Revista Racine - 108

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ISSN 1807-166X

108 Revista Racine 108

Ano XIX Janeiro Fevereiro 2009

• Doença Renal Crônica

Doença Renal Crônica

Mesa Redonda Atuação Multiprofissional: Fundamental para Abordagem Holística do Paciente

Janeiro/Fevereiro 2009

Epidemiologia, Diagnóstico e Tratamento Olhar do Farmacêutico para a Doença Renal Crônica

Farmácia Hospitalar

Gestão da Qualidade na Farmácia Hospitalar - Parte 1 Pág. 88

Novas Seções Farmácia Clínica/ Atenção Farmacêutica

Construir um Cenário para Poder Avançar Farmácia Integrada Conceito que Envolve o Ambiente, os Produtos, os Serviços, as Pessoas e as Atitudes de uma Farmácia Comunitária e Busca Estabelecer uma Coerência Entre o Discurso e a Prática Legislação Como Proceder em Relação a Produtos para a Saúde com Defeito: a Quem e Como Notificar?


Editorial Ao iniciarmos esta edição 108 da Revista Racine, a primeira de 2009, iniciamos, também, um processo de mudanças, com vistas a perpetuar o principal objetivo e a razão de existência desta publicação: contribuir para o desenvolvimento e a atualização dos profissionais farmacêuticos, tratando de temas de interesse para a saúde pública. Foram adicionadas às editorias as seções Farmácia Clínica/Atenção Farmacêutica e Farmácia Integrada. Ambas partilham semelhanças e diferenças entre si. São semelhantes por possuírem como impulsionador de seus temas algo que ainda é novo e desafiador para o farmacêutico. São diferentes pois a primeira desenvolverá, em linhas gerais, teorias e experiências de práticas realizadas por profissionais em situações e locais de atuação diversos, sejam cidades ou países. A segunda, por sua vez, discorrerá sobre o conceito de farmácia integrada, gerido pelo Grupo Racine a partir de julho de 2000 e que avançou para uma reflexão sobre o atual modelo de estabelecimento farmacêutico, o qual será amplamente discutido neste espaço. Ambas as seções trazem, nesta edição, esclarecedores artigos que rebuscam suas bases conceituais e abrem caminho para novas abordagens. Também inserimos a seção Legislação, que abrangerá questões sobre temas conflitantes, ainda não bem estabelecidos ou contraditórios, que dizem respeito à atuação do profissional farmacêutico e das farmácias, visto o panorama regulatório em constante atualização. Além disso, passam a constar em cada edição as instruções aos autores que queiram submeter artigos técnico-científicos para publicação na Revista Racine, com orientações em relação ao procedimento de envio, à estrutura do texto, aos padrões para normatização de citações e às referências bibliográficas, dentre outros itens. Seguimos nossa linha editorial central, que há seis anos traz como destaque uma doença ou um estado de saúde, discutido em Mesa Redonda e nos Especiais de Capa. Nesta edição tratamos das doenças renais, mais precisamente a Doença Renal Crônica, caracterizada pela cronicidade, por um caráter progressivo e, acima de tudo, por um alarmante aumento do número de pessoas por ela acometidas. Novamente abordamos fatores de riscos relacionados à vida contemporânea, que, neste caso, se transformam em causas, a saber, o diabetes mellitus e a hipertensão arterial. Conforme o habitual, reunimos um grupo de profissionais que atendem pacientes portadores dessa enfermidade, nesta ocasião no Centro Horácio Azjen para Prevenção e Tratamento da Insuficiência Renal da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), serviço referência no assunto, com a participação também de uma farmacêutica da Central de Farmácia Clínica (CEFACLIN) do Hospital Sírio-Libanês. Para entendermos um pouco mais sobre a atuação de cada profissional junto a esses pacientes, elencamos os Especiais de Capa, com colaborações dos participantes da Mesa Redonda e ainda de profissionais da unidade de diálise do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), também referência no tema. Esperamos que, assim como para a Revista Racine, esse processo de mudanças inspire em cada profissional farmacêutico o início de uma caminhada de transformações rumo ao encontro de uma identidade profissional que, certamente, contribuirá para uma sociedade melhor assistida em relação à saúde. Boa leitura!

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Nilce Barbosa Presidente do Grupo Racine e Coordenadora Técnica Editorial da Revista Racine

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108 Ano XIX Janeiro/Fevereiro de 2009 Doença Renal Crônica


Panorama Geral

Doença Renal Crônica: Epidemiologia, Diagnóstico e Tratamento Adriano Luiz Ammirati

Aproximadamente 20 milhões de norteamericanos possuem alguma evidência de doença renal crônica e estão em risco de desenvolver insuficiência renal. Outros 20 milhões estão em risco aumentado de desenvolver a doença e o número de pessoas diagnosticadas com doença renal dobrou nas duas últimas décadas. Fonte: American Society of Nephrology

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Panorama Geral

Introdução Perfil da Doença Renal Crônica (DRC) no Brasil A Doença Renal Crônica (DRC) emerge atualmente como um sério problema de saúde pública em todo o mundo, sendo considerada uma enfermidade de crescimento alarmante. Estima-se que existam mais de dois milhões de brasileiros portadores de algum grau de disfunção renal, com risco dez vezes maior de morrer prematuramente por doença cardiovascular em relação à população normal. Mais de 70% desconhecem esse diagnóstico1, 2. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento desta doença são: diabetes mellitus, hipertensão arterial, envelhecimento, história familiar de DRC e doença cardiovascular (DCV). Vale ressaltar que, independente do diagnóstico etiológico da DRC, a presença de obesidade, dislipidemia e tabagismo acelera a progressão da doença, culminando com a necessidade de Terapia Renal Substitutiva (TRS) hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal. Segundo dados do censo 2008 da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a prevalência é de 468 por milhão de população e mais de 87.000 pacientes estão dependentes de diálise (92% em hemodiálise e 8% em diálise peritoneal)3. Com base nos diversos grupos de risco, a previsão é que esse número possa duplicar nos próximos cinco anos, ultrapassando os 125 mil casos em

2010. Entretanto, observou-se um dado extremamente grave - historicamente havia um aumento de cerca de 8% no número de pacientes em diálise e no último censo este valor caiu para 4%. A explicação mais plausível é que muitos indivíduos faleceram antes de iniciar a terapia, pela falta de vagas na rede pública ou pela falta de diagnóstico. Entretanto, tanto o diabetes mellitus como a hipertensão arterial, principalmente, se prevenidos, detectados precocemente, tratados corretamente e os pacientes acompanhados por uma equipe multidisciplinar, apresentarão menor chance de evolução com complicações tão sérias. Conceito e classificação A função renal é avaliada na prática clínica pelo Ritmo de Filtração Glomerular (RFG), cujos valores de referência para a população geral são: • Crianças - 70 a 140 mL/min/1,73m2; • Homens - 85 a 125 mL/min/1,73m2; • Mulheres - 75 a 115 mL/min/1,73m2. Por definição, é portador de DRC qualquer adulto com idade maior ou igual a 18 anos que, por um período igual ou maior a três meses, apresentar filtração glomerular menor de 60 mL/min/1,73m2, assim como aqueles com RFG maior que 60 mL/min/1,73m2 e alguma evidência Revista Racine 108 - Janeiro/Fevereiro de 2009

