Revista Território Solidário - Costa do Descobrimento - Instituto Mãe Terra 2020

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as VEias abErtas Da costa do descobrimento os

diagnósticos participatiVos, realizados nos Vinte empreendimentos mostram um cenário de contradições típicas da américa latina e persistente há mais de cinco séculos. por gisele porto

C

omeçamos esta análise mobilizando trechos de parte da introdução do Livro “As veias abertas da América Latina” de Eduardo Galeano (2010), livro indispensável para uma reflexão profunda do nosso lugar na conjuntura global, desde o início da idade moderna, quando fomos invadidos e violentados, física e simbolicamente, justamente nesta bela e rica costa, denominada “Costa do desCobrimento”, perspectiva adotada a partir da visão de mundo do colonizador.

120 milHÕEs DE CriaNÇas No CENtro Da tormENta 1 A divisão internacional do trabalho significa que alguns países se especializam em ganhar e outros em perder. Nossa comarca no mundo, que hoje chamamos América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se aventuraram pelos mares e lhe cravaram os dentes na garganta. Passaram-se os séculos e a América Latina aprimorou suas funções. Ela já não é o reino das maravilhas em que a realidade superava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus da conquista, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como serviçal, continua existindo para satisfazer as necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, de cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que, consumindo-os, ganham muito mais do que ganha a América Latina ao produzi-los. [...] Do descobrimento aos nossos dias, tudo sempre se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal se acumulou e se acumula nos distantes centros do poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar foram sucessivamente determinados, do exterior, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo. [...] Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros. Nossa riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os impérios e seus beleguins nativos. Na alquimia colonial e neocolonial o ouro se transfigura em sucata, os alimentos em veneno. [...] O capitalismo central pode dar-se ao luxo de criar seus próprios mitos e acreditar neles, mas mitos não se comem, bem sabem os países pobres que constituem o vasto capitalismo periférico.

1 Versão brasileira de “As veias abertas da América Latina” – Eduardo Galeano. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4194484/mod_resource/content/1/As%20veias%20abertas%20da%20Am%C3%A9rica%20Latina.pdf> 18

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