Coração Desavesso

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Pedro VinĂ­cius




Trabalho de Conclusão de Curso 2017.2 Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza - Unifor Centro de Comunicação e Gestão (CCG) Diretora do CCG Profa. Candice Nobrega Coordenador do Curso de Jornalismo Prof. Wagner Borges Texto Pedro Vinícius Fotografia Pedro Vinícius Capa Pedro Vinícius Orientadora Profa. Ana Paula Farias Projeto gráfico e diagramação Ravelle Gadelha Revisão Andrezza Albuquerque Impressão Gráfica da Unifor


Pedro VinĂ­cius

Fortaleza 2017


Sumário Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06 Meu primeiro amor tinha brinco na orelha . . . . . . 09 Carta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 O meu não . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 O engasgo da coragem . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Voinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Por favor né, mãe? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Tias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Quando me percebi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 4


Saudade ou nostalgia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Te levo pra mim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 Meu pé de feijão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 Primeiro beijo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Primeiro encontro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 Lembrar pra esquecer . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Minha menina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Homofobia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Volta pra casa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Desejo de encontro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Partida. Silêncio. Memórias. . . . . . . . . . . . . . . 75 O show . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

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Prefácio

E

u me chamo Pedro Vinícius. E minha mãe fez, e ainda faz, questão de dizer para todo mundo que nunca fui uma criança “boboca”. Disse ela várias e várias vezes às minhas tias, nas reuniões da época de escola, disse às amigas, e assim por diante. Ela percebia em mim inconscientemente aquilo que só percebi anos depois. E, claro, eu sempre fui tudo isso tudo mesmo, e também fui o que ela não queria que eu fosse. Nesses 24 anos tracei meus próprios caminhos, aprendi a viver bem comigo e todas as questões que me implicam. E perduram até os dias de hoje... Sempre gostei de conversar, me interessava por arte, dança, e minhas maiores amizades sempre foram femininas. Isso bastava para ser diferente na minha época e ainda hoje. Nunca me importei tanto com o que diziam de mim. Eu fazia o que gostava e assim fui. Às vezes mais, às vezes menos, encontrei, confrontei e abracei aquilo que sou. Olhei pra mim e achei esse monte de histórias guardadas que me ajudaram a resignificar certas coisas e botar pra fora outras. Sempre com um olhar de ternura e resiliência, me derramei para você que vai ler e para mim mesmo. Chorei, sorri, gargalhei, sofri e lembrei. O Pedro de hoje não é mais o mesmo, nem tão pouco alcançou o esclarecimento de tudo. Qual graça teria viver assim, afinal? Neste livro 6


está o melhor de mim, aquilo que nasci para ser e todas suas batalhas impostas pela sociedade machista e, principalmente, por mim mesmo. Por essas páginas passaram amores arrebatadores, corações partidos com lágrimas e choro descontrolado. Coração que ama e vê beleza nas pequenas coisas à la Amelié Poulain. Também passaram saudades que arrancam pedaços, lugares e experiências nunca antes permitidas, pessoas marcantes e nem tão marcantes assim. Familiares e a maneira como me marcaram em certos momentos dessa ainda pequena vida. Avesso é contrário, não aparente, o “lado errado” que aprendi e encarnei como realmente a palavra diz. Aquilo que sou. Não sou mais errado. Hoje sou desavessado, a mostra, a vista. Tudo que trago comigo. Entre, vamos conversar e principalmente ser corações assim. Desavessados. Aqui está o meu sim que dei para a vida me fazer feliz! Espero que essas crônicas te inspirem e te joguem na alma respeito e empatia. Por falar nisso, algumas crônicas estão acompanhadas de mensagens cuidadosamente escolhidas para transmitir amor para você e para quem mais você quiser mostrar este livro. Pois é só isso que desejo. Amar.

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Meu primeiro amor tinha brinco na orelha

M

inha avó morava na casa ao lado desde que me entendia por gente, seu quintal era literalmente o quintal da minha casa e ficava ao lado da janela do meu quarto. Um pessoal que trabalhava perto da nossa casa sempre almoçava na casa dela, como se lá fosse um restaurante. Muitos deles tratavam minha avó como família, e vice-versa. Um deles era Cláudio, acho eu que seu nome era esse. Ele era uma mistura de Rick Martin com Miguel Falabella e eu gostava muito dele. Em meio a esses almoços estava eu, com meus 4 ou 5 anos. Conversando com todo mundo, nunca fui criança boba ou tímida. Sempre muito despachado, jogava perguntas pra todo mundo. “Com o que vocês trabalham? Quantos anos vocês têm? Porque você usa brinco, Cláudio? Doeu muito quando você furou?” E assim nascia minha primeira paixão da infância, que só fui perceber com meus 20 anos. Ele era aquela pessoa que eu gostava de conversar, aquele cabelo loiro e aquele olho azul me fascinavam. O ideal de beleza da época. Hoje prefiro umas belezas mais normais, não tão gregas assim. Engraçado como certas coisas criam memórias na gente... Meu eu de 15 anos, num ato de rebeldia adolescente e incentivado por umas amigas, na cadeira de um estúdio mequetrefe de piercings e 9


tatuagens. Um clique muito parecido com grampeador de papel e voilá. Doeu. Cheguei em casa de brinco. E foi aquele estardalhaço. Fiquei de castigo e ouvi tudo o que pais muito conservadores gostam de dizer. Lavei a louça aquele dia, parte do castigo, com a dor latejante da minha orelha e a memória de Cláudio sorrindo na minha cabeça. Agora mais parte de mim.

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Mural de frases ixa : você de im s s a É ssóis, rocura ando gira nte não p t e n g la a p r i o a r Am , se dist io aberta e m riar" a t r o ap ra contra o d a le E a e ele entr

breu

do A n a n r e F aio

C

O amor não tem amor ac opção se ontece" xual O

desconhAutor ecido A magia, a maravilha, o mistério e a inocência do coração de uma criança são as sementes de criatividade que vão curar o mundo Acredito nisso!"

Michael Jackson 11


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Carta

V

ai passar, menino Pedro. Esse choro da madruga, mais um, vai passar. Você vai mudar, mas isso que você tanto deseja não. Felizmente. Um dia você vai sentir orgulho. Sua adolescência e a maneira como foi criado não te deixam entender agora. Amanhã é outro dia e você vai achar pessoas para contar seu maior segredo, em meio ao seu nervosismo eles vão dizer que te amam da mesma forma e estão contigo nessa. Sua decisão hoje é sã. A melhor hora ainda não chegou e está longe. Nos seus 23 anos você vai entender. Agora, aí deitado na cama chorando e pedindo a Deus forças pra continuar, só respire. A vida não acaba hoje, ela tá só começando. Sei que é pesado e o fardo é maior que você as vezes. Acredita em mim, eu já senti o que você está sentindo. Eu sei dessa dor insaciável. Calma. Você vai fazer um caminho diferente da maioria de nós, mas ainda assim vai chegar lá. Muitos também optaram por este caminho. A vida começa quando você consegue olhar para si e aceitar aquilo que se tem. Quando tu perceber o universo dentro de ti a gente vai se entender. E a vida também vai te entender melhor. Te garanto que você vai encontrar muita gente boa por aí. Você sabe escolher bem quem quer por perto. Seu instinto de sobrevivência vai te ajudar e o amor de muitos amigos 13


