Citar esta comunicação: Rocha, A.P. & Salema, H. (2011). Dispersão da Atividade Docente. O poder do professor crítico reflexivo num contexto formativo colaborativo. In Reis, C. S., Neves, F. S. (coord.). (2011). Guia para o XI Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (pp. 74-75). Guarda: Instituto Politécnico da Guarda.
COMUNICAÇÃO: “DISPERSÃO DA ACTIVIDADE DOCENTE. O PODER DO PROFESSOR CRÍTICO REFLEXIVO NUM CONTEXTO FORMATIVO COLABORATIVO”. RESUMO A presente comunicação, a divulgar no XI Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, inscreve-se na temática da formação de professores e desenvolvimento profissional e visa apresentar o trabalho de investigação que se encontra em curso no âmbito do projecto de uma tese de doutoramento. O estudo - em fase exploratória e cuja metodologia de investigação se inclui, principalmente, num paradigma qualitativo, interpretativo - apresenta em que consiste a dispersão da actividade docente e suas facetas, propondo uma estratégia de formação, em investigação-acção, que promova o trabalho colaborativo, a reflexão crítica e fomente uma prática de colegialidade atenuadora dos efeitos negativos da fragmentação da actividade docente. O enfoque temático pretende ser pertinente na pesquisa de uma possível resposta que supere as condições actuais do exercício da actividade docente. Trata-se de uma pesquisa que surge na sequência da experiência própria da investigadora enquanto professora e da constatação de que é um domínio ao qual os investigadores, em Ciências da Educação, têm dado escassa e lacunar importância discursiva. A revisão da literatura conduziu-nos à reflexão que nos fez considerar existir uma semente de resposta à questão da actividade profissional diversificada dos professores, encarada como, acentuadamente, extenuante. Assim sendo, esta comunicação visa partilhar os objectivos considerados para o estudo: 1) Identificar as relações entre um plano de formação para o pensamento reflexivo crítico, em projecto de investigação-acção, e o desenvolvimento de estratégias pessoais de atenuação da dispersão da actividade profissional; 2) Determinar de que modo uma abordagem de formação de tipo colaborativo e construtivista, centrada em práticas de colegialidade não artificial e reflexão conjunta, poderá contribuir para aumentar a capacidade investigativa e analítica dos professores, as oportunidades de partilha, o desenvolvimento profissional e a capacidade de resposta organizacional. Nesta comunicação apresentam-se ainda resultados preliminares obtidos através da testagem e aplicação de um questionário sobre a dispersão docente que apontam como adequado o recurso a um programa de formação, uma vez que a formação (contínua e académica) é assinalada, pelos participantes, como experiência favorável do trabalho docente. Espera-se, por conseguinte, que os resultados subsequentes a obter indiquem o impacte positivo da metodologia seleccionada em investigação-acção e correspondam aos objectivos delineados. Palavras-chave: Dispersão; Prática profissional; colaborativo; Investigação-acção.
Reflexão crítica; Trabalho
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Abstract The current PhD research project that is presented in the Portuguese Society of Science Education 11th Congress focuses in the field of teacher training and professional development. The study now outlined - which is in an exploratory phase and follows, principally, a qualitative-interpretative research paradigm - consists of teachers’ work in dispersion and is supported on an instructional strategy of action-research for professional development, in order to promote collaborative democratic partnership, critical reflection and encourage a collegiate practice that is supposed to lessen and mitigate the negative effects of teachers’ fragmented activity. The topic is introduced as a pertinent matter in the quest for an answer to overcome the current teaching activity. In fact, it is an outcome both of the researcher’s own experience as a teacher and of the fact that it is a neglected matter on the context of Science Education research. The literature review led us to the conclusion there might be a possible clue to the fragmented and exhausting teaching activity. Therefore, the current presentation aims to share the following research objectives which have already been set: 1) To identify the relationship between a collaborative instructional approach, that will develop critical and reflective thinking in an action research project, and the development of personal strategies which are expected to lessen the dispersion of professional activities; 2) To determine the way in which an action research development program, in a naturally perceptive and constructivist manner, is capable of improving teachers’ research and critical reflection skills, as well as the opportunities to share professional experiences and the ability to respond to organizational matters. In this communication we will present the preliminary analysis and interpretation of both qualitative and quantitative data, collected from teachers’ answers to a survey questionnaire which sustains the option for a professional development program as the adequate intervention plan, once teachers have stated that academic and teachers’ training courses constitute the main positive aspects that have occurred in their life-long careers. We hope to collect postliminary evidence that the chosen method, in action research, is the adequate process to obtain the results that are expected as well as to fulfill the objectives outlined.
