Correspondentes de Guerra - Uma Breve História

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Barbara Câmara

s e t n e d n o p s e Corr

de Guerra

Uma Breve História



s e t n e d n o p s e r r Co

de Guerra

Uma Breve Histรณria


traBalHo

de

ConCluSÃo

de

CurSo 2018.1

Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza - Unifor Centro de Comunicação e Gestão (CCG)

diretora

do

CCG

Profa. Candice Nobrega

Coordenador

do

CurSo

de

JornaliSmo

Prof. Wagner Borges

teXto Barbara Câmara de Sousa Pinto

FotoGraFia André Liohn, Caio Palazzo, Eddie Adams, Franco Pagetti, Gerda Taro, Harry Kidd, LC Moreira, Robert Capa, Roger Fenton e divulgação.

orientador Prof. Alejandro Vivanco Sepúlveda

reViSÃo Prof. Alejandro Vivanco Sepúlveda

ProJeto

GrÁFiCo e diaGramaÇÃo

Ravelle Gadelha

imPreSSÃo Gráfica da Unifor


Barbara Câmara

de

Sousa Pinto

Fortaleza 2018



Este livro-reportagem ĂŠ inteiramente dedicado aos homens e mulheres jornalistas que perderam suas vidas em campo, acreditando na profissĂŁo.



De todo o coração, aos meus pais — Lindeci Câmara, por me encorajar, pelo suporte e presença constante, e Ottomar Filho, pelas ideias e pelo apoio incondicional. Ao meu professor orientador Alejandro Sepúlveda, por acreditar neste trabalho e em mim. Aos meus amigos, pela paciência e por me lembrarem do lado mais leve de todas as coisas. A José Hamilton Ribeiro, André Liohn, Isabel Filgueiras e Fay Anderson, por doarem suas histórias, seu conhecimento e seu tempo.



A guerra acontece às pessoas, uma por uma. Isso é tudo o que eu tenho a dizer, e parece que digo isso desde sempre. A menos que sejam vítimas imediatas, a maioria da humanidade se comporta como se a guerra fosse um ato de Deus, impossível de prevenir; ou agem como se a guerra em outros lugares não fossem da sua conta. Seria uma grande piada de mau gosto se nós nos destruíssemos por causa da atrofia da imaginação. - Martha Gellhorn, “A Face da Guerra”.



Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 I. Memórias das Coberturas de Guerra . . . . . . . . . 17 II. Correspondentes de Guerra . . . . . . . . . . . . . 37 III. Panorama Histórico do Jornalismo de Guerra . . . 57 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

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Apresentação

CorreSPondenteS

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Guerra – uma BreVe HiStÓria

É possível ensinar o jornalismo de guerra?

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Foi essa a pergunta que instigou a produção deste livro-reportagem e moldou a forma como foi escrito. Apesar da convicção de que horas em sala de aula não podem equivaler a experiência em campo, acredito, porém, que há muito a ser aprendido a respeito desse ramo da comunicação e sua prática ao longo dos anos. Durante os quatro curtos anos pelos quais perduraram minha vida acadêmica na Universidade, pouco ouvi sobre jornalismo de guerra. Alunos do curso de Jornalismo são continuamente levados a analisar a produção de notícias de grandes veículos, sempre em busca do "como" e do "por quê". “Como essa fonte foi abordada?” e “por que o repórter começou o lead com esse dado, e não com aquele?” são perguntas frequentemente enunciadas na tentativa de entender o trabalho dos colegas que já estão no mercado e que nos servem de exemplo do que fazer e, às vezes, do que não fazer. De tempos em tempos, uma matéria feita por um correspondente de guerra cai em nossas mãos ou surge em nossas telas para ser submetida à mesma análise. Fala-se sobre o texto, sobre as imagens de apoio, um breve comentário sobre a tragédia da guerra ou o horror da violência. O fazer jornalístico em tais circunstâncias nunca era suficientemente explorado. Não afirmo, tampouco acredito que o trabalho do correspondente de guerra seja ignorado no meio acadêmico brasileiro. O volume considerável de artigos produzidos sobre o tema em universidades de outros Estados contraria essa possibilidade. Arrisco-me, porém, a dizer que o ofício por trás desse ramo arriscado


da comunicação há ainda de ser propriamente apresentado aos universitários que possam vir a desenvolver interesse pelo ramo em algum momento de suas carreiras. Estes que, ainda na aurora de seu conhecimento sobre a pluralidade do jornalismo, podem e devem aprender sobre os variados campos da profissão, independentemente do quão distantes pareçam da realidade das redações. Considerando a possibilidade de contribuir, ainda que minimamente, para o aprendizado dos futuros colegas de profissão, este livro-reportagem foi idealizado e produzido para universitários estudantes de jornalismo. Leitores curiosos e admiradores do jornalismo de guerra serão igualmente bem vindos à estas páginas. Durante a pesquisa de material bibliográfico para a construção deste trabalho, foram encontrados artigos e reportagens em língua inglesa. Outros artigos e publicações nacionais também foram utilizados, mas é preciso ressaltar que as principais fontes para o embasamento do livro foram publicadas em portais de notícia estrangeiros, como a British Broadcasting Company (BBC) e o The New York Times. Para adaptar as referências a cada contexto retratado nos capítulos a seguir, foi necessário traduzir o conteúdo para o português. Além da adaptação do material, foi realizada a tradução livre de determinados termos que, apesar de simples compreensão, podem ter sofrido pequenos desvios devido à perda do significado original.

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Introdução

A bdicar do aconchego do lar e deixar a familiaridade do seu

próprio país com o objetivo de ouvir uma história, observar uma cidade, entender uma situação e mostrá-la ao mundo, sabendo que em momento algum é possível ter sua segurança garantida. É isto que faz um jornalista de guerra.

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No intuito de compilar informações gerais e históricas a respeito de correspondentes de guerra e da produção jornalística em conflitos, este livro-reportagem foi dividido e ordenado em três partes distintas. A primeira, intitulada ‘Memórias das Coberturas de Guerra’, traz os depoimentos de três profissionais que, em determinado momento de suas vidas, exerceram o jornalismo de guerra, direta ou indiretamente. A segunda parte, a qual batizei de ‘Correspondentes de Guerra’, apresenta figuras marcantes do jornalismo e fotojornalismo de guerra ao longo do tempo. Por fim, ‘Panorama Histórico do Jornalismo de Guerra’, o derradeiro setor deste trabalho, traça uma linha cronológica da cobertura jornalística desde os primeiros conflitos a serem noticiados, cujos registros ainda não se perderam com o tempo. ‘Memórias’ assume a linha de frente deste livro por carregar o que acredito ser a alma não só do jornalismo de guerra, mas da profissão como um todo: as histórias. As conversas com André Liohn, Isabel Filgueiras e José Hamilton Ribeiro foram enriquecedoras não apenas para este trabalho, mas para a perspectiva da prática jorna-


lística em suas diferentes realidades. As pessoas que se dispuseram a partilhar uma fração de suas experiências reportando guerras também são, de certa forma, a alma deste livro-reportagem. ‘Correspondentes’ traz consigo uma função pretensiosa. Eleger os personagens que, de forma mais memorável, marcaram o jornalismo cobrindo conflitos não é uma decisão simples. Se pudesse, continuaria a adicionar pessoas à esta breve lista. Foi necessário, porém, restringir o capítulo a poucos repórteres e fotojornalistas que fizeram história com seus registros de guerras e, em alguns casos, perderam suas vidas em campo. É possível que o aspecto mais acadêmico deste trabalho esteja em ‘Panorama’. A terceira etapa do livro teve como base os fundamentos do jornalista norte-americano Roy Morris Junior, historiador e especialista na Guerra Civil Americana. Seu artigo sobre a história da comunicação em guerras provoca uma espécie de viagem no tempo, e apresenta um conteúdo indispensável para estudantes.

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I . Memórias das Coberturas de Guerra

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om o avançar dos anos e a evolução das tecnologias de comunicação — com o advento do rádio, da televisão e, posteriormente, da Internet —, apesar dos novos fatores de competitividade de mercado e das mudanças nas plataformas de notícias, a prática jornalística viu-se beneficiada em muitos aspectos, principalmente no que diz respeito ao dinamismo da transmissão de mensagens e produção de reportagens. O mesmo vale para o jornalismo de guerra. Novos aparelhos de comunicação à distância, câmeras e gravadores modernos elevaram a qualidade da captação de conteúdo e apuração de informações em campo, aprimorando também o produto final. Apesar da praticidade, porém, tratando-se de repórteres de guerra, tais avanços não significam menos riscos em campo. Jornalistas que dedicam-se à cobertura de conflitos hoje ainda aproximam-se da realidade hostil, assim como faziam os correspondentes de 80 anos atrás. Em 2018, até o dia 28 de maio, um total de 35 jornalistas foram mortos em zonas de guerra, de acordo com dados divulgados pela

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Correspondentes

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International Federation of Journalists (IFJ)1, a maior organização de profissionais da área no mundo. Afeganistão, México e Iêmen foram os três países que reuniram a maior quantidade de jornalistas e funcionários de mídia mortos, tendo registrado, respectivamente, 11, 4 e 3 casos. Os demais países incluem Brasil, Colômbia, Guatemala, Índia, Iraque, Libéria, Nicarágua, Paquistão, Filipinas, Eslováquia, Síria e o território palestino. O ano de 2017 totalizou 82 mortes de comunicadores em campo. Nos anos anteriores, foram registradas 122 e 115 mortes, respectivamente, em 2016 e 2015. Em todos os períodos, os países com o maior número de casos eram, invariavelmente, zonas de guerra ou alvos de ataques terroristas.

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I.1. Jornalismo "embedado" Evitar áreas de risco e manter-se longe do front não são garantias de segurança para correspondentes de guerra. Apesar do perigo inerente à prática, o jornalismo “embedado” — estrangeirismo de embedded journalism — ou “embutido”, é um viés frequentemente utilizado por profissionais para realizar a cobertura de conflitos com algum nível de resguardo. Introduzido primeiramente pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos (United States Department of Defense — DoD) durante a invasão americana ao Iraque2, em 2003, o conceito de jornalismo embedado implica que jornalistas viagem até zonas de guerra acompanhando unidades militares de determinado país, não necessariamente o seu próprio. Para acompanhar o exército, os comunicadores devem submeter-se à uma espécie de treinamento de campo e acatar uma lista de 1 Estabelecida originalmente como Fédération Internationale des Journalistes (FIJ) na França, em 1926, foi relançada vinte anos depois como International Organization of Journalists (IOJ), mas perdeu seus membros ocidentais para a Guerra Fria. Ressurgiu então em 1952, em Bruxelas, com a nomenclatura atual. Hoje, representa cerca de 600 mil membros distribuídos entre 140 países. A federação promove ações internacionais em defesa da liberdade de imprensa e justiça social. 2 Foi a primeira fase da Guerra do Iraque, que teve início em março de 2003 e durou pouco mais de um mês. O momento inicial da invasão terminou oficialmente no dia 1º de maio, quando o então presidente dos Estados Unidos George W. Bush declarou o “fim das grandes operações de combate”. O objetivo da ação era “desarmar o Iraque de seus equipamentos de destruição em massa, acabar com o apoio de Saddam Hussein ao terrorismo e libertar o povo iraquiano”, conforme disse Bush e o então primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair.


regras e exigências preestabelecidas. Durante a invasão ao Iraque, aproximadamente 600 jornalistas foram até o país acompanhando as tropas americanas. Em seu artigo publicado no portal online do jornal Independent, em 23 de novembro de 2010, o jornalista Patrick Cockburn discorre a respeito de como o material produzido por repórteres embedados pode fornecer uma visão distorcida da guerra. “O jornalismo embedado ganhou má fama no Iraque e no Afeganistão. A frase remete à figura do correspondente supostamente independente que se sujeita às informações otimistas fornecidas por mentores do exército”, explica. Segundo ele, porém, muitas das críticas feitas ao