lhe serão luz quando tudo que você vê for escuridão. Tenha fé. Seja um garoto de fé. Você sabe que isso também faz parte da sua essência. Não desista de si, nem faça nenhuma besteira por sentir. Nossa hora chegou, Pedro. Tô aqui nessa grande pequena vida de adulto te esperando, rapaz. É hora de voar. Uma batida de asa por vez. A gente consegue junto. Você vai conhecer um amor e vai ser feliz sendo quem você é junto dele, quando você andar de mãos dadas com ele a primeira vez, vai saber que é a coisa certa. Tu vai ver. Porque demorei tanto tempo? E assim como ele chegou, sem muitos porquês, ele também vai embora. Você vai ficar triste. Tanto quanto agora. Seu choro mais recente não foi como o de hoje, mas serviu pra começar de novo com mais maturidade e consciência. Você terá orgulho de si mesmo. E ainda há tanto a se viver. A melhor junção de nós dois daqui em diante. Pode ser?

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Mural de frases

ti, Primeiro ignoram-te, depois riem de depois atacam-te e no fim tu vences"

Mahatma Gandhi

Depois da te

mpestade v em

Katy Perry

o arco-íris"

, "Firework"

Vai ser fe liz, porq é eterna" ue nenh uma dor

Alexand Guimarãre es

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O meu não

N

ão fala essa gíria porque ela é coisa de viado. Não usa essa roupa. Não olha pra esse menino que tá te analisando desde que você entrou na sala de aula. Não alimenta. Não faz isso, as pessoas vão pensar que você é gay. Não saia com seus amigos da faculdade, porque você sabe o que acontece lá, não é? Você já viu e ouviu. Não assiste esse seriado onde tem personagens gays, eles vão te influenciar, e para de ouvir Anitta dentro do ônibus. Entra cada vez mais dentro de ti e olha para quem você é, quem você quer ser? O que seus pais vão pensar? Seus tios, seus avós? Você quer dar esse desgosto para todos eles? Você sabe que sua mãe nunca aceitaria. Para de dar pinta. Todo mundo olha pra você. Tenta gostar daquela menina do vôlei, ela é bonita e pode ser que fique a fim de você. Não tenha desejos pelos seus amigos de sala, ou pelos garotos mais bonitos da escola. Namore uma menina, talvez tudo que você sente passe. Vá para a missa. Se confesse. Diga para o padre todos esses seus pecados. Se aproxime de Deus pra que ele tire isso da sua vida. Será que o PV é gay? Todo mundo comenta sobre ele, Isa. Eu tenho pena. Ele é nosso amigo, mas não tenho coragem de perguntar. Nem eu. Porque você só tem amiga mulher? Porque elas gostam de conversar. RBD é 17


coisa de baitola. Porque tu só joga o jogo dos Power Rangers com a rosa? Escolhe o sub-zero, ao invés de escolher sempre a Kittana. Não assiste o desenho das 3 Espiãs Demais, nem os filmes da Barbie quando passarem na Sessão da Tarde. E para de jogar aquele jogo no computador onde você monta as bonecas com roupa. Não escuta Rouge, não pode dançar Ragatanga nem as coreografias das músicas delas. Não brinca de boneca com sua prima. Não usa o gloss das suas tias enquanto elas tão no trabalho. Mãe, eu quero esse caderno do Mickey pra esse ano na escola. Esse menino dança demais. Cuidado, viu? Esse menino é muito afrescalhado. Parece que pegaram o pai dele e encolheram, como pode ser tão parecido? O enxoval dele vai ser todo na cor salmão. Quando eu tiver um filho o nome dele vai ser Pedro, eu amo esse nome.

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Mural de frases a coisa da qual a Não tem fuga quando ro da gente" gente foge mora dent

Daniel Bovolento

Você p ode so não é breviv vida" er, ma s sobr evivên cia

Osho

A verdadeira violência, a violência que eu percebi que era indesculpável, é a violência que fazemos com nós mesmos, quando temos medo de ser quem realmente somos"

Sense8

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O engasgo da coragem

A

ntes tudo parecia meio turvo, opaco, preto e branco. Meu eu disperso se atirava cada vez mais nesse lugar enquanto tudo dizia o contrário. O mais profundo de mim ainda queria viver. E sobreviveu ao bullying na escola por não se encaixar na caixinha masculina, que gosta de futebol, brinca de carrinho e só tem amigos homens.Ao comentário dos almoços de família que hoje não me doem mais. Esse aí parece que não gosta do “mulherio”. Sobrevivi sem saber o que estava fazendo, ou talvez eu não estivesse fazendo nada. O problema era os outros. Injusto isso. Eu só queria ser “normal”. Ser eu mesmo. Encontrei na religião um ombro onde apoiar, e por consequência ajudaria nesse encontro. E lá eu era Pedro. Gente. Um ser humano. Tão gente que percebi o quão maior eu era. Falo de essência. E nesse lugar só uma parte de mim era permitida, a outra não. E ai de mim se aquilo viesse à tona. Muitas orações foram feitas. Muita gente gastou seu tempo por mim. Mas nada mudava. Nada muda aquilo que já nasceu com a gente. Minha mais sublime verdade. Aceitação mais difícil talvez não exista. Pois não é como a aceitação da morte ou de alguma doença, nessas muitas vezes existe um fim próximo. Falo dessas porque no senso comum são vistas 21


como as piores. E a minha não. A minha era pra viver. Olhar em volta e principalmente para dentro de mim. Aceitar uma coisa onde tudo a volta – desde que mundo é mundo – dizia não e não. Não sei quando a explosão aconteceu. Tive que tirar coragem dos amigos que já tinham passado por isso. Das séries de TV que via escondido sozinho no quarto. A coragem muitas vezes é algo que se constrói. E quando você vê, ela está lá. Pronta. Um fio infinito de si desenrolado. Soltou-se e caiu direto do coração. Pulou pra vida. Seguro de uma coragem que nunca achei que existiria. Sobrevivi a mim mesmo. Eu dizia. Aprendi a ser sincero. Sobrevivi do engasgo de não viver aquilo que me foi dado. Sobrevivi por mim. Para depois sobreviver por outros que ainda vivem sem permissão. E hoje vivo.

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Mural de frases Você pr ecisa sa pra rec ber que onhece m você r quem é de ver é de me dade, ntira"

Guilhe

rme Pin

tto

Pés para que os quero, se tenho asas para voar?"

