massari. Walverdes e MQN pegaram bem essa transição de antes/depois da internet. Vocês lembram como encararam isso na época? FN . O Walverdes pegou mais isso, porque é mais antigo. Mas eu chapei de cara com a internet: em 97, na faculdade, a gente pôde se inscrever para testar e eu entrei. E ajudava meu pai no escritório dele também. Ficava o tempo que podia no computador, participando de tudo que é lista, zines eletrônicos. GM . Antes da internet usávamos o que tinha. Qualquer meio digital era caro ou difícil no início. A primeira grande mudança veio com as listas de email. Hoje se fala muito da importância do mp3, mas falar com mais agilidade foi uma revolução. Antes tinha que gastar uma grana de telefone ou dependia de carta. Outro avanço importante foi o advento de companhias aéreas mais baratas. Ficou mais fácil fazer tour. O que mudou quando vocês começaram a sair mais de Porto Alegre? GM . Fez toda a diferença, foi quando a banda renasceu. Antes do 90 Graus a gente vinha fazendo pouco show, meio afastados em termos de banda. Eu tava com a Tom Bloch, o Marcos, o Bruno e o Gian com o Wander [Wildner], e 86
O ponto alto da amizade entre vocês até agora foi o show das duas bandas no Noise 2009. Falem um pouco a respeito. GM . Foi tudo muito simples. O Fabrício propôs e a gente começou a ensaiar, cada banda na sua cidade, as músicas da outra. Durante os ensaios a gente meio que se arrependeu, porque começou a bater um receio de que fosse um fiasco. Mas não tinha mais volta. E tinha que ensaiar direitinho – nos covers cortamos as partes que não nos interessam ou nos atrapalham, mas nesse caso a gente tinha que tocar certo. Dois dias antes fomos pra Goiânia ensaiar, mas eu acordei com uma sinusite dos infernos. Pra completar, descobri que a agência onde eu trabalho perdeu uma das maiores contas. Mas, de qualquer forma, fizemos os ensaios e uma boa passagem de som. E até hoje me impressiona como tudo funcionou bem. O show foi ótimo, e seria fácil embolar as duas bandas, do jeito que tocamos, no Martin Cererê. Facilitou porque quem operou o som foi o Iuri, que conhece muito bem as duas; o diretor do palco era o André dos Astronautas, que também conhece. É um daqueles assustadores momentos em que tudo converge pra funcionar. FN . A ideia era maluca, mas, como aqui no Noise a gente teria controle total da produção, eu resolvi arriscar. Todo mundo ficou cabreiro, mas topou. A preocupação maior foram as duas bateras, mas a galera se empenhou. Na hora foi muito alto, o Cererê lotado – melhor lugar do
mundo para um show desses –, o povo pirando! Temos que repetir isso um dia. Mini, as letras do Walverdes misturam coisas agressivas com outras mais filosóficas, talvez porque você seja budista. Você é budista há quanto tempo? GM . Meu primeiro contato foi em 97, mas só comecei a praticar formalmente anos depois. Como influenciou toda minha visão de mundo, acaba influenciando nas letras. Mas eu já tinha minhas dúvidas existenciais antes de ter contato com o budismo. O que ele me ofereceu foram ferramentas para investigá-las. “Insistente”, por exemplo, é uma mistura de um senso de humor punk – uma coisa gaúcha, no sentido Replicantes – e desse tipo de reflexão. GM . É exatamente isso. A gente tem muita influência de Replicantes – não consciente, mas é do ambiente daqui. Aquela coisa TNT, Cascavelettes, Replicantes, da segunda metade dos anos 80, foi muito forte. Não era alternativo, tocava na Atlântida, a principal FM. E tem a coisa de cantar em português também, bem forte no Sul. GM . Isso era uma coisa engraçada. Até 2001, quando a gente saía de Porto Alegre e nos entrevistavam, sempre perguntavam: “Por que essa escolha de cantar em português?” (risos
gerais) E a gente ria, né, o que tu vai falar? Como assim, é a nossa língua? No resto do Brasil, 90% das bandas cantavam em inglês. Mas não era militância, era da nossa formação. Depois veio o mangue beat, Planet Hemp e aí parou essa coisa de inglês x português. Hoje cada um faz o que quer e ponto final. A gente até botou numa fita “Cantar em português is cool” (risos). Mas era só tiração de onda. Aliás, essa é a melhor coisa dos tempos atuais: caiu um certo patrulhamento que existia. Não só em termos de letra, mas em termos de som também. A curadoria de um festival como o Noise era impensável 10 anos atrás. GM . De tudo. As coisas estão diferentes. Fabrício, essa curadoria é fruto de um gosto musical mais amplo que você desenvolveu nos últimos anos. Hoje vejo você curtindo tanto Hellbenders como Siba. Mas musicalmente o MQN é mais conservador, até mais do que bandas que influenciaram vocês. Como você resolve isso na tua cabeça? FN . Cara, eu ouvi muito rádio quando era criança, muito rock brasileiro e gringo tipo Kiss, Queen, Beatles, Stones. No final da adolescência eu caí de cabeça no tal do indie, grunge, essas coisas. Então estão na base Pavement, Sonic Youth, Teenage Fanclub, Sonics, Cramps, Rocket From The Crypt, Gories, Nirvana, Melvins, Mudhoney.
