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As veias abertas da Costa do Descobrimento

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Os Empreendimentos

Os Empreendimentos

costa do descobrimento

os diagnósticos participatiVos, realizados nos Vinte empreendimentos mostram um cenário de contradições típicas da américa latina e persistente há mais de cinco séculos. por gisele porto

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Começamos esta análise mobilizando trechos de parte da introdução do Livro “As veias abertas da América Latina” de Eduardo Galeano (2010), livro indispensável para uma reflexão profunda do nosso lugar na conjuntura global, desde o início da idade moderna, quando fomos invadidos e violentados, física e simbolicamente, justamente nesta bela e rica costa, denominada “Costa do desCobrimento”, perspectiva adotada a partir da visão de mundo do colonizador.

120 milHÕEs DE CriaNÇas No CENtro Da tormENta 1

A divisão internacional do trabalho significa que alguns países se especializam em ganhar e outros em perder. Nossa comarca no mundo, que hoje chamamos América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se aventuraram pelos mares e lhe cravaram os dentes na garganta. Passaram-se os séculos e a América Latina aprimorou suas funções. Ela já não é o reino das maravilhas em que a realidade superava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus da conquista, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como serviçal, continua existindo para satisfazer as necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, de cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que, consumindo-os, ganham muito mais do que ganha a América Latina ao produzi-los. [...] Do descobrimento aos nossos dias, tudo sempre se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal se acumulou e se acumula nos distantes centros do poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar foram sucessivamente determinados, do exterior, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo. [...] Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros. Nossa riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os impérios e seus beleguins nativos. Na alquimia colonial e neocolonial o ouro se transfigura em sucata, os alimentos em veneno. [...] O capitalismo central pode dar-se ao luxo de criar seus próprios mitos e acreditar neles, mas mitos não se comem, bem sabem os países pobres que constituem o vasto capitalismo periférico.

1 Versão brasileira de “As veias abertas da América Latina” – Eduardo Galeano. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4194484/mod_resource/content/1/As%20veias%20abertas%20da%20Am%C3%A9rica%20Latina.pdf>

sobre fortaleZas

Sobre fortalezas Comentado [GP3]: Todo trecho sobre fortalezas deve ocupar 3 gráfico 02: menções às fortalezas:páginas, não mais, nem menos. Usar o que está marcado em negrito como destaque para ocupar o espaço das 3 páginas

QUADRO GERAL DE MENÇÕES ÀS FORTALEZAS:

valor cultural da mandioca ações educativas empoderamento feminino referência local serviço público conquistado tramitação fundiária 8 9 contra o desespero, tristeza

82 gestão qualificada 14

saberes tradiconais 20

participação democrática articulação de parceirias outros 22

saberes infraestrutura/equipamentos 60

saberes ténicos cultura tradicional/popular/ancestral agroecologia /sustentablidade produtos diversificados sentimentos positivos atitude empreendedora

62

3 4 5 7 8

10

11

12

15

solidariedade/coletividade

23

45 39

Fonte: Diagnósticos Participativos, IMT, 2020.

“Tenho duas armas para lutar contra o desespero, tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver.”

Comentado [GP4]: Cuidado no manuseio do gráfico, pois a legenda não pode sumir. Ele deve ficar grande para ter leitura. Tem Tenho duas armas para lutar 19 legendas.

Ariano Suassuna

e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver.

ariano suassuna

Em meio à luta pela terra e pela vida, em posição de enfrentamento à lógica capitalista, que devasta, desde 1500, territórios concretos e subjetivos, os 20 empreendimentos de economia solidária que diagnosticamos, acompanhamos e apoiamos, constituíram-se enquanto coletivos que resistem através de fortalezas internas, conquistadas e reconquistadas dia após dia.Em meio à luta pela terra e pela vida, em posição de enfrentamento à lógica capitalista, que devasta, desde 1500, territórios conAparentemente, a luta comum pela conquista da terra e pela sobrevivência da coletividade – à revelia das difi culdades impostas por um país essencialmente laticretos e subjetivos, os 20 empreendimentos de eco- fundiário e historicamente violento contra suas popunomia solidária que diagnosticamos, acompanhamos lações tradicionais e periféricas – e o desejo e escolha e apoiamos, constituíram-se enquanto coletivos que grupal de empreender coletivamente, motivaram a resistem através de fortalezas internas, conquistadas e constituição destas 18 associações e 02 cooperativas. reconquistadas dia após dia. Esses coletivos organizados, mesmo com as difi cul-