Frida Kahlo Pra começa r, cada coisa em seu luga como um d r e nada ia após o ou tro"

Tiago Iorc 23


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Voinha

E

ra sábado e fui almoçar na minha avó, meus pais viajavam e nessas horas as avós assumem o papel de cuidar de nós. Sempre foi assim, desde criança. Voinha me criou. Liguei pra ela e disse que ia almoçar lá, na minha casa já tinha acabado o estoque de comida que mamãe tinha deixado pra gente sobreviver esses dias sem ela. Vó, o almoço já tá pronto? Sim. Tá bom, bota mais um prato na mesa, vou levar um amigo meu pra almoçar aí também. Era meu namorado. Ex-namorado hoje em dia. Eu e meu tato com os mais velhos. Tudo aconteceu normalmente como deveria ter acontecido. Eles se deram bem. Obrigado, universo. Como não se dar bem com a minha avó? Só uma pessoa muito ruim, e ele não era uma pessoa ruim. No outro dia almocei de novo na casa dela. Eu e meu irmão. Pedro, gostei daquele menino. Ele tem umas pernas grossas, né? A batata da perna dele ó, dá gosto de ver. Eu amo a vó e sua espontaneidade. Meio tenso, eu ri do comentário. Como é o nome dele mesmo? Gabriel? Gustavo, vó. Quando minha mãe voltou da viagem elas conversaram sobre esse almoço. Muito amigas, elas sempre contam tudo uma para a outra. Dias depois minha mãe comenta. Sua avó falou que você levou seu “amigo” 25


pra almoçar lá. “Amigo” era a forma dela de aliviar a situação. Pra não dizer namorado. Na cabeça dela uma palavra mais forte que trazia a realidade existente. Ela já sabia de tudo e quem era ele, não sei pra que esse polimento com as palavras. Mas respeitava. Sim, levei. Ele dormiu aqui? Não, só veio pegar umas coisas aí aproveitamos e almoçamos na voinha. Ok. Minha avó ainda não sabia de nada. As vezes é mais difícil contar certas coisas pra pessoas mais próximas do que pra colegas de trabalho ou estranhos. E minha avó era uma dessas pessoas. Uma pessoa bem próxima. Meu medo de um laço feito a vida toda desatar era grande. Desci. E fui pra cozinha. Mãe, a vó já sabe de tudo? Sabe de mim? Claro que sabe, meu filho, eu conto tudo pra ela. E o que ela disse? O que ela acha disso tudo? Ela num acha nada, pra ela é a mesma coisa e ela te ama cada vez mais, um amor muito grande. Alívio. Voltei pro meu quarto com lágrimas nos olhos. Queria abraçar minha avó. E abracei dias depois. Sem dizer nada sobre isso. Meu coração já dizia tudo. Gratidão pela mulher que era, gratidão pela criação que me deu, gratidão pela aceitação. Ela já sabia de tudo, afinal.

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Mural de frases Mãe, termo usado para designar um coração capaz de amar infinitamente É sentir por dois, sorrir por dois, sofrer por dois é dar o melhor de si, duas vezes É aquela que cura com um abraço Que sara machucado com um beijo É aquela que deu (à luz) amor"

João Doederlein

alquer em qu , s res o c i ág s sabo m o o a t ã l s o de v Avós trazem s e l e o temp ncia" da infâ

Autor

do

heci n o c s e d

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Por favor né, mãe?

Q

uem é essa pessoa aqui nessas fotos com você? Tá muito estranho. Não quero falar sobre essa pessoa agora, mãe. Quero falar de mim. Assim iniciou um dia que nunca vou esquecer. Na época eu namorava pela primeira vez, logo depois de ter saído do armário pra amigos e alguns familiares mais chegados. Nunca planejei como seria contar pros meus pais e meu irmão essa novidade que carreguei a vida toda. Aconteceu. Troquei de celular e esqueci de apagar nossas fotos do celular antigo que era do meu pai. Ele viu e mostrou pra minha mãe. Como ele nunca foi de conversar comigo, ela que veio falar, depois de cochichar muito com ele, e eu no andar de cima agonizando de nervoso. Tinha chegado a hora. Já pensava em mil e uma possibilidades. Eles não falarem mais comigo. Eu apanhar. Ser expulso de casa? Rejeição era só o que me vinha à mente. Conversei com ela. Devia estar pálido, mas com calma e paciência as palavras foram saindo e tudo foi sendo explicado. Toda a minha vida ali, em 20 minutos de conversa. Um resumo autobiográfico de alguém que minha mãe disse nunca ter percebido. Por favor né, mãe? Meu irmão de 14 anos já chegou pra mim e perguntou se eu era gay e a senhora convivendo 23 29


anos comigo nunca percebeu nada? Nunca percebi nada, disse ela. E muito mais coisa ela disse. Muito católica, falou que isso era coisa do demônio e que nunca entenderia, mas que não ia me expulsar de casa. Mas eu era sim uma decepção pra ela e pro meu pai. Menos mal, pensei. Nem que ia me bater nem nada do que eu estava esperando. Não posso fazer nada. Nessas horas acho que o melhor é ambos entenderem um ao outro. Eu, como filho, entender que existe ali outra geração. E vice-versa, não somos obrigados a entender, aceitar ou decidir nada por ninguém. Respeito deve ser o carro chefe. Logo após essa conversa o resto da família inteira já soube. Ela contou para as irmãs que por consequência disseram para os outros. Recebi muitas mensagens de familiares dizendo que nada iria mudar, e que estávamos juntos nessa. Alívio e lágrimas brotavam de mim. Minhas tias disseram que iam ajudar minha mãe. A mais velha de todas, ou seja, a mais cabeça dura e a mais preconceituosa. Foi difícil no começo. Uma semana sem olhar na minha cara direito. Um mês depois já estava menos mal. Dois meses e tudo voltou ao que era. Acho que ela percebeu que eu não ia virar cabeleireiro ou deixar o cabelo crescer. Esses eram os estereótipos na cabeça dela. Eu continuava seguindo a vida, só que menos preso, agora sim eles conheciam grande parte de mim. Paciência era meu nome toda vez que ela não me tratava como sempre tratou. Poucas palavras. Eu entendia e esperava.

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Mural de frases e os com o qu im s s a o t o go s t an e que nã t reocupe n p e e g s o m ã e N g r a d ar o cê S e t que vai a lam de v o fa s m s o r e t u m o a ch a z a , vo c ê ta de piz nd o ? " todo mu

rtão" a C m U " , rique n e H o r d Pe Minha m aior aleg de recon ria no p hecer m rocesso eu filho me torn gay foi q ei uma p ue essoa m elhor"

Edith M

odesto

Mas é uma questão de bom senso, de inteligência, de boa educação, de amor ao próximo e de não julgarmos as pessoas, de nos colocarmos no lugar do outro"