Quem me aplicou o heavy metal foram os guris do MQN, CJ e Miranda, e descobrimos junto o stoner. Então AC/DC, Deep Purple, Accept, vêm deles, e a gente pirou junto em Fu Manchu, QOTSA, Nebula. Então com a banda eu toco algo que representa mais o som que a gente gostou junto, aprendeu a fazer. MQN é meio rock burro, de roqueiro, diversão, mas tem um conceito, que funciona com aqueles quatro caras tocando daquele jeito, naquele volume, com aquele tanto de cerveja derramada. O lance da música brasileira vem de um uns seis anos pra cá, quando comecei a viajar mais. Tenho Siba como herói, acabei de produzir um show dele. Sou fã do Roberto Correa, trabalhei com Almir Sater, acho sensacional o pré-Carnaval no Recife. Jorge Ben e Tim Maia estão sempre no toca-discos no final de semana. Eu gosto de música. 3
2Saiba mais myspace.com/mqn myspace.com/walverdes Leia a entrevista na íntegra e a discografia comentada das duas bandas em www.maissoma.com
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SICO
TRAÇO CLÁSS Por Marina Mantovanini
N
ascido em Canoas, no Sul do Brasil, o artista Renan Santos, 22, sabe que ainda está no começo de uma longa trajetória. Os traços finos, em constante aperfeiçoamento, criam personagens de um mundo de fantasia, que nascem muitas vezes de seus sonhos. É nítido o quanto Renan gosta do que faz. Sem nunca ter deixado o lápis e o papel de lado, ele estudou desenho e se inspirou nos melhores. Artistas como Gustavo Doré, Goya, Winsor McCay, Edward Lear e os contemporâneos Osgemeos, Carol W, Speto e Cusco estão na sua lista de preferências. A boa seleção se reflete em seu minucioso trabalho, que ele explica na entrevista que cedeu à +Soma. 1
Como você se envolveu com o desenho? Quando eu era criança, descobri A Divina Comédia. Me apaixonei de cara pelas ilustrações do Gustavo Doré, e passei a infância tentando reproduzir aqueles desenhos “cheios de risquinhos”. Mas, antes mesmo de A Divina Comédia, eu já criava personagens bizarros, desenhava histórias em quadrinhos com situações absurdas, coisas de guri. Sempre recebi muito incentivo da minha família pra não parar de desenhar: comecei estudando animação aos 10 anos com o [animador] Otto Guerra em Porto Alegre. Três anos depois fui estudar quadrinhos e fiquei um bom tempo ligado nisso. Deixei as HQs de lado e resolvi cursar arquitetura, mas não me dei muito bem com cálculos e régua. Vi então que tinha que voltar pro início da estrada. Voltei a estudar quadrinhos e gravura em metal. Fiz também um curso de desenho em Nottingham, na Inglaterra, e estou em aprendizado constante. Uma vez você comentou que a França o ajudou a amadurecer o seu estilo. Quais foram as influências desse país na sua arte? Lembro que antes de chegar à França já me diziam que eu iria me identificar muito com aquele lugar, que ele tinha muito a ver comigo, mas eu sinceramente não esperava tanto. Fiquei impressionado com o orgulho que eles têm da própria história, com o cuidado que têm com o patrimônio histórico. É tudo tão mágico por lá, é uma vibração que não tem como definir com palavras. Só sei que causou uma baita revolução dentro de mim. Os personagens que aparecem nos seus trabalhos parecem ter saído dos contos escritos pelos irmãos Grimm. Qual a sua relação com o universo da fantasia? Tenho uma relação muito forte com o passado, vivo nesse mesmo universo desde criança. Outra coisa que faz parte disso tudo são os meus sonhos. Desde muito pequeno tenho alguns bem interessantes. Já faz alguns anos que eu tenho anotado os sonhos em um caderno, quero fazer uma história infantil com esse material daqui a um ou dois anos. As molduras antigas que você coloca nos seus trabalhos se encaixam tão perfeitamente com os seus desenhos que parecem ter sido criadas para eles. De onde surgiu a ideia de combinar molduras com trabalhos? Não lembro exatamente quando surgiu essa ideia. Sempre frequentei antiquários – a minha mãe me dava de presente brinquedos desses lugares. Na adolescência comecei a comprar objetos antigos, mas sem o intuito de colecionar – apenas queria tê-los, gostava de me sentir ligado de certa maneira ao que já passou. Então, como o meu trabalho já se parece muito com algo antigo, aproveitei pra juntar o útil ao agradável. Agora as molduras mofadas são parte dele.
2saiba mais flickr.com/renanzz
O que você acha da street art? Vê algum ponto em comum entre o seu desenho e esse tipo de arte? A arte urbana tem um peso enorme pra este momento que estamos vivendo. Os artistas de rua abriram muitas portas e a cabeça de muita gente mostrando que não precisa estar dentro de uma galeria pra ser arte. Como muita gente jovem que faz arte hoje em dia, eu acabo sofrendo, sim, muita influência da arte urbana. O que nós temos em comum é o meio de expressão. Nossa diferença é que eu não tenho essa atitude de sair pra rua, botar a arte pra fora do ateliê, pra mudar de certa maneira o cotidiano das pessoas. Eu pinto em paredes também, adoro reproduzir os meus trabalhos em grande escala, mas infelizmente não posso sair na rua, porque meu trabalho é feito com pincelzinho e demora um certo tempo pra ser concluído. Mas adoraria sair por aí e pintar uns vagõezinhos de trem (risos). 3
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+quem soma .
fabiano passos . Por Jonas Pacheco . Fotos por Danilo Vieira
O
Patrão faz. Afinal, para ganhar esse apelido dentro da cultura hardcore no Brasil, sem que ele carregue um sentido negativo, é preciso ser muito coerente tanto no discurso como na prática. No início dos anos 2000, a continentalidade geográfica do Brasil praticamente dissipava toda a energia empregada por uma dezena de pequenos universos punks espalhados pelo país, ávidos por tentar mostrar que as coisas poderiam ser feitas de formas diferentes. Se em São Paulo, proporcionalmente tão excessiva em importância em relação ao restante da nação, a circulação mais estruturada desse tipo de cultura poucas vezes conseguia transpor as fronteiras superiores do Sudeste, o esforço realizado nas cidades do Nordeste e outras regiões vizinhas para ter algo próximo de uma cena era heróico. Tudo para manter a chama acesa. Fabiano Passos, com metade dos 28 anos de hoje, bancava do próprio bolso – o que exigia um esforço a mais, já que as viagens interesta90
duais ainda eram bem caras – suas andanças fora dos limites de Salvador, para ver e conhecer shows, bandas e pessoas que o inspiravam. De tanta sede, finalmente resolveu dar a cara a tapa: “Pensei: se eu for pra São Paulo ver tal banda vou gastar X, se gastar X+Y posso trazer a banda pra cá, fortalecer a cena daqui, e se tudo der certo consigo bancar tudo.” O passo inicial para essa resolução tinha sido dado pouco tempo antes, com sua distribuidora, mais tarde selo, Estopim Records. Na base da consignação, muito material independente percorreu de cima a baixo o difícil eixo vertical do país, fazendo com que outras distros e bandas se conhecessem e aproximassem. Desde o Street Bulldogs, primeira banda cuja “subida” o Patrão agilizou, a história só cresceu. Se valendo das amizades, ele trouxe e levou mais punks e hardcoreanos, como Mukeka di Rato (ES), Dead Fish (ES), Confronto (RJ), Ratos de Porão (SP), Execradores (SP), Triste Fim de Rosilene (SE), No Violence (SP), Garage Fuzz (SP),
Para Fabiano, o mais interessante era perceber o quanto artistas – nacionais e gringos – mais envolvidos com o discurso de protesto e mudança do punk se pareciam nos diálogos, admirados com a diversidade cultural que existia à sua volta.