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ "Os jornalistas não têm escolha se não refletir o ponto de vista dos soldados que acompanham". Patrick Cockburn

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sistema de “embutir” repórteres, principalmente junto a militares americanos ou britânicos, são injustas. Cockburn descreve que acompanhar exércitos em campo é geralmente a única forma de descobrir o que eles estão fazendo, “ou pensam que estão fazendo”. Para os correspondentes de guerra, diz ele, não há uma alternativa mais óbvia, considerando que grupos terroristas transformam jornalistas em alvos e possíveis reféns, o que impossibilita a livre circulação no território de países afetados pelo combate. “Nem sempre foi assim. Quando comecei a escrever artigos no norte da Irlanda, no início da década de 1970, era mais seguro ser jornalista do que qualquer outra coisa. Anos depois, no Líbano, milícias entregavam cartas aos jornalistas permitindo-nos passar em segurança por seus pontos vigiados. Mas foi nesse mesmo país, em 1984, que grupos apoiados por iranianos começaram a seques-

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trar jornalistas como uma medida eficaz para pressionar governos e divulgar a causa dos sequestradores”, conta. Cockburn explica que, em tais circunstâncias, confiar excessivamente em “embedados” como forma de conseguir informações pode ter sido algo inevitável, mas produz uma visão parcial dos eventos. Ele acredita que jornalistas não têm escolha se não refletir o ponto de vista dos soldados que acompanham. O próprio fato de estarem com um exército em ação significa que o repórter está “confinado a um segmento pequeno e atípico do campo de batalha político-militar”. “‘Embedar’ claramente dá margem para uma visão tendenciosa, mas muitos jornalistas são espertos o suficiente para estarem em contato com propaganda militar e ‘pensamentos desejosos’, e ainda assim não regurgitarem esse conteúdo sem antes filtrá-lo. De qualquer forma, talvez o efeito mais prejudicial do jornalismo embedado seja suavizar a brutalidade de qualquer ocupação militar (no caso da invasão ao Iraque) e subestimar qualquer reação hostil da população local”, pondera Cockburn. O jornalista David Ignatius também analisou os prós e contras do jornalismo embedado a partir de sua própria experiência, descrita em um artigo do jornal The Washington Post, veiculado no dia 2 de maio de 2010. “Eu cobri a guerra (no Iraque) como repórter não-embedado, chegando ao país dois dias após a invasão, junto com os colegas em veículos alugados (embedados). Essa experiência me ensinou duas coisas: primeiro, que na maioria dos casos é muito perigoso cobrir guerras modernas sem a proteção de um exército. Segundo, que apesar de minhas visitas a campo serem breves, eu pude ver coisas que jornalistas embedados não viram”, relata. I.2. José Hamilton Ribeiro, jornalista “O que leva um jornalista a trabalhar numa guerra? Um pouco é o espírito de guerra, um pouco é a ambição profissional e um pouco é falta de juízo, mas muito, muito mesmo, é esse sentimento que jornalista tem de estar onde os fatos estão acontecendo”. A explicação dada pelo paulista de então 80 anos de idade durante


uma entrevista ao programa da Rede TV “Amaury Jr. Show”, em novembro de 2015, parece resumir bem a motivação dos correspondentes de guerra. Os mais de 60 anos de experiência do jornalista José Hamilton Ribeiro não transcorreram de maneira tranquila. Caso contrário, talvez não tivesse marcado a comunicação brasileira da forma como fez. Natural de Santa Rosa de Viterbo, no interior de São Paulo, Ribeiro passou por todos os principais veículos de

Considerado o "jornalista do século", José Hamilton Ribeiro já foi o mais premiado da profissão no Brasil. (Foto: Caio Palazzo/Itaú Cultural)

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comunicação, tendo trabalhado para a Rádio Bandeirantes, para o jornal Folha de S. Paulo e para a Rede Globo, nos programas Globo Repórter e Fantástico. Atualmente, é repórter especial do programa Globo Rural. Em 1968, quando trabalhava para a revista Realidade, foi enviado para cobrir a Guerra do Vietnã. Uma matéria publicada pela

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Folha de S. Paulo, no dia 25 de março do mesmo ano descreve parte de sua jornada em campo. Após uma semana na cidade de Saigon (atual Ho Chi Minh), Ribeiro quis assistir de perto a um combate. No dia 20 de março, assistia à limpeza de uma área suspeita de conter a presença de tropas norte-vietnamitas, acompanhado de um grupo com dez soldados. Durante a última patrulha com tropas americanas na cidade de Quang Tri, ao norte do país, o jornalista pisou em uma mina, causando a explosão que lhe custou a perna esquerda. Foi transportado de helicóptero para o Hospital Cirúrgico da cidade, onde parte do membro foi amputada. Ele resistiu bem à operação. Os

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ "Sentia um gosto ruim, como se tivesse engolido um punhado de terra, pólvora e sangue. Hoje eu sei, era o gosto da guerra".

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outros ferimentos eram leves: algumas escoriações na perna direita e no braço esquerdo. “(...) A sucessão de minas e de explosões foi tamanha que desorganizou a formação. A certa altura, um soldado e eu corremos para socorrer um outro soldado americano, que tinha sido atingido e estava gritando de dor, e os enfermeiros (da operação) já estavam cuidando de outros casos. Nessa caminhada, houve uma explosão muito grande, o mundo acabou à minha frente, uma fumaça muito preta, uma escuridão muito grande. A sensação que eu tinha era que a bomba tinha explodido no soldado que estava à frente, não em mim. Só quando se desgastou essa fumaça, quando vi o soldado inteiro, em pé, com os olhos esbugalhados, com a expressão de horror diante do que ele estava vendo… Olhei para baixo e percebi


que estava escorregando em uma ‘torneira de sangue’”, relatou o jornalista no programa da Rede TV. Uma lembrança específica do momento é descrita em seu livro “O Gosto da Guerra”, publicado em 1969. “Sentia um gosto ruim, como se tivesse engolido um punhado de terra, pólvora e sangue. Hoje eu sei, era o gosto da guerra”, narra Ribeiro. Em 2014, dividiu com a jornalista Miriam Leitão o primeiro lugar do ranking dos “+Premiados Jornalistas da História”, feito pelo periódico Jornalistas&Cia. Ele foi vencedor também em duas das três edições anteriores. No mesmo ano, foi considerado Líder Hors Concours dos “+Premiados Jornalistas Brasileiros” pelo Conselho Consultivo do ranking, tendo em vista a grande quantidade de prêmios que conquistou em uma época em que tais iniciativas eram raras. Em entrevista exclusiva concedida por e-mail para a autora, no dia 21 de maio de 2018, Ribeiro comentou duas questões formuladas sobre o assunto:

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Barbara Câmara: O jornalista Joel Silveira, que cobriu a Segunda Guerra Mundial para os Diários Associados, disse que foi para lá com 26 anos, passou nove meses, e voltou “como se tivesse 40 anos”, tal foi o impacto do que vivenciou na Itália. O senhor cobriu a Guerra do Vietnã e sofreu um gravíssimo acidente. O que mudou no trabalho dos correspondentes de guerra de lá para cá? José Hamilton Ribeiro: Olha o destino: Joel foi para a Segunda Guerra e voltou com uns anos a mais. Eu fui pro Vietnã, e voltei com um pedaço do corpo a menos. Mas tem razão o velho Joel: ninguém sai impune de uma guerra. Afinal, a guerra é o teatro da história que você assiste na primeira fila. Pode ser cruel, terrível, desumana. Mas é um espetáculo que chega a viciar combatentes e até jornalistas. Tem gente que não aguenta saber de uma guerra nova, já quer ir correndo para lá. A força emocional do ‘espetáculo guerra’ é que se trata (ou se tratava, uma vez que hoje cada vez mais se faz a guerra de longe, com tecnologia) de homem caçando homem, e isso é forte. Quando caçar era permitido, lutar com a onça já era um desafio emocio-

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nal intenso; imagine lutar contra um outro homo sapiens. Afinal, como se sabe, o espetáculo do homem é o próprio homem, e na guerra é disso que se trata: homem matando homem. O que mudou, do Vietnã para agora, é que dificilmente o correspondente tem chance de – ver! – a guerra, o mais que faz é – ouvir – falar dela. Os drones, foguetes, tecnologia, controle mais estrito do trabalho do jornalista, deixam-no longe do campo de ação. Sua fonte de notícias é cada vez mais única, a de um oficial ‘relações públicas’ do Exército ao qual você se credenciou.

CorreSPondenteS

de

Guerra – uma BreVe HiStÓria

BC: Dizem que “em uma guerra, a primeira vítima é a verdade”. Em tempos de fake news e novas tecnologias de comunicação, o senhor acredita que ainda seja possível o correspondente de guerra realizar o seu trabalho? JHR: Sim, a verdade é uma vítima preferencial dos militares dos dois lados. A Internet cria as fake news mas, também, abre oportunidade para que grupos de resistência civil próximos do campo de guerra mandem para o mundo sua versão dos fatos e, muitas vezes, uma visão única do que ali aconteceu. Aí caberá aos jornalistas, recebendo esses relatos, ter capacidade para separar o fake do verdadeiro, e dar valor só a este. Uma tarefa de apuração e checagem, com responsabilidade.

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I .3 . André Liohn, fotojornalista Natural de Botucatu, no interior do Estado de São Paulo, André Liohn mudou-se para a Suíça aos 18 anos de idade, onde começou a trabalhar como lenhador. Só teve contato com a fotografia após os 21 anos, quando passou a morar na Noruega e, quase uma década depois, começou a desenvolver a prática. Liohn já atuou como fotógrafo freelancer para as revistas Veja, Time, Newsweek, L’Espresso e Der Spiegel, assim como para o jornal Le Monde. Em 2012, organizou a mostra “Almost Dawn in Libya” com a colaboração dos fotógrafos Christopher Morris, Lynsey Addario, Finbarr O’Reilly, Bryan Denton, Eric Bouvet e Jehad Nga. A exibição trazia imagens feitas na Líbia, em 2011, durante os embates


entre as forças do então líder Muammar Gaddafi e os rebeldes, e tinha como proposta motivar o diálogo entre o povo líbio, como uma possível forma de reconciliação após a guerra. O trabalho rendeu a Liohn o prêmio Robert Capa Gold Medal, principal reconhecimento da fotografia de guerra no mundo, organizado pelo Overseas Press Club of America (OPC). Ele foi o primeiro sul-americano agraciado pela premiação e, até a publicação deste livro-reportagem, permaneceu como o único na categoria. Mais tarde, juntou-se ao jornalista Diogo Schelp para escrever o livro “Correspondentes de guerra: os perigos da profissão que se tornou alvo de terroristas e exércitos”, lançado em 2016. Entrevista concedida pessoalmente à autora, em Fortaleza-CE, no dia 17 de janeiro de 2018: 3

Barbara Câmara: Você acredita que o jornalismo de guerra deveria fazer parte do currículo para estudantes da área? André Liohn: Eu não acredito que seja possível formar ou especializar alguém em jornalismo de guerra. No Brasil, inclusive, há pouquíssimos livros desse tipo. Existem alguns clássicos que são até difíceis de achar. A minha intenção com o Diogo Schelp foi fazer um livro que pudesse ser economicamente acessível, e que trouxesse um conteúdo mais factual. Eu nunca aconselho a uma pessoa saindo da faculdade que vá direto fazer um trabalho desses. Duvido muito que o trabalho vá ficar bom, porque a pessoa não tem experiência de vida.

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3 A Guerra Civil Líbia começou em fevereiro de 2011 com uma série de protestos por parte da população contra o líder Muammar Gaddafi, que comandava o país há 42 anos. Os manifestantes clamavam, entre outras questões, por democracia, mais respeito pelos direitos humanos e redução da corrupção no Estado e em suas instituições. O conflito findou em outubro do mesmo ano.