Keywords: Dispersion; Teaching practice; Critical reflection; Collaborative work; Action research.
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1. Introdução Este trabalho procura dar conta de um projecto de estudo, ainda numa fase preliminar, sobre a investigação realizada até ao momento e que se pretende vir a desenvolver, no sentido de dar resposta às questões que se prendem com a dispersão da actividade docente. Apresenta-se também a intenção de conceber um programa de formação em investigaçãoacção que se pressupõe como capaz de atenuar os aspectos mais negativos da dispersão. O aumento das responsabilidades e exigências em relação ao professor, que se traduz numa sobrecarga e dispersão de funções, a par da crescente burocratização do trabalho docente, tem vindo a ser encarado como um empobrecimento da actividade e missão do professor, bem como a atemorizar o eu pessoal e profissional. Na nossa prática, enquanto professores do ensino secundário e, mais recentemente, igualmente do terceiro ciclo, temos experienciado o fenómeno que Esteve (1995) descreve assim: Para além de saber a matéria que lecciona, pede-se ao professor que seja facilitador da aprendizagem, pedagogo eficaz, organizador do trabalho de grupo, e que, para além do ensino, cuide do equílibrio pedagógico e afectivo dos alunos, da integração social e da educação sexual, etc; a tudo isto pode somar-se a atenção aos alunos especiais integrados na turma.(op. cit., p. 100)
Porém, a estas tarefas, que designariamos como inerentes à docência, têm vindo a juntarse, em crescendo e a ganhar terreno, aquelas que consomem a disponibilidade dos docentes com "paper-work", elaboração de relatórios, fichas e documentos que se geram em reuniões de coordenação, organização, planificação, controlo de disciplina, entre outras. Estas, não só oneram o tempo de trabalho dos professores para além do necessário para leituras, estudo, reflexão sobre as aprendizagens e preparação das aulas, como conduziram a uma aparente indefinição e funcionarização do seu estatuto1, dado que passou a ser-lhes exigido o desempenho de funções para as quais consideram não ter sido preparados academicamente, mas com que são confrontados, e precisam de executar, diariamente. Mas em que consistem, enfim, as funções dos professores? Arends (1995) elucida que, independentemente do nível a que ensinam, das matérias específicas que leccionam ou do tipo de escolas em que trabalham, é-lhes exigido o seguinte desempenho: O trabalho do professor pode ser conceptualizado em torno de três funções principais: a executiva, a interactiva e a organizacional. A função executiva diz respeito aos papéis de líder que o professor tem de desempenhar, na sala de aula, tais como estimular a motivação, planear e gerir recursos. As funções interactivas dizem respeito aos métodos e procedimentos que os professores utilizam na interacção pedagógica quotidiana com os estudantes. As funções organizacionais dizem respeito ao trabalho do professor na comunidade escolar, incluindo o trabalho com colegas, pais e outro pessoal escolar.
(op. cit., p. 27)
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A segunda expressão é de Maria do Céu Roldão que descreve a actividade docente como «estatuto de semiprofissão – o lastro da associação do ensino a uma actividade de natureza prática, técnica ou moral, o peso histórico da funcionarização, a idealização / ideologização multi-referencial da docência». A presente citação foi retirada do texto “Formação de professores baseada na investigação e prática reflexiva”, o qual constituiu uma comunicação na Conferência “Desenvolvimento profissional de professores para a qualidade e para a equidade da aprendizagem ao longo da vida” organizada pela Presidência do Conselho da União Europeia a 27 e 28 de Setembro de 2007.
