Artigo Língua Portuguesa - A sua relação com integração

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Ana Paula Rocha 1 Língua portuguesa – A sua relação com a integração dos alunos estrangeiros

Língua portuguesa – A sua relação com a integração dos alunos Citar este artigo: Rocha, A. P. (2014). Língua Portuguesa – a sua relação com a integração dos alunos estrangeiros. Almadaforma. Revista do Centro de Formação da Associação das Escolas de Almada. Língua Portuguesa, Memória, Música e Matriz, nº 7, setembro 2014, pp. 27-31

RESUMO A escola é um dos espaços por excelência onde ocorre a socialização dos alunos estrangeiros e as culturas se influenciam e miscigenam. Encarada como um espaço privilegiado para desenvolvimento da integração sociocultural dos jovens não nativos, os estabelecimentos de ensino asseguram essa inclusão, especialmente, através do ensino da língua portuguesa, ao criarem condições promotoras do sucesso e beneficiadoras de uma educação multicultural. Aos alunos coloca-se o esforço de adaptação a uma realidade inicialmente estranha. Aos professores justapõe-se o desafio de se tornarem parceiros de aprendizagem e principais interlocutores nesse relacionamento que se visa acolhedor e afetivo.

FUNDAMENTOS PARA O ENSINO DO PORTUGUÊS LÍNGUA NÃO MATERNA A identidade da Europa revela-se hoje através da diversidade linguística, acentuada por fatores como a mobilidade dos cidadãos, a economia globalizada e os fluxos migratórios que contribuem para o multilinguismo e plurilinguismo das nações que a constituem. A maioria dos países

estrangeiros Ana Paula Rocha * depara-se, consequentemente, com uma população escolar culturalmente e linguisticamente heterogénea. Portugal, país tradicionalmente de emigração, tem vindo a acolher o fenómeno migratório, desde os anos 90, o que atribui contornos multiculturais à sociedade portuguesa. Segundo o apuramento dos dados, de um questionário aplicado no ano lectivo 20042005, referidos no documento orientador do programa para a integração de alunos que não falam português como língua materna, existem, na globalidade das escolas públicas portuguesas, alunos de 120 nacionalidades (Perdigão, 2005). Este facto decorre, conforme refere outra autora no seu estudo, do aumento do número de cidadãos de nacionalidade estrangeira a residir em Portugal em situação regular, por se ter passado de cerca de 54 mil em 1980 (0,6% da população), para 350 mil em 2001 e para 500 mil em 2004 (perto de 5% da população residente) (Rosa, 2005). Estes números apresentam, contudo, já no ano de 2013, uma linha declinante da qual dá conta o relatório estatístico anual do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, como consequência da aquisição da nacionalidade portuguesa, da alteração dos fluxos migratórios e do impacto da crise económica (SEF & GEPF, 2013). Segundo esse documento verifica-se, mais recentemente, a consolidação da tendência de queda do número de * Professora do Ensino Secundário, Formadora de Formação Contínua de Professores e Investigadora na área das Ciências da Educação. Membro colaborador na Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.


Ana Paula Rocha 2 Língua portuguesa – A sua relação com a integração dos alunos estrangeiros estrangeiros em Portugal, totalizando 401.320 cidadãos. Destes salienta-se a nacionalidade brasileira como a principal comunidade residente, seguida de outras em números de menor destaque e decrescentes: cabo-verdiana, ucraniana, romena, angolana, chinesa, guineense, inglesa, s. tomense e moldava. O relatório denuncia o facto de a população de jovens, entre os zero e os catorze anos, permanecer constante na estrutura populacional de estrangeiros. Reconhece-se, portanto, que a sociedade portuguesa apresenta características de inclusão de indivíduos de diferentes origens. Surge, assim, como fundamental o respeito pelas necessidades específicas dos alunos estrangeiros integrados no sistema educativo nacional através de instrumentos que assegurem condições equitativas de acesso ao sucesso, designadamente, no domínio da língua portuguesa.

Com efeito, uma educação que apresenta traços de multiculturalidade é exigente porque obriga a repensar a sociedade, a perspectivar o diferente, a encarar o desafio de mentalidades e a familiarizar-se com aquilo que não era a norma. Por seu turno, os alunos de origem não nacional colocam-se perante o repto de viverem num país do qual desconhecem tradições, onde não são imediatamente compreendidos, tendo de se adaptar a