Jason (RJ), Discarga (SP), junto com as locais Scooter Brigade, Lumpen, Adcional, A Sangue Frio, entre outras, em uma lista que soma mais de quarenta nomes. Fabiano é bom em aproximar pessoas. Muitas das bandas que passaram pela Bahia, indo ou voltando de suas turnês – que ele acompanhava de cabo a rabo –, tocaram no espaço que ele mesmo ajudou a movimentar, o Quilombo Cecília, que, além do local do show, contava com restaurante vegano, biblioteca, loja da Estopim e estúdio de ensaio. Mesmo em meio a prejuízos, problemas de coluna, estresses, brigas e rasteiras ocasionais – algumas homéricas –, o baiano fez acontecer. O selo corria paralelamente a tudo isso, incluindo, além de bandas soteropolitanas e de outras cidades do Nordeste, algumas internacionais, como os chilenos do Entrefuego e os americanos do Hellshock. Para Fabiano, o mais interessante era perceber o quanto artistas – nacionais e gringos – mais envolvidos com o discurso de protesto e mudança do
punk se pareciam nos diálogos, admirados com a diversidade cultural que existia à sua volta e dentro das próprias cenas locais existentes durante esse período no Nordeste. Ficava muito clara a influência das distâncias geográficas no Brasil, mesmo em relação a uma cultura estrangeira que tomou corpo tão recentemente por aqui. Este talvez seja o grande mérito de figuras facilitadoras como Fabiano: possibilitar a troca. Em 2005, junto com outros agitadores do rock de Salvador, o Patrão montou a Associação Baiana de Selos Independentes (ABASIN), que por sua vez idealizou o Tomada Rock, festival que contou com duas edições. O objetivo era pleitear uma vaga na ABRAFIN (Associação Brasileira de Festivais Independentes). Para isso, precisariam organizar a terceira edição do evento, que não se concretizou devido a um golpe curioso do destino. “As vendas de discos diminuíram muito nessa época, e acabamos desanimando com a associação”, ele lembra. Por consequência, o festival deixou de existir.
Mas o Patrão continua agilizado. Um pouco menos agora, no caso do selo e dos shows, por causa de seu atual interesse na produção de conteúdo audiovisual. Mesmo assim, em agosto de 2009, a Estopim completou 10 anos. A comemoração aconteceu em novembro, com mais um festival organizado pelo selo em Salvador. Para 2010? “Esse lance vicia, depois que entra é difícil de sair. Já estou com alguns shows de bandas de outros estados marcados aqui pra este ano. Quero fazer um festival grande de hardcore comemorando os 11 anos da Estopim no mês de agosto, trazer algumas bandas de outros estados e fazer uma grande festa, uma celebração.”
2saiba mais estopimrecords.wordpress.com 91
4Silvio Luiz e a família em seu apartamento na Moóca, em São Paulo.
coisas que gostamos de guardar
Por Mentalozzz e Ouriço
Ele é formado em Adminstração e Economia, mas a paixão por carrinhos matchbox falou mais alto. Para não brincar em serviço, Silvio Luiz deixou tudo de lado e passou a se dedicar exclusivamente à arte de guardar brinquedos, hábito que herdou do pai, colecionador de chaveiros, maços de cigarros e tampinhas de garrafa de leite. Em uma casa no bairro da Moóca, Silvio coleciona uma quantidade absurda de brinquedos, reunidos ao longo de 20 anos. Durante esse período, ele formou uma seleta de amigos nada infantis – ok, um pouco –, que o procuram para sanar aquele trauma de não ter ganhado o presente certo do Papai Noel, ou para matar a saudade e abrandar a culpa por ter destruído ou deixado a mamãe dar para o filho da empregada aquele brinquedo esquecido no fundo do caixote. 1 Apreciando a coleção de brinquedos do Silvio
na pré-história, Garibaldo era um personagem do
Quer dizer que, no mundo da seleta de brin-
programa infantil Vila Sésamo (versão brasileira
quedos, a frase “o barato sai caro” adquire
do Sesame Street americano), produzido aqui por
outro sentido?
uma colaboração inédita entre as TVs Cultura e
Exatamente. Funciona assim: as pessoas muitas
Globo na década de 1970. O programa, educati-
vezes querem o brinquedo que já tiveram um
vo que era, ensinava a criançada a contar até vinte
dia. Por causa do preço baixo, muita gente na
esvaziando um maço de cigarros, entre outras coi-
época teve um Garibaldo cofre, e isso torna sua
sas. No mundo da Seleta é assim: eu brinquei com
procura alta agora. Mas ele era feito com uma
Falcon e sou tricotilomaníaco, assisti à Vila Sésamo
matéria-prima não muito nobre – o plástico se
e só sei contar até vinte se estiver fumando um.
quebra facilmente, tornando muito difícil encontrar um Garibaldo como esse intacto hoje.
Onde você achou o Garibaldo?