Raquel Gomes 31


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Tias

T

enho outras mães além daquela que me fez nascer. Tenho voinha que me criou. E tenho mais 4 tias, irmãs de minha mãe. Juntas elas são filhas de Dona Heloísa. E juntas elas são mães por tabela de todos. Nasceram com alma pra cuidar de gente. São todas professoras. Umas mais e outras menos, mas são. Ensinam o viver de formas diferentes e amam com paixão. Como Carmem, quarta menina da família. Tem o dom da autoridade e muitos sonhos ainda a realizar de mãos dadas com a vida. Passou por meus olhos de criança como a tia chata a quem se recorre quando precisava de pulso firme. Me fazia comer de um tudo, até o que eu não queria. E me ensinou a pintar com lápis de cor. Olha, Pedro, se tu começar num sentido, tens que continuar sempre nesse sentido. Não pode pintar na diagonal um desenho que começou a pintar na horizontal, entende? Ela com certeza não lembra disso. Eu lembro sempre.Tia Carmem foi mãe de minha mãe inúmeras vezes. Mesmo com 10 anos de diferença. Ajudou, aconselhou, chorou, deu bronca. Essa tem alma de psicóloga antiética. Sem papas na língua, mas muito paciência. Respeito antes de decretar o certo ou errado. – Estamos juntos nessa, como família. Vamos ajudar sua mãe. A cabeça dela é muito fechada, não sei como ela tá aguentando tão bem essa 33


barra sozinha. E você tenha calma. E continuou: – Eu sei que você se sente livre agora, tirou quilos das costas, mas sua mãe está sofrendo. Conselhos de mãe, amiga, defensora. Esperança de dias melhores. Contrapartida a todo esse amor e zelo tem também Tia Cora, alma impetuosa que faz e diz o que der na telha. Mãe de 4 meninas, não lhe sobrou mais tempo pra nada. Tinha 3 anos de idade quando fui pajem em seu casamento. Levei algo significativo a união. Coisa que ela nunca soube administrar muito bem. Quando soube a notícia que eu era “bixa” fez um escarcéu. Passei em questão de minutos de sobrinho que ela mais amava ao que ela menos queria por perto. Como um menino tão lindo daquele é viado? Não acredito nisso, sem vergonha, é isso que ele é. Tia Cora tem amor fraco demais. Aonde já se viu deixar de amar alguém assim tão rápido? Nunca entendi. Mas essas reações são comuns pra ela. Logo passa. Acostumamos. Hoje nosso abraço não é o mesmo. Nossas conversas não passam de cumprimentos e risadas em almoços familiares. Tem gente que não sabe administrar certas coisas, não a culpo por isso. Não a culpo por nada. Cada ato de preconceito transformei em força pra continuar. Com ela aprendi a procurar mais de mim. Hoje não tenho mais tia preferida. Todas preenchem um espaço enorme juntas. Mas tia Camila com certeza ganhou o título de minha amiga. A idade mais próxima da minha também ajudou. Filha caçula e seu espírito sempre jovem com alma de carinho fizeram dela a estrela da família. Os domingos de almoço na casa da vó não são os mesmos sem ela. Dona de uma gargalhada expressiva, tia Camila é sentimento a flor da pele que transborda nos olhos. A mais emotiva e racional ao mesmo tempo. – Pedro, eu sempre soube no meu coração, mas nunca quis dizer nada, pois estava esperando seu tempo. Mas eu sempre soube, e não acho errado, eu te amo da mesma forma. Pelo contrário, te acho mais lindo e inteligente e sempre falo bem de ti pra todo mundo. Conte comigo viu, a gente já tá cuidando da sua mãe. Ela acabou de me ligar e contar tudo, ela não tá bem. Tenha cuidado. 34


Ouvir de sua boca que ela estaria comigo desde o início foi aconchego. Somos tão parecidos, tão parecidos que ninguém imagina que brigávamos muito quando eu era criança e ela adolescente. Batíamos muita boca porque sempre fomos muito linguarudos. Essa com certeza é uma palavra que nos define muito bem. Camila, a linguaruda. Não consigo te chamar de tia porque ultrapassamos esse limite e esse título tu tens, e além disso tem outros em minha vida. Vejo todo amor que tens em tudo que faz. Te amo um tanto bem grande que nunca imaginei que seria. Você me ensinou que o amor prevalece em tempos escuros, a gente tem só que abrir os olhos para enxergar. Também tenho Tia Carolina. O primeiro ser humano que tive preferência na vida. Quando tomei consciência de mim, ela esteve sempre no topo de alguém que eu amava. A gente brincava de competição de arroto. E quem arrotasse mais alto ganhava. Vai, Pedro, tua vez. Não lembro quem ganhava, porque o mais importante era estarmos juntos. Sempre assim. Ela me carregou nos braços e me mimou com lembrancinhas de aniversários da escola em que trabalhava, e um boneco do Mickey que chorei pra ter quando tinha 5 ou 6 anos. Guardo até hoje na memória e no fundo do guarda roupa ele já velhinho. Tia Carol, me marcou com seu silêncio de bondade. Nunca deu uma palavra comigo sobre o meu assunto. Talvez já soubesse também, por sempre termos sido tão próximos. Ou foi a vida que lhe trouxe “problemas” maiores que esse. Um câncer. Seu maior trunfo de vida. Guerrear com a morte eminente. Silêncio. Compreensão. Vai, Pedro, tua vez de guerrear. Guerrear com a vida, com o amor. É isso que ouço toda vez que estamos juntos. Nela encontro o conselho pra viver.

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Quando me percebi

F

oi numa sexta, no final de expediente do trabalho, que eu percebi. Enquanto tirava foto com uma coroa de flores na cabeça e mandava pro meu namorado. Olha eu aqui já aproveitando o carnaval da empresa. Mandei a foto pra compartilhar um momento enquanto um universo de coisas me atravessou. Eu finalmente percebi meu respirar sem a ajuda de aparelhos. Um monte de parafernálias que me fez viver durante muito tempo, bombeando ar nos meus pulmões, até que eu conseguisse fazer isso por conta própria. E aquele foi o momento. Era ali que eu percebia que estava caminhando com minhas próprias pernas. A energia gasta com a parafernália não existia mais. Eu era livre para ser. Em todos os espaços. E principalmente nos espaços dentro de mim. Muito a gente ouve na vida aquele conselho para todas as ocasiões. Seja você mesmo. E pra falar a verdade, nunca tinha dado chance a mim, nesses momentos várias máscaras eram postas. Cores, formatos. Tudo que me escondesse ao máximo, que com um simples olhar mais apurado era derrubado. Qualquer deslize era fatal. Por pouco eu era descoberto e logo era obrigado a juntar todos os caquinhos, colar e continuar usando aquilo. Uma máscara que só me permitia ser metade. Desse dia em diante não 37


as usava mais. Percebi. Com coragem consegui deixá-las de lado. Guardadas num armário muito precioso, onde guardo meu passado em uma série de gavetas e compartimentos secretos que só eu sei. Partes de mim do passado. Guardadas. E caramba. Caramba. Caramba. Queria poder dizer todos os palavrões pra expressar tudo que eu sinto hoje. Tudo que senti naquele dia quando percebi minha vida e quem eu era e poderia ser. Nada disso ajudaria alguém a entender um pouquinho do que quero dizer, infelizmente. Só sabe quem viveu e teve coragem de assumir o ônus e o bônus de ser quem se é, por inteiro, assumir aquilo que se tem é tornar-se decisão. Sozinho. Decisão una. Pra a vida imposta que acreditamos desde criança que existe, existe uma infinidade ali e acolá. Com sorrisos, cheiros inesquecíveis, sensações permitidas a quem se dispôs viver. Amigos fiéis que passaram por coisas semelhantes e vão te entender. A vida é respirada de outras formas quando se é tudo aquilo que se tem. Tudo aquilo que te carrega é teu. Aquilo que te deram guarde e aproveite o que te engrandece. Nada pode ser desperdiçado. Aquilo que não é usado um dia se degrada. O peso não me consome mais. A culpa cristã ou não já não é mais minha. Eu a recuso. Eu a abomino com todas as forças. Hoje ser gay é só mais uma das partes que me faz completo. Olhar para isso com cuidado me fez entender que não é grande coisa. Assim como gostar de pizza também não é, rir de coisas sem graça como se fossem os maiores comediantes da face da terra também. Características minhas, nada demais. Só eu.

