Citar esta comunicação: Rocha, A.P. & Salema, H. (2012). Formar o professor-investigador em contextos de dispersão. Promover a transferibilidade de destrezas organizacionais para competências de desenvolvimento curricular. In Albano Estrela (et. al), Revisitar os estudos curriculares. Onde estamos e para onde vamos? Livro do Colóquio, Lisboa: Instituto de Educação. COMUNICAÇÃO: “FORMAR O PROFESSOR-INVESTIGADOR EM CONTEXTOS DE DISPERSÃO. PROMOVER A TRANSFERIBILIDADE DE DESTREZAS ORGANIZACIONAIS PARA COMPETENCIAS DE DESENVOLVIMENTO CURRICULAR”.
Índice
Resumo A presente comunicação inscreve-se na temática do currículo e formação de professores destacando a relevância da emancipação dos docentes nas suas competências de desenvolvimento curricular por via da construção da reflexão metacognitiva e crítica. O estudo, anteriormente divulgado no XI Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências
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da Educação (2011)1, tem prosseguido segundo uma metodologia de investigação que se inclui num paradigma qualitativo interpretativo. Consiste num projeto de uma tese de doutoramento em fase exploratória que se prende com a investigação das facetas da dispersão, caraterística da atividade profissional dos professores. A nossa proposta compreende um plano de formação em investigação-ação que promova a autonomia do professor e a atenuação dos efeitos da sua atividade fragmentada em trabalho colaborativo. Parte-se da premissa que uma metodologia de investigação-ação aplicada ao exercício da prática profissional poderá estimular uma atitude reflexiva crítica (na linha do que Stephen Brookfield, 1995, entende como critical reflection), e favorecer a autonomia emancipatória dos professores. Na presente comunicação iremos refletir, recorrendo a Andy Hargreaves (1998) e (2003), sobre as mudanças na sociedade do conhecimento que trouxeram acrescidas exigências de competências curriculares aos professores. Consideramos que estas têm vindo a gerar situações agravadas de dispersão da atividade docente, constituindo, igualmente, uma oportunidade para desvelar meios de
impulsionar
o
desenvolvimento
profissional.
Neste
sentido
pretendemos
compreender como poderá um programa de formação, em investigação-ação, permitir a transferibilidade de destrezas organizacionais, nele adquiridas, para competências de desenvolvimento curricular. Trata-se de uma proposta que poderá promover a eficácia dos professores, tornando-os mais resilientes, e contribuir para o êxito da sua relação com a escola e com a mudança da sua própria identidade profissional.
Palavras-chave: Dispersão; Formação de professores; Reflexão crítica; Investigação-ação; Competências de desenvolvimento curricular. “FORMER L’ENSEIGNANT-CHERCHEUR EN CONTEXTES DE DISPERSION. PROMOUVOIR LE TRANSFERT DE COMPETENCES ORGANISATIONNELLES POUR DES COMPETENCES DE DEVELOPPEMENT CURRICULAIRE”. 1 Rocha, A.P. & Salema, H. (2011). Dispersão da Atividade Docente. O poder do professor crítico reflexivo num contexto formativo colaborativo. In Reis, C. S., Neves, F. S. (coord.). (2011). Guia para o XI Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (pp. 74-75). Guarda: Instituto Politécnico da Guarda.