Mesmo com toda a difi culdade intrínseca da convi- dades relatadas nas fraquezas e ameaças abaixo, são vência, das 473 menções às fortalezas, 82 vezes fo- verdadeiros empreendimentos, pois 62 vezes apareram feitas menções a aspectos que remetem a um cem menções às características empreendedoras dos comportamento de “solidariedade e coletividade”. participantes como fortalezas.

Outro aspecto bastante recorrente nas falas, de forma distribuída entre os coletivos, foram menções do que generalizamos aqui como “sentimentos positivos”, que aparecem como fé, confi ança, apoio mútuo, otimismo, entre outros que extrapolam as relações de trabalho e permeiam as relações pessoais, principalmente entre mulheres, especialmente as solteiras, mães solo, separadas ou viúvas, que se apoiam mutuamente, que embora tenhamos escolhido separar das menções denominadas de solidariedade e coletividade, por referirem a sentimentos mais do que posturas com o outro, sentimento e ação, são duas faces de uma forma de existir que se revelou, em alguns aspectos fundamentais, oposta à forma de existir do mundo contemporâneo, individualista.

Talvez a facilidade para conviver com a diversidade de posturas, pensamentos e histórias advenha da convivência com a diversidade da natureza e dos processos produtivos, pois 45 vezes apareceu a menção à diversidade da produção, ou seja ao redor de 2 menções por encontro, o que era corroborado pelo coletivo, signifi cando concordância de praticamente os 409 presentes (mesmo sem a menção explícita de todos). Todos reconhecem a enorme riqueza real conquistada pelo esforço da lida coletiva na produção agrícola, neste fértil, embora “machucado”, território.

Produção esta que vem carregada por grande valorização e conhecimento agroecológico e de sustentabilidade (com 39 menções). Importante salientar que, neste contexto retratado, tal conhecimento foi adquirido através da cultura, passada por gerações, dos ancestrais referenciados como o que há de mais sagrado: a cultura popular, tradicional e ancestral, com 23 menções. Essa população, em oposição ao neoliberalismo que avança no país e no mundo, valoriza seus idosos, o que é antigo, tradicional, mesmo que considerado “improdutivo” ou ultrapassado para outras culturas, essencialmente urbanas e de consumo. São comunidades que tem saberes tradicionais (10 menções) e saberes difusos diversos (15 menções, somando 25 menções) e embora também tenham saberes técnicos (22 menções), este é insufi ciente, diante dos avanços tecnológicos e principalmente das burocracias governamentais, o que aparecerá nas fraquezas. Ocupando um lugar de menor centralidade nas conversas, aparece a conquista de infraestrutura que, por serem fruto de luta há muitos anos, é relativamente baixa (20 menções), sendo um aspecto considerado mais como fraqueza ou ameaça. A articulação de parcerias e a participação democrática em instâncias e mecanismos de participação, como conselhos de políticas públicas, por exemplo, aparecem, respectivamente, 12 e 11 vezes, sendo um processo em andamento, com maiores conquistas por alguns coletivos e poucas por outros. Serviços públicos conquistados, com 8 menções, referem-se à capacidade de participação, articulação e de demandar benefícios, principalmente em localidades mais isoladas. Tramitações fundiárias, também com 8 menções, refere-se a parciais conquistas, em meio a um contexto de luta entre poderes desiguais, em geral se arrastando por anos, sem conclusão satisfatória, pois tais tramitações referem-se a comodatos de curta duração e terras em antigos processos de homologação. A baixa ocorrência do “empoderamento feminino” (5 menções) deve-se aparentemente à difi culdade da percepção deste processo por parte das mulheres que não nomeiam o machismo e ainda estão distantes dos conceitos feministas; entretanto, esse é um processo que atravessa todos os coletivos femininos e a maior parte das mulheres. Mesmo em comunidades mais religiosas e tradicionais, onde o patriarcado e o machismo não é motivo de queixas, as conquistas das mulheres saltam aos olhos de qualquer observador mais atento e sensível a tais lutas.