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Panorama Geral de lesão da estrutura renal (por exemplo, albuminúria ou uma alteração de imagem)4. A DRC consiste em lesão renal e perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais. Em sua fase mais avançada, chamada de fase terminal, os rins não conseguem mais manter suas funções regulatórias, excretórias e endócrinas. O diagnóstico da DRC baseia-se na identificação dos grupos de risco, presença de alterações no exame de urina (microalbuminúria, proteinúria, hematúria) e na redução do RFG avaliado pela depuração (clearance) da creatinina sérica. A partir da creatinina sérica (que jamais deverá ser utilizada isoladamente como marcador de função renal) e coleta de urina de 24 horas, pode-se obter o clearance da creatinina. Entretanto, a depuração pode ser estimada a partir de equações como a de Cockroft-Gault ou Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) sem necessidade de coleta de urina. Fórmula de Cockroft-Gault Depuração de creatinina (mL/min)= (140 - idade) x peso (x 0,85 se for mulher) 72 x creatinina Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) (simplificada) Depuração de creatinina (mL/min)=186 x creatinina-1,154 x idade-0,203 x 0,742 (se for mulher) x 1,212 (se for afro-americano) A DRC é didaticamente dividida em seis estágios: • Estágio 0 - Função renal normal sem lesão renal: inclui pessoas integrantes dos chamados grupos de risco para o desenvolvimento de DRC (diabetes mellitus, hipertensão arterial, idosos, familiares de portadores de DRC) que ainda não desenvolveram lesão renal; • Estágio 1 - Lesão com função renal normal: corresponde às fases iniciais de lesão renal (microalbuminúria, proteinúria), mas com RFG igual ou acima de 90 mL/ min; • Estágio 2 - Insuficiência renal leve: corresponde ao início da insuficiência renal. Nessa fase o indivíduo não apresenta sinais ou sintomas de doença renal, mas o RFG se encontra entre 60 a 89 mL/min; • Estágio 3 - Insuficiência renal moderada: os sintomas renais podem estar presentes de forma branda e geralmente o indivíduo apresenta somente queixas relacionadas à sua doença de base como diabetes mellitus e

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hipertensão arterial. O RFG se encontra entre 30 a 59 mL/min; • Estágio 4 - Insuficiência renal severa: o paciente já se ressente de disfunção renal com sinais e sintomas de uremia (náuseas, vômitos, perda do apetite, emagrecimento, falta de ar, edema e palidez). O RFG se encontra entre 15 a 29 mL/min; • Estágio 5 - Insuficiência renal terminal: os rins perdem o controle do meio interno, tornando-se este bastante alterado e incompatível com a vida. Nessa fase, os sintomas se intensificam e as opções terapêuticas são os métodos de depuração artificial do sangue (hemodiálise ou diálise peritoneal) ou o transplante renal. O RFG se encontra abaixo de 15 mL/min. Etiologia e fatores de risco para DRC Os fatores de risco para DRC já estão estabelecidos com clareza, sendo as principais causas a hipertensão arterial e o diabetes mellitus. Além dessas, outras doenças estão relacionadas à perda de função renal, como glomerulopatias, rejeição crônica do enxerto renal, doença renal policística, doenças auto-imunes, infecções sistêmicas, infecções urinárias de repetição, uropatias obstrutivas e neoplasias5.


Panorama Geral As principais doenças de acordo com o risco de DRC estão listadas na Tabela 1. Tabela 1 - Risco de Doença Renal Crônica (DRC) Risco Médio

Risco Elevado

Adultos com mais de 60 anos

Hipertensão arterial

Rejeição crônica do enxerto renal

Diabetes mellitus

Doença auto-imune

História familiar de DRC

Infecção urinária de repetição

Doença glomerular

Infecções sistêmicas

Doença cardiovascular

Litíase urinária Uropatias obstrutivas e neoplasias Drogas nefrotóxicas

Epidemiologia Existem poucos dados disponíveis sobre a prevalência da doença renal no Brasil, porém, de acordo com um estudo populacional realizado na cidade de Bambuí (MG), a prevalência de alterações renais na população variou de 0,5% em adultos (18 a 59 anos) até 5,1% em idosos (acima de 60 anos). Utilizando-se essas porcentagens sobre a população brasileira por faixa etária do último censo, foram estimados mais de 1.800.000 pacientes com algum grau de insuficiência renal6. Apesar de esses números serem impressionantes, segundo avaliação dos autores, esses dados podem estar subestimados, uma vez que os pacientes com doenças renais mais graves podem ter migrado para cidades maiores, onde são realizados os procedimentos médicos mais complexos, ou morrido devido à falta de diagnóstico. Estima-se que pelo menos 25% da população brasileira possua hipertensão arterial, ou seja, cerca de 26 milhões de indivíduos. Destes, apenas 15% teriam a pressão arterial devidamente controlada, portanto, os demais (85%) poderiam evoluir com algum grau de insuficiência renal por não ter a pressão controlada. Dentre os diabéticos - cerca de sete milhões -, 30% teriam potencial para progredir para insuficiência renal. O número estimado de idosos hoje é de 14,5 milhões, com a perspectiva de dobrar em 20 anos. Uma vez que o número de hipertensos e de diabéticos sem diagnóstico e sem tratamento adequado é muito alto em nosso meio, há um grande potencial de que nos próximos anos essas doenças sejam cada vez mais os fatores causais de insuficiência renal terminal, ampliando enormemente o número de pacientes que necessitarão de tratamento