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Mural de frases A Viver é a coisa mais rara do mundo maioria das pessoas apenas existe"

Oscar Wilde

Pois quand o, a gente se entrega pra a vida só no vida, s devolve co isas boas"

Projota

Beleza é estar con própria p fortável em sua ele É co n h aceitar q ecer e uem voc ê é"

Ellen De Generes

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Saudade ou nostalgia

S

audade guardada, é isso que teu rosto e teu toque re-significam em mim. Um grande amor se eterniza todos os dias em nós. A raiva não existe mais, se é que um dia existiu de verdade. Somos bons em esquecer. Mas nunca esqueceremos um ao outro. No começo é complicado, porque como diria Sandy “Como cortar pela raiz se já deu flor?” E ainda digo mais. Como cortar todo esse jardim que deixou em mim? Demora. A gente se contorce no chão com cada galho perdido, com cada raiz que para de crescer e cada fotossíntese não feita. Falta sol. Falta água. Coisas essenciais para a vida. A saudade é meio como as 4 estações – mais uma vez trago as músicas de Sandy – um ciclo que termina pra começar outro e outro e outro. A mesma coisa, só que diferente. Até a vida nos acostumar. Até não doer mais sempre que falo seu nome ou ouço notícias suas por alto. Você é minha maior saudade nesse momento. Não uma que me faz querer viver de novo. É mais como nostalgia. Dos tempos bons, das conversas. Éramos bons juntos. E nunca talvez exista um casal como a gente. Mas nem tudo que é bom é pra ser. Adeuses são necessários nessa vida. E o nosso demorou. E a gente descobriu isso. Aos pouquinhos fomos nos perdendo um no outro e em nós mesmos. Não reconhecimen41


to. Brigas além das habituais. Tu é muito chato. Tu que é insuportável. Chegaram e a gente ficava estranho. Será que deveríamos de verdade ficar juntos? Não estamos mais nos fazendo bem. Término. Saudades suas. Foi bonito do começo ao fim.

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Mural de frases o vou parar minha Dói muito, mas eu nã er a elhor que posso oferec não-desistência É o m omento" mim e a você neste m

Caio Fernando Abreu Quan ao red do a gente s e apaix or" ona es qu

Autor

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Eu tive que ir embora Eu estava cansada de deixar que você me fizesse sentir qualquer coisa menos que inteira"

Rupi Kaur 43


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Te levo pra mim

Q

uando a gente vai se ver de novo, foi nisso que eu pensei o dia inteiro e na vontade de te abraçar e perguntar como você está. E ouvir um soluço engasgado misturado de um tô bem e tu? Queria te encontrar no meio da rua sem pretensão nenhuma, a não ser aquela que o destino traçar. Queria te ver porque meu carinho ainda não foi embora e talvez nunca vá. Ele não vai. Com certeza não vai. Pensei e passei por caminhos que já fizemos juntos na rua, no shopping, nas calçadas, nos ônibus. Em todo lugar eu te via. E te vejo. Lembranças doces. Nunca amargas, as amargas eu vomitei e lá secaram no chão. Só te levo comigo como coisa boa. Te levo no cheiro, no cafuné, na comida dos seus gatos que você sempre esquecia de colocar, naquele sofá empoeirado da tua casa, na parede amarela do teu quarto e naquela prateleira que ameaçava cair toda vez que algum livro era colocado. Te levo naquelas manhãs de domingo que acordávamos tarde e tínhamos o corpo quente um do outro. Te levo no mirar, teu olhar que sempre viu mais do que eu mesmo via de mim. Te levo no cafuné e nesse cabelo lindo que eu adorava pegar e ficar enrolando. Te levo nessa tua pele escura parecida com a noite que adornava meu corpo cheio de estrelas, meus 45


sinais. Te levo no coração porque não sei mais onde te colocar, onde te eternizar mais. Te levo, menino, pra todo lugar. Por isso engulo todo desejo de te ver. Despejo, enxurro, sucumbo. Pois estás em mim e pra sempre há de estar.

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Mural de frases Vai, me u amor rasguei E não o as carta lha pra s, refiz trás Eu meu m já undo"

Daniel

Bovole

nto

Eu sempre te amarei, mas essa é a noite que eu escolho ir embora"

Sam Smith, "Midnight train" A sua estrad a é somente sua Outros acompanha podem -lo, mas nin guém pode andar por vo cê"

Rumi

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Meu pé de feijão

A

falta que a gente sente de quem amou é sem sentido. É esmagadora e pesa. Da mesma forma que a leveza vem, esse peso consome. Grita. Eu nem lembro de ti. O que mais me incomoda é a falta. Certos momentos que dividíamos. A intimidade de um amor. Tão simples e tão estranhamente complicado onde muitas vezes só amar não é suficiente. Me desculpe, mas não acredito nesse amor que por si só deve suprir todas as necessidades e deve ser o coração que bombeia tudo para um corpo. Acho que o contrário acontece. É preciso uma infinidade de coisas pra que o amor nasça. As primeiras conversas. Músicas que deixam aquela tatuagem na alma, que só quem amou consegue medir a importância. Os primeiros beijos, os abraços e momentos trocados. A paixão. Aquela vontade de ver a pessoa todo dia, onde só olhar pra ela basta. Recostar a cabeça no seu peito e ali querer ficar pra sempre. A reciprocidade. O namoro. As primeiras adequações de duas realidades que resolveram se juntar. Os primeiros meses onde tudo ainda parece um filme de comédia romântica. As primeiras brigas. O amor. Sentimento crescido. Cultivado como aquele pé de feijão que toda criança no jardim de infância tem que cuidar pra 49


viver. Precisa-se de água, luz do sol, e um ambiente favorável e a vontade da professora de fazer todas as crianças tomarem conta de suas plantinhas. As vezes é preciso de espaço maior. Aquele copo de plástico nem sempre é suficiente. E assim vai. Assim se cuida de um simples pé de feijão e também de um amor.