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Se a diversidade de funções é uma característica da sua profissionalidade, porque clamam, então, os professores viver uma actividade dispersa que os sobrecarrega como nos diz a nossa experiência? O que consideram ser a sua actividade fragmentada no cariz que lhes retira a energia de actuação? Quais as soluções que os docentes apontam, na vertente que não depende do sistema, das políticas educativas ou de medidas legislativas? A resposta a estas questões é o que procuramos obter. Por outro lado, o programa de intervenção que propomos surge, por conseguinte, como uma forma de ajudar os professores a formar o seu pensamento crítico, a torná-los reflexivos de modo colaborativo para que continuem a gostar de viver a escola por dentro, apesar das contrariedades e dificuldades que as recentes políticas educativas parecem estar a criar-lhes. Quando Brookfield (1995) refere a necessidade de os docentes desenvolverem um pensamento reflexivo crítico, a fim de validarem os pressupostos (assumptions) implícitos e explícitos que guiam as acções, o autor alerta como este processo pode evitar a armadilha do sentimento de culpa e garantir a sobrevivência do professor. Por outro lado, leva-nos a compreender a elevada importância de ler sobre reflexão crítica, já que o conhecimento, assim clarificado, quebra barreiras opressivas de grupos económicos e sociais dominantes, ajudando a dissipar mitos e consciências adulteradas. Uma vez que partilhamos a visão deste investigador - o ensino é um processo político - a sua defesa do pensamento reflexivo, como estruturante do desenvolvimento profissional, parece-nos evidente: Reflection becomes critical when we can begin to think about how considerations of power undergird, frame and distort educational processes and interactions and when we can question the assumptions and practices that may seem to make our teaching lives easier but may be counterproductive to our efforts in the long run.2 (Brookfield, 1995, p. 8)
Os professores revelam o cansaço e desgaste que esta forma de estar na profissão - numa actividade pulverizada que se prolonga para lá de limites temporais em ambiente profissional - tem trazido à sua vida pessoal. A necessidade de desempenhar papéis múltiplos, genésicos de um equilíbrio inconstante em várias áreas, tem-se instituído a par com uma insuficiente melhoria dos recursos materiais e humanos, assim como das condições de trabalho, não se perspectivando, num futuro próximo, um maior reconhecimento social pelo exercício da função docente. Os professores convivem regularmente nas escolas com a informação relativa a baixas médicas de dois, três colegas, em média anualmente, vítimas de depressão ou esgotamento. Esta é uma evidência que nós temos experienciado embora não constitua um dado empírico. Não causa, por conseguinte, surpresa quando Esteve (1995) gradua as principais consequências do mal-estar docente, nelas incluindo, entre outras, o desejo de abandonar a docência, o stress, reacções neuróticas, o esgotamento e depressões. (op. cit, p. 113) Com efeito, estes resultados germinam na realidade dos estabelecimentos de ensino, sendo frequentemente combatidos com mecanismos de defesa, tal como a rotina e o absentismo. Não é o caso de muitos outros professores, os quais têm estratégias de fuga para a pressão profissional, ainda que não atenuadoras da fragmentação e intensificação da sua 2
Tradução nossa: «A reflexão torna-se crítica quando somos capazes de começar a pensar o quanto as considerações do poder fortalecem, enquadram e adulteram os processos e interacções educacionais, bem como quando somos capazes de questionar os pressupostos e práticas que, aparentemente, tornam a nossa tarefa de ensino mais fácil mas que podem ser contraproducentes dos nossos esforços a longo termo».