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Panorama Geral de substituição renal. Além disso, no Brasil, entre os indivíduos acima de 20 anos, 30 milhões estão acima do peso e, desse total, mais de dez milhões são considerados obesos, outro fator de risco para a progressão da doença renal7. DRC terminal No Brasil, assim como em todo o mundo, a prevalência de pacientes mantidos em programa crônico de diálise vem crescendo substancialmente e afetando diretamente os gastos em saúde, o que tem causado preocupações em agências de saúde de todo o mundo quanto ao seu gerenciamento e financiamento em longo prazo. Segundo dados da SBN, em 1994 havia cerca de 24.000 pacientes mantidos em programa de diálise e esse número chegou a mais de 87.000 pacientes em 2008. Nossas taxas de prevalência são cerca de quatro vezes menores que as dos Estados Unidos da América (EUA) e Japão e metade das taxas da Itália, França e Alemanha. Provavelmente, o baixo índice de diagnóstico da DRC, o acesso cada vez menor à TRS e, principalmente, a alta taxa de mortalidade dos pacientes diabéticos e hipertensos, ainda nas fases

pré-dialíticas, explicam esta baixa prevalência3. Nos anos 90, a porcentagem de pacientes diabéticos entre os dializados era de 8%, número que atingiu 14% entre 1997 e 2000 e 25% em 2006. Vale ressaltar que 26% dos pacientes atualmente em diálise têm mais de 60 anos de idade e que essa proporção tende a aumentar com o aumento na expectativa de vida da população. Qualidade do atendimento ao portador de DRC O atendimento ao indivíduo portador de DRC pode ser dividido em três níveis: atenção básica, média e alta complexidade8. Em todos os níveis faz-se necessária a presença de uma equipe multidisciplinar. Na atenção básica, além de medidas universais de promoção à saúde (combate ao tabagismo, ao álcool, ao sedentarismo e à obesidade), a prevenção da DRC pode ser alcançada por meio do controle estrito do diabetes mellitus e da hipertensão arterial. Para isso, é necessário que os programas de saúde promovam a capacitação de seus profissionais e disponibilizem para a rede básica de saúde diretrizes clínicas, exames laboratoriais, equipamentos para diagnóstico e medicamentos.

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Panorama Geral O tratamento da DRC relacionado com o segundo nível de prevenção possui como objetivo retardar a progressão da doença renal, mantendo as medidas de controle de diabetes mellitus e hipertensão arterial, acrescentando medicamentos de proteção renal (como os inibidores da enzima conversora de angiotensina), acompanhamento nutricional, bem como proibição do uso de qualquer antiinflamatório. Nesta fase é imprescindível o acompanhamento também do nefrologista, no intuito de orientar a prevenção ou o tratamento das complicações da DRC como anemia, osteodistrofia e acidose. Ao mesmo tempo, medidas para modificar comorbidades comuns como cardiopatia, vasculopatia, retinopatia e dislipidemia precisam ser intensificadas. Com a evolução da DRC o paciente e seus familiares devem ser preparados para a fase da TRS.

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Portanto, de forma geral, as medidas mais preconizadas para a redução da progressão da DRC são os controles pressórico e glicêmico, o uso de inibidores de enzima de conversão e a redução da proteinúria e da ingesta proteica14. A abordagem das comorbidades comuns na DRC serão detalhadas a seguir.

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Protocolos de tratamento Hipertensão Arterial A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é um problema grave de saúde pública e um dos mais importantes fatores de risco para o desenvolvimento de DRC. É responsável por cerca de


Panorama Geral Aos pacientes com DRC que apresentem diabetes ou proteinúria acima de 1 g/dia, recomenda-se atingir níveis de pressão arterial abaixo de 125 x 75 mmHg, pois se observa uma menor taxa de declínio da função renal9. O tratamento da HAS divide-se em não medicamentoso e medicamentoso. Em relação à abordagem não farmacológica são sugeridos controle do peso, redução do consumo de sal, prática de exercício físico, abandono do tabagismo e controle do estresse psicoemocional. Para a abordagem medicamentosa sugere-se a consulta da V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial9. Diabetes Mellitus

50% dos casos de insuficiência renal crônica terminal. A prevalência na população adulta brasileira varia de 22,3% a 43,9% e na população com DRC em tratamento conservador na Universidade Federal de São Paulo/Es-

cola Paulista de Medicina (UNIFESP/ EPM) é de 90%. A classificação da pressão arterial no consultório para indivíduos maiores de 18 anos está descrita na Tabela 2.

Tabela 2 - Classificação da pressão arterial no consultório para indivíduos maiores de 18 anos Classificação

Pressão sistólica (mmHg)

Pressão diastólica (mmHg)

Ótima

< 120

< 80

Normal

< 130

< 85

Limítrofe

130 a 139

85 a 89

Hipertensão estágio 1

140 a 159

90 a 99

Hipertensão estágio 2

160 a 179

100 a 109

Hipertensão estágio 3

> 180

> 110

Hipertensão sistólica isolada

> 140

< 90

A nefropatia é comum e devastadora em pacientes com diabetes mellitus e tem se tornado uma das principais causas de início de diálise no Brasil. Entretanto, nem todos os indivíduos diabéticos desenvolvem a complicação renal. A instituição de medidas rígidas como controle da glicemia, da pressão arterial e dos lipídeos, somado a um estilo de vida adequado, sem fumo ou álcool, e a prática de atividade física regular, podem modificar de maneira favorável a evolução natural da nefropatia diabética. Para a abordagem do diabetes mellitus recomenda-se manter níveis de glicemia pré-prandial e hemoglobina glicada dentro dos padrões da normalidade, não utilizar antidiabéticos orais em indivíduos com clearance de creatinina abaixo de 30 mL/min, manter níveis pressóricos abaixo de 130/80 mmHg, se houver presença de microalbuminúria ou proteinúria, utilizar como primeira droga os inibidores do sistema

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Panorama Geral renina-angiotensina - Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA) e/ou Bloqueador do Receptor da Angiotensina II (BRA). Todo paciente com microalbuminúria ou proteinúria, hipertenso ou não, deve ser tratado com IECA e/ou BRA10. Doença cardiovascular Dados recentes demonstram que 46% dos pacientes com DRC morrem antes de iniciarem TRS, quer seja diálise ou transplante, sendo que as doenças cardiovasculares são freqüentes e constituem a principal causa de óbito nessa população11. Em relação à abordagem das doenças cardiovasculares nessa população, sabe-se que todo paciente com DRC deve ser considerado paciente de alto risco para doenças cardiovasculares. Todo paciente com DRC deve ser avaliado quanto aos fatores de risco “tradicionais” e “não tradicionais (relacionados à uremia)” para doenças cardiovasculares e todo paciente com DRC deve ser tratado para redução dos fatores de risco cardiovasculares modificáveis. Recomenda-se o controle da HAS, controle glicêmico e do colesterol, evitar o sedentarismo e tabagismo, tratar anemia e buscar reduzir a proteinúria11. Osteodistrofia renal O Distúrbio Ósteo-Mineral (DOM) nos pacientes com DRC é definido como um conjunto de alterações que ocorrem no metabolismo mineral, que compreende a Osteodistrofia Renal (OR), que é a expressão histológica da doença e está associada com a alta taxa de mortalidade nesta população. A OR pode ser classificada em doença óssea de alta e baixa remo-

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delação. O hiperparatireoidismo secundário (HPT) e a doença óssea mista representam a doença óssea de alta remodelação. Já o grupo de baixa remodelação óssea compreende a osteomalácia (OM) e a Doença Óssea Adinâmica (DOA). Para o diagnóstico do DOM-

DRC é necessária a determinação dos níveis séricos de cálcio (Ca), fósforo (P), fosfatase alcalina (FA) e do paratormônio intacto (PTHi), além da gasometria venosa. Os limites-alvo de paratormônio plasmático e de fósforo nos vários estágios da IRC estão na Tabela 312.