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Mural de frases ( ) farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas As vezes o amor que se dá pesa, quase como uma responsabilidade na pessoa que o recebe Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros se não o mínimo É uma forma de paz "

Clarice Lispector

s que Se vire " gue-o ção, se

tem minho um ca

cora-

o

out Ana C

de amor" Tudo que você precisa é

The Beatles 51


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Primeiro beijo

F

oi num começo de semana que eu decidi que beijaria um menino. Eu estava cansado de mim e do mesmo lenga-lenga. É exaustivo gastar tanta energia mantendo uma postura. Se policiando toda hora. Sendo tudo aquilo que queria que eu fosse, menos aquilo que era na real. Não desejo isso pra ninguém. E foi nisso que resolvi que a hora tinha chegado. Eu tinha algumas opções, mas a mais confiável era um amigo de faculdade que sempre jogava algumas indiretas pra mim. Sexta-feira eu ia sair e ia beijar a boca dele. No mesmo dia mandei um textão dizendo que correspondia todas aquelas indiretas dadas pessoalmente e no grupo do Whatsapp da galera da faculdade. Com a condição de ninguém saber até o devido momento. Relaxa, Pedro. Ninguém vai saber. Não era só o fato de eu beijar um menino que estava em questão. Tudo que eu era também. Quando se é gay, se é gay desde o fio de cabelo até a unha do pé. Acreditem. Não são só sentimentos. Envolve a forma de pensar, agir, ser alguém nesse planeta e todas essas coisas. O dia chegou e eu não pensava em outra coisa. O futuro e tudo que viria eu lidaria quando chegasse a hora. Uma coisa de cada vez. Primei53


ro o beijo, depois contar pra todo mundo, a família seria o mais complicado. Um passo de cada vez. Calma, Pedro. Eu estava cansado de mim. Não existe nada pior do que essa sensação. Não se pode fazer muita coisa. É você com você mesmo. A sensação que eu queria pra minha vida no momento era como a de vomitar. Não literalmente, claro. Eu queria botar pra fora aquilo. Afinal, quando se vomita, o corpo melhora e qualquer enfermidade vai embora. Foi extremamente estranho, posso dizer. Meninos tem barba e ele tinha muita barba. Como ele já sabia que eu queria, tínhamos andando meio caminho. Ele me puxou pela mão e fomos para um cantinho da festa onde tinha menos gente. Relaxa. Só relaxa. Estranho, porém bom. Umas peças do meu quebra-cabeça da vida finalmente começavam a se encaixar. O coração batia forte de nervosismo. A vida iria começar com aquele beijo escolhido. Meus amigos que estavam no momento ficaram com cara de tacho. Todos boquiabertos com minha blasfêmia e ao mesmo tempo contentes. No fundo todo mundo já sabia a verdade sobre mim.

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Mural de frases e dá riso, tu m r o s m u r u te de Quando e

um beijo"

com á T " , s u ate Jorge eeM amar" e d o d m Maturid ade é viv aquilo q er em pa ue não s e pode m z com udar"

Autor d esconhecido

Agora eu quero ir, pra me reconhecer de volta, pra me reaprender e me aprender de novo"

Anavitoria, "Agora eu quero ir" 55


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Primeiro encontro

U

m monte de conversa, algumas com números trocados, mas nada que me faça animar pra conhecer alguém novo. Que preguiça que dá as vezes. Essa cultura de relacionamentos modernos e aplicativos de celular é bem isso. E em uma delas um áudio. Quando a gente vai ser ver? Hoje pode ser, saio mais cedo do trabalho, você vai faltar aula pra me ver? Vamo logo. Pra onde a gente vai? Pode ser um cinema. Por mim tudo bem, te encontro lá. E assim foi marcado meu primeiro encontro depois do meu último namoro. Era estranho, e bem difícil pra mim ainda, mas eu estava disposto e sem expectativa nenhuma. Capricornianos são bem despachados. Ele era capricorniano. Eu também. Cheguei atrasado pra sessão e a moça do caixa disse que eu poderia pagar meia, o filme já tinha começado. Lá fui eu pra sala de cinema procurando aquele capricorniano ruivo. Achei. Cumprimentei com um beijo na testa e sentei ao lado. Não sei dizer o quanto é estranho um primeiro encontro no cinema, quando a pessoa que você foi encontrar já está na sala de cinema. Sem nenhuma conversa pessoalmente antes. Estranho. Mas lidei bem. Ele também, pelo visto. O que está acontecendo? Perdi muita coisa do fil57


me? Perdeu não, começou agora. Ok. O filme era de terror e eu ali sem gostar de filme de terror, sem entender nada. A cabeça dele encosta-se ao meu ombro e eu passo o braço por trás pra ficar mais confortável pros dois. Carinho. Abraço. E um pouco de mão boba, não vamos ser tão puritanos assim. O filme acaba. E a gente se vê agora na luz. Gostei do que vi. Eu gosto de gente diferente, e ele era isso. Você vai comer? Não sei, você vai? Eu pensei da gente comprar bebida e ir a praia agora. Beleza, mas não posso demorar muito. Fomos comprar as bebidas em meio a conversas curtas e agradáveis. Um bom começo, até agora estava tudo ok pra mim. Eu olhava pra ele e ele pra mim quando não estávamos percebendo. Tentando gravar um pouquinho do outro que a gente gostava. Ele um ruivo sardento. Muita sarda, diga-se de passagem. Com um olhar meio morto. Uma barba rala bem charmosa. E um estilo simples. Camisa estampada, bermuda e sapato. Um piercing dourado naquela aba da orelha que não sei o nome, que conversava bem com o ser étnico laranja dos ruivos. Ele eu não sei o que viu em mim. Sou tão normal quanto qualquer adulto de 24 anos, um pouco mais baixo que a maioria e com cara de quem aparenta ser mais novo. Mas ainda assim normal. Depois de um tempo ele me disse que capricas tem um olhar misterioso, e eu tinha esse olhar. Se serviu pra ele, né? Aceito. Depois de um leve esquecimento onde estava o carro, conseguimos achar. A conversa ainda estava bem boa. Falamos de ex amores, aceitação, pais e mães e essas coisas que todo gay já passou na vida. Parece que quando falamos sobre essas questões uma infinidade de barreiras são quebradas e tudo vai fluindo melhor. Só entende quem passa ou passou. A praia estava quase deserta, nos sentamos na areia e mais assuntos surgiam enquanto ele bebia uma cerveja. Religião, trabalho, futuros eram ditos ali. Sem medo nem expectativa do outro pra interferir. Tínhamos acabado um relacionamento a pouco tempo e tudo que menos queríamos era algo sério. Aceitamos nossas condições. 58


Na areia do mar nos abraçamos e nos beijamos sem mais delongas, querendo apenas estar ali em companhia. Fomos embora a pé, sem mãos dadas, ainda era estranho. Deixei ele em casa com um beijo no rosto de despedida. E uma leveza enorme no coração, sem aquela pressão do “será que vamos nos ver de novo?” A gente precisava daquilo. Um encontro casual de duas pessoas. Para serem pessoas. Fazendo aquilo que duas pessoas fazem juntas quando estão interessadas uma na outra.

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Lembrar pra esquecer

É

difícil não lembrar de ti a todo momento. Nossos dengos de toda hora. Nossa amizade que ficava cada vez mais forte. Parceria que a gente queria levar pra sempre. Teu cheiro pra mim não significa mais a mesma coisa. Se perdeu e toda vida que alguém resolve me resgatar com teu perfume sinto ânsia. Sai de perto de mim com esse cheiro. Eu digo e repito. Meu irracional quer te perder. Te levar com ele. Ato involuntário após o fim de um ciclo. A gente não quer lembrar, mas lembra. O sorriso. A pele na pele. Os costumes que foram criados juntos. O beijo que igual nunca vai ter. As mãos dadas. O encaixe. Nossas músicas que tento ouvir e não dar mais teu nome. A lágrima que cai nesse exato momento e te leva cada vez mais embora de mim. A dor de não te ter por escolha minha. Hoje voo sozinho. Era necessário para nós. E extremamente necessário pros dois sozinhos. Hoje somos lobos solitários. A vida é nossa mestra. Mais de vida virá. Porque é isso que desejo para mim e para ti. Mal nenhum nos vencerá. Nem quero para ti. Tudo que te disse no fim é a mais verdadeira face do que fomos. É o eu que quero deixar em ti. Fica com esse meu eu, não esquece, mas esquece sim. É melhor.

