Lautriv Mitelob - BV021

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Direção e Redação: Evaldo Brasil e Rau Ferreira Contato: kaquim@gmail.com Conteúdo: De blogs, sites; e inédito.

C. Grande, 15 de agosto de 2014, Às 15h15min

Mais Chicão no Sarau P09 E ainda: Carlos Almeida, Rau Ferreira, Evaldo Brasil

70 Anos de sua Inauguração

RESERVATÓRIO DEZESEIS DE AGOSTO CONSTRUÍDO PELO GOVERNO RUY CARNEIRO SOB A ADMINISTRAÇÃO DO PREFEITO

Aff! “Não é medo, é preguiça de ter coragem” Riobaldo COMENTÁRIO, Carlos Almeida Eisenberg cita Riobaldo em seu artigo “O Político do Medo e o Medo da Política”. Em certo trecho é enfático: “Aquele que teme reete, e ao invés de atirar-se ao objeto de sua paixão, submete seus desejos a um processo de deliberação que é, ao mesmo tempo, instrumental e pragmático. Instrumental, porque avalia meios para atingir seus fins e julga estes meios sob o critério da eficácia; pragmático, porque avalia o valor do fim almejado sob a luz dos outros fins”. Menino sabido esse José Eisenberg, hein!?

Arte em grafite Há pouco descobri uma grande artista que apresenta trabalhos de excelente qualidade em seu perfil no face: a jovem Amanda Leite. Com linhas magníficas e contornos perfeitos seus desenhos são coisa rara de se ver, bem no estilo de um Deodato Borges. Esperança – que é terra de grandes mestres como Marquinhos Pintor, Sérgio Ricardo, Lanco e Renato Rocha – tem em Amanda mais uma representante de sua geração. A menina não perde tempo, tem um estilo próprio e característico. Eis um desenho de invejável traço artístico (por Rau Ferreira).

pág. 06

SEBASTIÃO DUARTE INAUGURADO EM 16 - 8 - 1944

P04

Ela

Ana Débora Mascarenhas

Primeiro sistema de abastecimento de água

A Prosa de Augusto P08

Por Rau Ferreira

O que fica para depois É só sonhos O que pesa nas decisões É o dinheiro Nas transações comerciais Não se passa troco e tão poço Nota fiscais.

Interatividade

Fatos e Fotos que fizeram a História de Esperança

Por João de Patrício

Nas ruas passam os homens Nas ruas as mulheres os espreitam Nas ruas fazem grandes negócios Os postes iluminam as visões Nos recantos dos muros predominam A escuridão dos encontros.

O mundo e suas voltas

P07

Chicão de Bodocongó

O pequeno mercado

Banabuye de Esperança ‐ Parahyba ‐ Brasil Dedicado especialmente à arte, à cultura e à história da nossa gente. Nº 021 ‐ 31 de Agosto de 2014


Rau Ferreira

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F

irino de Góis Jurema era um velho pardo, quase cego, natural da freguesia de Santa Maria Madalena, na Serra do Te i xe i ra , n a Pa ra hy b a . Escreveu ao amigo Francisco Romano da Mãe D’água uma longa carta em sex lha, acerca dos cantadores de seu tempo e das vitórias conquistadas. Nesta epístola, cita com muita propriedade, os lugares mais frequentados pelos repen stas. Eis os versos de Firino na sua grafia original:

Campo Alegre, o cantador, Registra carta em sextilhas de Firino Jurema

I “Quero te contar, Romano, O que me tem sucedido, Lugares que tenho andado, Famas que tenho vencido, A troco dum “Deus lhe pague” Já vi meu tempo perdido. II Cheguei em Campina Grande Encontrei um Zé Limeira: Toquei‐lhe fogo na lima, Só ficou a buraqueira, O resultado foi este: Quase que se acaba a feira. III Também em Campina Grande Encontrei um tal Roseno, Lavrei‐o todo de enxó, Não lhe deixei um empem E lhe disse: ‐ camarada, Não ro regra por meno.