Tabela 3 - Limites-alvo de PTH e P nos estágios da DRC Estágio da IRC

TFG (mL/min/173cm2)

PTH alvo (pg/ml)

Fósforo alvo (mg/dL)

Três

30 a 59

35 a 70 (opinião)

2,7 a 4,6

Quatro

15 a 29

70 a 110 (opinião)

2,7 a 4,6

Cinco

< 15 ou diálise

150 a 300 (evidência)

3,5 a 5,5

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Panorama Geral Para o tratamento do DOM-DRC, tem sido sugerido que os quelantes de fósforo devem ser utilizados quando não houver controle do fósforo ou do PTHi, apesar da restrição do fósforo dietético. Se o PTHi estiver acima do esperado para o estágio da DRC, a 25-hidroxivitamina D deve ser dosada. Estando normal, a determinação da vitamina D deverá ser repetida anualmente. Se os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D estiverem abaixo de 30 ng/mL, a suplementação com vitamina D2 (ergocalciferol) deve ser iniciada. O tratamento com vitamina D ativa (calcitriol, alfacalcidol) está indicado quando os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D forem maiores que 30 ng/mL e o PTHi estiver acima do recomendado para o estágio da DRC. A paratireoidectomia está indicada nos pacientes com níveis de PTHi persistentemente elevados (usualmente maiores que 800 a 1000 pg/mL), com hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia refratárias à terapêutica clínica12.

Dislipidemia A dislipidemia é um conhecido fator de risco para a DCV e de progressão para DRC. Pacientes diabéticos tipo 2 têm uma prevalência aumentada de anormalidades lipídicas e resultados terapêuticos já demonstraram uma redução da doença macrovascular e da mortalidade. Os valores alvo são13: • Colesterol total < 200 mg/dL; • LDL-colesterol < 100 mg/dL; • HDL-colesterol > 40 mg/dL; • Triglicérides < 150 mg/dL. O tratamento deve ser iniciado com mudança de estilo de vida (dieta, perda de peso, exercício, parar de fumar e de ingerir álcool). Após três meses da mudança de hábitos, se LDL > 100 mg/dL, iniciar estatina, se triglicérides > 500 mg/dL, afastar causas secundárias

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Panorama Geral (pobre controle glicêmico, abuso de álcool e hipotireoidismo) e iniciar genfibrozila 300 mg/d (Lopid ®). Para os pacientes com DRC não se deve utilizar estatinas e fibratos ao mesmo tempo13. Anemia A anemia é uma complicação freqüente nos indivíduos com DRC, sendo a deficiência de eritropoetina o fator mais comum, além de deficiência de ferro, de ácido fólico e de vitamina B12. Existem evidências demonstrando que seu tratamento melhora significantemente a qualidade de vida dos pacientes e reduz a taxa de transfusão sanguínea. Para a abordagem da anemia recomenda-se investigar a sua causa por meio da avaliação de índices hematimétricos, contagem de reticulócitos, ferro sérico, saturação de transferrina, ferritina sérica, pesquisa de sangue oculto nas fezes e afastar outras causas de anemia como verminose, perdas sangüíneas e neoplasias. A reposição de ferro deverá ser realizada nos pacientes com deficiência de ferro (saturação de transferrina < 20% e/ou ferritina < 100 ng/mL). Iniciar terapia com eritropoetina nos pacientes que permaneceram com anemia após correção do ferro e naqueles em que foram descartadas outras causas. A via preferencial é a subcutânea e a dose inicial é de 80 a 160 U/kg/ semana dividida em uma ou duas injeções. Recomenda-se manter os níveis designados para pacientes em diálise, ou seja, hemoglobina entre 11 a 12 g/dL e hematócrito de 33 a 36%14. Terapia Renal Substitutiva (TRS) Pacientes e familiares devem receber, durante a fase pré-dialítica,

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orientação sobre a TRS (hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal) referente a riscos e benefícios de cada modalidade. A TRS deve ser iniciada em indivíduos não diabéticos com depuração de creatinina abaixo de 10 mL/min e em diabéticos abaixo de 15 mL/ min. Em todos os casos, sinais e sintomas clínicos de uremia farão parte da indicação. Nefropatia por contraste Cerca de 11 a 45% dos indivíduos submetidos a estudo contrastado desenvolvem algum grau de insuficiência renal, que é definida como a elevação da creatinina sérica em 0,5 mg/dL ou em 25% em relação ao níveis basais 48 horas após exposição ao meio de contraste. Cerca 25% dos indivíduos

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que desenvolvem lesão renal podem ficar com dano permanente15. Para os pacientes que serão submetidos a exame contrastado, recomenda-se que todos os pacientes de risco deverão ter creatinina, hematócrito e hemoglobina pelo menos 30 dias antes do exame, devem ser estratificados quanto ao escore de risco (Tabela 4 e Tabela 5). Os pacientes de risco receberão N-acetilcisteína pré e pós-administração do contraste (Tabela 6) e pacientes com escore de risco ≥ seis deverão receber solução isosmolar de bicarbonato de sódio pré e pós-realização do exame (Tabela 5). Nos indivíduos com Cr > 1,5 ou/e GFR < 60 mL/min/1,73m2, a metformina deverá ser suspensa 48 horas antes da realização do exame e reintroduzido 48 horas depois16.


Panorama Geral Tabela 4 - Escore de risco Fator de risco

Escore

PAS < 80mmHg por > 1h e uso de DVA* ou balão intra-aortico 24 horas pós-procedimento

5

Uso de balão intra-aórtico

5

Insuficiência Cardíaca (classes funcionais III ou IV), história de edema pulmonar ou ambos

5

Idade > 75 anos

4

Hematócrito < 39% para homem e < 36% para mulher

3

Diabetes mellitus

3

Volume de contraste

1 para cada 100 mL

Creatinina sérica > 1,5 mg/dL (133 μmol/L)

4

eGFR** 40 a < 60 mL/min/1,73 m

2

2

20 a 39 mL/min/1,73 m

4

< 20 mL/min/1,73 m

6

2

2

*DVA: droga vasoativa, **eGFR (GFR estimada - Cockroft-Gault ou MDRD)

Tabela 5 - Estimativa de risco Escore total

Risco de ↑ Creatinina (%)

Risco de diálise (%)

≤5

7,5

0,04

6 a 10

14

0,12

11 a 15

26,1

1,09

≥ 16

57,3

12,6

Tabela 6 - Intervenções recomendadas nos pacientes de risco Intervenção

Detalhe

Bicarbonato de sódio 154 mmol/L* (escore de risco ≥ 6)