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actividade. Nem todos, porém, conseguem apresentar resiliência que lhes facilitem a compreensão (a fim de melhor se resguardarem) das dinâmicas que parecem contaminar as escolas, como Brookfield refere: «the dynamics of power permeate all educational processes»3. Com efeito: «Classrooms are not limpid, tranquil ponds, cut off from the river of social, cultural, and political life.»4 (Brookfield, 1995, p. 9) Se colocarmos a pergunta de Perrenoud (1993, p. 65) à maioria dos professores, «ao fim e ao cabo, os professores não acham proveito nessa dispersão?», talvez obtivéssemos uma resposta afirmativa, porque a dispersão permite combater o aborrecimento, a angústia - mas também a ansiedade, a frustração e a culpa que Hargreaves (1998, pp.159-180) refere. «O mais importante é, talvez, ter a impressão de estar a fazer coisas interessantes, de tomar parte num “jogo” que mobiliza toda a atenção, toda a energia que se possui, mesmo correndo o risco de sair cansado ou deprimido.» (Perrenoud, 1993, p. 65) Conforme explica Perrenoud, a dispersão é, no caso descrito, o imprevisto, a mudança, o oposto da rotina tranquila. Pode representar uma estratégia para evitar o confronto com as impotências que a prática pedagógica e a missão do professor - por vezes inexecutável geram, nomeadamente a insuficiência de meios e tempo para dar aos alunos o domínio do saber e do saber-fazer fundamentais. Porém, estes aspectos que talvez não possamos considerar como negativos afectam a vivência profissional dos professores mas não lhes causam desconforto. A nós interessam-nos os aspectos da dispersão que os professores denunciam como negativos e perturbadores. O nosso projecto irá, por conseguinte, propor um programa de formação em investigaçãoacção que visa conduzir os professores na capacidade de conciliar a prática da reflexividade, ou seja, dinamizar a vivência através de um processo de construção de novos saberes para atenuar os efeitos das suas funções em dispersão e combater a culpa persecutória (tal como Hargreaves, 1998, aponta) gerada pela prestação de contas e intensificação da actividade como professores. Parece-nos essencial que esse programa demonstre como organizar a trajectória profissional numa perspectiva construtivista e sócio-construtivista criando situações de partilha de experiências. Pretende-se que o percurso de formação proposto favoreça a investigação na acção para que, em última instância, possa proporcionar confiança pessoal e auto-estima. 1.1 Propósito do estudo Foi definido como requisito do estudo recolher e analisar informação sobre a temática da dispersão da actividade docente, os seus aspectos positivos e negativos no desenvolvimento da profissão, com interferência na própria prática, para, seguidamente, partir da hipótese de investigação que, tornar-se um professor reflexivo crítico, em trabalho colaborativo, poderá provocar uma modificação positiva no modo de encarar a fragmentação da actividade do professor (com características que prejudicam a própria prática). As alterações que se procuram poderão vir a cumprir-se ao nível de uma maior satisfação com a vida profissional por via de mudanças na forma de organizar o trabalho. Deste pressuposto decorrem os seguintes objectivos para o estudo: 3
Tradução nossa: «Todos os processos educacionais são permeáveis às dinâmicas do poder político». Tradução nossa: «As salas de aula não são lagos límpidos e tranquilos desligados das correntes da vida social, cultural e política». 4
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Identificar as relações entre um plano de formação para o pensamento reflexivo crítico, em projecto de investigação-acção, e o desenvolvimento de estratégias de atenuação da dispersão da actividade profissional; Determinar de que modo uma abordagem de formação de tipo colaborativo e construtivista, centrada em práticas de colegialidade e trabalho conjunto, poderá contribuir para aumentar a capacidade investigativa e de reflexão dos professores, as oportunidades de partilha, o desenvolvimento profissional e a capacidade de resposta organizacional.
Neste estudo, deseja-se saber se a dispersão é encarada pelos professores como o inesperado, a transformação, o oposto dos hábitos tranquilos, conforme assinala Perrenoud (1993, p. 65) e se representa uma estratagema não premeditado para evitar o conflito com as impotências que a prática pedagógica e a missão do professor geram. Pretende-se, igualmente, saber se a prática da reflexividade, ou seja, a organização do percurso profissional numa perspectiva construtivista e sócio-construtivista - criando situações de aprendizagem em colectividade através da criação de um programa de formação estimulante do trabalho em equipa e do pensamento reflexivo crítico - pode favorecer a confiança pessoal, a auto-estima, e combater a culpa persecutória. É justamente daqui que nasce o problema que preside ao desenvolvimento deste estudo, cuja formulação se faz nos seguintes termos: Poderá um modelo eficaz de atenuação das facetas negativas da dispersão da actividade docente residir na introdução de práticas reflexivas críticas em trabalho colaborativo? Consequentemente, a