IV Cheguei em Alagoa Nova, Encontrei José Medonho, Vinha fazendo milagre (Parecia Santo Antonio) Rezei‐lhe um “credo” às avessas Ficou chamado “demônio” V Fui à Lagoa de Roça, Peguei‐lhe com João Carneiro, Este eu serrei‐lhe as pontas, Não voltou mais ao chiqueiro. Ficou dizendo: ‐ Esse nego É um lobo carniceiro. VI Cheguei em Lagoa Nova, Peguei Pedro passarinho, Cortei‐lhe o bico e as asas Deixei‐o sem canhão no ninho, Tomei os becos das rua, Fiquei cantando sozinho.

VII Cheguei na Boa Esperança, Encontrei o Campo Alegre, Esse me disse: ‐ Seu mal Estou com medo que me pegue, Se você já vem mordido, Por caridade não negue... VIII Na lagoa do Remígio, Me encontrei com Labareda Esse, quando me viu, disse, Que era da família Almêda, Vinha aspro que nem ralo, Ficou macio que só seda. IX Chegando no Sabugi, Encontrei mestre Hugolino, Embiquei o meu chapéu, Fui logo me escapulino, Antes que ele me dissesse: Espera, vem cá, Firino.


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viveu na vila de Banabuyé à Romano da Mãe d’Água X E fui nesta mesma noite Ao Bezerra do Caldeirão, Este, logo que me viu, Arrancou sem direção. Chapéu, roupa e alpragata, Ficaram no matulão. XI No brejo me encontrei Com o tal de Batateira, Soltei‐lhe os pés de banda, Deixei‐lhe o lerão na poeira, Botei a rama pro gado E tomei conta da feira. XII Cheguei em Alagoa Grande, Encontrei o Corre‐Mundo Botando serras abaixo, Tapando riacho fundo; Me ‐lhe a derrota em cima, Só o deixei moribundo.

XIII No mesmo ponto encontrei, O tal Pedro Belarmino, Me ‐o num cipoal, Qu'ele quase perde o no, Quando foi pra amanhecer, Chorava que só menino. XIV Cheguei em Brejo d'Areia, Encontrei Vicente Guia, Era um soldado de linha, Tropa de Cavalaria; Passei‐o pra retaguarda, Qu'era o qu'ele não queria! XV Fui chegando em Água Doce Encontrei Mané Fulô, Coitadinho! Só sabia De can guinhas de amô... Eu não agravei a ele E nem ele me agravou.

XVI Faltou‐me um palmo de gato Pra cantar com Bilinguim. Quando passei no Salgado, A casa dele era assim... Porém eu não fui a ele E nem ele veio a mim. Barriga cheia Não é fartura; Pele de carne Não é gordura”.

A

correspondência – que é anterior a 1891 – menciona o cantador Campo Alegre. Este que pertencia ao ciclo heróico da poesia popular teria vivido no Século XVIII na an ga vila de Banabuyé, onde hoje é o Município de Esperança (Dicionário Bio‐bibliográfico de Repen stas, Editora Universitária: 1978). Também cita, na cidade de Campina, o poeta do absurdo “Zé Limeira” que um século depois seria resgatado por Orlando Tejo e m s e u l i v ro m o n u m e n t a l , m e n c i o n a n d o a i n d a u m ta l Roseno, de quem pouca no cia se tem. Câmara Cascudo confirma que Firino avistando Hugolino (nona estrofe) deitou a sua viola. Era a forma como o cantador se dizia cansado ou vencido, ou nesta hipótese em reconhecimento a boa fama do adversário.


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Ata da Inauguração do Primeiro Sistema de Água Potável de Esperança - 1944

Por João de Patrício* ‐

E

sperança sempre foi carente de água. A população esperancense sempre sofreu com a escassez de água. Os fatos revelam tudo. Nos dias atuais, vivemos a mesma situação da década de 40. Um tanque de pedra era a salvação da população urbana. O Reservatório Dezesseis de Agosto, inaugurado na administração do Prefeito Dr. Sebas ão Duarte, há, precisamente, 70 anos. Foi uma das maiores obras realizadas em Esperança. O governo do Estado, na

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SEBASTIÃO DUARTE INAUGURADO EM 16 - 8 - 1944