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BC: Existe um pré-requisito para cobrir conflitos? AL: Quando a gente fala da cobertura de guerra, as pessoas entendem a guerra como um ‘caroço’ enorme, difícil de engolir. Não é necessariamente tão simples. A guerra tem vários momentos, vários lugares, atores, motivos. Há muitos jornalistas que não se intitulam correspondentes de guerra, mas fazem esse trabalho durante anos, e o fazem muito bem.

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O bom jornalista tem o instinto de jornalista. Ele até pode fazer uma faculdade de jornalismo para lapidar esse instinto, mas não é necessariamente ali que ele vai aprender a ter essa qualidade. Assim como o jornalismo de guerra, é algo inerente.

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BC: Quando está em campo, como lida com a realidade da guerra? AL: Você está fazendo um trabalho que exige que você suporte aquilo, e existem duas formas de fazer isso: uma é não ligar para o que está acontecendo, e a outra é tentar entender aquilo, colocando em um contexto com o qual você possa sobreviver. Eu prefiro a segunda, porque a primeira seria uma absoluta falta de empatia.

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Em novembro de 2017, André Liohn esteve em Fortaleza para falar sobre seu trabalho que integrou a exposição "Na Linha de Frente", no Museu da Fotografia. (Foto: LC Moreira)


A maneira que eu encontro pra suportar aquilo é saber o que eu estou fazendo. BC: Como foi o processo de montar a exibição “Almost Dawn in Libya”? AL: Quando você publica uma foto, o efeito dela meio que acaba. Na época, isso me incomodava bastante, hoje nem tanto, mas naquele tempo me incomodou, porque a guerra na Líbia tinha exigido muito. Eu estava cansado. Depois eu fui preso na Síria, com um grupo rebelde que achou que eu fosse espião. Alguns dos meus amigos muito próximos morreram lá, então eu achei que era a hora

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Rebeldes se preparando para invadir uma casa ocupada por soldados do governo, no centro da cidade de Misurata. Líbia, 2011. (Foto: André Liohn)

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de fazer uma outra coisa. Mas eu sabia que só o meu trabalho não representava tudo que tinha acontecido na Líbia, por isso convidei pessoas com as quais eu tinha afinidade, e sabia que tinham trabalhos de qualidade. Foram umas 80 fotos ao todo. As fotos da mostra não tinham nenhum legenda explicativa, dizendo quem está sendo mostrado, onde ou quando foi. Era só ‘Líbia’. Eu queria que as pessoas se identificassem apenas como líbios, sem apontar dedos para quem era culpado pelo quê. Todos os envolvidos na guerra cometeram erros e acertos. Entrevista concedida pessoalmente em Fortaleza-CE, no dia 17 de janeiro de 2018.


Um combatente rebelde pede ajuda após ser ferido em meio ao fogo cruzado na cidade de Misurata. Líbia, 2011. Foto disponível no blog At War, na plataforma online do jornal The New York Times. (Foto: André Liohn)

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"A guerra tem vários momentos, vários lugares, atores, motivos. Há muitos jornalistas que não se intitulam correspondentes de guerra, mas fazem esse trabalho durante anos, e o fazem muito bem".

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I.4. Isabel Filgueiras, jornalista Antes mesmo de se tornar jornalista, a cearense Isabel Rocha Filgueiras teve seu primeiro contato, ainda que indiretamente, com o jornalismo de guerra. Para apresentar seu trabalho de conclusão de curso pela Universidade Federal do Ceará (UFC), aos 26 anos de idade, ela percorreu o Oriente Médio colhendo histórias de refugiados da Síria, que deram origem ao livro “Recortes da Diáspora Síria”, publicado em 2017. Filgueiras passou pelas redações dos jornais Diário do Nordeste e Estado de S. Paulo. Atualmente, mora em São Paulo e trabalha para o jornal O Povo. Ela respondeu às perguntas a seguir por telefone, no dia 31 de janeiro de 2018:

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Enquanto ainda estava na Universidade, Isabel Filgueiras decidiu explorar o jornalismo de guerra em uma de suas ramificações: reportando histórias de refugiados. (Foto: arquivo pessoal)


Barbara Câmara: Por que você decidiu executar seu trabalho de conclusão de curso dessa forma, arriscando-se e arcando com todas as despesas de viagens? Isabel Filgueiras: Eu imaginei que esse mercado do jornalismo de guerra fosse muito concorrido, e dificilmente eu conseguiria fazer isso vinda do Ceará, com algum veículo me financiando. Ia demorar até eu descobrir se isso ‘era para mim’ ou não. E eu queria eliminar essa frustração de sempre me perguntar se eu tinha capacidade para isso. Eu queria realizar esse projeto com um senso de propósito de estar fazendo o jornalismo puro, sem ganhar para isso, simplesmente pela obrigação jornalística de reportar. Quando você chega em um lugar que foi afetado pela guerra, você fica sem saber em que acreditar. Um ambiente de conflito tem

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ "Eu queria realizar esse projeto com um senso de propósito de estar fazendo o jornalismo puro, sem ganhar para isso, simplesmente pela obrigação jornalística de reportar". Isabel Filgueiras

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muita coisa em jogo, como o dilema ético. Devo expor crianças ou não, estou colocando minha fonte em risco ou não? Eu queria estar o mais preparada possível. Por ser um lugar longe de casa, com uma outra cultura, isso me fez estudar muito, eu não queria cair em um estereótipo, queria me entender com as fontes o máximo possível.

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BC: Você já conhecia o idioma local antes de viajar? IF: Não, eu não sabia. Árabe e curdo foram os idiomas com os

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quais eu tive que lidar lá, e eu sabia que ia precisar procurar um tradutor, e isso também é uma questão muito delicada. Você tem que confiar no tradutor, e isso é difícil, porque ele pode ‘te fazer de idiota’. Eu senti um pouco isso, porque um dos meus tradutores foi arranjado pelo Ministério das Comunicações da Jordânia. O outro foi voluntário, e é meu amigo até hoje. Ambos traduziam para o inglês. Mas eles também têm suas convicções políticas, e eu sentia uma censura na tradução. Eu li livros sobre os costumes e as histórias dos sírios, para saber quais eram a etnias envolvidas e qual era o histórico de cada uma. Queria estar bem preparada academicamente.

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BC: Você foi a campo já tendo contato com algumas fontes. Como as conseguiu? IF: Eu procurei um profissional do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), que foi muito solícito. Ele me orientou a falar com o fotógrafo Gabriel Chaim, que na época me passou todos os contatos que ele já tinha por lá.

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BC: Como foi o processo de apuração? IF: Eu passei pela Malásia, que tinha muitos muitos refugiados, mas como o foco do livro eram os sírios, eu precisei me ater a eles. Lá estavam pessoas de vários lugares, como Sri Lanka, Bangladesh, Myanmar. De lá eu fui para a Jordânia, que foi um grande ponto de apoio, pois era um lugar que estava acabado, turisticamente falando, os visitantes iam principalmente pela questão humanitária. Lá eu conheci várias pessoas com histórias incríveis, cada um tinha suas visões. Na Turquia eu pude ter um contato maior com o povo curdo, que são uma grande parte da história da guerra na Síria e da história mundial dos refugiados. Eles sempre foram refugiados, e eu queria entender melhor como era a vida deles e como lidavam com preconceitos. O capítulo mais difícil de escrever foi o da Turquia, justamente pela história dos curdos. E por saber que o problema deles não vai ter solução, nunca vai existir o Curdistão. Em um dia, o inimigo é a Turquia, no outro, a Armênia. Eles estão sempre em um front de batalha.


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Foram mais ou menos 45 dias de viagem, e 20 de apuração, coletando os relatos. Separados por diferentes perspectivas de guerras também distintas, os três jornalistas unem-se a partir de suas experiências em campo. Para Ribeiro, as memórias do front foram eternizadas tanto em sua vida pessoal quanto em sua carreira profissional, manifestando-se em trabalhos tidos como referência da reportagem de guerra até hoje. Após apresentar a exposição que teve destaque internacional, Liohn segue registrando conflitos, porém, de outro tipo: o fotojornalista ilustrou a reportagem especial da revista Veja, publicada em fevereiro de 2018, sobre a violência urbana e a disputa entre facções no Estado do Ceará. Em São Paulo, Filgueiras produziu ainda outra reportagem sobre imigrantes, desta vez, vindos da Venezuela para o Estado de Roraima. O que une homens e mulheres correspondentes de guerra, para o neuropsiquiatra Anthony Feinstein, em um artigo publicado no portal The Globe and Mail, é um corpo de trabalho que mostra países “em chamas, envoltos pelo caos”, e a execução de tal ofício vem a um alto custo pessoal que, por vezes, passa despercebido pelos receptores da notícia. Feinstein, que é especialista em traumas sofridos por jornalistas após guerras, afirma que o aumento das ameaças pessoais sofridas por repórteres em meio aos conflitos chama a atenção para os desafios em manter os profissionais em segurança. Ele argumenta que a mídia se encontra em uma posição única, pois ao contrário de outras profissões que se colocam no caminho do perigo — como militares, policiais e bombeiros —, jornalistas não são treinados para enfrentar a violência. “Transplantados do dia para a noite da segurança de uma mesa de escritório em sua cidade natal para um ambiente ameaçado, em um país onde a segurança é tênue ou ausente, o idioma incompreensível e o governo local, caso ainda funcione, hostil a uma imprensa livre, jornalistas devem aprender no caminho, na pressa e sem espaço para erros, pois, em zonas de guerra, a sobrevivência é geralmente medida em milímetros ou milissegundos”, comenta o neuropsiquiatra.

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om mais um século de prática do jornalismo de guerra e tantas vidas terminadas em meio à dedicação a tal ofício, não seria ético tentar medir ou comparar a importância do trabalho daqueles que se esforçaram para aproximar o público da dura realidade dos conflitos. É preciso destacar, contudo, o papel de determinados comunicadores que deixaram uma marca neste campo específico do Jornalismo, em razão de seus trabalhos notáveis ou significativos para os contextos históricos e sociais nos quais estavam inseridos. Acompanhando o ritmo das mudanças sofridas pelos meios de comunicação com o passar dos anos, a narrativa e construção de notícias sobre guerras tornou-se um trabalho multidimensional. Para que uma reportagem fiel de um conflito seja bem executada, é necessária a interação complementar entre texto, imagem, áudio e vídeo. A máxima que afirma que “uma imagem vale mais que mil palavras” pode ser naturalmente aplicada ao Jornalismo de guerra, a exemplo de fotografias surpreendentes que chocaram tantas

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pessoas ao exporem situações brutais demais para serem descritas por palavras. O aspecto estático, imutável e cru das boas fotografias de guerra é o que torna este recurso comunicativo ideal para a cobertura jornalística. Muitos profissionais admiráveis emprestaram seu olhar ao fotojornalismo de guerra ao longo dos anos. Dentre eles, estão listados neste capítulo aqueles cujos trabalhos marcaram a história por eternizarem momentos que representam retratos de realidades duras, que por pouco não passaram despercebidos para o resto do mundo. Antes mesmo da invenção da fotografia, porém, a reportagem acontecia nos fronts de batalha, e as palavras marcadas no papel eram a única conexão entre a guerra e os lares distantes. Os repórteres de jornais impressos e, mais tarde, de rádio, televisão e mídias digitais constroem narrativas em meio ao caos, dando voz aos civis e aos soldados, descrevendo a ditadura e a rebelião. Reconhecidos por seu fazer jornalístico, por seu envolvimento com a(s) guerra(s), seus feitos históricos, sua coragem em vida e, em alguns casos, por sua morte, os repórteres destacados nas páginas seguintes marcaram o jornalismo no Brasil e no mundo a partir de suas experiências em tempos de guerra.