Nenhuma fábrica conhecida assina o brinquedo,
Foi há mais de dez anos. Eu estava passando em
acho que foi um dos primeiros casos de pirata-
frente a uma casa e vi o caminhão de mudanças
ria de brinquedos que conheci. Alguém aqui no
da Granero. Na hora me deu uma vontade de fa-
Brasil provavelmente percebeu a oportunidade
zer xixi, e veio junto o pensamento de guardador
de vendas com o sucesso do programa e fabri-
“aqui no meio desta mudança pode ter algo que
cou o produto sem autorização, com matéria-
procuro mas nem sei o que é”. Aí parei pra fazer
prima de baixa qualidade. Assim, a lei da oferta
o xixi e perguntei aos donos se eles tinham coi-
e da procura torna esse item uma verdadeira pe-
sas velhas que não iriam para a casa nova. Me
dra preciosa no mercado de brinquedos antigos.
mostraram uma caixa de brinquedos, e o Garibaldo cofre estava lá, vazio. Peguei pra mim porque
Alguém já fez uma oferta pelo Garibaldo?
gostei, paguei pouco por ele. Mas com o tempo
Sim, tem uma pessoa que quer muito o produ-
percebi o grande interesse que os colecionado-
to. Não posso de forma alguma revelar quem
res têm pela peça, e a dificuldade de encontrar
é, não por se tratar de uma personalidade da
outra em tão bom estado de conservação.
TV, mas minha ética não permite revelar os nomes dos colecionadores. Posso garantir que
E quanto vale um Garibaldo hoje, se alguém
não é a Aracy Balabanian nem a Sônia Braga
quiser comprar com você?
(risos – atrizes que contracenaram com o Gari-
Muita gente pergunta sobre ele, e eu nem o ex-
baldo). Às vezes a pessoa demora para enten-
ponho muito, não tenho tanta vontade de ven-
der o preço do Garibaldo cofre, acha estranho
der. Mas, como tudo que guardo aqui nesta casa,
e acredita que vai achar fácil o produto por
ele é negociável. Por ora ele não tem um valor
aí. Pode até achar, mas eu sei o que tenho nas
fechado para a venda, porque o produto é muito
mãos e garanto: Garibaldo cofre inteiro não se
raro e tem um custo bem diferenciado.
acha em qualquer lugar.
3
Luiz, topei com um cofrinho do Garibaldo, e percebi que ele tinha um lugar de destaque nas pra-
Por que ele é tão raro?
teleiras – junto ao MUG da sorte do Simonal, perto
Porque foi feito com um material que não tinha
do elefante da Shell, entre o Tigre da Esso e o Bra-
grande durabilidade e era vendido nas feiras por
silino, aquele do pré-histórico bordão “Fabrica de
ambulantes. Custava muito barato, algo equiva-
móveis Brasil, tá?”. Para aqueles que não nasceram
lente a um real hoje.
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2mentalozzz e ouriço sofrem de síndrome do pânico e atuam na censura televisiva. para conhecer o garibaldo e outros brinquedos de silvio luiz, entre em contato pelo telefone
(11) 8297-7915
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4Garibaldo: pre莽o s贸 sob consulta.
nik neves
4nikilustrador.com
+quadrinhos
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rafael sica
4rafaelsica.zip.net
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gabriel mesquita/gabriel goes
4 revistasamba.blogspot.com
+reviews
1Não Devemos Nada a Você . Daniel Sinker (org) . Edições Ideal . 2010 Década de 1990. Imagine uma realidade musical em que as rádios locais estadunidenses não tenham sido engolidas por monopólios que determinem uma programação geral para todas as suas retransmissoras, uma realidade em que o grunge não tenha transformado contestação e independência em moda e alienação, em que gravadoras independentes como a SST tenham pagado direito artistas como o Sonic Youth e este nunca tenha ido para uma major, uma realidade em que a música é o foco e não a imagem que ela sugere sendo ditada por uma emissora como a MTV. Em que o movimento anticapitalista, cujo ápice foi o tumulto em Seattle em 1999, não tenha se dispersado, espetacularizado. Tudo isso para dizer que essa realidade alternativa seria a da cultura faça-você-mesmo inspirada no peace punk de um Crass ou Zounds, que teve seu apogeu nos EUA com o Fugazi e figuras como Jello Biafra, Steve Albini, Mike Watt, Kathleen Hanna e Ian MacKaye, por exemplo. Um lugar onde diversidade era o foco, e processo e resultado final eram indissociáveis. Política era algo natural em uma cena que incentivava/discutia todas as esferas da vida. Justamente pela falência desse projeto é que o livro Não Devemos Nada a Você, organizado pelo editor do espetacular fanzine Punk Planet, Daniel Sinker, parece falar de algo que não dialoga com a cultura jovem atual. Alguns fanzines, como Flipside e Maximunrocknroll, chegaram a tiragens na casa da centena de milhares nos EUA. O Punk Planet apareceu já durante o declínio dessa ideia de pensar a música independente como a expressão de uma comunidade. Sua qualidade principal era resgatar a pluralidade que havia se perdido no punk rock, tanto por sua fraquezas como pela sua cooptação traumática por parte da indústria cultural. Assim, cabiam no zine entrevistas com gente como Thurston Moore, Bob Mould, Jello Biafra, Jawbreaker, Negativland, Los Crudos, The Gossip, artistas como Miranda July, Jem Cohen e Frank Kozik, grupos ativistas como o Punkvoter e o Vozes no Deserto e até o respeitado intelectual/ativista Noam Chomsky. O Punk Planet foi uma espécie de incrível exército de Brancaleone de uma cena, já que tentava recuperar a solidez que havia se desmanchado no ar. Sua grande riqueza está nos momentos em que os entrevistados falavam francamente e com desenvoltura – dialogavam com gente que vivia o que eles viviam. E ao Brasil, o que isso tudo comunica? Se a minha geração, que tanto se espelhou nos referenciais do PP, falhou e virou uma espécie de culto vazio (nas palavras do ativista gay Matt Wobensmith), o livro traz inspiração e questionamentos para a cultura jovem que surgiu em um mundo onde a distinção entre majors/indies é rarefeita e o objeto CD como produto pouco diz sobre a música. E é por isso que a ideia de não dever nada a ninguém pode ganhar corpo e dimensão novamente a qualquer momento. 3Por Arthur Dantas 1você encontra este e outros livros na loja da +soma