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Résumé Cette communication s'inscrit dans le cadre du thème du programme d'études et de formation des enseignants en soulignant l'importance de l'autonomisation des enseignants dans leurs compétences de développement du curriculum à travers la construction de la réflexion métacognitive et critique. L'étude, publiée lors du XI ème Congrès de la Société Portugaise de Sciences de l'Éducation (2011), suit une méthodologie de recherche qui s’inclut dans un paradigme qualitatif interprétatif. Cette étude consiste à un projet d´une thèse de doctorat à un stade exploratoire qui traite de mieux connaître les facettes de la dispersion, fréquente dans l'activité professionnelle des enseignants. Notre proposition comprend un plan de recherche-action de formation qui promeuve l'autonomie des enseignants et l’atténuation des effets de leur activité fragmentée dans le travail collaboratif. Il commence avec la prémisse qu´une méthodologie de recherche-action appliquée à l'exercice de la pratique professionnelle puisse stimuler une attitude critique réfléchie (selon ce que Stephen Brookfield, 1995, comprend comme critical reflection), et favoriser l'autonomie émancipatrice des enseignants. Dans cette communication, nous réfléchirons, nous secourant d´ Andy Hargreaves (1998) e (2003), sur les changements dans la société du savoir qui ont accru des exigences au niveau des compétences des enseignants. Nous pensons que ces exigences ont aggravées certaines situations de dispersion de l'enseignement, étant également une occasion pour dévoiler des moyens de stimuler le développement professionnel. Notre objectif est de comprendre comment un programme de formation en recherche-action peut permettre la transférabilité des compétences organisationnelles, y acquises, pour des compétences de développement curriculaire. Il s’agit d’une proposition qui pourra renforcer l'efficacité des enseignants, en les rendant plus résistants, et contribuer à la réussite de leur relation avec l'école et avec le changement de leur propre identité professionnelle. Mots-clés : dispersion, la formation des enseignants, la réflexion critique, la rechercheaction, le développement des compétences des programmes
Introdução
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A atividade profissional dos professores tem vindo a modificar-se ao ritmo das mudanças que têm ocorrido na sociedade. Exige-se mais da escola, colocam-se altas expectativas quanto ao seu desempenho, assim como a burocratização e “funcionarização” dos docentes caracterizam crescentemente o trabalho que se desenvolve no ambiente educativo. A redução da autonomia do professor parece ser proporcional a um maior envolvimento da comunidade nos processos decisórios, tal como a perda da sua identidade profissional por via de, de entre outros fatores, uma crescente fragmentação do trabalho. Nesta conjuntura, urge compreender como podem os docentes enfrentar as situações desafiadoras que esta complexidade contextual lhes lança e como podem emancipar-se nas suas competências de desenvolvimento curricular por via da construção da reflexão metacognitiva e crítica. A primeira parte desta comunicação irá abordar as mudanças na sociedade do conhecimento - com recurso à visão de Andy Hargreaves (1998) e (2003) sobre esta questão - as quais introduziram orientações curriculares que a literatura considera estar a constranger os professores e a desafiá-los a desenvolver competências cada vez mais diversificadas. Cremos que essas mudanças têm gerado o agravamento da dispersão da atividade docente, de modo que apresentaremos a formação do docente como uma oportunidade para desconstruir o que oculta a mudança e a sobrecarga que esta impõe. A reflexão crítica surge, assim, como um meio para impulsionar o desenvolvimento profissional. Para esta análise iremos socorrer-nos de Stephen Brookfield (1995). Na segunda parte iremos tentar compreender como poderá um programa de formação, com recurso à investigação-ação, permitir a transferibilidade de destrezas organizacionais, nele adquiridas, para competências de desenvolvimento curricular, pela promoção de atitudes reflexivas críticas. A temática desta comunicação centra-se, por conseguinte, no modo como o docente poderá ser ajudado a desenvolver uma autonomia, e atuação crítica e emancipatória, atenuadora dos efeitos da sua atividade fragmentada.