uma cultura distinta que pode resultar num choque. Este desconforto pode ser especialmente impulsionado pelo idioma, até que tudo se comece a tornar familiar. Naturalmente centra-se aqui o contributo maior que a Escola pode dar, ao proporcionar o ensino de uma língua não materna a alunos estrangeiros, através da qual se pode estimular a integração plena, o exercício da cidadania e a socialização que irá consolidar o tecido humano nacional. Aqui reside a fundamentação sociológica para a disseminação do ensino e aprendizagem do Português Língua Não Materna (PLNM) no território português. ENSINO DO PORTUGUÊS LÍNGUA NÃO MATERNA As atividades no âmbito do Português Língua Não Materna não constituem uma criação recente no meio escolar nacional. Começaram a estruturar-se, de forma mais sistemática, em 1986, quando foi autorizada a leccionação do primeiro curso de língua materna, para além do português, ao nível do Ensino Básico e Secundário. Mais tarde, foi o Decreto-Lei 6/2001, no seu art.º 8, que veio estipular: “as escolas devem proporcionar actividades curriculares específicas de aprendizagem de língua portuguesa como segunda língua aos alunos cuja língua materna não seja o português”. Por seu turno, o Despacho Normativo n.º 30, de 2007 de 10 de agosto, oficializou a presença do Português Língua Não Materna no currículo dos Ensinos Básico e Secundário. O reconhecimento institucional, dos especialistas em políticas públicas, manifestado pela admissão da urgência de um ensino intercultural e do papel relevante da língua portuguesa na formação dos alunos numa sociedade


Ana Paula Rocha 3 Língua portuguesa – A sua relação com a integração dos alunos estrangeiros plural, conduziu ao desenho de um perfil para o professor a quem são atribuídas as atividades de ensino do PLNM. Segundo o documento orientador do programa para a integração de alunos que não falam português como língua materna são estipulados como requisitos a capacidade de comunicação adequada aos interlocutores, de boa receptividade ao outro evitando preconceitos e estereótipos, e de relacionamento positivo e empenhado com a diferença (Perdigão, 2005). Determina-se, também, que será responsável, no 1 º ciclo, o professor titular e, no caso dos 2 º e 3 º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, os professores com habilitação para o ensino da disciplina de Língua Portuguesa, ou Português ou línguas estrangeiras, os quais deverão comprovar a formação académica científica e pedagógica na área da Língua Portuguesa, ou Português e/ou incluir formação científica e pedagógica numa língua estrangeira, bem como formação científica e pedagógica em Português Língua não Materna/Língua Estrangeira (Perdigão, 2005). O mesmo documento não estabelece o dever destes profissionais disporem de conhecimento profundo acerca dos países de onde são originários os alunos, salientando, ao invés, a maisvalia de um comportamento manifestamente tolerante e construtivo perante as identidades sociais, comportamentos e valores dos alunos, identificando como imperativo que esteja receptivo a novas aprendizagens. Estes deveres, de entre os vários enumerados no documento, são particularmente pertinentes, na medida em que o ensino do PLNM coloca os professores e alunos numa situação de aprendizagem bipolar, isto é, numa posição em que ambos se tornarão parceiros

aprendentes e ensinantes nas atividades e relacionamento, o que proporciona a ambos uma troca de informações e respectivas conclusões relativamente às culturas em presença: as dos docentes e as dos alunos.

APRENDIZAGEM DA PORTUGUESA PARA A INTERCULTURAL

LÍNGUA EFETIVAÇÃO

A aprendizagem da língua atinge elevado valor em virtude da sua conexão com a questão do sucesso na escola multicultural. Conforme se encontra consagrado no Quadro Europeu Comum de Referência, as finalidades da aprendizagem e ensino das línguas, prendem-se com certos domínios e caraterísticas que implicam as transações nesses domínios. Estes são, designadamente, o domínio privado, enquanto indivíduo centrado no ambiente pessoal e familiar; o domínio público, como cidadão ou membro de organizações; o domínio profissional, na qualidade de trabalhador; e o domínio educativo, quando o indivíduo se empenha numa aprendizagem organizada (Quadro Europeu Comum de referência para as línguas, 2001). O aprendente da língua, ao tornar-se plurilingue, estabelece relações com grupos sociais que se sobrepõem, vindo a definir a sua identidade e desenvolvendo a interculturalidade na qualidade de agente social. Este processo


Ana Paula Rocha 4 Língua portuguesa – A sua relação com a integração dos alunos estrangeiros ocorre na medida em que as suas competências linguísticas e culturais, relativas a uma língua, são modificadas pelo conhecimento de outra contribuindo para uma consciencialização, capacidade e aptidão de realização interculturais. Pelas razões atrás expostas se preconiza a integração dos alunos provenientes da imigração nas mesmas escolas que os nacionais, providenciando, em função das necessidades, apoios individuais à aprendizagem como condição de sucesso (Eurydice, 2004).