1 Projeto Guri Convida . Vários Artistas . MCD . 2010 Este álbum é surpreendente em vários sentidos. Primeiro porque conseguiu reunir um time dos sonhos de músicos brasileiros, entre nomes novos e consagrados. Segundo porque, ao contrário de tantos discos coletivos, é um trabalho cuidadoso, musicalmente vibrante e sem pontos baixos – está no nível dos melhores títulos da aclamada série Red Hot, em benefício da luta contra a AIDS. Terceiro porque é resultado de uma iniciativa social eficiente, o Projeto Guri, que ensina música de graça a 40 mil crianças em 301 cidades paulistas e tem o apoio do governo do Estado. Quarto porque 308 alunos do projeto tocaram de verdade nas gravações, mérito indiscutível do diretor artístico Beto Villares. Projeto Guri Convida traz 18 faixas que se aproveitam de um brilho infantil para criar uma música universal, para todas as idades. “Sonho de Criança” abre o disco com um vocal despretensioso de menino, que evolui num dueto poderoso entre a voz aveludada de Thalma de Freitas e o flow descontraído de Max B.O. Em seguida, Antonio Pinto – compositor indicado ao Globo de Ouro, que criou trilhas para filmes como O Senhor da Guerra e Cidade de Deus – usa aliterações para contar a história de um tatu, criando um tema que não deve nada a “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, de Gilberto Gil. Em “Vende-se Dinheiro”, Arnaldo Antunes usa um poder de síntese que todos perdemos com os anos para tocar no cerne de uma das maiores crises dos nossos dias: “Vende-se dinheiro/ Mas não se pode comê-lo/ Vende-se dinheiro/ Para comprar mais dinheiro”. Fernando Catatau dá o toque absurdo ao álbum com o pragmatismo de “Resto da Tinta” (“Eu não quero nem saber quem pintou a zebra/ Eu quero é o resto da tinta”). Seguem ainda faixas com os Sonantes (Céu, Rica e Gui Amabis, Dengue e Pupillo), Anelis Assumpção, Maurício Pereira, Fernanda Takai, Siba, Iara Rennó, Rappin’ Hood, André Abujamra e outros. Se eu fosse criança hoje, iria querer que este fosse o meu Saltimbancos. 3Por Mateus Potumati
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1Hot Chip . One Life Stand . EMI . 2010
1Elo da Corrente . O Sonho Dourado da Família Independente . 2009 A trinca de ouro formada por Caio, Pitzan e PG está de volta com este EP de 7 músicas, sua prova mais recente de que as pesquisas com música brasileira e a busca por uma nova forma de fazer rap continuam. “No mesmo instante em que a alma esbraveja, se faz nescessário voar...”, diz a rima de “É Necessário Voar”, e é exatamente isso que o Elo da Corrente vem fazendo desde o fim de 2008 para conseguir de colocar na rua, ainda este ano, seu disco comemorativo de 10 anos. Devido ao ritmo intenso de produção, o trio reuniu um número significativo de faixas e definiu a trajetória musical que vai seguir na reta final de produção do seu álbum comemorativo. O resultado? Um outro significativo punhado de sons que, apesar de não atenderem às nescessidades criadas pelo roteiro do próximo álbum, têm por si só um enorme e expressivo valor por fazerem parte do mesmo processo criativo. Irmão menor de uma gestação univitelina, O Sonho Dourado da Família é fruto real do que o trio vem preparando para esse próximo lançamento, que cumpre o papel de nos entreter com o melhor da habilidade lírica e riqueza personal que caracterizam o Elo. Porém, o álbum vai muito além de cumprir esse papel degustativo, ganhando autonomia e características marcantes. Os temas vão das mais profundas reflexões a questionamentos diários e corriqueiros, passando por inúmeras referências à cultura brasileira, em especial regiões do país muitas vezes esquecidas por não se encontrarem dentro do eixo comercialmente mais fortalecido. Diferentes vertentes da música brasileira de raiz, somadas à programações, scratchs e rimas, compõem um rico cenário em que a fusão de novas linguagens se apresenta com autoridade. Estilo Lampião dançando break, ou mulher rendeira fazendo scratch, o Brasil se fortalece cada vez mais com alicerces como este Sonho Dourado.
3Por Edu Lopes
É muito fácil se deixar encantar pelo Hot Chip. Mestres da dance music com refrão, eles pavimentaram o caminho do sucesso com hits para as pistas como a grudenta “Over and Over” e a suave “Ready for the Floor”. Em One Life Stand, seu quarto álbum, o quinteto de Londres se desafia a manter o equilíbrio tênue entre os dois sentidos da palavra “balada”. A faixa-título é um caleidoscópio clean de efeitos musicais quase sampleados – guitarras, sintetizadores e até steel-drums (o novo cowbell) convivem em harmonia. Ainda na seção mais dançante, parece que a época das suas influências avança da disco dos anos 1970 para a música eletrônica dos anos 1990. A impaciente “We Have Love” parece ter os efeitos roubados de um MPC de rádio de flash house, enquanto “I Feel Better” ensina o sentido da expressão “poperô” para as novas gerações, com direito à melodia de “La Isla Bonita” no refrão. Porém, ao lado do baixinho e frenético Alexis Varley, repousa o barbudo e gordinho Joe Goddard, responsável por explorar os potenciais musicais mais contemplativos do grupo. O resultado são folks eletrônicos tramados com simplicidade, como na serena “Slush”, em que as linhas vocais dialogam até se tornarem uma doce canção de ninar – afinal, no fim da festa e no fim da noite, ainda há beleza a ser celebrada. 3Por Amauri Stamboroski Jr.