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I - Compreender as mudanças: Formar o professorinvestigador em contextos de dispersão O professor da nossa era é um profissional altamente qualificado a exercer a sua atividade no seio de uma sociedade em progressiva mutação. Vive a sua profissionalidade numa constante adaptação à modernidade e à proliferação de papéis que lhe são exigidos. É também um mediador dos conhecimentos, valores e experiências de vida individuais e coletivas que os alunos transportam consigo para o ambiente escolar. Sobre ele recaem inúmeras expectativas, mas, igualmente, o escrutínio constante da sua ação. Hargreaves (2003) apresenta-nos um retrato do contexto em que os professores executam a sua missão e como se espera que sejam capazes de “build learning communities, create the knowledge society, and develop the capacities for innovation, flexibility and commitment to change that are essential to economic prosperity.” (p. 9). Numa obra anterior o autor já referia como os professores sofrem as pressões da pósmodernidade e se submetem às inovações, as quais geram sentimentos de sobrecarga. Este autor alerta como as mudanças têm por trás “transformações ainda mais profundas nas próprias raízes do trabalho dos professores, as quais incidem sobre o próprio ensino e afetam o modo como este é definido e socialmente organizado.” (1998, p. 6) Hargreaves reconhece como a pós-modernidade pode levar a um fortalecimento pessoal. Porém, a constante mudança de papéis e funções pode, igualmente originar crises nas relações interpessoais e, a compressão do tempo e espaço, conduzir a uma sobrecarga de inovações e intensificação do trabalho docente. No contexto especificamente educativo, as mudanças, provocadas por estratégias políticas e administrativas, surgem, como alerta Hargreaves, de modo coersivo, por constrangimento e artifício, na presunção de que os níveis de exigência educativa são reduzidos e o abandono escolar se deve à ineficiência, carência de competência e conhecimentos dos docentes. Os projetos de reforma educativa incluem, por isso, orientações curriculares obrigatórias - estanques à autonomia do professor - e um controlo apertado do que é ensinado, de modo a “assegurar a mudança por via do instinto de
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sobrevivência dos professores, na sua luta pela proteção das suas escolas e pela preservação dos seus empregos.” (1998, p. 13) A conjuntura de deterioração e “funcionarização” do trabalho docente - este cada vez mais rotineiro e intensificado, burocrático, dispersivo, desqualificado, expurgado de poder decisório para exercer juízos - é descrita por Hargreaves como “artificialismo retórico, uma estratégia para levar os docentes a colaborar de boa vontade na sua própria exploração, à medida que lhes vai sendo exigido cada vez mais esforço.” (1998, p. 132) Por outro lado, verifica-se um afastamento daquilo que é útil às turmas, já que uma grande percentagem do tempo dos professores é dedicada a outras áreas de trabalho, em colegialidade artificial e mandatada, resultando numa multiplicação de reuniões e tarefas administrativas, em teias burocráticas, as quais não parecem ser sinónimo de maior qualidade do desempenho profissional ou dar um contributo relevante para o desenvolvimento das suas competências curriculares. Os professores revelam-se conscientes de que o seu trabalho tem vindo a alterar-se e que as suas obrigações são cada vez mais difusas, o que lhes tem também causado uma acentuada saturação, como refletem diversos estudos - sobre o stress, burnout e mau estar ou (in)satisfação dos docentes - desenvolvidos principalmente na área da psicologia e por vezes divulgados na comunicação social. Compreendem que as competências que devem dominar sofreram uma ampliação decorrente das mudanças ocorridas na sociedade do conhecimento, assim como das novas literacias a que esta obriga. Os saberes que sentem como necessários já não se restringem exclusivamente aos conteúdos disciplinares que ministram. De entre os vários autores que poderíamos aqui citar Shulman (1986), Perrenoud (2001), Tardiff (2002) e Feiman-Nemser (2005), apontaram os saberes docentes essenciais ao desempenho profissional do professor. Os seus estudos permitem-nos perceber os traços comuns apresentados e, essencialmente, a pluralidade de conhecimentos que são identificados. Perrenoud, por sua vez, menciona a existência de um referencial que identifica cerca de cinquenta competências cruciais na profissão do educador destacando dez grandes famílias de competências. (2001) Com efeito, espera-se, como descreve Hargreaves, que os professores dominem um conhecimento abrangente, sejam catalisadores da sociedade de conhecimento e, por 6