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II. 1. Fotógrafos Robert Capa (22 de outubro de 1913 — 25 de maio de 1954) Para muitos estudiosos e apreciadores de imagens de guerra, o húngaro Endre Ernő Friedmann é um dos primeiros nomes a serem mencionados quando se trata de registros fotográficos. Nascido em Budapeste, Friedmann tinha outros planos para sua carreira: desejava, inicialmente, ser escritor. Ainda adolescente, foi pressionado a sair da Hungria por “simpatizar com ideais comunistas” e mudou-se para a Alemanha, onde iniciou os estudos em uma universidade. Após conseguir um emprego como fotógrafo freelancer em uma empresa, porém, desenvolveu o gosto pela prática. A ascensão de Adolf Hitler e do partido nazista fez com que Friedmann, de origem judaica, deixasse o país e seguisse para a França na década de 1930. Lá conheceu Gerda Taro, também fotó-


“The Falling Soldier”, por Robert Capa. Front de batalha em Córdoba, Espanha, 1936; Disponível no acervo virtual do site Magnum Photography. Exibida no International Center of Photography, em Nova Iorque.

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1 Nascido em 1946, foi um escritor, editor e historiador cultural, autor de obras biográficas sobre os fotógrafos Robert Capa — intitulada Robert Capa: A Biography — e Alfred Stieglitz. Faleceu em 2007.

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grafa, que viria a ser sua parceira profissional e companheira. Com o objetivo de distinguir-se em meio ao mercado já consolidado da fotografia, ele, com a ajuda de Taro, adequou sua imagem para criar uma espécie de alter ego. Foi como surgiu o pseudônimo Robert Capa. De acordo com o autor Richard Whelan1, o fotógrafo teria revelado durante uma entrevista que o sobrenome fazia alusão ao cineasta italiano Frank Capra, e o nome, ao ator estadunidense Robert Taylor. A ideia era que o pseudônimo transmitisse a imagem pública que ele desejava criar: um fotógrafo norte-americano bem sucedido, respeitado e rico. Para garantir o sucesso de vendas das fotos, Taro intermediava as negociações, levando as publicações francesas a crerem que

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Capa era americano, e as publicações americanas a crerem que ele era francês. Tudo isso era feito com o devido cuidado para que não descobrissem que o sobrenome Capa não tinha ascendência de nenhum dos dois países. As primeiras fotografias de conflito feitas por Capa aconteceram durante a Guerra Civil Espanhola, entre 1936 e 1939. Foi nesse período em que ele registrou uma de suas fotos mais famosas — “O Soldado Caído”. Após ser publicada, a imagem foi descrita como ‘forjada’ pelo jornalista australiano Philip Knightley e teve sua autenticidade questionada por parte do público. Isso não impediu, porém, que a foto se tornasse um símbolo da guerra e ganhasse reconhecimento internacional. Mais tarde, esteve na cidade de Hankou, atual Wuhan, na China, para registrar a resistência dos locais à invasão japonesa durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa2. Algumas de suas imagens foram publicadas pela revista Life. Em determinado momento, uma afirmação de Capa a respeito da fotografia tornou-se particularmente conhecida: “Se suas fotos não estão boas o suficiente, você não está perto o suficiente.” Capa também realizou a cobertura da Segunda Guerra Mundial sendo enviado à diferentes locais na Europa, onde produziu registros marcantes. Um dos mais famosos foi o conjunto de fotografias do Dia D batizado de “The Magnificent Eleven”, feito em 6 de junho de 1944 na praia de Omaha, na costa da Normandia. O fotógrafo acompanhou as tropas americanas que desembarcaram na França e enfrentaram as forças alemãs em um dos momentos mais simbólicos da guerra. No dia, Capa teria conseguido um total de 106 fotos. Um acidente em um laboratório de fotografia em Londres destruiu a maior parte dos negativos, restando apenas onze. Em 1954, a Primeira Guerra da Indochina3 viria a ser o último conflito fotografado por Capa. Em maio, enquanto acompanhava uma tropa de militares franceses, ele desceu do jipe que transportava os soldados para fazer fotos do caminho. Durante o percurso, 2 Motivada pela intenção de anexação de territórios chineses pelo Império Japonês. Se estendeu de julho de 1937 até setembro de 1945. 3 Teve início em 1946 e terminou em 1954. Consistiu no embate entre o Corpo Expedicionário Francês no Extremo Oriente e os nacionalistas do território da Indochina. Desenvolveu-se até dar origem à Guerra do Vietnã, em 1955.


pisou em uma mina terrestre, que o feriu fatalmente. Sua morte foi pronunciada no dia 25 de maio. Roger Fenton (28 de março de 1819 — 8 de agosto de 1869) É considerado o pioneiro na fotografia de guerra. Nascido no condado de Lancashire, na Inglaterra, dedicou-se inicialmente à pintura e ao Direito. De acordo com seu registro no Metropolitan Museum of Art (Met), ele viajou para a Rússia em 1852 e fotografou marcos de fronteira das cidades de Kiev e Moscou. No ano seguinte, fundou a Sociedade Fotográfica de Londres (Photographic Society), que mais tarde viria a se chamar Sociedade Fotográfica Real da Grã-Bretanha (Royal Photographic Society of Great Britain).

“Sombra do Vale da Morte”, por Roger Fenton. Uma estrada de terra permeada por balas de canhão que não atingiram seus alvos. Criméia, s/d. Disponível na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

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Sua estreia como fotógrafo de conflitos aconteceu durante a Guerra da Criméia4, em 1855. Fenton foi escalado pela empresa de publicações de Manchester, Thomas Agnew & Sons, para documentar a batalha. Sua missão foi encorajada pelo governo britânico, que esperava que suas fotos acalmassem a população preocupada com os familiares que lutavam na guerra. Para tal, Fenton foi orientado a não registrar os horrores do combate. Seu trabalho em campo representou a primeira vez em que a fotografia foi empregada na cobertura de um conflito, e resultou em imagens do porto da vila de Balaclava, na Ucrânia, os campos, os terrenos onde aconteciam as batalhas, e retratos dos oficiais, soldados e funcionários de diversos exércitos aliados.

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Eddie Adams (12 de junho de 1933 — 18 de setembro de 2004) Apesar de ter participado da cobertura de cerca de treze guerras, o fotógrafo natural da Pensilvânia, nos Estados Unidos, ficou marcado na história por ter registrado o momento exato da execução de um Viet Cong5 por um General brigadeiro durante a Guerra do Vietnã, em 1968. No ano seguinte, a foto rendeu-lhe o Prêmio Pulitzer6. Em 2018, a emissora British Broadcasting Company (BBC) publicou uma análise descritiva da imagem em seu portal online: “A pistola já recua na mão do soldado enquanto o rosto do prisioneiro se contorce no momento em que a bala perfura seu crânio. À esquerda da imagem, um soldado espectador parece se retrair em choque. Especialistas em balística afirmam que a imagem — que ficou conhecida como “Saigon Execution” — mostra o instante exato em que a bala perfurou a cabeça do homem. A foto é considerada um dos retratos mais influentes do conflito no Vietnã. Na época em que foi publicada, sua divulgação teve alcance global e, para muitos, tornou-se símbolo da brutalidade na guerra. 4 Evento em que tropas britânicas, francesas, sardenhas e turcas confrontaram a Rússia com o objetivo combater a tentativa de avanço do país sobre os territórios europeus do Império Otomano. 5 Como eram popularmente conhecidos os membros da Frente Nacional para a Libertação do Vietnã, que lutaram durante a Guerra do Vietnã. 6 Administrado pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Divide-se em 21 categorias, das quais apenas uma (Serviço público de Jornalismo) entrega uma medalha de ouro como prêmio. As demais concedem concedem 10 mil dólares em dinheiro ao vencedor, e um certificado. Matérias e fotografias só são elegíveis ao Pulitzer se tiverem sido publicadas nos Estados Unidos.


No dia 1º de fevereiro de 1968, os combates nas ruas levaram a cidade de Saigon, atual Ho Chi Minh, ao caos, quando militares do Vietnã do Sul capturaram um possível líder Viet Cong, Nguyễn Văn Lém, ao lado de uma grande cova com mais de 30 civis. Adams

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ "Eu estava ganhando dinheiro por mostrar um homem matando o outro. Duas vidas foram destruídas, e eu estava sendo pago por isso. Eu virei um herói". Eddie Adams

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Gerda Taro (1º de agosto de 1910 — 26 de julho de 1937) Nascida na cidade de Estugarda, na Alemanha, sob o nome de batismo Gerta Pohorylle, foi uma das primeiras mulheres fotojorna-

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começou a fotografá-lo enquanto este era conduzido até o jipe do General Nguyễn Ngọc Loan. No portal online da BBC, uma citação do autor da fotografia é lembrada. “Eu achava que ele ia ameaçar ou assustar o homem”, dissera Adams, “então eu naturalmente levantei a câmera e fiz a foto”. O Viet Cong era suspeito de ter assassinado a esposa e seis filhos de um dos colegas de Loan. O General disparou a arma. Apesar do reconhecimento jornalístico adquirido através da imagem, Adams admitiu que esta viria a assombrá-lo. “Eu estava ganhando dinheiro por mostrar um homem matando outro. Duas vidas foram destruídas, e eu estava sendo pago por isso. Eu virei um herói”, disse o fotógrafo durante uma cerimônia de premiação. Ao longo de sua carreira, Eddie Adams foi agraciado com inúmeros prêmios, a exemplo do George Polk Award por Fotografia de Notícia em 1968, 1977 e 1978. Também recebeu títulos pela World Press Photo, National Press Photographers Association (NPPA) e outras organizações.

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listas da história. De origem judaica, ela deixou seu país de origem a mudou-se para a França em 1933, quando Hitler ascendeu ao poder. Em 1934, conheceu Robert Capa. O relacionamento profissional e pessoal entre ambos impactou igualmente suas vidas. Enquanto ela negociava a venda das


General Nguyễn Ngọc Loan executando o prisioneiro Viet Cong Nguyễn Văn Lém, ou “Saigon Execution”, por Eddie Adams. Ho Chi Minh, Vietnã, 1968; Reproduzida pelo portal online do The New York Times em 2014.

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fotos de Capa, ele ensinava-lhe a prática da fotografia. Foi neste ínterim em que Pohorylle decidiu adotar o pseudônimo Gerda Taro. Em 1936, realizou a cobertura da Guerra Civil Espanhola em parceria com Capa. No ano seguinte, já havia emergido como fotojornalista independente.

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Em entrevista concedida à BBC, a escritora Jane Rogoyska, autora da obra biográfica “Gerda Taro: Inventing Robert Capa”, afirma que Taro começou a desenvolver seu próprio estilo na fotografia e moldar uma carreira, estabelecendo-se como fotógrafa em um curto espaço de tempo. Em julho de 1937, durante um momento crítico da guerra na Espanha, as forças republicanas começavam a perder território. Em meio à ataques aéreos e bombardeios, Taro registrava o conflito, com previsão de retornar à França em poucos dias. Ela só se afastou das trincheiras da guerra quando o filme de sua máquina acabou, decidindo então refugiar-se em uma cidade próxima.

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Para chegar lá, ela subiu no estribo de um veículo que transportava soldados feridos. A condução foi interrompida cedo demais: um tanque de guerra fora de controle chocou-se contra o transporte, atingindo Taro. Ela não resistiu aos ferimentos. A alemã veio a ser a primeira mulher fotojornalista a morrer durante uma cobertura de guerra. Seu falecimento foi pronunciado no dia 26 de julho de 1937. Nos registros do International Center of Photography, em Nova Iorque, seu trabalho foi descrito como “fotografias de simplicidade gráfica e forte carga emocional, que podem ser consideradas crônicas memoráveis de uma guerra complexa”.

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Soldados republicanos em uma trincheira, por Gerda Taro. Espanha, 1937. Disponível no International Center of Photography, em Nova York.