problemática é desenvolvida e explicitada através de três questões de investigação, cujas respostas permitirão o seu esclarecimento: Como pode melhorar-se a capacidade dos professores reagirem à fragmentação da sua actividade, na vertente que produz efeitos negativos e prejudica as suas próprias práticas? Que estratégias podem contribuir para o trabalho colaborativo e a reflexão crítica a fim de optimizar a dispersão da actividade docente? Que programa de formação pode contribuir para a adopção de metodologias de trabalho colaborativo, num contexto de dispersão, promotoras da qualidade do desempenho da própria prática docente? De momento, o presente estudo encontra-se numa fase piloto tendo procurado, até aqui, aferir se os professores sentem viver a sua actividade em dispersão, se identificam os factores que têm sido mais perturbadores e quais são aqueles que melhor impacto têm tido nas suas carreiras. 1.2 Métodos de pesquisa / metodologia A metodologia a utilizar neste estudo insere-se dentro das abordagens interpretativas de investigação sobre a prática, tratando-se de uma investigação-acção questionante e problematizadora, orientada pelos valores do questionamento e da reflexão. Por outro lado, justifica-se a opção pela investigação-acção na medida em que se foca a investigação na acção, e se recorre à resolução de problemas por via de uma abordagem que segue uma sequência de eventos. Os resultados desejados «are not just solutions to the immediate
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problems but important learning from outcomes both intended and unintended»5 (Coghlan & Brannick, 2010, p. 5). Assim, tratando-se a investigação-acção de uma forma de estudo com ênfase prática na resolução de problemas - cujo principal papel é «facilitate practitioners to study aspects of practice – whether it is in the context of introducing an innovative idea or in assessing and reflecting on the effectiveness of existing practice»6 (Kosky, 2005, p. xii) - este foi o estilo de investigação escolhido para operar no modelo de professor investigador. Aplicando a metodologia de investigação-acção como estratégia de formação, acreditamos que, através do desenvolvimento de capacidades investigativas dos professores, se contribui para a promoção de professores mais reflexivos e mais resistentes aos problemas que a fragmentação da sua actividade coloca. Na necessidade de empreender um processo que vise a mudança de práticas de colegialidade artificial e balcanização da actividade docente, em contexto de dispersão, concebeu-se um programa de intervenção que visa a fundamental compreensão do problema pelos professores, que voluntariamente aceitarem integrá-lo, a sua intelectualização e a experimentação de estratégias de acção, em colaboração, num processo reflexivo crítico. Esse programa terá a modalidade de curso de formação, com a duração de vinte e cinco horas presenciais, tendo como destinatários professores do ensino básico e secundário. Os objectivos gerais são: Proporcionar uma abordagem à literatura para análise e compreensão da dispersão da actividade docente e do que significa ser um professor reflexivo crítico em colaboração, por contraste com a balcanização e a colegialidade artificial. Quanto aos objectivos específicos: Apreender o conceito de professor crítico reflexivo; Identificar a fragmentação da sua própria prática; Aplicar e adaptar estratégias de colaboração eficazes em ambientes de práticas colaborativas balcanizadas. 1.2.1. PARTICIPANTES Na presente fase preparatória: os participantes foram professores, de todos os níveis de ensino a exercer a sua actividade profissional em escolas do país, que acederam ao convite de responder, de modo voluntário, anonimamente, a um questionário misto (que apresentava questões de resposta aberta e resposta fechada) online. Este questionário exploratório visou aferir se os professores consideram estar a viver a sua actividade em dispersão, com rotinas excessivamente diversificadas, para as quais não receberam formação, e se estas perturbam a sua vida profissional. Pretendia-se saber se já receberam formação que os ajudou a encarar as dificuldades e se consideram que a mesma seria útil. As questões abertas que se colocaram a estes professores prendiam-se com as seguintes interrogações: Quais os principais factores que, nos últimos três anos têm tido impacto positivo no trabalho enquanto professor? 7 Quais
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Tradução nossa: Os resultados desejados «não são somente soluções imediatas para os problemas mas igualmente aprendizagens importantes que decorrem dos resultados intencionais e inesperados». 6 Tradução nossa: O papel da investigação-acção é «permitir aos praticantes estudar aspectos da sua prática – quer se trate da introdução de ideias inovadoras ou da avaliação e reflexão sobre a eficácia da prática existente». 7 Optou-se por apelar à memória dos participantes quanto aos últimos três anos da sua carreira na medida em que se trata do período mais recente que decorreu após a introdução do Decreto-Lei n.º 15/2007 (Estatuto da Carreira Docente) o qual foi contestado pelos docentes conforme denunciaram os meios de comunicação.