3 mL/kg/h uma hora antes e 1 mL/kg/h seis horas após administração do contraste

N-acetilcisteína

600 mg cada 12 horas (quatro doses) começar 24 horas antes de administrar o contraste

Contraste de baixa osmolalidade ou iso-osmolar

Menor dose possível

*Diluir 154 mL de bicarbonato de sódio a 8,4% em 846 mL de solução glicosada a 5% ou água destilada

Outro aspecto importante é o desenvolvimento de Fibrose Sistêmica Nefrogênica (FSN) em pacientes com DRC após a administração de gadolínio, utilizado em exames de ressonância nuclear magnética. Cerca de 90% dos casos de FSN ocorrem em pacientes já em diálise e grande parte dos demais casos nos portado-

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res de DRC estágio cinco ou quatro. Nestes pacientes com DRC avançada ou em diálise, a incidência de FSN é em torno de 3 a 5%. Recomenda-se, portanto, para os pacientes com DRC estágios três, quatro ou cinco, evitar a administração de gadolínio, a menos que o benefício seja claramente superior ao risco potencial17.

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Panorama Geral

Adriano Luiz Ammirati é graduado em medicina e possui doutorado em nefrologia pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Atualmente é coordenador do Ambulatório de Doença Renal Crônica da UNIFESP/Fundação Oswaldo Ramos e médico da Unidade de Diálise da UNIFESP/Fundação Oswaldo Ramos, além de médico da unidade de diálise do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE).

Referências Bibliográficas 1. Sesso R. Epidemiologia da Doença Renal Crônica no Brasil e sua Prevenção. 2006. Disponível em: <http://www.cve.saude. sp.gov.br/htm/cronicas/irc_prof.htm.> 2. Coresh J et al. Prevalence of chronic kidney disease and decreased kidney function in the adult US population: Third National Health and Nutrition Examination Survey. Am J Kidney Dis. 2003;41(1)1-12. 3. Sociedade Brasileira de Nefrologia - Censo 2008 4. K/DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification, and stratification. Am J Kidney Dis. 2002;39(2)S1-266. 5. Bello AK,Nwankwo E, El Nahas AM. Prevention of chronic kidney disease: a global challenge. Kidney. 2005;98:S11-7. 6. Passos VM, Barreto SM, Lima-Costa MF.. Detection of renal dysfunction based on serum creatinine levels in a Brazilian community: the Bambui Health and Ageing Study. Braz J Med Biol Res. 2003;36(3):393-401. 7. Oliveira MB, Romao Jr. JE, Zatz R. End-stage renal disease in Brazil: epidemiology, prevention, and treatment. Kidney. 2005;97:S82-6. 8. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional ao Portador de Doença Renal, Série B. 2004: Textos Básicos em Saúde. 9. V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. 10. American Diabetes Association. Standards of Medical Care in Diabetes (Position Statement). Diabetes Care.2005;28:S4-S36. 11. Levey AS, Beto JA, Coronado BE, Eknoyan G, Foley RN, Kasiske BL, Klag MJ, Mailloux LU, Manske CL, Meyer KB, Parfrey PS, Pfeffer MA, Wenger NK, Wilson PW, Wright JT, Jr. Controlling the epidemic of cardiovascular disease in chronic renal disease: what do we know? What do we need to learn? Where do we go from here? National Kidney Foundation Task Force on Cardiovascular Disease. Am J Kidney Dis. 1998;32:853-906. 12. Diretrizes Brasileiras de Prática Clínica para o Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica. JBN. 2008;30(1):1-32. 13. NFK-DOQI Clinical practice guidelines for managing dyslipidemias in CKD. Am J Kidney Dis. 2003;41(3):1-32. 14. SBN: Doença renal crônica: definição, epidemiologia e classificação. J Bras Nephrol. 2004;26(3):1-35. 15. Barret JB, Parfrey OS. Preventing nephropathy induced by contrast medium. N Engl J Med. 2006;354:379-386. 16. Tepel M, Zidek W. N-acetylcysteine in nephrology: contrast nephropathy and beyond. Curr Opin Nephrol Hypertens. 2004;13:649-654. 17. Chewning HR, Murphy K. Gadolinium-based contrast media and the development o nephrogenic systemic fibrosis in patients with renal insufficiency. J Vasc Interv Radiol.2007;18:331-334.

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Panorama Geral

Teste seus Conhecimentos Nas questões a seguir, assinale a resposta correta: 1 a) b) c)

Em relação à Doença Renal Crônica (DRC), é correto afirmar que: O número de pacientes com esta doença vem diminuindo nas últimas décadas; A maioria dos pacientes com esta doença é conhecedora do diagnóstico; Os principais fatores de risco para o desenvolvimento desta doença são diabetes mellitus, hipertensão arterial, envelhecimento, história familiar e doença cardiovascular; d) O tabagismo não é um fator importante para a progressão desta doença; e) No Brasil, a maioria dos pacientes em diálise são submetidos à diálise peritoneal. 2 a) b) c) d)

Em relação à definição da DRC, é correto afirmar que: Trata-se de uma situação reversível; É definida apenas pela diminuição do Ritmo de Filtração Glomerular (RFG); A creatinina sérica deve ser utilizada como marcador isolado da função renal; A presença de alguma evidência de lesão da estrutura renal (por exemplo, albuminúria ou alteração de imagem) por mais de três meses faz parte do diagnóstico desta doença; e) A função renal é avaliada exclusivamente pela depuração de creatinina na urina de 24 horas. 3 a) b) c) d) e)

Em relação à classificação da DRC, não é correto afirmar que: A DRC é didaticamente dividida em cinco estágios; No estágio um o RFG é normal; No estágio três geralmente os sintomas são bastante acentuados; No estágio quatro os sinais e sintomas de uremia já são mais presentes; No estágio cinco os sintomas se intensificam e as opções terapêuticas são os métodos de diálise ou o transplante renal.

4 a) b) c) d) e)

Em relação às causas da doença renal crônica é correto afirmar que As principais causas são a hipertensão arterial e o diabetes mellitus; Não é possível estabelecer quais são as principais causas desta doença; As nefrites da infância são as principais causas desta doença; Os tumores renais são responsáveis por mais de 50% das causas desta doença; As doenças urológicas não levam à perda da função renal.

5 a) b) c) d) e)

As doenças abaixo são consideradas de alto risco para o desenvolvimento da DRC, exceto: Hipertensão arterial; Diabetes melitus; Doenças glomerulares; Infecções sistêmicas; Doença cardiovascular.