1A Filial . $1,99 . Independente . 2009 Se DIY (do-it-yourself) é fazer você mesmo, Edu Lopes é um dos caras que conheço que levam o termo mais a sério. Produtor, compositor e mestre de cerimônia – e principalmente especialista em tirar leite de pedra –, gravou $1,99 com um software pirata, um microfone e um estúdio improvisado (e, quando eu digo improvisado, leia-se colchões fazendo a acústica da sala e samplers de passarinhos gravados pela janela) em sua casa no bairro de Santa Teresa, no Rio. A receita é simples: não seguir nenhuma receita. Com sensibilidade, bom gosto e talento natural, é só misturar sem medo tudo de bom que aparecer pela frente, da bossa nova ao jazz, do maracatu ao baião, do erudito ao eletrônico. Para engrossar o caldo dessa iguaria popular, $1,99 conta com a fundamental participação dos amigos multi-instrumentistas Ben Lamar (trompete e teclado), Castro (DJ e teclado), Flávio 52 (saxofone, flauta e cavaco) e Rodrigo Pacato (percussão). E eles resolveram ir além do sugestivo nome do álbum: em parceria inédita com a revista 100%Skate e a marca de roupas estadunidense Ezekiel, disponibilizaram 1,99 de graça na internet. Por falar em Estados Unidos, vale lembrar que o disco foi lançado há pouco mais de um ano por lá, pelo selo nova-iorquino Verge Records, conquistando dezenas de críticas elogiosas de veículos de responsa, que vão de Wax Poetics ao New York Times. Destaques para as faixas “Calma Pedro”, “Baião One Two” e “Brown Suéter”. Baixe agora, de graça, no site cemporcentoskate.com.br/afilial. 3Por Tiago Moraes 1você encontra este e outros discos na loja da +soma
99
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1Garage Fuzz Definitively Alive . Flame Discos/Ideal Records . 2009
1Emicida . Avua Besouro / Sua Mina Ouve Meu Rap Também . Laboratório Fantasma . 2010 Mais do que um rapper, Emicida deve ser considerado um artista pop. Suas letras mostram que do jogo do rap ele já superou várias fases, e agora ele parte com a cara e a coragem que não lhe faltam para uma esfera maior. Não se deixem enganar pelo método de guerrilha usado para disseminar sua arte, isso é só parte da sua sensibilidade. Desde sempre, seu talento e sua desenvoltura para transformar chavões um tanto desgastados do rap lembram artistas como Jay-Z. Mas o rap não é indústria por aqui – mal chegou à MTV. Nesse contexto, Emicida é esperto o suficiente para dimensionar seus pequenos passos e não jogar o bebê junto com a água do banho: ele pode não estar no topo do mundo como o rei de Nova York, mas a disposição é a mesma, e as inúteis barreiras entre rap underground e comercial não o assustam. “Já é hora do jogo virar, disposto, na sede / Meu caso é grave, eles querem sacudir as redes / Eu vim pra arrancar a trave”. Os versos de “Avua Besouro” são sintomáticos: caso viesse da boca de outro candidato a MC pop, soaria como pura falta de noção. Tanto no recém-lançado single como no EP, Emicida amplia seu leque criativo de forma curiosa, com resultados diversos. O single, feito em parceria com Felipe Vassão, um mangue beat à moda Nação Zumbi, serve de cama para uma das melhores letras que o rapper já escreveu. Padre do balão, Glória Maria, Beto Jamaica, Ronaldo, gripe suína, flashdance, um herói da capoeira convertido em estrela de cinema – nunca sua visão foi tão precisa ao se valer do imaginário popularesco para falar do sempre pertinente tema da percepção dos negros em versão realista fantástica nervosa. Como sempre, a levada do MC – consciente como ninguém do poder da voz, da interpretação – é ágil e potencializa o sentimento que busca despertar no ouvinte. Mas o que levaria Emicida a fazer rap/rock – uma equação perigosa desde sempre – aos 45 do segundo tempo? A explicação parece óbvia: Jay-Z não arriscou sua credibilidade ao lado do Linkin Park? Sabotage não gravou com o Charlie Brown Jr.? Quando o alvo é o pop, o que parece um desvario justifica-se em certa medida. Já no EP Sua Mina Ouve Meu Rap Também, cujo nome faz referência a um som do MC Marechal, Emicida mostra o que tem de melhor: se a solução para o rap, que perde a cada dia espaço para o funk, é criar sons para as garotas (como “Mulher Elétrica”, dos Racionais), ele manda exemplos de ironia com amor interessado (“Quer saber/ é fácil gostar de mim/ fácil assim/ afinal, onde vou, onde tô”), elogia a arte do flerte, fala sobre o cara que não sabe dar valor às mulheres, amor sexual... Se essa é a cara do rap esperto do momento, mais uma vez Emicida está na frente. São ações pontuais como essas que o tornam o protótipo do artista completo do século XXI e deixam no ar a pergunta: será que, com o lançamento de um álbum de verdade, com produção à altura, seus trabalhos vão se tornar objetos cercados de expectativa como os discos dos Racionais MCs? Acompanhar a evolução e a música de Emicida é estimulante como poucas vezes a música consegue ser. 3Por Arthur Dantas
100
Uma coisa sempre me chamou a atenção no Garage Fuzz, desde o primeiro show que vi deles há quase 20 anos: a capacidade que a banda tem de soar nitidamente limpa e perfeita, muito superior, por exemplo, às duas ou três bandas que haviam tocado antes na mesma noite, com os mesmos equipamentos. Definitively Alive não foge à regra. Gravado em Santos, cidade natal da banda, em um show intenso de pouco mais de uma hora, o DVD impressiona pela qualidade de áudio e captação, com diversas câmeras, travelings e gruas. Uma delas passeia pelo meio do público, dando uma boa noção do que é assistir a um show do GF. A edição também não ficou para trás, com uma montagem dinâmica e precisa. A escolha do setlist do show também foi extremamente feliz, trazendo 19 faixas, entre elas clássicos como “Shore of Hope”, “Observant”, “It’s Funny” e “Embedded Needs”. Apesar de o show já valer muito a pena por si só, os caras ainda prepararam um pacote de extras pra lá de generoso: um documentário média-metragem que conta toda a trajetória da banda e de seus integrantes, um ensaio em estúdio, um clipe e para fechar com chave de ouro um CD com várias músicas que ficaram de fora do DVD, como “Wrapping Paper”, “Pitiable” e “Morgan”, além das inéditas “Old Red Low Top” e “Dive Into Yorself”. Para quem acompanhou de perto o início da trajetória da banda e da cena hardcore/punk brasileira no começo dos anos 90 como eu, ou para as novas gerações que a acompanham hoje, esse lançamento é um marco e definitivamente merece um lugar especial na estante. 3Por Tiago Moraes