O valor cultural da mandioca aparece nos empreendimentos onde esta cultura é central e aponta para um avanço em direção a produtos locais identitários, percepção e processo ainda incipientes, mas com potencial explosivo. O item “Outros” presente no gráfi co é composto por: identidade local, 1 menção; institucionalidade, 1 menção; liderança positiva, 1 menção; qualidade dos produtos, 1 menção; autonomia alimentar, 2 menções; capacidade produtiva, 2 menções; certifi cações/selos, 2 menções; crédito fi nanceiro, 2 menções e; distribuição diversifi cada, 2 menções. Tomados conjuntamente, formam, assim, um conjunto de fortalezas ainda incipientes, em alguns casos, com o conceito oposto aparecendo de forma signifi cativa em fraquezas.

Por sua vez, a “defi ciência em logística” (19 menções), referida como falta de transporte ou barracas para as vendas, por exemplo, também aponta claramente para a falta de serviços públicos, políticas de incentivo e estrutura social para viabilizar o que o país produz de melhor no seu campo.

A falta de recursos fi nanceiros (18 menções), falta de saberes técnicos (12 menções) e falta de formalização e certifi cação (11 menções), também são apontadas como falhas internas, enquanto poderiam perfeitamente serem lastreadas nas defi ciências externas, tais como a atuação estatal e empresarial que benefi cia os grandes produtores, acentuando a concentração de renda, conhecimento, recursos e terras.

Neste contexto, as menções críticas às posturas desagregadoras (43 menções) encontram como alvo o outro, o parceiro, o companheiro, o irmão, o parente, o outro que não é outro, pois está do mesmo lado da trincheira. E mais uma vez poderíamos esvaziar as fraquezas, migrando para ameaças que geram sentimentos desagregadores na população mais vulnerável, a qual, ignorante do contexto econômico e histórico, oprime seu par, sem ter consciência de mais esta arma de dominação: a separação entre os iguais.

Outras fraquezas de menor incidência apontam para a mesma lógica, de falta de oportunidades de fi nanciamento e formação, sendo consideradas e nomeadas como fraquezas: perda da tradição e cultura, 3 menções; falta de identidade da marca, 5 menções; sentimentos negativos, 5 menções; e falta de consciência ambiental, 6 menções.

a falta de rECursos fiNaNCEiros, sabErEs téCNiCos, formalizaÇão e CErtifiCaÇão também são apontadas como falHas iNtErNas.

outras fraquEzas de menor iNCiDêNCia apontam

para a mesma lóGiCa, de falta de oportuNiDaDEs

de fiNaNCiamENto

e formaÇão.

mente acessadas, permanecendo, muitas vezes, em condição de oportunidades não aproveitadas.

A infraestrutura aqui é corretamente apontada como oportunidade, abarcando estradas e outros serviços, como estruturas disponíveis para a comercialização.

A Veracel Celulose aparece nomeada explicitamente como oportunidade devido a doações, capacitações, oferta de serviços, compra de produtos, apoio técnico e disponibilização de insumos; entretanto, é fundamental observar que a empresa aparece de forma não explicitada (não nomeada) como enorme ameaça ao território, assim como detentora de grandes extensões de áreas, produtivas ou degradadas, privatizadas em processos não apropriados e oferecidas em comodato ou vendidas de forma vantajosa para empresa, aparecendo também como investimentos de compensação ambiental pelos enormes impactos de degradação local. Fatos que envolvem Veracel e outras empresas extrativistas, gerando enorme tensão com os agricultores familiares, no território, assim como em todo país. As capacitações (13 menções) oferecidas nos territórios realmente são excelentes oportunidades, sendo em geral com temas adequados; porém seu acesso é difi cultado pelo alto custo do deslocamento, ou desconhecimento dos mesmos, por parte dos produtores em geral.

Os editais (12 menções) também são em parte adequados às necessidades locais, mas são de difícil acesso, salvo raras exceções, pois exigem redação complexa e documentação continuamente atualizada, em meio ao labirinto de informações e processos, quase impossíveis aos empreendimentos.