6 a) b) c) d)

Em relação à DRC terminal, não é correto afirmar que: A maioria dos pacientes em diálise são jovens; O diabetes mellitus vem contribuindo cada vez mais como causa de DRC terminal; Segundo dados atuais, há no Brasil mais de 80.000 pacientes em diálise; No Brasil a prevalência de pacientes mantidos em programa crônico de diálise vem crescendo substancialmente, afetando diretamente os gastos em saúde; e) No Brasil a maioria dos pacientes estão em hemodiálise. 7 a) b) c) d) e)

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São objetivos do tratamento de pacientes com DRC, exceto: Retardar progressão; Prevenir complicações; Preparar o paciente para Terapia Renal Substitutiva (TRS); Encaminhar o paciente para diálise quando os sintomas forem muito intensos; Modificar comorbidades.

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Panorama Geral 8 a) b) c) d) e)

Para os pacientes com DRC e proteinúria maior que 1 g/dia, o alvo da pressão arterial é: 140x90 mmHg; 100x60 mmHg; 120x75 mmHg; 130x80 mmHg; 150x90 mmHg.

9 a) b) c)

Na abordagem ao diabetes mellitus em pacientes com DRC, é recomendado, exceto: Manter níveis de glicemia pré-prandial e hemoglobina glicada dentro dos padrões da normalidade; Não utilizar insulina; Se houver presença de microalbuminúria ou proteinúria, utilizar como primeira droga os inibidores do sistema renina-angiotensina; d) Todo paciente com microalbuminúria ou proteinúria, hipertenso ou não, deve ser tratado com inibidores do sistema renina-angiotensina; e) Evitar antidiabéticos orais em indivíduos com clearance de creatinina abaixo de 30 mL/min. a) b) c) d) e)

Em relação à presença de anemia nos pacientes com DRC, é correto afirmar: Não é uma complicação freqüente nesta população; Seu tratamento não possui impacto clínico nesta população; O tratamento da anemia nesta população visa manter os níveis de hemoglobina acima de 13 mg/dL; As causas mais comuns são deficiência de eritropoetina e de ferro; A causa da anemia nestes pacientes é sempre a deficiência de eritropoetina.

Respostas: 01 - c; 02 - d; 03 - c; 04 - a; 05 - d; 6 - a; 07 - d; 08 - c; 09 - b; 10 - d.

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Farmácia Integrada

Conceito que envolve o ambiente, os produtos, os serviços, as pessoas e as atitudes de uma farmácia comunitária e busca estabelecer uma coerência entre o discurso e a prática Nilce Barbosa

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Farmácia Integrada

A

s Semanas Racine de Atualização em Farmácia, como espaço político e científico, sempre foram espaços altamente profícuos para lançarem-se idéias, promoverem-se discussões e incentivarem-se mudanças. Em julho do ano 2000, a programação científica da 10ª Semana Racine, com seus inúmeros temas de cursos, palestras e mesas redondas, proporcionou aos participantes um intenso debate sobre o atual momento pelo qual passava a farmácia e a profissão farmacêutica. Tornava-se evidente, ao findar-se uma década de grandes questionamentos e movimentos em nível mundial, que grandes mudanças entrariam em processo. Com o decorrer dos anos, evoluímos nosso pensar sobre que tipo de farmácia desejávamos ver consolidada no Brasil e passamos a observar melhor os movimentos em torno da profissão farmacêutica e do exercício profissional na farmácia comunitária em todo o mundo. Percebemos que uma verdadeira crise cultural envolvia as relações entre a sociedade e a farmácia. O farmacêutico, como profissional da saúde especialista no medicamento, começou a entender que continuar centrando suas atividades apenas na elaboração, na produção, na distribuição e na dispensação limitava seu papel na cadeia sanitária ao longo do tempo. Paralelo a isso, era possível também perceber que o próprio ambiente, os tipos de produtos disponibilizados e os serviços prestados estavam descaracterizados e não contribuíam para que a população enxergasse a farmácia como um estabelecimento de saúde. A discussão sobre a educação farmacêutica tornou-se urgente para que a profissão pudesse avançar e redesenhar seu papel na cadeia sanitária. Uma nova realidade, centrada na proteção da saúde, na educação sanitária e no paciente, ator que deve ser ativo para conseguir-se o sucesso terapêutico, exigia não apenas um novo modelo de profissional, mas um novo modelo de farmácia.

Farmácia integrada à cadeia sanitária e ao sistema nacional de saúde Sabemos que saúde é uma síntese, de uma multiplicidade de processos, do que ocorre com a biologia do corpo humano, com o ambiente, com as relações humanas e sociais, com a economia e a política internacional e dos países. Sabemos que vivemos um modelo de saúde curativo e baseado na ausência de enfermidades, que privilegia o desenvolvimento tecnológico e dos fármacos e que conta com o apoio dos diferentes atores participantes deste modelo, seja por inércia, ignorância ou conveniência. Sabemos que a saúde possui quatro grandes inimigos: a pobreza, os estilos de vida, a situação global ambiental e a violência. Porém, mais que tudo, sabemos que um sistema de saúde efetivo deve concentrar-se muito mais na prevenção de doenças e na promoção da saúde e é neste sentido que um estabelecimento sanitário de acesso facilitado e com alta cobertura geográfica, como as farmácias, pode desempenhar um papel determinante para descongestionar o sistema, quando se tratar de questões de atenção primária à saúde. Suas ações devem ser alinhadas e complementares ao quadro geral de atividades e programas, sejam eles públicos ou privados, existentes no Município ou região.

Com o tempo, por uma questão de semântica, adotamos o termo Farmácia Integrada para nos referirmos a essa farmácia, que entendemos vem atender às necessidades sociais e sanitárias dos serviços farmacêuticos. Como as formas lingüísticas são símbolos e valem pelos seus significados, achamos por bem a produção deste artigo para explicitar o que desejamos dizer com o termo Integrada. Por meio deste texto retomamos este conceito, inaugurando a seção homônima na Revista Racine, que a partir desta edição esmiuçará o tema e explicitará as possibilidades e detalhes deste modelo de estabelecimento farmacêutico.

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Farmácia Integrada

Integrar-se significa, aqui, assumir que a essência da atividade farmacêutica e da farmácia comunitária e seu papel na cadeia sanitária, é prover a sociedade de medicamentos e outros produtos e serviços para a saúde, garantindo o cuidado, a orientação, a segurança e a observação dos efeitos de seu uso. Assim, a Boa Prática de Farmácia deve compreender, entre outros requisitos, a responsabilidade sobre a prescrição racional e o uso correto dos medicamentos.