Fatos e Fotos que fizeram a História de Esperança

Primeiro sistema de abastecimento de água de Esperança 70 Anos de sua Inauguração pessoa do Interventor Ruy Carneiro, inaugurou tão importante obra. Além do Interventor do Estado, diversas autoridades importantes estavam presentes. O orador oficial, Dr. Samuel Duarte, filho de Esperança, ocupava o cargo de Secretário do Interior e Jus ça do Estado. A solenidade foi abrilhantada com a par cipação da Banda de Música da Polícia Militar. A Elite esperancense estava representada pelos comerciantes e vultos da nossa história, como sejam: Manoel Rodrigues de Oliveira, Teotônio Tertuliano da Costa, Severiano Pereira da Costa, José Vital Sobreira, Antonio Coelho Sobrinho, Joaquim Virgulino da Silva e tantas outras pessoas da nossa sociedade. A Ata foi redigida por Severino Alcântara Tôrres, então Secretário da Prefeitura Municipal.

Placa Alusiva ao Evento Histórico.

* Em http://revivendoesperancapb.blogspot.com.br/


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A

quele poema e aquela música tinham tudo a ver com ela. Primeiro veio o meu espanto, à primeira leitura, aquilo que podemos chamar “paixão à primeira vista”. Nosso último encontro se deu na última sexta-feira, na sala 125, Central de Aulas da UEPB. Eu a conheci pelas mãos de Vitório, companheiro de conversas amenas cujos livros, em idioma russo, fora confiscado pelo golpe de 64. Numa dessas amenidades Vitório Mazzile me apresenta Heráclito de Éfeso, o Obscuro: "Da luta dos contrários é que nasce a harmonia”; “Tudo o que é fixo é ilusão”; “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”; “Das coisas surge a unidade. E, da unidade, todas as coisas”.

O

poema “A instabilidade das coisas do mundo” é do baiano Gregório de Matos, já a música “Como uma onda no mar” é de Lulu Santos. Ambos, poema e música, tem tudo a ver com o filósofo de Éfeso. Encantou-me em Heráclito saber que aquilo que de tão simples era pura filosofia. O rio Tejipió, onde brincava com barquinhos de papel, nunca deixaria de ser rio Tejipió, embora não fosse o mesmo rio. Era o óbvio visto pela ótica filosófica desse menino sabido, para quem o “logos” é o princípio organizador que governa o mundo. É que a partir de Heráclito a palavra logos toma um sentido filosófico daí o princípio cósmico da Ordem e da Beleza.

(Em http://muitospensamaocontrario.blogspot.com.br/l)

E

u a encontro nos livros e no estudo da Lógica, disciplina que pago com o Professor/Doutor José Nilton Conserva Arruda, excompanheiro de Carmelo e uma das prodigiosas mentes de Princesa Isabel, terra da qual guardo belas recordações. Ao contrário do que muitos pensam, é com a lógica que afasto o banzo que quase me toma, encontrando-me sozinho e só, nesta tarde fria de domingo. “Nasce o sol e não dura mais que um dia...”; “Nada do que foi será de novo do jeito que foi um dia...”. Tudo flui: O poema, a música, a filosofia!


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O Iron Man de Amanda Leite

O herói que dá vida a personagem Tony Stark surgiu na Guerra do Vietnã onde foi ví ma de uma explosão de granada, com es lhaços alojados próximo ao coração. Capturado, e com poucos dias de vida, forçado a criar uma armadura por seus inimigos, foi além e inventou uma maneira de auto‐sobrevivência, capaz de libertar dos seus captores... A garota domina a técnica com grande facilidade. Sombras, cores, destaques e ilusões em 3D podem ser obser vados em perfeita harmonia. A todo o momento parece que o personagem vai ganhar vida, e sair do papel com jatos de raio laser! Não é tão fácil como parece, tem que se respeitar a profundidade, o movimento e as proporções do desenho. Com grafite fica ainda mais di cil realçar a luz da armadura metálica, mas Amanda consegue com maestria.