No ambiente escolar é, porém, importante que os professores estejam conscientes dos fatores que poderão levar a aprendizagens mais acentuadas, ou limitadas, no decorrer do tempo. Com efeito, em função da relação genética e tipológica estabelecida entre a língua materna e a língua não materna, do contexto de aquisição formal, informal ou misto, e da idade, os produtos da aprendizagem podem ter características muito dissemelhantes variando de indivíduo para indivíduo (Leiria et al, s. d.). Não será o contexto de imersão na língua portuguesa, semelhante para os indivíduos com origens diversas não nacionais, o aspeto mais destacável na aquisição das aprendizagens que irão obter. Embora o material linguístico a que são sujeitos (input) possa ocorrer no ambiente escolar,

segundo as mesmas oportunidades de aprendizagem, variedade, riqueza e uso, a distância linguística entre a língua materna e não materna, assim como os hábitos culturais da comunidade e da família, sobrepõe-se, causando algum afastamento que levará ao refúgio na língua materna: “É conhecido que os falantes de chinês e de guzerate1, por exemplo, mantém muito vivas, no âmbito da comunidade e da família, as suas línguas e tradições, restringindo deste modo os contextos de uso da L22. Em contrapartida, africanos e eslavos, por exemplo, embora sem perderem a sua identidade, parecem mais disponíveis para contactos propiciadores de oportunidades de aprendizagem e de uso da L2” (Leiria et al, s. d.). É assim que se chega à conclusão de que é possível estabelecer cinco grandes grupos que, no que à língua portuguesa respeita, requerem atitudes distintas por parte da escola: 1. alunos para quem o português europeu ou o brasileiro foi sempre a língua materna; 2. alunos para quem a língua materna não é nenhuma das anteriores; 3. alunos filhos de emigrantes para quem a língua materna apesar de ser o português não foi a língua de comunicação central; 4. alunos para quem a língua materna é o crioulo ou uma variedade do português; 5. alunos com um quadro linguístico complexo genético e tipologicamente afastado do português (Leiria et al, s. d.). Logo, salienta-se como fundamental criar contextos optimizados para a aprendizagem e domínio da língua portuguesa, oral e escrita, que constituam factores determinantes no sucesso escolar 1

O guzerate (também gujarate, gujarati, guzarate, guzeráti ou gujaráti) é uma língua indo-ariana e um dos 22 idiomas oficiais da Índia. 2 Uma segunda língua (L2) é qualquer língua aprendida após a primeira língua ou língua-mãe (L1).


Ana Paula Rocha 5 Língua portuguesa – A sua relação com a integração dos alunos estrangeiros destes alunos estrangeiros. Essas condições, metodologias, atividades e recursos passam pelas práticas e atividades que não se foquem na reflexão metalinguística e meta discursiva sobre produções literárias e não literárias. Os professores responsáveis pelo ensino do Português Língua Não Materna estão cientes da relevância que devem atribuir à compreensão e produção de unidades comunicativas, colocando o ênfase no desenvolvimento das competências linguísticas do aprendente e no seu trabalho. Por conseguinte, a forma como são vividas as relações interculturais, proporcionadas pelos docentes em sala de aula, assim como as ações e estratégias que a escola implementa, decorrentes das diretivas do sistema de ensino português, representam as questões chave que contribuem para reduzir o trauma, muitas vezes vivido pelos indivíduos que se afastam do país de origem. Neste sentido, parece muito coerente a conceptualização da educação multicultural defendida por Banks & Banks. Segundo estes especialistas, não deve ser proporcionado um currículo paralelo ao currículo oficial para as minorias étnicoculturais, pois a sua cultura ocorre no espaço escolar. Esta posição não infirma, contudo, que se proceda à alteração dos processos de construção do conhecimento ou à reestruturação do currículo e das práticas sempre que se justifique, como bem apontam. Para concluir, as premissas que atrás foram descritas impõe-se para o benefício de todos e para o melhor conhecimento, do país acolhedor, que se espera que os alunos estrangeiros sejam assim capazes de adquirir. “[…] Enquanto fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é tão

necessária para a Humanidade como a biodiversidade o é para a natureza. Neste sentido, constitui o património comum da Humanidade e deve ser reconhecida e afirmada em benefício das gerações presentes e futuras” (Artigo 1.º – Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, 2001).

Referências: BANKS, J. A. & Banks, C. A. M. (2001). Multicultural Education: Issues and Perspectives (4th ed.). New York: John Wiley & Sons, Inc. EURYDICE (2004). Integrating immigrant children into schools in Europe. <http://www.eurydice.org> LEIRIA, I. et al (s.d.). Português Língua Não Materna no Currículo Nacional – Orientações Nacionais: Perfis linguísticos da população escolar que frequenta as escolas portuguesas. Lisboa: Direção Geral de Educação. PERDIGÃO, M. (coord.) (2005). Português Língua Não Materna no Currículo Nacional: Documento Orientador. Lisboa: Direcção-Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular. QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA AS LÍNGUAS (2001). Aprendizagem, ensino, avaliação. Porto: Edições ASA. ROSA, M. J. V. (2005), (Des)encontro entre as Migrações Internacionais Laborais e as Qualificações Escolares:o Caso dos Europeus de Leste em Portugal. Lisboa: Socinova Migration, Universidade Nova de Lisboa. SEF, GEPF (2014). Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo, 2013. Oeiras: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.


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