conseguinte, sejam capazes de construir um profissionalismo especial, assim aumentando as suas competências de desenvolvimento curricular. Não as do tipo Julie Andrews: “«these are few of my favorite things» - in which teachers could teach anything they liked.”, mas, através das quais possam “Promote deep cognitive learning; Learn to teach in ways they were not taught; Commit to continuous professional learning; Work and learn in collegial teams; Treat parents as partners in learning; Develop and draw on collective intelligence; Build a capacity for change and risk; and Foster trust in processes.” (2003, pp. 23-24) Consideramos que a conjuntura socioprofissional em que trabalham os professores tem, consequentemente, gerado situações agravadas de dispersão da atividade docente, constituindo, apesar de todos os constrangimentos e limites, uma oportunidade para desvelar meios de impulsionar o crescimento profissional. Á formação docente cabe um papel relevante, no sentido que pode dar um contributo fulcral para a metacognição e, igualmente, para uma postura e prática reflexiva crítica que seja a base de uma análise metódica e regular. Ela deverá também colocar a experiência e inúmeros saberes dos professores ao serviço da construção da sua profissionalidade proporcionando estratégias que permitam a transferibilidade de destrezas adquiridas para contextos diversos. A formação, como crê Perrenoud “pode ajudar cada um a construir seu julgamento devido a um treinamento que explicite, de forma simultânea, a situação, as alternativas e os desafios.” Por outro lado, “As posturas e competências reflexivas não garantem nada; contudo ajudam a analisar dilemas, a construir escolhas e a assumi-las.” (2002, p. 56) A reflexão pode “transformar o mal-estar, as revoltas e os desânimos em problemas, os quais podem ser apresentados e talvez resolvidos com método.” (p. 57) A promoção da reflexão crítica é, portanto, reconhecidamente de valorizar, na medida em que prepara os docentes para que, no seio da sua atividade dispersiva, exigente e por vezes até degradada, desenvolvam perspicácia sobre os problemas, sejam estimulados na sua sensatez, abandonem certezas, pareceres egocêntricos e a sensação de que têm de carregar todas as responsabilidades e assumir todas as culpas. A formação poderá preparar “as pessoas, de certa maneira, para se tornarem «seu próprio supervisor», seu próprio interlocutor, ao mesmo tempo benevolente e exigente” (Perrenoud, 2002, p. 60)
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As evidências recolhidas pela investigação têm comprovado o poder da reflexão sobre a prática. Esta tem sido sobejamente reconhecida por vários investigadores, dos quais destacamos, como incontornáveis, Dewey (1933); Schön, (1983), Kemmis, (1985), Zeichner (1993) e, no contexto português, Alarcão (1996). A nós interessa-nos, particularmente, o ponto de vista que Brookfield (1995) apresenta, no intuito de formar o professor-investigador em contextos de dispersão, para que se torne crítico quanto a esta. Brookfield considera a reflexão crítica como intrinsecamente ideológica e moralmente fundamentada. Diz o autor que, refletir criticamente, levará à capacidade de focalizar: “on the hunting of assumptions of power and hegemony.” (1995, p. 28) Este investigador descreve a reflexão crítica como o procedimento utilizado para desvelar pressupostos, o que requer um processo em três fases interrelacionadas: “1. Discovering the assumptions that guide our decisions, actions and choices; 2. Checking the accuracy of these assumptions by exploring as many different perspectives, viewpoints and sources as possible; 3. Taking informed decisions that are based on these researched assumptions.” (2006, p. 11) Na concretização da sua missão, o professor pode assumir, em termos teóricos, o papel de transmissor ou técnico do currículo, na medida em que desenvolverá tarefas prescritas bem delimitadas. Poderá, desejavelmente, ir mais além e ser o intérprete ou agente curricular. Nesta perspetiva o professor terá um papel intuitivo, prático, reflexivo, e será um protagonista criativo que adequará o currículo à sua realidade educativa. É nesta conceção de ensino que surge a necessidade do professor se envolver em investigação que o auxilie a lidar com os problemas desmoralizantes e a dispersão da sua atividade. Torna-se, por isso, indispensável a análise rotineira da prática, a sua avaliação e reformulação constantes. Para Brookfield “A critically reflective stance toward our teaching helps us avoid these traps of demoralization and self-laceration.” (1995, p. 2) Com efeito, a vantagem de uma reflexão ser crítica decorre da relevância que deve ser atribuída à emancipação dos docentes, nas suas competências de desenvolvimento curricular, e à construção da sua reflexão metacognitiva. E, decorre ainda, da circunstância de trazer mais-valias de outra índole: “It might not win us easy promotion or bring us lots of friends, but it does enormously increase the chance that we will survive in the classroom with enough energy and sense of purpose to have some real effect on those we teach.” (1995, p. 2) 8
Vejamos de seguida a valorização que deverá ser atribuída à promoção de atitudes reflexivas críticas.