Em matéria de HQ's os brasileiros têm vencido o preconceito contra la nos, e conseguem vencer na terra do Tio Sam. Nomes como Mike Deodato, Rogério Cruz, Deodato Filho, Dorival Vitor Lopes, Luke Ross (Luciano Queiroz) e Joe Benet (Benedito José Nascimento) já trilharam e s s e caminho. A arte faz parte da minha infância também e ainda guardo alguns dos meus personagens. O “Comilão”, por exemplo, chegou a estampar as paginas do Diário da Borborema, o Ematerino fez polí ca num tempo em que ainda amargávamos a opressão ditatorial. Mas fui alvo de crí cas e de uma concorrência desleal num co n c u rs o d e d e s e n h o s . Passaram‐se os dias e meus t ra ç o s fi c a ra m n e g r o s , tristes... Mas a nossa ar sta recebeu um mundo diferente, de abertura pós‐ Cons tucional. Libertados do an go regime, retornaram não só os exilados, mas a esperança de um país

onde as oportunidades são mais fartas. Com a NET nem se fala, pois se alguma editora se fechar você pode se tornar seu próprio empresário com uma dessas lojas virtuais em que livros – hoje chamados Ebooks – podem ser comercializados sem nenhum dispêndio. Quem sabe um dia não se verá Amanda na Marvel, Artecomix ou na DC Comics ao lado dos grandes mestres. Talento ela tem de sobra! Loucos seriam eles se não a aproveitassem.

LAY-OUT: Evaldo Brasil

A imagem que publicamos neste BV tem traços caracterís cos da jovem Amanda Leite. Iron Man – homem de ferro, no Brasil – é um desenho concebido por Stan Lee para as histórias em quadrinhos (HQ) em 1963.

TEXTO: Rau Ferreira


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Interatividade

O mundo e suas voltas

Ela, Dona Rita

O processo educacional tem passado por Interatividade Ela mudanças significativas, o quadro verde e o pó de giz foram aposentados, hoje são lousas interativas, aulas de Ana Débora robóticas, cibercultura... Inúmeros mecanismos estão Mascarenhas disponíveis para a construção coletiva e individual do conhecimento. E eu fascinada com as mudanças. No colégio do meu caçula, aulas de robótica. Esses dias em João Pessoa teve um encontro de estudantes e seus projetos, uma turminha daqui trouxe prêmios com seus robôs. Os meninos interagem com informações fresquinhas e se tornam nômades que operam em espaços físicos e digitais. E nas voltas que o mundo dá, tanta tecnologia às vezes me deixa tonta, como quando o Pedro veio me apresentar o seu professor com quem conversava praticando o inglês pelo Skype. E eu desengonçada ainda tentando me adequar aos novos padrões educacionais. Eita mundo que me fascina!

COMENTÁRIOS Carlos Almeida Você fascinada com as mudanças e elas são mais que bem vindas ao mundo da Educação. Não se concebe uma escola do século XX e alunos do século XXI. Há algo de muito intrigante, no entanto, neste aspecto, a rejeição do novo por parte de muitos educadores, brasis afora. Antes que essa parafernália chegue à escola (pública principalmente), há que ser absorvida pelos profissionais da educação. Vou mais além avaliando que toda essa revolução tecnológica só terá validade com um professor concebido nos moldes de Rubem Alves: Que este cause espanto e desperte curiosidade!

Ela acordava todos os dias e se despia dos sonhos, levantava de sua nuvem, se vestia de luz e partia para a vida. Todos os dias, assistia ao nascer e o pôr-do-sol, dizia serem as partes mais lindas do dia, e se sentia na obrigação de receber esse presente diário que o Criador lhe dava. Dizia que o corpo pode envelhecer, mas a emoção nunca envelhece. Seu grande prazer era o da mesa, mesmo com idade avançada dizia que a bengala lhe dava uma certa dignidade, que agora precisava ver onde estavam os pés, as mãos; ter cuidado no caminhar porque qualquer colisão poderia resultar numa fratura. Gostava de ipês, de passarinhos e de crianças, nunca a vi sem um sorriso no rosto, dizia ter medo da morte repentina, queria tempo pra se despedir das pessoas que amava. E nas voltas que o mundo dá, Rita simplesmente como gostava de ser chamada foi deitar em sua cama de nuvens, se cobriu com seu cobertor de sonhos e não acordou mais. Hoje nos despedimos dessa velha criança que nos deu tantas alegrias desde que cá Evaldo Brasil chegamos. Subvertendo um pouco,

há escolas e profissionais no século XIX. Há projetos e teorias no século XXII. Nesse abismo, a dinâmica do mercado e da Lei de Progresso, da Natureza -assim dizendo Divina. Nesse Admirável Mundo Novo, o Aldus talvez não se espantasse como não se espantariam os Leonardos. Eu não me disponho a aprender dirigir, já deixei até a sala de aula, mas espero herdar um mundo Regenerador. Esses meninos sabidos são os construtores! Que a gente, mesmo espantados, não dificulte a caminhada deles!