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II. 2. Repórteres John Reed (22 de outubro de 1887 — 19 de outubro de 1920) Natural da cidade de Portland, nos Estados Unidos, John Silas Reed iniciou sua carreira jornalística após concluir os estudos na Universidade de Harvard em 1910. Mudou-se para Nova Iorque, onde conseguiu ingressar no mercado com um cargo de iniciante na revista The American Magazine. Como forma de complementar o salário insuficiente para manter a vida na cidade, aceitou o cargo de gerente de negócios da revista trimestral Landscape Architecture, que acabara de ser lançada. Apesar de levar uma vida confortável com os empregos fixos, Reed desejava construir uma carreira como jornalista freelancer. Para isso, publicava pequenos artigos independentes regularmente, até conseguir espaço na revista The Saturday Evening Post. Também teve textos publicados em veículos como The Forum, The Century Magazine e Collier’s. Os maiores desafios encontrados por Reed ao exercer a profissão, porém, foram provocados por seu enorme interesse em causas sociais. Em 1913, engajou-se no movimento trabalhista auxiliando a organização da greve dos trabalhadores têxteis de Paterson, em Nova Jersey. Foi preso, e, na ocasião, o tratamento ríspido conferido aos grevistas por parte das autoridades, somado ao seu curto tempo encarcerado, contribuiu para que o jornalista se radicalizasse como ativista social. Mais tarde no mesmo ano, foi enviado pela revista Metropolitan para cobrir a Revolução Mexicana7. O período que passou no país rendeu-lhe uma série de bons artigos que depois seriam compilados para dar origem ao livro ‘México Insurgente’, publicado em 1914. O trabalho fez com que Reed construísse uma reputação nos Estados Unidos como correspondente de guerra. Sua participação como jornalista durante a Primeira Guerra Mundial também foi marcante. Em agosto de 1914, foi enviado à Itália também pela Metropolitan, e de lá seguiu para a França, onde viu-se frustrado pela censura e dificuldade de acesso ao front de batalha. Após passar por Londres e Berlim, voltou aos Estados 7 Conflito armado que iniciou-se em 1910 como consequência de crises políticas e sociais no México, após 34 anos de governo do general Porfírio Díaz.


Unidos para escrever sobre o conflito. Retornou à Europa Central em meados do ano seguinte, onde testemunhou cenas de devastação na Sérvia, passando pela Romênia e a Bulgária. Atravessou o Pale8 na Bessarábia (hoje Moldávia e Ucrânia), e acabou sendo preso na cidade de Chełm, na Polônia, onde passou algumas semanas até ser liberado com o auxílio do embaixador americano no país. O jornalista seguiu então para a cidade de Petrogrado, atual São Petersburgo, na Rússia, onde foi novamente encarcerado — sob a suspeita de ser um espião — e depois solto. Passou por Bucareste e chegou até a Constantinopla, com esperanças de testemunhar alguma ação na península de Galípoli. Tais vivências foram relatadas em seu livro ‘A Guerra dos Bálcãs’, publicado em 1916. Uma das obras mais conhecidas de Reed, “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, foi escrita com base em suas experiências na Rússia em setembro de 1917, onde cobriu os acontecimentos que antecederam a tomada do poder pelos bolcheviques e, então, a Revolução de Outubro9. John Reed faleceu em outubro de 1920, vítima de tifo.

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Martha Gellhorn (8 de novembro de 1908 — 15 de fevereiro de 1998) Considerada uma das maiores correspondentes de guerra do século XX, Martha Ellis Gellhorn nasceu na cidade de Saint Louis, no estado norte-americano de Missouri. Abandonou a faculdade de artes liberais em 1927 em busca da carreira jornalística. Seus primeiros artigos foram publicados na revista The New Republic e, em 1930, viajou para a França determinada a se tornar uma correspondente. Durante os dois anos que passou no país, trabalhou no escritório da agência de notícias United Press International (UPI). Em 1937, foi contratada pela revista Collier’s Weekly para cobrir a Guerra Civil Espanhola, que marcou sua primeira experiência como repórter de guerra. No ano seguinte, ela relatou a ascensão de Hitler na Alemanha. Realizou a cobertura da Segunda

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8 Zona de assentamento judeu no Império Russo, sendo a residência de judeus proibida no restante da Rússia. Durou até 1917. 9 Segunda fase da Revolução Russa, marcada pela ascensão do partido Bolchevique liderado por Vladimir Lênin.

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Guerra Mundial a partir de diferentes países, como Singapura, Finlândia e Inglaterra. Com a proximidade da ida das tropas estadunidenses à França, Gellhorn não conseguiu obter as credenciais necessárias para participar do desembarque na Normandia, então optou por um caminho “alternativo”: embarcou em um navio hospitalar escondida em um dos banheiros. Na chegada, fingiu ser uma padioleira carregando macas. Tal decisão fez com que Gellhorn fosse a única mulher presente na praia da Normandia no Dia D, em 6 de junho de 1944. “Eu segui a guerra em qualquer lugar onde pude alcançá-la”, dissera. Também foi uma das primeiras jornalistas a entrar no campo de concentração de Dachau após este ser liberado pelos soldados americanos.

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ "Eu segui a guerra em qualquer lugar onde pude alcançá-la".

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Seus 60 anos de carreira incluíram a cobertura da guerra do Vietnã, em 1966, e os conflitos em El Salvador e Nicarágua, durante os anos 1980, assim como a invasão dos Estados Unidos ao Panamá. A atuação de Gellhorn como correspondente de guerra deu origem a livros como “The Trouble I’ve Seen” ("O Transtorno que Vi, em tradução livre) e “A Stricken Field” ("Um Campo Ferido"), publicados em 1936 e 1940, respectivamente. Em meados dos anos 1990, a autora e jornalista foi diagnosticada com câncer. Em 1998, aos 89 anos de idade e com a saúde já debilitada, Gellhorn tirou a própria vida. Seu último artigo de maior importância foi escrito após uma visita ao Brasil, e tratava sobre a mortalidade infantil. Foi homenageada em 1999 através da criação do prêmio de Jornalismo Martha Gellhorn (Martha Gellhorn Prize for Journalism).


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10 Correspondente de guerra no Oriente Médio pelo jornal The Independent. Nasceu em 1946, na Inglaterra, e morou em terras árabes por mais de 40 anos. Autor de livros como “Pity the Nation: Lebanon at War” e “The Great War for Civilisation: the Conquest of the Middle East”, e

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Clare Hollingworth (10 de outubro de 1911 — 10 de janeiro de 2017) A jornalista e também escritora britânica teve uma carreira extensa na comunicação, sendo mais conhecida, porém, por ter em sua história um feito de grandes proporções: foi responsável pelo “furo de reportagem do século” ao ser a primeira pessoa a relatar a invasão alemã à Polônia, episódio que marcou o início da Segunda Guerra Mundial. Os primeiros artigos de Hollingworth como freelancer foram publicados pela revista New Statesman. Entre março e julho de 1939, ajudou a resgatar milhares de refugiados poloneses ao fornecer vistos britânicos, para que pudessem escapar das forças nazistas. Foi esta a experiência que fez com que Arthur Wilson, então editor do jornal The Daily Telegraph, a contratasse em agosto do mesmo ano. Conforme a descrição feita em um artigo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), publicado em janeiro de 2017 em referência ao falecimento de Hollingworth, a jornalista conta em sua autobiografia que, em agosto de 1939, pegou emprestado o carro de um funcionário do consulado britânico para ir até o lado alemão da fronteira com a Polônia, onde noticiou ter visto os tanques e armamentos das tropas nazistas que se preparavam para atacar o país. Em 1º de setembro, Hollingworth reportou o primeiro ataque alemão contra a Polônia, ao norte da cidade de Katowice. Ela conta que sua primeira ligação foi para a Embaixada britânica na Varsóvia, e que o funcionário com quem conversou não acreditava em seu relato. “‘Ouça!’, eu segurei o telefone para fora da janela do meu quarto. O ruído crescente de tanques cercando Katowice podia ser ouvido claramente”, narra a repórter em sua autobiografia. “‘Você não consegue ouvir?'”, dissera, na tentativa de convencer o outro lado da linha. Em seguida, telefonou para o correspondente do The Daily Telegraph na Varsóvia, que então reportou a notícia para a redação do jornal em Londres. “Eu achava que eles (nazistas) iam mesmo perder a guerra”, contou Hollingworth a Robert Fisk10, em entrevista concedida

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ao jornal The Independent em 2015. “Porque eles não se importavam com as pessoas”, afirmou. Após a Segunda Guerra, a jornalista continuou a reportar conflitos na Algéria, em Beirute, na Índia, na China e em Israel. Ao longo dos anos, acumulou experiência e conhecimento sobre tecnologias militares. Foi enviada para cobrir também a Guerra do Vietnã em 1967, e previu que a situação terminaria em um empate. Preocupava-se em registrar as opiniões dos civis vietnamitas em suas reportagens, fazendo com que estas fossem diferenciadas. Sua reportagem sobre a guerra civil na Argélia rendeu-lhe o prêmio de Mulher Jornalista do Ano em 1962, e, em 1982, foi condecorada como Oficial da Ordem do Império Britânico (OBE, na sigla em inglês) por seus serviços ao jornalismo. Hollingworth faleceu no início de 2017, em Hong Kong, aos 105 anos de idade.

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Euclides da Cunha (20 de janeiro de 1866 — 15 de agosto de 1909) Nascido no município de Cantagalo, no Estado do Rio de Janeiro, Euclydes Rodrigues Pimenta da Cunha foi um dos primeiros jornalistas brasileiros a participar da cobertura de um conflito, no caso, que ocorreu em território nacional: a Guerra de Canudos11. Inicialmente, formou-se como engenheiro militar, mas abandonou o exército em meados dos anos 1890. Após publicar dois artigos sobre a revolta em Canudos, foi convidado para trabalhar no jornal A Província de S. Paulo — atualmente O Estado de S. Paulo —, que o enviou para cobrir o confronto em Canudos como correspondente de guerra. O jornalista deixou o local quatro dias antes do fim do conflito, e, mesmo sem presenciar o desfecho, reuniu suas experiências no evento para escrever “Os Sertões”, obra que integra literatura, relato histórico e jornalístico, publicada em 1902. No ano seguinte, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Faleceu no Rio de Janeiro, aos 43 anos, vítima de assassinato. vencedor de diversos prêmios jornalísticos. 11 Embate entre o Exército brasileiro e o movimento social liderado por Antônio Conselheiro na comunidade de Canudos, no interior do Estado da Bahia. Estendeu-se de novembro de 1896 a outubro de 1897.


Joel Silveira (23 de setembro de 1918 — 15 de agosto de 2007) Após abandonar a faculdade de Direito para dedicar-se ao Jornalismo, o escritor e jornalista natural do município de Lagarto, em Sergipe, teve seu primeiro emprego na revista literária semanal Dom Casmurro. Mais tarde, veio a escrever, também, para os jornais Última Hora, O Estado de S. Paulo, Correio da Manhã e para os Diários Associados. Nos Associados, foi escolhido por Assis Chateaubriand12 para ser correspondente durante a Segunda Guerra Mundial, acompanhando a ação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) junto aos Aliados na Itália, em 1944. Em entrevista concedida ao repórter Gilberto Negreiros em 1979, para o jornal Folha de S. Paulo, Silveira descreve a divisão dos membros da Força Expedicionária durante a missão. “Havia duas alas. O comandante da FEB era um homem muito decente, muito honesto, o velho Mascarenhas de Morais, homem sério, compreendeu? Sem grande brilho, mas muito competente, inclusive bom comandante, apesar de um pouco duro. Mas ele era fanaticamente getulista. Ele tinha adoração pessoal pelo Getúlio, era amigo pessoal do Getúlio. Mas havia a ala liberal do Exército. Com essa é que nós correspondentes nos entendíamos melhor”, revelou. Antes de partir para a Itália, encontrou complicações perante o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que deu parecer contrário à ida. “Eles fizeram de tudo para que eu não embarcasse. A acusação era a de sempre: comunista”, contou o jornalista. A escrita “ácida” e impactante de Silveira rendeu-lhe o apelido de “víbora”, dado por Chateaubriand. Ao longo da carreira, recebeu os prêmios Líbero Badaró, Esso Especial, Jabuti, Golfinho de Ouro e Machado de Assis — o mais importante da Academia Brasileira de Letras — em 1998, pelo conjunto de sua obra. Faleceu em agosto de 2007 no Rio de Janeiro.