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Minha menina

C

onheci a Bia na aula de teatro e logo uma conexão foi estabelecida. Bia tinha um cabelo loiro muito liso e corpo de bailarina. Pele de bebê e 5 anos a menos que eu. Na época eu tinha 22 e nunca imaginei me envolver com outra menina. Nunca imaginamos, na verdade. A vida e o laço que criamos tomou conta de estreitar nossos rumos. Foi numa festa, dessas que tem sempre aqui em Fortaleza. Cultivávamos uma amizade muito saudável e de parceria. Bia era minha melhor amiga do teatro, em meio a cenas de beijo de nossas colegas de sala, nosso gosto uma pela outra aumentava. Mãos dadas no carro, olhares furtivos de afeto e músicas trocadas em noites de conversa. Assim foi nosso caminho. Nos encontramos nessa festa. Ela com um ar recém-chegado do Rio de Janeiro e eu mais madura do que sentia. Deixamos todos nossos amigos e fomos dar uma volta pelo lugar. Não existia nervosismo com ela. Em nenhum momento me senti assim, pelo visto nem ela. Subimos umas escadas e ficamos no parapeito que dá pra ver toda a concha acústica do Dragão do Mar. Olhamos uma pra outra e cantamos nossa música, tão brega e tão nossa ao mesmo tempo. A letra da música falava de cuidado e não desistir de quem realmente importa. Por mais que passasse o tempo, a gente sempre seria 63


memória boa na vida da outra. Nos beijamos. Beijo conexão. Carinho. Afeto. Amizade. Nos olhamos estarrecidas e voltamos para onde estava todo mundo. Na minha cabeça sempre pensei nesse momento que sentiria muita vergonha, por mim e pelas outras pessoas, porém não foi isso que aconteceu. Quando a gente encontra alguém que nos faz tão bem não existe espaço para o mal.

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Mural de frases

Eu me encontro no bem que você me faz E, ali, me perco também"

Pedro Gabriel, "Eu me chamo Antônio" Nosso enco ntro: instan te perene D de nosso am iante or até a etern idade treme !"

C. César

Abraço é o encontr o de dois

Autor de conhecid so

corações "

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Homofobia

T

arde de sol e aquela vontade de ir à praia num domingo que a gente chamou de nosso. O pôr do sol de Fortaleza e um banho de mar são tudo que qualquer ser humano necessita as vezes. Arrumamo-nos e fomos pra parada de ônibus. Nunca fomos um casal que tem medo de demonstrar afeto em público, como a maioria. Mãos dadas desde o primeiro encontro. Nunca tivemos vergonha. Medo sim. Vergonha nunca. Enquanto esperávamos o ônibus conversávamos sobre qualquer coisa, riamos e nos abraçávamos. Aqueles abraços demorados e cheios de querer ficar que só nós sabíamos dar. Isso é namoro ou amizade? Gritou um senhor que passou na bicicleta. Meu olhar acompanhou-o enquanto ele se distanciava. Meu namorado nem ouviu. Mas eu fiquei gelado, imaginando o que mais poderia ter vindo depois daquele comentário. Porque os seres humanos tem a mania horrorosa de se meterem no gostar dos outros? Um monte de perguntas eu tinha. Pra mim mesmo, para aquele homem e para o universo. Ou Deus, chame do que quiser. Eu nunca iria entender aquele homem que era de outra geração e criação. Não vamos ser tão ruins quanto ele no julgamento. Não adiantaria nada rebater aquele comentário homofóbico. De que importava ser era namoro ou amizade o que a gente tinha? Era amor. 67


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Volta pra casa

M

inhas voltas pra casa não são mais as mesmas. Hoje penso bem menos em ti. Acostumei com a falta que você me fez. Antes eu voltava pra casa contigo nas entranhas do meu cérebro e coração, e aquele gosto de beijo demorado e muita saudade de poucos minutos. É complicado descrever um primeiro amor. E mais complicado ainda explicar a corrente elétrica que nos ligava. Era tudo coração. Era tudo demais. Sorrisos de gente que aprendeu que o amar simples é tão grande quanto o amar intenso. Éramos os dois. Ontem olhei suas redes sociais e vi que você estava bem, sinceramente era só isso que queria saber. É só isso que desejo para ti. Uma vida feliz sem mim. Sem nós dois. Hoje voltei pra casa e pensei em ti. Sim. Resquícios de importância. Ainda te amo, e isso nunca vai mudar. Lembrarei sempre de ti como antes fazia sempre que nos víamos. Dentro do ônibus. Amor de carinho. Amor de respeito. Amor de agradecimento. Despejo, hoje e para sempre, na janela do ônibus, várias lágrimas e todo o amor que um dia foi nosso, agora para o mundo, de volta ao universo. Para que inspire outros corações que o amor é sentimento imenso, e uma vez vivido, sempre será de quem se permitir. Hoje minha volta pra casa foi mais do mesmo, mas ao mesmo tempo diferente. Porque ali sentado na cadeira do ônibus voltei por mim. 69


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Desejo de encontro

E

ra a primeira vez que íamos nos ver pessoalmente. Mãos suadas e minha respiração ofegante me entregavam, por mais que eu dissesse para mim mesmo que estava tudo bem. Porque estava. Eram só algumas horinhas que íamos passar juntos. Ainda nem o vi e já desejava mais tempo pra nós. Finalmente aqueles meses de conversas trocadas e vidas compartilhadas iam agora se encontrar. Desci naquele aeroporto estranho pra mim e esperei. E ali meu dia começava a ser marcado. Por pessoas do aeroporto, a Cidade Maravilhosa com o Cristo ao fundo e ele. Aquele menino de Goiânia, com muito sotaque e barba bem feita. Nos falamos ao telefone pra combinar como seria. Mais espera. Ele chegou. Entrei no carro e fomos para nosso outro destino que eu desejava ser pra sempre. Mas isso não era verdade, afinal só tínhamos até a hora do próximo voo com destino a Fortaleza. Cumprimentei com um beijo no pescoço e um abraço. Sabe quando você abraça alguém e também encontra casa? Nos entendemos assim. Contamos como foi a viagem em meio olhares que eternizam gente na gente. Ver alguém que já se gosta pela primeira vez é meio isso. Queremos abrir os olhos pra gravar cada momento que será relembrado 71