Evaldo Brasil Não sei quem é Rita, mas me satisfaz conhecê-la por aqui. Também penso como ela quanto à vida, aos sonhos e à morte! Aninha faz parte da nossa sorte!

RESPOSTA Ana Débora Mascarenhas Ah, Evaldo Brasil, D. Rita era uma criança de 92 anos, minha vizinha que se mudou para outro plano agora.

http://asvoltasqueomundodar.blogspot.com.br/


Rau Ferreira

08 ‐ Bole m Virtual • Esperança/PB • Dedicado especialmente à arte, à cultura e à história da nossa gente

Augusto dos Anjos em Prosa

N

o dia 13 de maio de 1909 ‐ data alusiva à abolição da escravatura no Brasil ‐ o recém‐formado bacharel AUGUSTO de Carvalho Rodrigues D O S A N J O S comparece ao Theatro Santa Roza, na capital da Parahyba, para proferir uma importante conferência. O público altamente seleto, contava com presença do Dr. João Lopes Machado, que presidiu a Parahyba de 1908 a 1922. Augusto, que retornara ao seu Estado natal em 1908, já par cipava do NONEVAR – jornal da festa das Neves – e também fizera publicar n'A União seus primeiros versos: Budismo Moderno, Mistérios de um fósforo e Noite de um visionário. Com considerável esforço, consegui com o trabalho de “garimpagem”, recuperar algumas passagens deste evento grandioso não apenas pela temá ca adotada, mas por ser um raro momento de prosa do incomensurável poeta parahybano.

O texto mereceu publicação nas páginas d'A União, nos dias 20, 22 e 23 de maio daquele ano. Santos Neto também fez registro em seu livro “Perfis do Norte” (Rio: Garnier, 1910), assim como Castro e Silva em “Augusto dos Anjos: o poeta e o homem” (Irmãos Vitale: 1961). Revela o autor que toda a sua capacidade fi l o s ó fi c a interior avança para a obra defini va da civilização, ao passo que mata – para todo o sempre – “mata para todo sempre a influenciação nefasta dos rígidos cânones e cartapácios an progressistas”. O poeta segue em defesa do escravo, este ser que o “eu psicológico” vive em noites enegrecidas, sofrendo a sua própria condição e cuja alma mais parece a fotografia de um túmulo. Escorraçado

como um cachorro leproso, não encontra abrigo depois do chicote inquisitorial e tem seu trabalho ignorado. Como resultado, aparece‐lhe o sen mento terrível do desvalor hereditário: de que ele não presta, de que seu des no é receber o despejo das objeções humanas, a canalhice infame do mundo e dos clãs da teocracia organizada. O h o m e m escravizado anula‐se a s i p ró p r i o, p e rd e a dignidade que lhe é roubada. Na visão do ar culista, a escravidão era um recuo no tempo aos moldes arcaicos, altamente repudiável no desempenho inferior de um des no secundário da ganância, e conclui: “Era a nossa própria carne, es rada na mesa miserável de um balcão e vendida às palhadas pelos mercadores sombrios, era talvez o coração de nossas mães, sangrando no planalto central da


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cons tuição de uma parcela despó ca, de uma fração de transviados, que se havia divorciado da moral sociológica, e vivia dos retalhos musculares de uma população infeliz, azorragada pela mais degradante das sujeiras an naturais”. Por fim, explica que a sanha libertária que assolou o Brasil antes da áurea lei não foi resultado da mão benéfica, mas da força gravitacional necessária, pois a gleba árida das fazendas não mais nha a força de conter os ca vos que, numa expansão repulsiva, fugiram dos maus‐ tratos e lembrando José do Patrocínio encerra a sua conferência com as seguintes palavras: Dizem que Virgílio, na sua Eneida, condensou o mundo romano, na altura e des no social, mas José do Patrocínio fez mais do que este porque, abrangendo o sen mento de solidariedade étnica, na sua figura universitária e imortal, deu expressão autoconsciente ao mesmo e foi o Buda libertador dos úl mos escravos que