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12 Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, conhecido popularmente como Chatô, foi um jornalista, empresário e político brasileiro, dono dos mais de cem jornais, emissoras de rádio e televisão, revistas e agência telegráfica que compunham os Diários Associados.

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James Foley (18 de outubro de 1973 — 19 de agosto de 2014) O jornalista e repórter cinematográfico estadunidense James Wright Foley, natural do estado de Illinois, poderia ter contribuído enormemente para o jornalismo de guerra, ao qual se dedicou por

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anos, antes de ter seu destino abreviado pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL)13, também conhecido pelo acrônimo ISIS, na língua inglesa. A primeira ocupação de Foley foi como professor no Arizona, em Massachusetts e Illinois pela organização não-governamental Teach For America (TFA). Em meados dos anos 2000, passou a dedicar-se ao jornalismo. Em 2010, aplicou para a posição de jornalista embedado no Afeganistão para trabalhar como freelancer. Viajou junto às tropas americanas até o Iraque e, em janeiro de 2011, atuou como repórter a serviço do jornal militar Stars and Stripes no Afeganistão. No mesmo ano, enquanto noticiava para a empresa de jornalismo online GlobalPost, foi para a Líbia cobrir o levante contra Muammar Gaddafi, infiltrado em meio aos rebeldes. Na ocasião, Foley e outros dois jornalistas — a repórter americana Clare Morgana Gillis e o fotógrafo espanhol Manu Brabo — foram atacados e capturados por combatentes pró-Gaddafi, no dia 5 de abril. Eles testemunharam a morte do colega Anton Hammerl, também fotojornalista. O grupo foi libertado 44 dias depois. A experiência do sequestro, porém, não intimidou Foley: ele logo retornou à Líbia, onde presenciou a captura de Gaddafi no dia 20 de outubro de 2011. “Quando eu vi Anton deitado no chão, morto, tudo mudou. O mundo inteiro mudou, eu nem sei se senti quando me bateram”, contou o jornalista à rede de televisão americana WISN, em dezembro do mesmo ano.

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13 Organização jihadista islâmica atuante no Oriente Médio, que afirma autoridade religiosa sobre todos os muçulmanos do mundo. Em 29 de junho de 2014, o grupo passou a se autointitular simplesmente "Estado Islâmico" (EI). São particularmente violentos contra muçulmanos xiitas, assírios, cristãos armênios, iazidis, drusos, shabaks e mandeanos.

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Durante a Guerra Civil Síria, Foley continuou reportando para a GlobalPost e para a agência de notícias Agence France-Presse (AFP). Em novembro de 2012, foi novamente sequestrado por uma gangue organizada, que levou o jornalista, o tradutor que o acompanhava e o fotógrafo britânico John Cantlie quando estes saíam de um cybercafé no noroeste da Síria. O Governo americano tentou negociar com os raptores por aproximadamente um ano, mas as mudanças constantes de local às quais os prisioneiros eram submetidos acabavam dificultando o processo. Em junho de 2014, um dos correspondentes que eram mantidos reféns pelo Estado Islâmico, o fotojornalista dinamarquês Daniel Rye Ottosen, foi liberado e logo entrou em contato com a família de Foley para transmitir uma mensagem que memorizou, recitada pelo americano enquanto estiveram encarcerados juntos. As palavras eram dirigidas aos seus parentes e descreviam sua realidade na cela compartilhada com outras dezessete pessoas, e como forneciam suporte uns aos outros como forma de resistir à situação e manter a esperança. A mensagem viria a ser sua carta de despedida. Até o dia 19 de agosto do mesmo ano, o paradeiro de Foley era desconhecido. Foi apenas após a publicação de um vídeo intitulado “A Message to America” (“Um Recado para os Estados Unidos”, em tradução livre) no YouTube, feita pelo Estado Islâmico, que o jornalista foi mostrado pela última vez. A gravação começa com imagens do então presidente americano Barack Obama anunciando os primeiros ataques aéreos ao Estado Islâmico no Iraque. A imagem é cortada e mostra Foley lendo uma mensagem ajoelhado em um deserto, ao lado de um terrorista mascarado e vestido de preto. Quando a leitura acaba, o executor condena os ataques ordenados pelos EUA e profere uma ameaça, alegando que qualquer nova agressão cometida pelo país resultará em “derramamento de sangue do seu povo”. Do total de quatro minutos e meio do vídeo, dez segundos mostram, indiretamente, a decapitação de James Foley. O ato em si não foi exibido, contrariando o padrão dos vídeos publicados previamente pelo grupo terrorista. Mais tarde, foi descoberto que o local onde ocorreu a execução tratava-se da cidade de Raqqa, na Síria. Apesar dos esforços empenhados para tal, o corpo de Foley nunca foi recuperado.

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III . Panorama Histórico do Jornalismo de Guerra

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s homens vêm relatando e registrando guerras praticamente desde quando começaram a lutar nelas. É o que sugere o jornalista, escritor e historiador Roy Morris Jr.1 em seu artigo “The Pen and the Sword: A brief history of War Correspondents”, publicado no site Warfare History Network. O texto traça uma linha do tempo que descreve alguns momentos notáveis na evolução dos relatos de conflitos, do momento em que a prática passou a ser considerada uma profissão — fato que o autor considera relativamente recente — até o início da transmissão televisiva de guerras.

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1 Roy Morris Jr. é o editor da revista Military Heritage e autor de quatro livros sobre os períodos durante e posterior à Guerra Civil americana: Fraud of the Century: Rutherford B. Hayes, Samuel Tilden, and the Stolen Election of 1876 (Simon and Schuster, 2003); The Better Angel: Walt Whitman in the Civil War (Oxford University Press, 2000); Ambrose Bierce: Alone in Bad Company (Crown, 1996); e Sheridan: The Life and Wars of General Phil Sheridan (Crown, 1992). Foi repórter e correspondente político para os jornais Chattanooga News-Free Press e Chattanooga Times.

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III . 1 . Origem A atribuição do título de “primeiro correspondente de guerra na história” é discutível, e não parece ter um dono legítimo. Há, po-

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rém, uma breve lista de candidatos, e alguns destes fizeram seus registros em séculos anteriores a Cristo. O historiador grego Tucídides é um deles. Em 424 a.C., ele escreveu sobre a Guerra do Peloponeso, da qual foi testemunha. O imperador romano Júlio César também registrou, em 55 a.C., seus feitos durante a conquista da Gália. Em ambos os casos, porém, as escrituras foram feitas muitos anos após os acontecimentos relatados. Outro candidato elegível de acordo com Morris Jr. seria William Watts, o possível autor de um registro do século XVII sobre as ações do rei Gustavo II Adolfo da Suécia durante a Guerra dos Trinta Anos. Contudo, assim como nos casos anteriores, os relatórios anônimos de Watts, publicados em um panfleto intitulado Swedish Intelligencer, foram feitos em Londres, longe do campo de batalha e muitos meses após os conflitos. Agora mais próximo da realidade prática do Jornalismo, no início do século XIX, os repórteres Henry Crabb Robinson, do jornal London Times, e Charles Lewis Gruneison, do London Morning Post, são considerados dois dos primeiros correspondentes de guerra. Robinson, que também era advogado, aceitou a proposta do jornal de se mudar para Altona, distrito de Hamburgo, na Alemanha, em 1807 para enviar relatórios a respeito da campanha do imperador francês Napoleão Bonaparte. Com a ajuda de um editor alemão, o jornalista se debruçou sobre documentos públicos e misturou-se à elite social do local para enviar relatos, a maioria rumores, sobre o avanço de Napoleão sobre o continente. Lançado sob o título “From the Banks of the Elbe”, os artigos de Robinson agregaram poucos detalhes reais aos boatos e fofocas, e ele não fez esforço algum para chegar até o campo de batalha. Sua reportagem da Batalha de Friedland, por exemplo, só foi feita seis dias após o evento. Robinson seguiu para o sul da Europa no ano seguinte, com o objetivo de cobrir a Revolução Espanhola das margens do Golfo da Biscaia. Assim como fizera na Alemanha, ele combinou com um editor local que usaria notícias de jornais já publicados para embasar seus artigos, e nem fazia ideia de que a Batalha da Corunha tinha acontecido até o momento em que saiu para jantar e en-


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controu o salão do refeitório vazio. Morris Jr. descreveu a seguinte interação: “Você não soube, senhor?”, indagou um garçom. “Os franceses chegaram. Eles estão lutando”. Robinson desceu o porto e embarcou em um navio, onde ele relatou ter ouvido o som dos canhões “vindo das colinas a três milhas de Corunha”. Mais tarde, ele teria avistado ingleses feridos e prisioneiros franceses trazidos à cidade, mas deixou passar a morte do comandante inglês Sir John Moore durante a batalha. Gruneison também chegou a ir à Espanha, três décadas depois, para cobrir a contínua revolta Carlista. Mais dedicado que Robinson, ele acompanhou a Legião Britânica e se alocou nos quartéis do rei Carlos I de Portugal. Apesar de ter sido treinado como crítico de música, Gruneison provou ser um repórter empenhado indo à Batalha do Villar de los Navarros e outras inúmeras ações menores. Em determinado encontro, ele se valeu da Maçonaria para conseguir evitar o massacre de prisioneiros, convencendo o comandante espanhol, que também era maçom, de poupar as vidas dos homens. Depois da Batalha de Retuerta, Gruneison foi preso sob a suspeita de ser um espião, e por pouco não foi executado. Ao voltar para a Inglaterra, ele chegou a servir como correspondente do London Morning Post em Paris, organizando um leva e traz de informações entre a capital francesa e Londres. Ele não voltou a cobrir guerras. Para Morris Jr., o melhor candidato a ter a honra de ser considerado o primeiro correspondente de guerra é, provavelmente, John Bell, repórter do London Oracle que cobriu a campanha europeia do Duque de Iorque em 1794. Bell, que era dono do jornal, embarcou para Flandres em abril daquele ano para reportar as ações da Força Expedicionária Britânica, que haviam chegado à Noruega para para oferecer apoio aos Aliados contra os revolucionários franceses. Anunciando seu desejo de “estabelecer uma corrente de correspondentes estáveis com todos os setores do exército Aliado, e de aproveitar todo e qualquer método possível de adquirir jornais franceses com maior constância e prontidão do que havia sido viável até o momento”, Bell descreveu seus objetivos de uma forma que poderia ter sido escrita por correspondentes

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de guerra profissionais no século seguinte: “Como estarei, por algum tempo, nas proximidades do exército rival, minha intenção é enviar-lhes um diário regular e fiel descrevendo quaisquer coisas que sejam dignas da atenção de seus leitores. Escreverei frequentemente em campo, ou sob a primeira barreira que me oferecer segurança; e estarei portanto satisfeito com os fatos, sem enfeites ou exageros que, em situações como estas, são comumente utilizados nas publicações diurnas”.

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Capa do jornal London Oracle no dia 11 de setembro de 1789.