II- Investigação-ação: Promover atitudes reflexivas críticas e a transferibilidade de destrezas organizacionais para competências de desenvolvimento curricular No quadro das Ciências da Educação os professores tendem a considerar a investigação educativa, que parte dos meios académicos, como frequentemente descontextualizada da sua realidade, considerando não existir aproximação entre a visão do investigador e a sua própria perspetiva do mundo educativo. Por outro lado, percepcionam o trabalho investigativo académico como imbuído de poder, privilégio, voz e estatuto, frequentemente realizado num dado período, o qual é encerrado com o retorno do investigador ao seio universitário (Zeichner, 1995). O método da investigação-ação veio contrariar o paradigma sobranceiro e distanciado que é tradicionalmente apontado à investigação, caracterizando-se pelo facto de, ao ser realizado pelo próprio professor, estimular a sua autonomia e discernimento profissional relativamente às ideias que o orientam na concretização de um processo investigativo focalizado na sua atividade. Um programa de formação, com recurso à investigação-ação, adequa-se à prática quotidiana do professor por permitir centrar-se nas suas preocupações e interesses, aguçar a capacidade crítica e ultrapassar o fosso entre o foco de investigação e o interesse do próprio professor-investigador. Todavia, como poderá contribuir para a transferibilidade de destrezas organizacionais, nele adquiridas, para competências de desenvolvimento curricular? Cremos que a resposta poderá residir no que descrevemos a seguir. 9
O carácter flexível, do modo de estudo em que a investigação-ação se realiza, o qual tem em vista a obtenção de resultados práticos, não parte de premissas teóricas, mas da consciência quanto à existência de um problema. Esta metodologia é a ideal para o docente que visa desenvolver a sua capacidade reflexiva crítica e potenciar a sua profissionalidade no sentido de uma emancipação. Para Elliott a investigação-ação liga a autoavaliação ao desenvolvimento profissional, pois constitui um processo reflexivo que pode levar à mudança de práticas e teorias. Estas são validadas pelas práticas, não dependendo, a ‘verdade’ que trazem, de testes científicos, mas da sua utilidade, ao ajudar a agir de modo mais inteligente e capaz. (1991, p. 45) Em contextos de dispersão da atividade do professor, quando se pretende combater a culpa, a armadilha da desmoralização – assim como práticas de dominação e autoridade repressivas - a promoção de atitudes reflexivas críticas é essencial, tal como Kemmis explicita “to discover how criteria have come to be accepted, to analyse their historical and social formation, and to organize social action towards emancipation.” É também crucial porque “it serves the ends of society by identifying how our thought and action have been distorted by ideology and redirecting our thought and action to overcome these distortions.” (1985, p. 146) Por outro lado, a transferibilidade de destrezas organizacionais adquiridas num programa de formação em investigação-ação poderá ocorrer se incluir características que favoreçam essa transferência. Socorrendo-nos da obra de Fogarty, Perkins & Barell, percebemos que poderá suceder com maior probabilidade e eficiência se as experiências de aprendizagem encorajarem “to be thoughtful – to seek generalizations, to look for opportunities to apply prior knowledge, to monitor their thinking, and ponder their strategies for approaching problems and tasks.” (1992, p. xvi) A proposta de trabalho que iremos desenvolver no âmbito do nosso estudo pretende conduzir a uma maior autonomia do professor e à atenuação dos efeitos da sua atividade fragmentada. Entendemos que a promoção de atitudes reflexivas críticas, por via da implementação de um programa de formação em investigação-ação, poderá ser, efetivamente, impulsionadora da transferibilidade de destrezas organizacionais para
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competências de desenvolvimento curricular, caso se concretize em ambientes profissionais colaborativos não artificiais. Nesta asserção estamos em linha com o parecer de Hargreaves (1998). Um modelo que estimule a colaboração entre professores é orientado para o desenvolvimento, porque essas relações se prolongam no tempo e têm reflexos na melhoria da prática profissional. Num paradigma com estas características os professores colaboram entre si, por sua própria iniciativa, estabelecendo em conjunto, enquanto grupo social, as tarefas e suas finalidades. As relações de trabalho não são de constrangimento ou coação. Embora Hargreaves também alerte para o modo como a colaboração profissional aparentemente se tornou um metaparadigma - no intuito de nela se integrar a ação, a cultura, a organização, a planificação, o desenvolvimento, e até a investigação no ensino - a colegialidade apresenta benefícios, sobretudo se não for artificial. Ainda que se tenha tornado uma estratégia utilizada pelo sistema para levar os professores a lidar com a mudança e que possa, até, ser conformista, comodista e balcanizada, as suas virtudes potenciais, associadas à reflexão crítica que a investigação-ação pode promover, são inegáveis como confirmam diversos investigadores já referidos no âmbito desta comunicação. Em tempo