Farmácia integrada ao usuário dos produtos e serviços O foco da atenção do farmacêutico deve ser sempre as necessidades assistenciais dos pacientes ou usuários dos produtos e serviços de sua farmácia e da comunidade em que ela está inserida. Para que essas necessidades sejam atendidas ele deve manter sempre um alto grau de compreensão e envolvimento com o ambiente que o rodeia. Condições sanitárias, perfil demográfico, fatores

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socioeconômicos, culturais, políticos e geográficos determinam particularidades no perfil epidemiológico das regiões, Municípios e bairros, que, por sua vez, determinarão o perfil da farmácia e as necessidades na prestação dos serviços farmacêuticos. Alguns indicadores podem ser observados de forma macro, porém outros devem ser estudados mais minuciosamente, de forma que o farmacêutico possa estar preparado para os desafios que enfrentará. A grande mudança no “ser farmacêutico” está em enxergar que o medicamento é um meio e não um fim na obtenção dos objetivos terapêuticos de qualquer tratamento farmacológico. Para atuar desta forma o profissional deverá desenvolver-se na prática da atenção farmacêutica, que pela Proposta de Consenso Brasileiro é conceituada como “um modelo de prática farmacêutica desenvolvida no contexto da assistência farmacêutica. Compreende atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades na prevenção

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de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde. É a interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida. Esta interação também deve envolver as concepções de seus sujeitos, respeitadas as suas especificidades biopsicosociais, sob a ótica da integralidade das ações de saúde”. A mudança dos padrões demográficos, dos perfis epidemiológicos e dos estilos de vida das populações nas diversas partes do mundo, bem como o desenvolvimento das ciências farmacêuticas e da saúde, expõem essas mesmas populações a um aumento da expectativa de vida, a serem portadoras de doenças crônicas, ao uso concomitante e contínuo de fármacos, ao uso de fármacos cada vez mais potentes ou a um número excessivo de apresentações de um mesmo produto, entre outros riscos. Assim, nos dias atuais, a necessidade


Farmácia Integrada social para com a profissão farmacêutica em seu exercício na farmácia comunitária transcende as funções desempenhadas até então. Faz-se necessário ampliar o escopo de sua atuação, agregando às suas responsabilidades contribuir com a busca de resultado positivos nas farmacoterapias por meio de intervenções clínicas. Isto implica em um esforço pessoal em preparar-se cientifica e humanamente, o que entendemos talvez nem todos os farmacêuticos estejam dispostos a fazer ou sejam talhados para isso. Mas estas atitudes são absolutamente necessárias para que suas ações proporcionem impactos relevantes e duradouros nas condições de saúde da sociedade.

Farmácia integrada à comunidade O farmacêutico ocupa uma posição privilegiada entre os profissionais da saúde na questão do contato direto com a comunidade, ocorrendo este sem burocracia ou custo. Deste modo, sua atuação pode contribuir de forma única com a promoção da saúde e a prevenção de doenças. Doenças estas que, muitas vezes, estão diretamente ligadas à educação e às precárias condições higiênico-sanitárias em que vive um grande número de brasileiros. A falta de saneamento básico é um grave problema econômico e de saúde no Brasil. Estima-se que 60 a 70% das internações hospitalares sejam devidas a doenças causadas pela falta de água tratada, coleta e tratamento de esgoto, que propagam enfermidades como diarréia, hepatite A, febre tifóide, cólera, dengue e leptospirose. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que para cada US$ 1,00 investido em saneamento deixese de gastar US$ 5,00 em tratamento médico. Uma recente pesquisa reali-

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Cada Município possui um perfil epidemiológico específico, bem como características socioeconômicoculturais próprias e seus diferentes indicadores e informações de saúde são a base para que o farmacêutico comunitário defina suas prioridades de trabalho, seja no âmbito de sua farmácia ou da coletividade.

Farmácia integrada aos demais profissionais da saúde

zada pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) mostra claramente que o avanço da atenção básica, com a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) nos anos 90 e, mais recentemente, com o Programa Saúde da Família (PSF), pode interferir significativamente na redução das internações por doenças ligadas ao saneamento. Embora as condições sanitárias tenham evoluído discretamente, menos pessoas adoeceram, deixando de utilizar o sistema hospitalar. Apenas com esses dados é possível estimar o impacto que é possível causar a atuação das farmácias na educação sanitária da comunidade e o valor que elas podem agregar ao conjunto do sistema nacional de saúde, por serem a porta de entrada e saída deste sistema. De modo individual ou profissional, os farmacêuticos comunitários podem e devem participar, influenciar e colaborar com as Políticas de Saúde e as Políticas de Assistência Farmacêutica em seus Municípios. Programas educacionais para a promoção e proteção da saúde, incluindo a diminuição do abuso e mau uso dos medicamentos, podem ser desenvolvidos e implementados pela farmácia.

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Ainda hoje, a farmacoterapia é a forma de intervenção médica mais freqüentemente utilizada. Além disso, as situações de múltiplos prescritores para um mesmo paciente é uma realidade cada vez mais presente nas populações, que têm visto suas expectativas de vida aumentarem expressivamente a cada década. Este contexto faz do farmacêutico comunitário um elo de enorme importância na cadeia sanitária. Sua facilidade de acesso, seus vínculos de confiança com a comunidade, seu amplo conhecimento do público freqüentador de sua farmácia e sua capacidade de influência são valiosos reforços aos procedimentos terapêuticos definidos pelos demais profissionais envolvidos em uma decisão terapêutica. Isto também pressupõe, por parte dos farmacêuticos, uma responsabilidade compartilhada com outros profissionais da saúde e com os pacientes pelo resultado do tratamento. O farmacêutico sabe, melhor do que qualquer outro profissional da área da saúde, que o medicamento é um dos pilares de qualquer terapêutica, independente da enfermidade que se esteja tratando. Cada indivíduo, independente de sua condição de saúde, deve ser visto como um todo pela ótica das diferentes ciências e profissões da área da saúde. Esta visão ampliada e


Farmácia Integrada adequada da realidade resultará não apenas em uma forma de atuação interdisciplinar com também transdisciplinar. Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade alimentam-se mutuamente no cotidiano das modernas intervenções em saúde. A Declaração de Tóquio, já em 1993, deixa claro que os farmacêuticos comunitários devem manter contínua relação com os outros profissionais da saúde, especialmente com os médicos, mantendo com estes uma verdadeira sociedade terapêutica que implica em confiança e fé mútuas em todos os assuntos farmacoterapêuticos. Sendo a farmácia comunitária um local isolado de outros estabelecimentos sanitários, deverá, o farmacêutico, ter sempre uma atitude ativa na busca do relacionamento com os outros profissionais da saúde.