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A análise de Morris Jr. destaca o contraste radical entre as ações de Robinson e Bell na prática das reportagens de guerra. O segundo afastou-se da segurança das cidades em busca da autenticidade do front das batalhas, testemunhando um bombardeio britânico de uma torre próxima, e acabando no meio do conflito durante a Batalha de Courtrai, entre os dias 17 e 18 de maio de 1794. O relato vívido do acontecimento foi escrito por Bell em campo e descreveu “a confusão da derrota infeliz” e retratou os soldados cambaleando para longe “com uma fatiga quase insuportável”. O furo do repórter ao noticiar a derrota britânica em


Courtrai foi publicado dois dias antes do anúncio oficial, e, mais tarde, ele previu a derrota iminente do município de Ypres, na Bélgica. “Se Ypres cair, acho que toda essa parte do país estará perdida”, teria dito Bell. Sob alguns aspectos, John Bell foi o primeiro correspondente de guerra a se tornar uma “celebridade”. Sua ida às linhas de frente foi amplamente divulgada, e em uma época onde colunas de jornais não eram assinadas, o nome de Bell era destacado acima e ao

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ "Estarei portanto satisfeito com os fatos, sem enfeites ou exageros que, em situações como estas, são comumente utilizados nas publicações diurnas". John Bell

fim de seus artigos e reportagens sobre a guerra. O próprio Oracle se prontificou em exaltar seus furos, vangloriando-se: “Outros jornais irão, como de costume, copiar nossa inteligência amanhã”. O governo britânico reclamou da das críticas de Bell à suas atitudes, e jornais concorrentes criticaram seus “rumores contraditórios” como sendo o trabalho de um “jacobino vagabundo”. Ao fim daquele ano, Bell foi forçado a vender o Oracle para quitar as dívidas que ele acumalou durante a cobertura da guerra. Barbara Câmara de

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III. 2. Evolução No território do gigante norte-americano, Morris Jr. explica que a ascensão meteórica dos jornais impressos ajudou os patriotas a vencerem a Revolução Americana, ao manterem os colonos de frente com os eventos do campo e publicarem panfletos e anúncios motivacionais. Na época, não existiam correspondentes cobrindo as lutas, apesar de o editor do Massachusetts Spy,

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Isaiah Thomas, membro da organização Filhos da Liberdade, ter sido capaz de publicar seu testemunho do primeiro embate entre forças britânicas e americanas na vila de Lexington, em Massachusetts, em abril de 1775. Subsequente à tal evento, a guerra anglo-americana de 1812 teve poucos repórteres em cena em comparação às batalhas anteriores. Anos depois, quando eclodiu a guerra entre os Estados Unidos e o México em 1846, George Wilkins Kendall, um jornalista empreendedor de Nova Orleans, percebeu rapidamente as crescentes oportunidades geradas pelo conflito. Como editor do jornal Picayune, na grande cidade estadunidense mais próxima do México, Kendall encontrava-se na melhor posição para monitorar a guerra. Ele logo se dirigiu ao quartel do general Zachary Taylor, no município de Matamoros, no México, e montou uma espécie de escritório em campo, onde contratou correspondentes e fez acordos para que seus textos fossem levados a cavalo até Veracruz. De lá, seriam colocados em uma frota de barcos velozes e transportados para Nova Orleans. Para otimizar o tempo, Kendall equipou as embarcações com máquinas de datilografia e um grupo de redatores. No momento em que os barcos atracavam, o material já estava pronto para ser impresso. As regras de compromisso — ou não compromisso — de correspondentes ainda não haviam sido formuladas, e Kendall e os outros jornalistas frequentemente iam à batalha acompanhando as tropas americanas. Além de enviar reportagens sobre a guerra, Kendall serviu como ajudante de ordens para o general Taylor, capturou uma bandeira da cavalaria mexicana e foi baleado no joelho. Ao fim da guerra, já era chamado de “major”. Outro jornalista, o repórter James L. Freaner do jornal New Orleans Delta, foi apelidado de “mustangue” após matar um oficial mexicano e apropriar-se de seu cavalo. Pelas pesquisas de Morris Jr., para todos os efeitos, o repórter Christopher Haile, do jornal Picayune, foi o correspondente mais preciso e bem-sucedido em campo. Ele cobriu as lutas em Resaca de la Palma, Palo Alto e Monterrey antes de ser condecorado primeiro-tenente na infantaria durante o Cerco de Veracruz. Dois


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outros membros da equipe do Picayune, John Peoples e Charles Callahan, montaram seu próprio jornal em campo, batizado de Veracruz Eagle. Quando a movimentação seguiu para a Cidade do México, eles seguiram o exército do general Winfield Scott e começaram um segundo jornal em campo, o American Star. Além dos registros das batalhas, as publicações semi-oficiais também informavam a respeito de transferências e promoções de oficiais, cortes marciais e execuções, além de boas notícias da linha de frente. Kendall, com sua mente empreendedora, simplesmente anexava edições do jornal American Star com suas cartas enviadas direto do front. Até o fim da guerra, nada menos que 26 jornais de campo estavam sendo publicados no território mexicano. Cinco anos após o término da Guerra do México, outro grande conflito eclodiu na Europa, o primeiro desde o fim das Guerras Napoleônicas, em 1815. A Guerra da Crimeia, que envolveu a Grã-Bretanha, a França e a Rússia, se passou essencialmente na península devastada do sudoeste russo, na fronteira com o mar Negro. As origens da guerra são obscuras, envolvendo uma disputa entre monges cristãos e ortodoxos pelo controle de santuários sagrados em Jerusalém, mas a maior causa envolvia antigas ambições da Rússia em ganhar acesso ao mar Mediterrâneo por meio do estreito de Bósforo, controlado pela Turquia. A Grã-Bretanha e a França, sendo aliadas dos turcos, não permitiriam que isso acontecesse. Foi então que surgiu o primeiro correspondente de guerra mundialmente conhecido: William Howard Russell, repórter do London Times. Nascido na Irlanda e acostumado às brigas de rua em Dublin e Liverpool, o jornalista era considerado não apenas destemido, mas também absolutamente comprometido em contar a verdade, independente de quem pudesse ofender. Aos 33 anos de idade, foi enviado primeiro à Malta por John Delane, editor do Times, que prometeu a Russell que ele “estaria em casa antes da Páscoa”. O repórter chegou à Crimeia na primavera de 1854, e só voltou para casa depois de dois anos. Russell levou pouco tempo alienando as autoridades competentes, incluindo o comandante britânico Lorde Raglan, que or-

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William Howard Russel durante a cobertura da Guerra da Crimeia. Península da Crimeia, aproximadamente 1854. Disponível no acervo virtual da South Dublin County Libraries.


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denou seus oficiais para não falarem com o intruso bisbilhoteiro. No início, Russell ficou indignado com a falta de planejamento evidente do Exército Britânico, cujos oficiais, na maior parte do tempo, pareciam mais preocupados em garantir um severo código de indumentária para os cavalheiros do que suprir as necessidades de seus homens. “A administração é infame” escreveu Russel a Delane, “e o contraste com a nossa conduta com os franceses é mais doloroso. Dá pra acreditar — os doentes não têm uma cama para deitar? Eles são jogados em casebres sem uma cadeira ou mesa sequer. Enquanto isso acontece, o senhor George Brown apenas fica ansioso para ver se os homens estão bem barbeados, os colarinhos bem engomados e os cintos apertados. Ele insiste que os oficiais e os homens estejam sempre nos conformes; nada de casacos e jaquetas largos, etc.”. Russell se perguntava, “devo falar sobre essas coisas ou me calar?”. Para sua felicidade, Delane instruiu que seu repórter contasse a verdade e dessa forma a correspondência pessoal de Russell começou a circular entre seus amigos no Parlamento, dando início a murmúrios de descontentamento entre os deputados a respeito de como a guerra estava sendo conduzida. Os oficiais subalternos de Raglan perseguiam Russell, rasgavam sua tenda sempre que ele não estava atento e se recusavam a lhe dar comida. Oficiais de alta patente negavam seus pedidos para se unir a eles em campo. Por fim, isso acabou lhe trazendo benefícios, uma vez que foi forçado a obter informação dos próprios soldados, anotando seus relatos sobre a Batalha de Alma em cima de uma mesa improvisada feita de prancha de madeira colocada sobre dois barris de água. Seu relato seguinte, seguido da Batalha de Balaclava, foi uma sensação. Escalando uma colina que com vista para o porto fortificado de Sevastopol, Russell observou o Exército russo romper o cerco ao atacar a fileira turca. Os britânicos despacharam reforços para o local, incluindo a Brigada Ligeira, cujo comandante que estava constantemente bêbado, Lorde Cardigan, recebeu ordens de impedir que os Russos roubassem alguns canhões turcos. Em vez disso, Cardigan interpretou que a ordem era para apreender todas as armas russas.

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O relato de Russell da apreensão fez com que ele e a Brigada Ligeira ficassem famosos. “Certamente estes homens não atacarão um exército em posição”, escreveu ele. “Lamentavelmente era a mais pura verdade. Não havia limite para eles e ficaram longe da assim chamada melhor parte, critério. À distância de 1.200 jardas, toda a linha inimiga arrotava uma torrente de fumaça e chamas através de trinta bocas de ferro que faziam sibilar suas bolas mortais. Seu voo era marcado por uma falha imediata em nossas fileiras: homens e cavalos mortos, corcéis voando pela planície, feridos ou sem seu cavaleiros. Com um brado que foi o grito de morte de muitos nobres, entraram na fumaça e perderam a visão da planície que estava coberta com seus corpos e com as carcaças dos cavalos. Às onze e trinta e cinco — o ataque havia começado 25 minutos mais cedo — nenhum soldado britânico, exceto os mortos e os que estavam à beira da morte, restou a frente daquelas armas moscovitas sangrentas. O relato de Russell do ataque da Brigada Ligeira, e que foi rapidamente seguido pelo famoso poema de mesmo nome, do poeta laureado britânico Alfred Lord Tennyson, agitou as emoções

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"Me aproveitarei de qualquer oportunidade desse momento para pedir com fervor por uma firme e inabalável continuação da guerra". Winston Churchill

no âmbito interno e levou à retomada do apoio popular à guerra. Enquanto isso, porém, Russell continuava reportando as parcas condições dos soldados comuns, a quem ele denominava “pobres coitados miseráveis, exaustos e sem ânimo”. O governo negava que algo estava errado e tentou censurar os despachos do Times, afir-


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2 O conflito estabeleceu-se em outubro de 1899, entre o Reino Unido e os fundadores das repúblicas independentes de Transvaal e Orange, no nordeste da África do Sul. A Coroa britânica tentou anexá-las por serem ricas em jazidas de diamante, ouro e ferro. A região era ocupada desde 1830 pelos bôeres, que lutaram para preservar sua independência. A guerra terminou em maio de 1902.

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mando que eles ajudavam o inimigo. O cônjuge da rainha Victoria, Príncipe Albert, entrou na briga, reclamando abertamente e em alta voz do “detestável Times”. Um repórter amigo, Roger Fenton, foi enviado à Crimeia para fazer fotos “animadoras” de campos ordenados, portos repletos, oficiais, sorridentes e aliados felizes em compartilhar cigarros e bebidas. Fenton conseguiu mentir por omissão, e até mesmo sua melhor fotografia, “O Vale da Sombra da Morte” era falso, pretendendo mostrar o vale no qual a Brigada Ligeira havia atacado. Em vez disso, retratou um barranco absurdo e sujo com balas de canhão. Quando as fotografias de Fenton foram apresentadas ao público crédulo, era tarde demais para salvar o governo desacreditado do Primeiro Ministro Lorde Aberdeen. Seu substituto, Lord Palmerston, convidou Russell para almoçar após o correspondente ter retornado à Inglaterra em 1856. Ele sobressaltou o jornalista ao perguntar seriamente o que ele faria se fosse o Comandante Chefe. Russell, sentindo-se muito requisitado, escreveu um livro sobre suas experiências na Guerra da Crimeia e deu início a uma série de palestras com grande audiência. Mais tarde, foi condecorado pelo sucessor da Rainha Victoria, o Rei Edward VII, que lhe disse como se fosse um tio: “Não se ajoelhe, Billy, apenas se incline”. Winston Churchill também ficou conhecido por seu trabalho como correspondente na África ao fim do século XIX. O aristocrata ingressou no Exército Britânico em 1894 e serviu na Índia, onde escreveu para o jornal London Morning Post em seu tempo livre. Anos depois, ele foi para a África do Sul cobrir a recém-iniciada Segunda Guerra dos Bôeres2. Ao ser interceptado por comandantes bôeres a caminho do front, Churchill não foi baleado por pouco. Aprisionado em uma cela na cidade de Pretória, atual Tshwane, ele conseguiu escapar algum tempo depois, e percorreu cerca de 482 quilômetros em terras hostis até chegar à capital de Mo-

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çambique, onde enviou um forte relato ao Morning Post: “Estou muito fraco, mas estou livre. Perdi vários quilos, mas estou ainda mais leve em meu coração. Também me aproveitarei de qualquer oportunidade desse momento para pedir com fervor por uma firme e inabalável continuação da guerra”. Sua fuga, e o livro que ele escreveu sobre o evento, “London to Ladysmith via Pretoria”, tornaram Churchill famoso e lançaram-no no caminho para se tornar, quatro décadas depois, o maior Primeiro Ministro da história moderna da Inglaterra.