1Criolo Doido . Live in SP . Independente . 2010
1Gil Scott-Heron . I’m New Here XL Recordings . 2010 Um dos grandes nomes do último século na música negra está de volta com novo disco após treze anos longe dos estúdios. Gil Scott-Heron é considerado o pai do rap e um dos artistas mais influentes da cena jazz/funk da década de 1970, com clássicos monstruosos como “The Revolution Will Not Be Televised”, sua música (e frase) mais conhecida. O cantor, escritor e poeta volta em ótima forma com I’m New Here, disco que se adapta musicalmente ao novo século, usando produções eletrônicas minimalistas em vez de uma banda jazzística, como seria de esperar. São quinze músicas entre o cantado e o falado, com faixas no melhor estilo spoken word, além de pequenos interludes. O álbum foi produzido por Richard Russel, dono do selo XL Recordings e um dos principais incentivadores da volta de Heron aos estúdios, depois de diversas passagens por prisões e clínicas de reabilitação pelo uso de cocaína. Fruto de dezoito meses de produção, o resultado está à altura de sua obra. O disco abre com “On Coming From A Broken Home”, música dividida em duas partes, que traz um poema recitado em cima do sample de “Flashing Lights”, de Kanye West. Mas a faixa mais impactante fica para o single “Me And The Devil”, versão do clássico de Robert Johnson cantada sobre um beat sombrio, que conta com um videoclipe assustador. Outros destaques são “New York Is Killing Me”, “Your Soul And Mine”, “I’ll Take Care Of You” e a faixa título, “I’m New Here”. Que o novo Scott-Heron continue rendendo outras pérolas como esta no futuro. 3Por Daniel Tamenpi
Gravado em dezembro de 2008, este DVD é um passo importante na carreira de um MC singular. Apesar de adorado no hip-hop, seja por suas letras contundentes, pelo carisma pessoal ou por sua liderança decisiva no renascimento do rap paulistano, Criolo Doido ainda não foi devidamente apreciado e digerido por uma audiência maior. Em Live in SP, fica um pouco mais fácil entender o que tantos estão perdendo. A começar pelas execuções inflamadas das dez faixas maturadas em seus 20 anos de carreira. Após o spoken word afiado do parceiro de rinha DJ DanDan, num palco onde falta espaço mas sobra sangue nos olhos, Criolo metralha “Até Me Emocionei”. Na ofensiva e de peito aberto, ele canta, entre o descritivo e a metalinguagem, sobre “aquele que até a respiração sai rimando”. Em “Selva Urbana”, chama o parceiro carioca MC Funkeiro e mostra a força de uma comunidade freestyle sem fronteiras. “É o Teste”, um dos grandes clássicos do rapper, espreme mais gente ainda no palco e provoca a catarse anunciada, em nível desproporcional ao público barulhento e modesto. Se o show ainda reserva momentos especiais como “No Sapatinho”, “Chuva Ácida” e “Ainda Há Tempo”, é nos extras que está guardada a cereja do bolo. Em pouco mais de 13 minutos de depoimento numa laje no bairro do Grajaú, extremo Sul de São Paulo, Criolo Doido destila uma saraivada de ideias que trazem na mesma dose articulação, loucura, amor, revolta, urgência e gratidão. “O erro do homem é querer tirar a razão do outro. Todo homem tem a sua razão, por que querem foder com a minha?”, ele diz num momento. “A gente se odeia demais, por isso que tamo acabando com o mundo”, sentencia em outro. Ao lembrar de uma crítica que ouviu porque suas letras “têm palavras bonitas demais”, ele não perdoa: “O cara vira pra mim e fala que eu tenho que ser o rei da merda pra representar ele? Por isso que eu sou doido, eu levo porrada dos dois lados”. Mais adiante, ele segue falando sobre os dois lados da ponte, tocando no ponto mais delicado da relação: “acham que quem tem condição [financeira] é o demônio, mas muita gente ajuda pra caralho”. Em vez de jogar para a plateia, no lugar comum do ódio de classe, ele rejeita a atitude como armadilha nociva à comunidade. Documento precioso para quem não se contenta com as águas mornas da mediocridade. 3Por Mateus Potumati 1você encontra este e outros dvds na loja da +soma
1Charlotte Gainsbourg . IRM . Because Music . 2010 Carregar um sobrenome com esse peso não deve ser fácil, e optar por trilhar passos bem semelhantes aos do pai menos ainda. Mas parece que Charlotte Gainsbourg esperou a hora certa para colocar em prática os talentos herdados do poeta e cantor Serge Gainsbourg. Não compará-la a ele é praticamente impossível, mas isso vem para o bem: mostra mostrar que Charlotte, mesmo sendo filha de quem é, consegue desenhar suas próprias linhas, adotando uma linguagem musical contemporânea, sem abandonar as lições que aprendeu em casa. No seu terceiro álbum, IRM, Charlotte convidou Beck para cuidar da produção. A combinação foi perfeita: ele trouxe aditivos para a música da francesa e soube como criar climas sonoros para a voz suave e limitada de Charlotte. A convidativa “Master’s Hands” abre o álbum e mostra uma das faces do disco, que se divide em momentos mais serenos e outros mais dramáticos –sentimento que ela trouxe por conta de um acidente sério que sofreu em 2007, enquanto praticava esqui aquático – como a etérea “Vanities”. “Heaven Can Wait”, um dueto com o amigo Beck, é um dos pontos altos do álbum, e a mensagem está ali: o céu pode esperar. Ainda bem. Ouvi-la traz paz. 3Por Marina Mantovanini
101