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são aqueles que têm tido maior impacto negativo? Quais os factores que mais contribuem para a dispersão da actividade docente? Na fase de estudo, a iniciar em breve, serão participantes um grupo de professores voluntários do mesmo Grupo de Recrutamento, a leccionar disciplinas do currículo do ensino básico ou secundário. 1.2.2. RECOLHA DE DADOS Partindo da hipótese de estudo, a desenvolver no âmbito do projecto de tese, de que tornar-se um professor reflexivo crítico, em trabalho colaborativo, poderá provocar uma modificação positiva - no modo de encarar a fragmentação da actividade do professor, nas práticas, na satisfação com a vida profissional - concebemos um primeiro instrumento, adequado à recolha de dados nesta fase piloto. Tratou-se de um questionário misto e exploratório que visava permitir a recolha de dados de índole quantitativa. Inicialmente aplicou-se um pré-teste do questionário a dez professores, tendo-se depois procedido a pequenos ajustes na elaboração de duas das questões iniciais de modo a inserir variantes antes não ponderadas. Aplicou-se depois o questionário - o qual foi enviado por email em formato de formulário no Google docs - a sessenta e oito professores, voluntários e anónimos, tendo-se aguardado pelas respostas ao longo de um mês. A totalidade dos professores enviou as suas respostas. As três questões de resposta aberta foram objecto de análise de conteúdo. A análise quantitativa e qualitativa do conteúdo das mensagens permitiu-nos inferir que um bom programa de formação sobre a temática poderá ser uma resposta adequada para a atenuação da actividade em dispersão dos professores e para a melhoria da satisfação do professor na organização do seu trabalho. Por conseguinte, na fase subsequente da nossa investigação pretendemos dar resposta ao problema intervindo através de um programa de formação, atrás descrito e por nós criado, – no decorrer do qual se fará uma recolha de dados comparáveis, através da aplicação, no início da formação, de um questionário misto (este permitirá identificar as condições de partida), e, no final do programa de formação, da utilização do mesmo questionário misto (para aferir as condições de saída, assim como a evolução verificada). Irá solicitar-se a colaboração a um grupo de controlo, ao qual se aplicará o mesmo questionário nos dois momentos em que será respondido pelo grupo experimental. Opta-se por realizar este estudo numa metodologia qualitativa, embora com recurso ao tratamento quantitativo dos dados dos questionários, e ainda num processo cíclico à medida que o conhecimento for surgindo. A fase preliminar de análise e interpretação dos resultados dos questionários exploratórios, parece apontar como adequado o recurso a um processo de formação dos participantes, pelo que espera-se, posteriormente, que esta opção permita estabelecer pistas explicativas entre o desenvolvimento do pensamento reflexivo crítico (e o desenvolvimento de estratégias de trabalho colaborativo) baseado num projecto de investigação-acção, e a melhoria da satisfação do professor na organização do seu trabalho.
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1.3 Resultados observados Neste estudo que se insere no quadro da investigação qualitativa em educação (Bogdan & Biklen, 1994) procedeu-se à análise das respostas abertas do questionário. Para analisar os dados aplicou-se a técnica de análise de conteúdo como procedimento que enriquecerá a tentativa exploratória (Ghiglione & Matalon, 2005; Bardin, 2009; Tuckman, 1978; Flores, 1994) criando-se um quadro de categorias de análise, as quais permitiram analisar os significados. A análise categorial, a que sujeitámos as mensagens das respostas abertas, permitiu-nos passar as mesmas «pelo crivo da classificação e do recenseamento, segundo a frequência de presença (…) de itens de sentido» (Bardin, 2009, p.39). Este método taxonómico levou-nos a inferir algum conhecimento permitindo as interpretações que apresentamos mais adiante. Por conseguinte, o questionário continha trinta perguntas, sendo as primeiras dezasseis relativas aos dados biográficos dos professores participantes. Estas foram introduzidas a fim de acautelar, em fase posterior, que se possa estabelecer relações entre as opiniões dos nossos respondentes e algumas das características do seu perfil. As dezoito perguntas subsequentes pretendiam saber o que pensam os professores sobre a sua vida profissional. As nove questões finais relacionavam-se com o que pensam os professores sobre o seu trabalho na escola e na sala de aula, sendo que nos permitiriam compreender se os professores partilham ideias e materiais