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III. 3. Censura nas Guerras Mundiais Em sua publicação, Morris Jr. destaca também a forte censura exercida pelos Estados Unidos e os aliados ocidentais sobre a imprensa durante a Primeira Guerra Mundial. O trabalho dos correspondentes deixou de ser um “romântico passeio a cavalo” rumo à linha de frente e se tornou uma incessante disputa com burocratas do exército. Lorde Kitchener, que estava no comando das Forças Armadas britânicas, já detestava jornalistas há muito tempo — chamava-os de ‘bêbados desajeitados’ —, desde sua experiência infeliz com Winston Churchill em Omdurman. Ele estabeleceu um controle rígido de correspondentes, designando um ‘oficial condutor’ para cada jornalista, que viajava junto a ele, lia seus registros e dizia quando e onde ele poderia visitar o front. Além disso, ele ordenou que seria considerado criminoso aquele que fosse pego fotografando a guerra nas trincheiras, o que fez com que a Primeira Guerra Mundial se tornasse um dos grandes conflitos menos fotografados da história moderna. Quando as restrições não bastavam, o exército apelava para o senso de patriotismo dos correspondentes. O repórter Philip Gibbs, do London Daily Chronicle, lamentou: “Nós esvaziamos nossas mentes de qualquer possível furo e tentações de escrever sequer uma palavra que pudesse dificultar ou tornar perigoso o trabalho dos oficiais e soldados. Não havia necessidade de nos censurar. Nós éramos a nossa própria censura”. Isso fez com que Gibbs escrevesse o seguinte a respeito da Batalha do Somme, a derrota mais sangrenta da história da Inglaterra:


“Comparativamente, é um bom dia para a Inglaterra e para a França. É um dia de esperança nesta guerra”. O correspondente americano Richard Harding Davis recusou-se a trabalhar sob tão humilhantes limitações. Após correr para a guerra a tempo de ver as primeiras tropas alemãs chegarem à Bruxelas em 1914, Davis foi preso por soldados alemães que encontraram em seu bolso uma foto que mostrava-o vestindo um uniforme militar britânico. Teriam-lhe dito: “Está claro que você é um oficial da Inglaterra à paisana, trazido para dentro de nossas linhas. Já sabe o que isso significa”. Davis foi poupado da execução imediata, mas foi obrigado a andar aproximadamente 80 quilômetros com um joelho ferido, até a retaguarda. O tratamento que recebeu dos ingleses e franceses foi menos brutal, mas não menos frustrante. Impedido de visitar as linhas de fren-

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ "Não havia necessidade de nos censurar. Nós éramos a nossa própria censura". Philip Gibbs

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te, Davis acabou voltando para casa, afirmando com desgosto que “os dias de correspondente de guerra acabaram. Não vou escrever sobre coisas irrelevantes”. Quando os Estados Unidos entraram na guerra em 1917, o general John J. Pershing, comandante das Forças Expedicionárias Aliadas, instituiu uma censura parecida aos jornalistas americanos. O correspondente pró-britânico Frederick Palmer foi contratado por Pershing para supervisionar seus colegas americanos como parte do Departamento de Inteligência G-2 do exército. Sob a gestão de Palmer, todas as reportagens eram lidas e censuradas antes de serem enviadas aos Estados Unidos. Em uma ocasião particularmente absurda, segundo Morris Jr., uma notícia de que ci-

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dadãos franceses haviam presenteado americanos com garrafas de vinho como forma de agradecimento foi impedida de circular, pois “sugeria uma indulgência ao álcool por parte dos americanos, que poderia ofender campanhas de sobriedade nos Estados Unidos”. Palmers censurou até relatórios de gastos dos jornalistas. O repórter do jornal Chicago Tribune, Floyd Gibbons, violou as restrições de Palmer a respeito de viagens até o front e pagou um preço alto por isso, sendo metralhado por forças alemãs enquanto 70


O correspondente de guerra Floyd Gibbons (à esquerda) e o tenente Nicholas McDonald, da cidade de Chicago, cumprimentando-se. Alemanha, 1919. (Disponível no arquivo virtual público do fotógrafo e pesquisador Harry Kidd)

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acompanhava um pelotão de fuzileiros navais, que atravessava um campo aberto na floresta de Belleau, na França, em junho de 1918. Gibbons sobreviveu ao ataque, mas perdeu um olho. Dali em diante, passou a usar um tapa-olho que se tornou sua marca registrada. Quando outro exército americano aterrissou em solo francês, em junho de 1944, as limitações à imprensa haviam diminuído consideravelmente. Reconhecendo que o país estava lutando pela própria existência, o comandante supremo das Forças Aliadas,

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Dwight Eisenhower, ordenou que seus oficiais prestassem todo o apoio necessário aos correspondentes credenciados. “Eles devem poder falar livremente com oficiais e soldados e observar as máquinas de guerra em ação, de forma que possam visualizar e transmitir ao público as condições sob as quais os homens de seus países estão lutando contra seus inimigos”, orientou Eisenhower. Contando com essa cooperação, a maioria dos correspondentes optou por manter-se próxima aos quartéis, satisfeita em dar aos

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Em tradução livre: "'Mantenham-os voando' é a saudação de Hollywood à Força Aérea Americana". Imagem exibida em um dos jornais cinematográficos ("newsreels") transmitidos em salas de cinema nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, em 1941. Vídeo disponível no site YouTube, pelo canal Full War Movies.

leitores a ‘visão geral’. O famoso escritor Ernest Hemingway recebeu um jipe e um motorista exclusivos para circular pela França, onde ele reportou suas próprias desventuras junto a um grupo ‘altamente irregular’ de membros da resistência francesa. O correspondente mais célebre da Segunda Guerra Mundial, de acordo com Morris Jr., seguiu o caminho oposto. Ernie Pyle,


\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ "Homens mortos no inverno e homens mortos no verão. Homens mortos em uma infinidade tão monstruosa que se tornam monótonos". Ernie Pyle

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cujos textos circulavam em 300 jornais diários e outros 10.000 semanais, concentrou-se em soldados individualmente, os “anônimos e lamacentos” que passavam pela Europa um passo de cada vez. “Eu amo a infantaria porque eles são os explorados”, escreveu. “Eles sãos os garotos da lama, da chuva, do gelo e do vento. Eles não têm conforto, e até aprendem a viver sem coisas que são necessárias. E no fim das contas, eles são os ‘caras’ sem os quais as guerras não podem ser vencidas”. O jornalista passou a ser uma presença comum nas trincheiras frias da Europa ocidental, partilhando sua comida e cigarros e escrevendo sobre a guerra da perspectiva humilde de um homem alistado. Eventualmente, a identificação de Pyle com os soldados que sofriam surtiu um efeito em sua saúde, e ele acabou voltando para os Estados Unidos para um descanso necessário. Ele observou: “Se eu ouvisse mais um tiro ou visse mais um homem morto, eu enlouqueceria de vez”. Pressionado a reportar os soldados e fuzileiros navais que garantiam bases americanas em pequenas ilhas no Oceano Pacífico, Pyle voltou receoso à ativa, apesar de ter o pressentimento de que iria morrer. No dia 18 de abril de 1945, na ilha de Iejima, poucas semanas antes do fim da guerra, a bala de uma metralhadora japonesa atingiu-o na cabeça, tornando Pyle um dos 37 jornalistas americanos a morrer na Segunda Guerra Mundial. Seu último texto foi encontrado em um papel amassado no seu bolso, e dizia: “Homens mortos no inverno e homens mortos no verão. Homens mortos em uma infinidade tão monstruosa que se tornam monótonos”.

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III. 4. Tecnologia de Comunicação O jornalista americano Robert Siegel, ex-apresentador do noticiário All Things Considered, da National Public Radio (NPR), narrou uma transmissão publicada no dia 28 de março de 2003 no portal online da NPR sobre a história do Jornalismo de guerra. O programa de rádio abordou, principalmente, o uso de recursos tecnológicos na prática jornalística durante a cobertura de guerras. O radialista traça um paralelo entre as tecnologias de comunicação da época — os Estados Unidos estavam em guerra com o Iraque — e do período da Segunda Guerra Mundial. “Nas últimas semanas, tivemos muitas reportagens ao vivo das linhas de frente no Iraque. Isso reflete uma combinação de acesso, já que o Pentágono tem repórteres embutidos nas unidades militares, e tecnologia. Equipamentos leves de áudio e vídeo emitem vozes e imagens digitalizadas para satélites e, então, de volta para nós. A distância entre a guerra e os lares foi apagada, e como disse o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld em uma reunião nesta semana, ‘nós fomos longe’”, afirmou.

Correspondentes

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"As reportagens feitas hoje em campos de batalha são a visão mais imediata da guerra que as pessoas em casa jamais tiveram". Robert Siegel

Para ilustrar o avanço da tecnologia de comunicação, Siegel insere na transmissão uma fala gravada do então Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, sobre a Segunda Guerra Mundial. “Na Segunda Guerra, não tinha televisão. As pessoas iam ao cinema porque, no começo do filme, transmitiam um ‘trailer’ de quinze minutos mostrando o que aconteceu não


O jornalista Michael Ware fazendo anotações enquanto cobria a invasão americana ao Iraque para a revista Time. Bagdá, 2003. Foto disponível no site da National Public Radio (NPR). (Foto: Franco Pagetti)

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no dia anterior, nem naquele exato momento, mas um resumo das notícias da semana a respeito da guerra”, dissera Rumsfeld. Siegel destaca que o que o Rumsfeld chamou de “trailers” eram, na verdade, jornais cinematográficos. Conseguir reportagens direto do front na Segunda Guerra era difícil, perigoso, e não era recomendado, além de ser um processo lento. Apesar de a tecnologia ter “transmitido uma guerra ao vivo” em 1991, segundo Siegel, ainda foi necessário um telefone com fio para aproximar o público da realidade de Bagdá durante o início da Guerra do Golfo. Doze anos depois, em 2003, o radialista constatou a chegada em tempo real de sons e imagens em qualidade superior. “Algumas pessoas dizem que tudo isso é um zoom vívido e desconexo em coisas que só podem ser avaliadas de longe, mas independentemente de seus defeitos, as reportagens feitas hoje em campos de batalha são a visão mais imediata da guerra que as pessoas em casa jamais tiveram”, concluiu.

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Conclusão

I ndependentemente da vividez do zoom ou da desconexão entre

CorreSPondenteS

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as imagens de guerras exibidas em 2003, a prática e a função social do jornalismo de guerra se mantêm tão viva hoje quanto era há 15 anos. Seria impossível atestar de fato, mas é correto supor que nenhum repórter que vai à guerra alcança o front pensando na morte. Caso o faça, tal pensamento não ofusca a busca pela informação, pela história, pelos fatos. Não existe um manual de recomendações para o jornalismo de guerra. Com sorte, jamais existirá. A reportagem de conflitos é árdua, principalmente para quem produz, mas também para quem lê, ouve e assiste. A ida à guerra não deveria ser uma ambição profissional. Porém, assim como para todas as outras situações que permeiam a vida em sociedade, o jornalismo estará lá, atuante para quem ou o quê for preciso.

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Referências

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