gemiam nas senzalas aberratórias da humanidade culta! Com linguagem bastante rebuscada – talvez necessária ou muito c u l ta p a ra a s u a é p o ca – , o conferencista faz um esquete de toda a problemá ca da escravidão no Brasil e no mundo, para dizer que somos escravos também, da nossa ganância e das n o s s a s convenções. Acostumam os a uma vida prazerosa do ter tudo nas mãos, e para manter essa “necessária” opulência somos capazes de reduzir à escravidão não apenas do corpo, mas o “ser” quando tangemos uma mul dão de ignorantes, sem estudo e sem educação, sem o saber dos porquês da vida, apenas e tão somente para nos servir, e também aos poderosos nos tempos da eleição. A escravidão, da forma como está sendo pra cada nos dias atuais, nunca terá

fim, pois o descamisado e de pés no chão, chega à reflexão de que sua aparente existência – como diria Augusto – é a miséria pacholenta de não prestar mais para nada, ser um escarro, dejeto, uma peste humana que se sa sfaz em encontrar uma sua u lidade: servir aos desmandos dos seus “senhores” e ser objeto do chicote dos feitores eleitoreiros. Augusto era – no dizer de Hermes Fontes e Antônio Torres – singular e plural. A seu respeito escreve – o também poeta – Silvino Olavo, em ar go de luxo: “Augusto dos Anjos é, antes que tudo, um poeta cosmogônico. Por seu verbo falam, de uma maneira balbuciante e primi va, todas as energias poderosas e obscuras que detêm o segredo do eterno mistério, a cujos umbrais parece ter chegado, a rado um grito e recolhido, com o eco de sua própria voz” (Um gênio parahybano – A União: 1928). Augusto dos Anjos faleceu em 12 de novembro de 1914, ví ma de pneumonia, deixando para nós o seu grande legado poé co.


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Sarau do FIC, a Gosto!

6º Encontro do Fórum Independente de Cultura‐ FIC, em 30/08/2014. Lista de Presença 01‐ Evaldo Brasil (ass) (...) 41 ‐ Luiz Antonio de Oliveira (ass). “Casa de Francisco Bezerra da Silva”, Câmara Municipal de Esperança ‐ PB. Às 19h36 o Sarau do FIC iniciou com as boas vindas de Evaldo Brasil e Carlos Almeida aos presentes, no momento, comi vas da Casa do Poeta Brasileiro ‐ Poebras‐CG e de alunos de Timbaúba; e do Grupo Virtuosi. Explicadas as razões do horário (começar cedo para terminar cedo e ficar o gos nho de quero mais), a professora Sinara Almeida foi convidada a abrir o evento, apresentando o Livro de Piadas (realizado com seus educandos Jovens e Adultos‐EJA), oportunidade na qual contou duas das anedotas do livreto. Os presentes puderam apreciar as canções interpretadas pelo Virtuosi, os poemas inéditos de Karl Fern; de Evaldo Brasil, que disse poemas do manuscrito O Ser Agora em A; de Rochelle Pereira, com toda sua expressividade; de Chicão de Bodocongó, com o inseparável tablet; de Silas Silva da Paraíba, em sua literatura de cordel; de Carlos Almeida, com sua prosa interné ca e poemas de cor; de Egberto Nicola, em seu humor e sua verve; de Andréa de Nicola, com leveza e afe vidade; e de Marinalva Querida em sua verdade poé ca. Entre as declamações, além da música, Felipe Pajaú manipulou o boneco Seu Fefeu; e Joênio Braga, fez seu canto‐protesto e apelou pela permanência do Sarau. O humor dos alunos de Sinara Almeida contagiou a todos, “oportunizando causos e piadas, tudo verídico”. O professor Carlos Fernandes, em sua primeira par cipação, doou para o acervo do FIC seu livro Minhas


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Rimas (2013), distribuindo ainda o folheto Sex lhas, com os quais os presentes se banquetearam, além dos de Rau Ferreira e de Evaldo Brasil. Hauane Ferreira não pode ir, mas teve três dos seus gibis vendidos e Silvino Olavo foi lembrado com trecho do soneto O Trem de Ferro. Feito o registro fotográfico final, agendou‐

se para dia 21 de setembro o próximo evento local, para que uma comi va de Esperança possa par cipar do Sarau da Poebras, em Campina Grande, no úl mo sábado do mês.



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