Farmácia integrada nos diferentes setores ou categorias de produtos Além dos medicamentos, uma extensa gama de produtos pode e deve ser disponibilizada pelas farmácias, no sentido de atender as necessidades das pessoas no que tange à utilização, consumo e aplicação de produtos, visando melhorar, cuidar ou contribuir com sua saúde, sejam elas portadoras ou não de enfermidades. As categorias ou seções de produtos são inúmeras e devem ser definidas após uma análise aprofundada das características da região na qual a farmácia está estabelecida: doenças mais prevalentes, idade média da população, serviços de saúde existentes etc. Definidas as seções ou categorias, será o momento de determinar quais produtos e em que quantidade se deve compor o mix da farmácia. Produtos

e seções se integram no sentido de complementaridade da atenção ao usuário. Se a farmácia possui uma seção de produtos para bebês e crianças, deve possuir também os produtos para higiene bucal para esta faixa etária. Do mesmo modo que, se a farmácia disponibiliza os medidores de glicemia, com as lancetas e tiras reagentes, deve disponibilizar também o arsenal de insulinas.

Farmácia integrada em seus serviços Uma farmácia comunitária é, antes tudo, um conjunto de serviços que devem estar também integrados de modo a serem apresentados à sociedade como algo de valor para o cuidado de sua saúde. A cadeia de serviços inicia-se ao promover o acesso fácil e seguro ao medicamento, garantindo que os estabelecimentos estejam bem distribuídos, permitindo uma cobertura geográfica adequada. Os serviços podem ser divididos em assistenciais, de docência e de investigação. Por sua vez, os serviços assistenciais se subdividem em serviços orientados aos usuários e serviços orientados aos medicamentos e produtos. Uma cadeia de serviços integrada deve ser controlada por um sistema de qualidade, com procedimentos normatizados, de modo a serem medidos, avaliados e melhorados. O conjunto de serviços oferecidos demonstra ao usuário e à sociedade o compromisso e o cuidado que a farmácia tem com a saúde. Serviços assistenciais Serviços orientados aos usuários: • Dispensação de medicamentos; • Indicação farmacêutica; • Seguimento farmacoterapêutico;

• Educação em saúde; • Farmacovigilância; • Assistência domiciliária; • Manipulação clínica. Serviços orientados aos medicamentos e produtos para a saúde: • Definição do mix de produtos; • Seleção e qualificação de fornecedores; • Armazenamento e controle de estoque; • Fracionamento de medicamentos; • Gestão de resíduos. Serviços de docência • Ações educativas de proteção à saúde; • Programas de formação continuada de funcionários; • Estágios para graduandos em farmácia; • Programas de práticas sob tutoria para graduados; • Assessoramento aos outros profissionais da saúde na melhoria dos conhecimentos sobre os fármacos e sua utilização.

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Farmácia Integrada Serviços de investigação

Um novo conceito

• Estudos e pesquisas.

Discutir este novo conceito de farmácia comunitária não tem qualquer intenção de apagar a realidade à nossa volta e propor, levianamente, que se crie algo novo, sem resolver a enormidade de problemas instalados nos diferentes modelos de estabelecimentos de dispensação de medicamentos. O propósito é inspirar os profissionais farmacêuticos a projetarem sua atuação para além do medicamento, interferindo decisivamente na saúde coletiva. É preciso fazer mais do que atender as pessoas, é preciso ajudá-las. Potencializar o papel social do farmacêutico e da farmácia comunitária como estabelecimento sanitário passa por incorporar outras atividades profissionais dirigidas, que não apenas as de produzir, armazenar ou dispensar os medicamentos. Isto não exclui a evidente importância dos medicamentos em nosso cotidiano, pois envolve a freqüência com que os utilizamos, os riscos a que estamos expostos quando o fazemos, seu impacto econômico em nosso orçamento e os benefícios que podemos ter por seu uso racional.

Farmácia integrada com sua equipe Definir a identidade e ideologia da farmácia significa tornar clara qual é sua missão e quais são suas crenças e seus objetivos. A formalização e a estruturação destes documentos possui um papel imprescindível na seleção da equipe que atuará na farmácia. De nada adiantarão as melhores intenções do farmacêutico se o grupo que o acompanha não estiver alinhado com seus propósitos. Na contratação, a farmácia deve investir na diversidade, buscando pessoas de diferentes idades, gêneros, raças e culturas. Deve, também, valorizar a integração dos novos colaboradores, planejando e implementando programas internos de treinamento, que lhes permitam conhecer as aspirações e valores que a farmácia defende. Esses esforços proporcionarão a este grupo a capacidade de corroborar com os objetivos da farmácia, reconhecer uma necessidade dos usuários ou da comunidade, desempenhando um trabalho que faz diferença e do qual eles se orgulharão. O desenvolvimento da equipe é de responsabilidade do farmacêutico e este deve garantir que ela esteja preparada para atender as necessidades de informação, orientação e cuidados das pessoas que adentrarem à farmácia ou com ela se relacionarem de alguma forma.

Farmácia integrada à educação farmacêutica Muito se tem discutido em todo o mundo sobre a educação na área farmacêutica no sentido de que esta acompanhe as transformações e exigências de uma sociedade complexa em suas estruturas e relações sociais. Evidencia-se, cada vez mais, o quanto o conhecimento é transitório e o quanto os saberes, os recursos e a sociedade evoluem ao longo do tempo. Diante desta realidade, os farmacêuticos comunitários devem assumir o compromisso com o desenvolvimento contínuo de suas competências. Manter-se informado e participar politicamente das discussões curriculares deve, também, fazer parte da agenda do profissional farmacêutico da farmácia comunitária, uma vez que com ele trabalharão os novos farmacêuticos, ao mesmo tempo em que ele próprio deverá reciclar-se continuamente.

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Não há dúvida que os farmacêuticos precisam ser preparados inicialmente, para então modificarem suas práticas. É uma longa caminhada e muito difícil para muitos. A dificuldade se dá por vários motivos, entre eles a noção arraigada pela formação tecnicista e a necessidade de percorrer os caminhos das ciências humanas e sociais, tão desconhecidos dos farmacêuticos. Caberá a ele o compromisso pedagógico e político de oportunizar a real aprendizagem dos indivíduos no cuidado com sua saúde, cujo resultado será uma sociedade que conhece melhor o quão benéficas podem ser as atividades de uma farmácia. O farmacêutico deve estar preparado para não desperdiçar essas oportunidades, que são preciosas e que, muitas vezes, poderão aparecer nos momentos mais inesperados, permitindo-lhe abordar os temas de saúde em uma perfeita relação com a vida e seu cotidiano. Por meio da mudança de foco, das melhorias contínuas e do repensar sobre os possíveis benefícios que se pode ter com esta atividade, conseguiremos chegar a este conceito de Farmácia Integrada, que pede menos exibição dos medicamentos, maior variedade de outros produtos para a saúde, menos balcões e mais mesas e cadeiras, uso correto do auto-serviço, mais tempo para o atendimento, mais investimentos em estrutura física, em qualificação contínua e em uma boa biblioteca, além de se tornar fundamental um equilíbrio entre tecnologia e humanidade. Nilce Barbosa é farmacêutica e presidente do Grupo Racine.


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