Outras oportunidades de baixa incidência têm potenciais diversos, por exemplo, a compra coletiva (1 menção) poderá ser promovida e auxiliar os processos. A baixa incidência de 2 menções aos “atrativos históricos” revela a baixa percepção e pouco uso de um potencial gigantesco da história da Costa do Descobrimento, com sua “identidade local” (3 menções) diversa e rica. Concluímos que uma das grandes ameaças é a falta de mais oportunidades formativas sobre a história e o valor da cultura local.

riqueza natural como oportunidade para o crescimento da economia real e solidária.

rência não tenha sido grande, a discussão diante de cada menção, em cada um dos grupos, tomou o tempo e o tom grave, eventualmente medroso, que tal ameaça representa: a possibilidade de perder a terra, perder o meio de sobrevivência, a identidade e pertencimento à cultura.

As burocracias em excesso (10 menções), forças políticas opositoras (8 menções) e o mercado competitivo (8 menções) aparecem como ameaças micro, que podem ser minimizadas com o aperfeiçoamento dos coletivos.

Das outras ameaças de menor ocorrência (atravessador, 1 menção; choque cultural, 1 menção; culpabilização do indígena, 1 menção; plágio, 1 menção; interferência externa, 2 menções; mercado instável, 2 menções; falta de crédito/capital, 3 menções; distância do mercado, 3 menções; dependência do turismo, 4 menções; difi culdade logística, 4 menções; machismo, 4 menções; pragas, 4 menções; recessão, 5 menções e; equipamentos/insumo de alto custo; 6 menções; vale salientar o já referido em fortalezas, que o machismo é uma força opositora aos empreendimentos das mulheres, não nomeado, embora apareça em muito mais falas, de formas difusas, que as 4 menções assinaladas.

além destas amEaÇas maCro, de difícil CombatE local, os Grupos apontam os CoNflitos

locais pela tErra em 13 dos 20 EmprEENDimENtos.

contra a degradação ambiental, os empreendimentos cuidam do solo e das sementes.

Mas, afi nal, o que é a economia solidária? Não pode ser apenas um programa governamental com risco de desaparecer na mudança de gestão. Não pode ser, tampouco, uma política pública isolada. A economia solidária, e outras economias baseadas na distribuição justa da riqueza, no suprimento de todas as necessidades humanas, físicas, emocionais, espirituais, do abrigo à cultura, deve ser a economia que intermedeia todas as relações, sejam elas entre humanos, suas classes sociais, instituições e países. Acima de tudo, a relação mais importante se dá entre os humanos e o planeta Terra, de onde originariamente advêm toda a riqueza, sem qualquer preço monetário, com toda sua diversidade e abundância. A economia solidária se apresenta, portanto, como a economia que poderá reverter os séculos de opressão da minoria sobre a maioria. Isso é possível? A história dirá.

A economia solidária é a economia da utopia, aquela a ser perseguida para que, ao suprir todas as necessidades, de toda a população planetária, transborde riqueza para o compartilhamento e a justiça socioambiental.

Ser solidário numa economia da escassez, na qual impera a sensação de haver menos recursos do que a necessidade destes, é praticamente impossível. O capitalismo fi nanceiro sob o regime neoliberal, a mais recente e mais perversa forma de capitalismo, gera a falta, o medo, a competição e a violência, oriundos do desespero pela sobrevivência. Gera acima de tudo uma cegueira. Todos cegos frente à verdadeira riqueza, em busca do dinheiro, cujo valor simbólico é manipulado ao sabor de um mercado que serve historicamente à minoria que detém o poder e a força, detendo, assim, as regras de todo jogo fi nanceiro. A servidão humana se perpetua através de uma cultura e uma economia que não aponta saídas, apenas o agravamento da desigualdade e da exploração.

A economia solidária, ou qualquer outra denominação que tenha o sentido de compartilhamento e justiça socioambiental, é a economia que se relaciona com a terra e seus recursos, através de um ciclo de extração, descanso, regeneração e manutenção de abundância. É uma economia que rege as relações fundantes dos coletivos deste projeto, é uma economia ameaçada pelo paradigma do sucesso a partir do lucro, individual e concentrado. Mais, é a economia contra hegemônica, é a economia que ameaça os senhores do mundo, e portanto, é a economia a ser tratada como exceção, para acalmar aqueles que, por estarem organizados, podem ameaçar o estabelecido, e, desta forma, devem ser calados através de alternativas paliativas.