com os colegas, se sentem ter disponibilidade para experimentar inovações nas práticas, se têm tempo para discutir e trabalhar com os colegas sobre questões de ensino, ou se passam a maior parte do tempo de escola na sala de aula. Todas as questões atrás mencionadas podiam ser respondidas através de uma escala Likert com as seguintes características: 1 Discordo totalmente 2 Discordo 3 Moderadamente de acordo 4 Concordo 5 Concordo completamente. Optámos, em todos dos casos, por usar uma linguagem simples e clara que facilitasse uma compreensão idêntica das questões formuladas e perguntar, por vezes, as mesmas coisas de modos diversos. Através das três questões abertas, que foram alvo de análise de conteúdo, procurámos saber quais são os factores com impacto positivo, com impacto negativo e os que mais contribuem para a dispersão da actividade docente. Estas perguntas abertas permitiram a expressão livre de opiniões sem qualquer limite introduzido. Nestes três casos a análise de conteúdo que realizámos partiu de uma primeira “leitura flutuante” (Bardin, 2009, p. 64), da qual emergiram intuições que nos conduziram à criação de categorias de análise. A unidade de texto que decidimos codificar consistiu em frases e palavras. Não houve, de modo algum, a presunção de termos conseguido captar a realidade total do sentir dos professores, até porque a nossa amostra aleatória apenas recaiu sobre sessenta e oito professores de regiões diversas do país, do norte ao sul. Porém, ainda que bem nos recordem múltiplos autores quanto à circunstância da realidade não se poder apreender com rigor - por maiores que sejam as amostras utilizadas - estas apontam algumas probabilidades que podem ser um princípio a explorar. Sabemos, portanto, que lidamos apenas com probabilidades e não somos de opinião que poderemos captar a realidade total e o sentir dos professores, procurámos apenas apreender as opiniões que cada um dos professores detém sobre a dispersão da actividade docente e dos factores que podem ser uma semente de resposta para lidar com essa realidade. Assim sendo, uma vez aplicado o questionário fechado misto e exploratório ao longo de um mês as primeiras intuições decorrentes da leitura dos enunciados surgiram. Inicialmente 9
criámos categorias inspiradas na leitura inicial das mensagens. Após renovadas leituras, estas apontaram-nos a possibilidade de gerar categorias e sub-categorias fixas, à luz das quais seria feita a análise de conteúdo para as respostas às três perguntas. A inexistência de unidades de contexto/registo para algumas sub-categorias poderia ser um dado importante8. Constatámos que a análise de conteúdo directa que realizámos, a qual incidiu sobre as características objectivas das mensagens e decorreu, portanto, da frequência de presença de determinadas frases e palavras dos participantes, pareceu devolver uma hipótese de resposta ao problema que orientou o nosso trabalho exploratório: Que factores mais interferem no bem-estar no domínio profissional? Com efeito, uma vez que não é nosso desígnio, nem é possível - produzir mudanças na escola, enquanto organização, nem nas políticas educativas, no que respeita ao estatuto da carreira, à legislação, à avaliação de desempenho ou à burocracia que inunda as funções do professor - o nosso propósito de intervir no modo de organização do trabalho dos docentes, por via de um programa de formação, parece ir ao encontro dos principais factores que estes consideram ter tido maior impacto positivo no seu trabalho nos últimos três anos já que, uma maioria assinalável, dos que responderam ao questionário, escolheram a realização de acções de formação, assim como o trabalho de equipa, colaborativo e em rede com outros professores, como os factores com impacto positivo na sua profissão. O trabalho com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) foi também destacado pelos respondentes. A mesma asserção pôde ser confirmada na triangulação com as respostas fechadas do questionário. Verificámos que 33% dos participantes concordam, ou concordam completamente (31%), que a sua vida profissional seria mais eficaz se recebessem formação. A circunstância de 25% dos participantes responderem que concordam moderadamente, também é assinalável, porém, talvez deva considerar-se como a consciência de que existem factores externos e políticos, que a serem modificados prioritariamente, causariam um efeito mais imediato na eficácia da sua vida profissional. Por outro lado, observámos que, dos factores que mais contribuem para a dispersão, apenas um participante escolheu referir o desenvolvimento profissional contínuo (quanto à realização de acções de formação) como um dos aspectos