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1Martyn . Great Lengths . 3024 2009 Great Lengths é o álbum de estreia do produtor holandês Martjin Deykers aka Martyn. Apesar de ser seu primeiro disco, Martyn tem um longo currículo como DJ de drum‘n’bass e techno nos anos 90 e presenciou a popularização e evolução da música eletrônica na Europa. Residente de uma das festas mais famosas da cena underground holandesa durante onze anos, o DJ se deparou com a cena 2-step, grime e dubstep e enveredou por essas áreas na produção, lançando suas primeiras músicas em 2005. Em 2007, Martyn abriu seu próprio selo, 3024, e não parou mais, tornando-se uma das grandes revelações do dubstep. Sua música tem influência de estilos que fazem parte de seu passado e tenta aproximar ainda mais o dubstep das pistas de dança, incorporando uma série de outras sonoridades, principalmente o techno, dando um andamento mais rápido as batidas. O resultado sonoro de “Great Lenghts” é ótimo. Com o dubstep como carro chefe, Martyn viaja por várias vertentes com uma originalidade incrível, mantendo um conceito pessoal nas batidas, muito percussivas e com diversas variações. Passeia pelo techno em “Seventy Four” e “Elden St.”, brinca com o dub na enfumaçada “Little Things”, e até onde as batidas não estão presentes o produtor mostra sua qualidade, como nas espaciais “Bridge” e “Brilliant Orange”. Mas seus melhores momentos estão no dubstep, com as ótimas “The Only Choice”, “Vancouver” e “Far Away”. Apesar de ser um disco longo, Martyn mostrou como fazer um álbum coeso, que funciona tanto nas pistas de dança quanto no fone de ouvido. 3Por Daniel Tamenpi
1Spoon . Transference . Merge . 2010 Por alguns anos, a base musical do Spoon situava-se em gravações que remetiam à crueza de gravações ao vivo. No entanto, foi um forte e lapidado apelo pop, fundido a um indie-rock festivo, que marcou a maior parte da carreira dos texanos. Transference, pela primeira vez na história do grupo, equilibra com honestidade os dois lados da moeda. É assim que funciona, por exemplo, a sequência que inclui “Mystery Zone” – uma baladinha catchy e gostosa de se ouvir – e “Who Makes You Money” – música com instrumental minimalista e vocais que quase entram em segundo plano. Apesar de possuir canções tão características, como “Got Nuffin” e “Before Destruction”, ora ou outra novas influências melódicas esbarram nas faixas de Transference: “Written In Reverse”, com piano marcante, parece ter sido tirada do disco de estreia do Cold War Kids; “I Saw The Light” remete, mesmo que vagamente, aos bons anos do Weezer e “Goodnight Laura” se revela uma canção-de-ninar sem precedentes na carreira da banda. Transference abre 2010 destacando-se dos demais lançamentos e satisfaz logo de cara. 3 Por Alex Correa
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1Gigante Animal . obrigado, Ténn Independente . 2009 O Gigante Animal é do tamanho da atual fase do rock independente nacional. Nem tão lá nem tão cá, o quarteto formado em 2006 demonstra cuidado e sofisticação tanto na produção como no resultado final, que por si só informam muito sobre suas virtudes. Em todos os quatro EPs gravados, cada um com três sons, a produção é esmerada. A cada passo, o grupo compartilha o processo de descobrimento das próprias potencialidades, como quem descobre o amor – ao vivo, o grupo é uma experiência passional de timbres, variações e harmonias. O que é apenas sugerido nas letras um tanto vagas é preenchido pelos sons – tal qual o nome da banda, uma síntese de estranheza e retidão. A distribuição dos EPs é feita nos shows e com base na troca de e-mails: você manda uma mensagem e leva um dos EPs, acompanhado de um link pra baixar os que faltaram. Esse equilíbrio entre expor a procura pela musicalidade e se colocar criativamente no mercado, combinado com o já referido estranhamento, são a marca de um determinado segmento da música urbana jovem atual. Tomemos trechos do último trabalho da banda, Ténn: “E esse cinza que não passa/ sem graça, passará!” (de “Cinza”), “depois pra sempre não há/ quem disse que pra sempre será?” (de “Ah, Tá Bom”) e “passa passa passará/ seus dias nunca vão voltar/ passa passa passará/ tenho medo de me arrepender/ a seco, acertos descontos” (de “Pelo Reflexo”), recortes que passeiam, ao fim e ao cabo, pela perda da inocência e por ritos de passagem à moda dos melhores romances de formação. E, assim como o talento dos recifenses do Nuda, que em muito se irmana com o Gigante, a fórmula musical é o que poderíamos chamar de pós-Los Hermanos: romantismo jovem, um hibridismo que busca a amenização de temas locais e estrangeiros. Mas, enquanto o Nuda se vale de cores vibrantes e tropicais para alcançar tal empreitada, o Gigante se esmera no reaproveitamento do combalido indie rock saído do pós-hardcore estadunidense. E é nesse método de tentativa e erro tão abertamente exposto que reside o interesse em acompanhar o amadurecimento estético do grupo – ainda que tudo, por fim, fique cinza. 3Por Arthur Dantas
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+ENDEREÇOS Festival Goiânia Noise . www.goianianoisefestival.com.br Choque Cultural . Rua João Moura . 997 Pinheiros . São Paulo . SP 55 (11) 3061 . 4051 www.choquecultural.com.br Converse . www.converseallstar.com.br Eco Bar . Estrada Municipal Ribeirão Grande . 19099 Pindamonhangaba . SP 55 (12) 9759 . 6426
Fita Tape Praça Garibaldi . 46 . Complexo Máster Porto Alegre . RS 55 (51) 3028 . 1217 www.fitatape.art.br Jonathan Levine Gallery . www.jonathanlevinegallery.com MCD . www.mcdbrasil.net
Pintar . Rua Cotoxó . 110 São Paulo . SP www.pintar.com.br SESC Santo André . Rua Tamarutaca, 302 . Santo André . SP 55 (11) 11 4469-1200 www.sescsp.org.br
Monstro Discos . www.monstrodiscos.com.br
+Soma . Rua Fidalga . 98 Vila Madalena . São Paulo . SP www.maissoma.com
Museu do Trabalho . www.museudotrabalho.org
Stones Throw Records . www.stonesthrow.com Volcom . www.volcom.com
Estopim Records . www.estopimrecords.wordpress.com
Nike Sportswear . Praça dos Omaguás . 100 Pinheiros . São Paulo . SP www.nikesportswear.com
Ezekiel . www.ezekielbrasil.com
Otto Desenhos . www.ottodesenhos.com.br
Earl Mcgrath Gallery . www.earlmcgrathgallery.com Element/Nixon . Rua Oscar Freire . 909 www.elementskateboards.com
YB . Rua Purpurina . 434 Vila Madalena . São Paulo . SP www.yb.com.br
A PINTAR E A +SOMA APOIAM
A PRODUÇÃO DE JOVENS ARTISTAS.
Na foto: a artista Fefê Talavera escolhe na Pintar os materiais para a produção de sua exposição individual no Espaço +Soma, que acontece dos dias 13.03.10 a 17.04.10
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Foto: Gabriela D`Andrea l Arte: Renato Petillo
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