A economia solidária baseia-se em diversos princípios e valores que promovem a justiça socioambiental, como a autogestão e distribuição justa do rendimento; o uso consciente dos recursos fi nitos com a preocupação de sua reposição; a busca do processo produtivo limpo, com destinação adequada de resíduos. Pode caracterizar-se pela criação de produtos identitários que valorizam e revelam a riqueza natural e cultural de sua origem, eventualmente realiza trocas e sempre disponibiliza seus produtos a preços justos, prioritariamente em mercados locais. Evita atravessadores e na medida do possível, tem uma relação direta, muitas vezes afetiva com seus consumidores.

Entretanto, estas práticas e princípios são a contracultura, na contramão da lógica predominante, intrínseca das relações do mundo moderno, pautada na individualidade. Como reverter este quadro?

Na macro política nos parece quase impossível, portanto, falemos de perspectivas tangíveis. Está ao nosso alcance o fortalecimento de políticas que ganhem território para esta lógica. Entretanto, estas políticas brotarão de outros governos, eleitos por uma população mais consciente. Para tanto, é necessária a prática de uma educação que crie indivíduos e sociedade engajados nesta mudança.

Infelizmente, a escola pública da qual atualmente dispomos, não está preparada para este modelo de educação, a educação popular. Entretanto, deve ser infl uenciada pela sua comunidade e ocupar um papel de diálogo e aproximação da prática de outras formas de educação.

Crescem as experiências baseadas na pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, na pedagogia da autogestão, nos princípios da escola democrática, no conceito de cidade educadora e tantas outras pedagogias pela garantia dos direitos humanos universais. Esta educação acontece em algumas escolas, como de assentamentos de movimentos sem-terra e ocupações de sem-teto, acontece através de alguns programas de educação de jovens e adultos, mas acontece, principalmente, na vida.

Os movimentos sociais são educativos, as manifestações e marchas de protesto com problemáticas contemporâneas de enfrentamento de injustiças históricas são educativas, as manifestações culturais, as festas populares, os saraus periféricos, os grupos de cultura juvenil, os espaços populares de produção cultural, as organizações sociais, os movimentos estudantis, a participação política partidária, a própria internet, se bem utilizada, são oportunidades de outras aprendizagens. Cabe a todos os que lutam por uma sociedade mais justa engajarem-se nesta outra educação para o “bem viver”.

Parte dos coletivos produtivos solidários tem esta perspectiva, mas a reeducação de seus participantes deve ser uma das missões prioritárias das lideranças. Pois, a cultura da solidariedade exige desconstruções e aprendizagens contínuas, para os cuidados com a terra, como o outro, com o ambiente, consigo próprio e para o engajamento na luta por direitos.

Todas as conquistas sociais deste país vieram através de lutas, protestos, reivindicações, confrontos, inclusive através de das mortes de lideranças e populações. Não somos um país de pessoas dóceis e cordatas. Os indígenas lutaram contra a invasão de suas terras à exaustão, numa correlação de forças desigual. Foram quase exterminados e a perseguição genocida persiste agravando-se. A população negra escrava, resistiu de todas as formas, aquilombaram-se embrenhados nas matas e ainda criam quilombos de resistência religiosa, cultural e de mercado para buscarem as compensações que a história lhes deve. Os sem-terra e sem-teto relacionam-se com o direito à terra e moradia da forma que as mais justas cartas magnas e leis universais garantem.

O oprimido levanta-se contra a injustiça sempre que suas forças são maiores que sua impotência paralisante gerada pela própria injustiça. E os empreendimentos solidários são zonas de transformação, de inversão da lógica da desigualdade, maior mazela deste país. Esta consciência deve nos animar para a persistência, mesmo com tantas ameaças.

a economia solidária é a economia da utopia, aquela a ser perseguida para que, ao suprir todas as necessidades, de toda a população planetária, transborde riqueza para o compartilhamento e a justiça socioambiental.

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