de contínuas mudanças e agravamento da dispersão da atividade docente formar o professor-investigador pode ser uma via para desconstruir a sobrecarga que aquela impõe e as questões ideológicas que a enformam. Confira-se o que Kemmis refere sobre a necessidade de estarmos conscientes deste facto: “The systematic and self-conscious development of self-reflection through emancipatory action research may provide an antidote to the ensnarement of people in the privatized, scientific, alienating ideology of our time.” (1985, p. 162) Importa também ouvir o professor e valorizar o que já sabe. A fim de contrariar aquilo que Day (2001) designa como “As razões subjacentes ao declínio moral, da autoconfiança e da auto-eficácia dos professores” - as quais decorrem das “mudanças operadas nas condições de trabalho ocupacionais e organizacionais que resultaram na universal consequência da intensificação do trabalho nas escolas” no seio da vida escolar e familiar “bem como na redução da confiança no juízo discricionário dos professores” (p.117) - há que fomentar a experiência e know-how dos profissionais. 11
Por outro lado, a investigação não poderá surgir como um fardo de algo que se acrescenta ao quotidiano dos professores e que acarreta a aprendizagem de novas capacidades técnicas ou saberes académicos. Daí a necessidade de um estudo, em investigação-ação, assentar em competências já adquiridas pelo professor, ser económico, acessível e compatível com as responsabilidades e dispersão de atividades já existentes. No nosso entender, aquilo que de mais importante poderá trazer um projeto em investigação-ação será a promoção da voz do docente e o contributo para que encontre o sentido para a sua vida profissional. O maior desafio para um professor que implemente o seu próprio processo investigativo, talvez seja o de contrariar todos os constrangimentos, sem sucumbir às exigências e expectativas, e sentir que o seu envolvimento emocional e cognitivo vale a pena. Concluímos partilhando as palavras de dois autores de referência. No entender de Day, com quem concordamos, “São os tipos e a qualidade das oportunidades de formação e desenvolvimento, ao longo das suas carreiras, e a cultura onde trabalham que irão influenciar a promoção dos valores da aprendizagem permanente e a sua capacidade de ajudar os alunos «a aprender a aprender» de forma positiva.” (2001, p. 319) Para se conseguir isto há que recorrer ao paradigma reflexivo como “emblema da profissionalização, entendida como um poder dos professores sobre o seu trabalho e sua organização, um poder não usurpado pela fragilidade das práticas, mas abertamente assumido, com as correspondentes responsabilidades.” (Perrenoud, 2002, p. 216) Também entendemos assim, uma vez que “Os professores são potencialmente o trunfo primordial para a realização da visão de uma sociedade de aprendizagem.” (Day, 2001, p. 319)
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OBRAS CITADAS Alarcão, I. (1996). Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de formação de professores. In I. A. (org.), Formação reflexiva de professores: Estratégias de supervisão (pp. 9-39). Porto: Porto Editora. Brookfield, S. (2006). Developing critical thinkers. Obtido em 22 de Novembro de 2011, de Dr. Stephen D. Brookfield: http://www.stephenbrookfield.com/Dr._Stephen_D._Brookfield/Workshop_Material s_files/Critical_Thinking_materials.pdf Brookfield, S. D. (1995). Becoming a critically reflective teacher. San Francisco: JosseyBass Publishers. Day, C. (2001). Desenvolvimento profissional de professores. Os desafios da aprendizagem permanente. Porto: Porto Editora. Dewey, J. (1933). How we think. London: Heath. Elliott, J. (1991). Action research for educational change. Milton Keynes: Open University Press. Feiman-Nemser, S., & Remillard, J. (2005). Perspectives on learning to teach. Obtido em 11 de Novembro de 2011, de http://ncrtl.msu.edu/: http://ncrtl.msu.edu/http/ipapers/html/pdf/ip953.pdf Fogarty, R., Perkins, D., & Barell, J. (1992). How to teach for transfer. Illinois: The Mindful School. Hargreaves, A. (1998). Os Professores em tempos de mudança. Alfragide: McGraw-Hill. Hargreaves, A. (2003). Teaching in the knowledge society. Education in the age of insecurity. New York: Teachers College Press. Kemmis, S. (1985). Action research and the politics of reflection. In R. K. D. Boud, Reflection: Turning experience into learning (pp. 139-163). London: Kogan Page. Perrenoud, P. (2001). Dez novas competências para uma nova profissão. Obtido em 20 de Novembro de 2011, de http://www.unige.ch/: http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2001/2001_23.ht ml Perrenoud, P. (2002). A prática reflexiva no ofício de professor: Profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed. Schön, D. (1983). The reflective practitioner. London: Basic Books. Shulman, L. S. (Feb de 1986). Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational Researcher 15 (2), pp. 4-14. Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes. Zeichner, K. (1993). A formação reflexiva de professores: Ideias e práticas. Lisboa: Educa. Zeichner, K. (1995). Beyond the divide of teacher research and academic research. Teachers and teaching: Theory and practice 1 (2), pp. 153-172. 13
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