que contribuem para a dispersão da sua actividade, porém atente-se na unidade de contexto: «Trabalhos de formação profissional e regime pós laboral que envolvem trabalho autónomo por longas horas». Portanto, aquilo que deve considerar-se negativo terá de ser a circunstância de a formação contínua implicar a sua frequência em horário pós-laboral e, consequentemente, também o trabalho autónomo que é realizado em horário posterior ao horário lectivo. A análise de conteúdo levou-nos ainda a concluir que existe motivação para ensinar, embora haja uma maior prestação de contas, falta de reconhecimento e maior exigência para com o trabalho do professor. O trabalho com os pares, ainda que contribua para um maior número de horas ao serviço da escola, é apontado como positivo e, por oposição, é apenas mencionado por um inquirido como contribuindo para a dispersão, porém, no sentido de que é insuficiente: «Falta de trabalho em equipa». 8
A título de exemplo: Quando questionámos os professores sobre quais os factores que mais contribuem para a dispersão da actividade docente, e quais são aqueles que têm tido maior impacto negativo, não encontrámos nenhuma unidade de contexto quanto às subcategorias “trabalho com as TIC” ou “realização de formação académica”, as quais, por sua vez apresentam, respectivamente, cinco e sete unidades de contexto quanto à questão que se prendia com os factores com impacto positivo.
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O nosso estudo tem aqui algum do apoio de que precisa para prosseguir. 1.4 Conclusões Existem em Portugal alguns estudos sobre stress e burnout dos professores.9 Muitos destes trabalhos têm sido encetados no quadro de teses de doutoramento ou dissertações de mestrado. Contudo, a crescente premência profissional do tema não se acompanha de estudos empíricos recentes no âmbito das Ciências da Educação conforme constatámos na nossa investigação. Por conseguinte, o presente trabalho pretende produzir evidência que possibilite atitudes interventivas fundamentadas sobre a forma de ajudar os professores a formar o seu pensamento crítico, a torná-los reflexivos de modo colaborativo para que, na sua trajectória profissional, superem as contrariedades e dificuldades que o sistema vai introduzindo. Os professores não devem ser ingénuos perante o sistema educacional e aspectos ideológicos que ele enforma. Pensamos que a reflexão, em comunidades espontâneas, ou concebidas como comunidades de aprendizagem tal como é possível acontecer na intervenção formativa, pode ajudar os docentes a consumir o tempo ao serviço da escola de modo produtivo, apesar de fragmentário e intenso. Este estudo parte do princípio que, a) ao identificar problemas reais dos professores, b) ao pretender gerar conhecimento que conduza à mudança, c) ao visar a implementação da mudança no decorrer do estudo, d) ao contemplar uma acção participada da investigadora como formadora, bem como e) ao alternar entre acção e reflexão num processo cíclico, enforma as características de uma investigação-acção podendo ajudar os professores a desenvolver uma cultura reflexiva em colaboração, a abandonar a pretensão de solucionar certas ocorrências que são chamados a resolver, as quais escapam ao seu domínio, e a não se entregar ao sentimento de culpa. Estamos cientes que o trabalho colaborativo, num processo de reflexão e atitude crítica, não é solução inequívoca, mas poderá resultar como um mecanismo de defesa e uma ajuda para lidar com a dispersão tornando os professores mais capazes de agir perante a pulverização de actividades e responsabilidades profissionais. Em primeiro lugar, reconhecendo a sua existência e origem, em segundo lugar, desenvolvendo e consolidando a consciência profissional que permitiu explicitá-la, clarificando-a, estabelecendo as suas ligações, extraindo as derivações das opções que se agrupam em torno dela.
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A título de exemplo confira-se o Projecto Stressless, financiado pela Comissão Europeia, o qual «Reconhecendo a necessidade de desenvolver respostas ajustadas para o stress relacionado com o trabalho no sector da Educação, […] tem como principal objectivo desenvolver e validar internacionalmente uma ferramenta útil no combate ao stress nos educadores e nas instituições educativas». O Projecto coordenado, em Portugal, pela Sociedade Portuguesa de Inovação merece a pena ser acompanhado, podendo ser consultado aqui: http://www.spi.pt/stressless/index_PT.html. [Consultado pela última vez a 30 de Maio de 2011].
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Referências Bibliográficas
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