depois diversas vezes nas nossas cabeças. Conversa jogada fora pra quebrar a tensão inicial. E nosso primeiro beijo aconteceu. Beijo que dizia tudo que ainda não tinha sido dito ali. Beijo com gosto de saudade de alguém que nunca esteve presente naqueles meses. E saudades futuras que com certeza hão de vir. Timidez era o sobrenome dele, o primeiro era Matheus. Chegamos no aeroporto e depois de todos os procedimentos feitos para o embarque, algumas horas ainda restavam. E ficamos ali. Com os corações apertados de nós mesmos, com mais conversa jogada fora e chamegos ao pé do ouvido. Eu nunca mais tinha sentido aquilo, não me vinha na lembrança momento tão lindo e único como aquele. Eu era dele. A gente existia, além de muitos que passavam ali e pensavam ser só mais um casal se despedindo no aeroporto. Ele de bermuda, sandália e camisa frouxa, e eu mais formal. É claro que era despedida, mas não era. Não pra gente. Aquilo era encontro. Pertencer. Acreditar. Despedaçar na despedida com aperto na alma e muito desejo de ficar. Não era justo aquilo. A vida não é justa. Nosso último beijo marcou. Entrei na sala de espera sem olhar pra trás. É duro demais encarar certas realidades. E eu estava sem ombro amigo por perto pra um abraço de consolo, e aquele velho “vai ficar tudo bem”. Chorei em meio a sorrisos na poltrona do avião. Me encontrei. Encontrei aquele sentimento perdido há anos na vida. E era incrível o colorir a partir de então. Acho que depois desse dia aquele sentimento gostoso de adorar alguém com medo de dizer que já gostava mudou. Nasceu um desejo no nosso encontro.

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Mural de frases faz o seu Opte por aquilo que coração vibrar"

Osho Eu am o

quem e

Renat

u quis

o Russ

er"

o

Como inventar um adeus se já é amor?"

Sandy, "Morada"

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Partida. Silêncio. Memórias.

N

um bar pequeno da cidade, na saída do banheiro, nossos olhares se cruzaram no espelho e o "a gente se conhece" silenciou todo aquele barulho ao nosso redor. O “qual teu nome?" seguido de um beijo iniciaram a uma contagem regressiva. 134 dias. Já no dia 2, na praça perto da minha casa, ouvindo The XX, você me falou que estaria se mudando pra estudar em outro país. Naquele momento eu sabia que a gente deixaria de ter inúmeras páginas em branco para escrever junto. Os dias contados no ponteiro dos segundos não nos amedrontaram. As vezes que você saía da aula e me pegava no trabalho para ficarmos na rua da minha casa rindo das nossas piadas sem graça. A forma que você pegava na minha perna e enquanto dirigia. As noites que dormia escondido na sua casa e a gente se apertava na cama de solteiro. Sentados sob os nossos chinelos na praia a noite, olhando o mar, nossas sombras na areia e o vento no cabelo. Quando saímos pra comer e depois sequer conseguíamos respirar. Quando nos abraçávamos e eu sentia nosso corpo se desfazer em estrelas. Andar na rua com teu braço no meu ombro e minha mão na tua cintura... Te viver foi como estar parado e descalço num local escuro. Cada coisa que vivíamos e cada memória que criáva75


mos para nós mesmos era como uma nova estrela que aparecia no céu e iluminava o que antes era sombrio. Eu podia tocá-las e ainda sentir meus pés no chão. Cada uma delas reluzia em cor diferente. Cada uma delas vibrava em uma melodia própria. Nenhuma dessas era triste. O cheiro de roupa limpa. As panturrilhas grossas. Os 10 cm mais alto que eu. A voz forte. Os fios brancos de cabelo. Os apelidos carinhosos. O jeito educado de tratar todo mundo. O jeito rabugento de reclamar de tudo. 134 dias. Hoje, o "boa sorte" esconde o choro na garganta e o "fica comigo". Quando o avião atingiu certa velocidade e o céu escuro te engoliu para longe, a gente se desconectou. Enquanto é dia pra mim, pra você é noite. Enquanto é verão aqui, é inverno aí. Azul e vermelho. Tristeza e alegria. Baixo e cima. E aquele primeiro “oi” se tornou um último “até logo”. Quem sabe a gente nunca mais se veja. Quem sabe eu só te encontre nos meus sonhos. Quem sabe eu ainda possa te abraçar de novo e sentir teu coração bater de frente pro meu. Hoje eu vejo sua vida através de fotos. Hoje, o tempo nos apaga da vida do outro. Eu não tenho mais o teu cheiro na minha pele ou nas suas roupas que você me deu. Não tenho a minha mão na tua. Mas você está marcado no meu coração, nas minhas memórias e na minha pele. Destemido. E essas são as únicas coisas que o tempo não vai apagar.

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Mural de frases Se eu fo r, não v olto, sou flecha, n ão boom erang"

Aleff T

auã

Mudanças não precisam ser drásticas para significar alguma coisa"

Isabel Freitas

As coisas pa ssam, e o m elhor que fa xar que elas zemos é deipossam ir e mbora Deix Soltar Desp a r ir embora render-se"

Fernando P

essoa 77


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O show

D

esde que te conheci esperei por aquele dia, o show de duas meninas que embalaram e construíram a alma de nós dois. Com algumas semanas de namoro cantei pra ti uma música delas, ouvimos deitados no seu colchão a música chamada “Nós”. Convite pra ficarmos um na vida do outro por tempo indeterminado. Ficamos. Sem portas trancadas. E só coração batendo forte pelo achado que éramos. E éramos tanto... Comprei nossos ingressos e nem me importei com o quanto custariam. Eu desejei aquele momento desde o dia que te quis. Procuramos o lugar mais confortável pros dois e ali esperamos Anavitória cantar nossas vidas. Te abracei em “Cor de Marte”, fui fitado e transportado pra tua galáxia como nunca cogitei fazer parte de alguém. Transbordei amor pelos olhos. O show continuou com mais músicas e mais de nós. Universos que explodiram num grande Big Bang. E como foi bom, índio meu, era esse o nome carinhoso que te chamava. Lembra? Aquele dia tatuou mais ainda a gente no tempo. “O tempo é louco se desperdiçar eu e você” disse quando te conheci. Nunca vou esquecer aquele encontro de almas. Logo em seguida veio “Trevo” e foi você que chorou, dizendo que eu era teu trevo de 4 folhas. Pedaço de sonho. Abraço casa. 79


O biquinho que você fez quando chorou foi meu ponto fraco. Te abracei, agradecido a vida. Meu presente. Era apenas isso que eu poderia fazer no momento, não dava pra haver fusão maior de amor do que aquele simples gesto. “Dengo” veio e mais laços foram atados. Ao teu lado tudo era seguro. Uma amiga comentou que nos viu de longe e achou lindo o momento. Dois bobos chorando abraçados. Dava pra sentir o amor de vocês. Ela disse. E como eu te amei, caramba, como eu te amei aquele dia. Tive certeza que seríamos pra sempre. Sabe quando nada mais no mundo faz sentido? Foi assim que me encontrei nos teus braços. E ao som da canção “Tua” me afoguei, solucei. Nada mais te traduzia pra mim como as palavras e melodia. Menino casa, menino saudade, menino verdade, menino que já era e me tinha. Te beijei e nos fiz plenitude naquele simples momento de pequenas certezas. O amor existia e a gente tinha encontrado coração bom para morar. Guardei na memória todos os detalhes da gente, viu? Te amei do meu jeito, meio torto, com minha verdade e um olhar um pouco bobo. E você também me amou, genuinamente e ardentemente. O que aconteceu naquele dia ninguém mais explica, só se conta. É nosso. Sorte nossa que fomos os abençoados.

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