SEXTA-FEIRA Recife, 18 de outubro de 2013
EM PORTO - La Crêperie chega aos 19 anos com novos crepes e entradinhas para o verão ■
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Sabores Editora: Vanessa Lins e-mail: saborespe@gmail.com Telefone: 34255861
A UNIFORMIZAÇÃO dos diferentes O que há de diferente entre esses dois brigadeiros que ilustram a nossa capa? A olho nu, nada. Aos olhos de quem fez, um é gourmet e o outro não. Muito provavelmente você já foi tomado pela sedução do termo na hora de comprar uma comida - ou até um apartamento. Mesmo que muitas vezes, na prática, não exista diferença alguma. Azeite, cerveja, brigadeiro, pastel, geleia, carvão, café, churrasco, hambúrguer, P.F, varanda de edifício... Tudo pode ser gourmet. O termo fugiu, ou melhor, foi “roubado” da extensão do substantivo pessoal, tornando-se um adjetivo mágico da gastronomia e seus afins. Sabores, hoje, descortina o que há por trás dele, seu real sentido, e das suas aplicações.
André Nery
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Sabores
SEXTA-FEIRA
Recife, 18 de outubro de 2013
Vendido como algo superior, o termo gourmet foi ressignificado
O mundo moderno e sua “GOURMETIZAÇÃO” MASSIVA ■ ESPÉCIE de pingente de
diamante das criações gastronômicas, palavra pode ser apenas estratégia de vendas
EDUARDO SENA
Em entrevista recente para um canal de TV por assinatura, a empresária paulista Juliana Motter foi cirúrgica ao dizer que “a ‘gourmetização’ do mundo é fato. Mas se tudo é gourmet, nada é gourmet”. Juliana é dona da Maria Brigadeiro, marca que, em 2007, foi a primeira a vender brigadeiro com esse rótulo. De lá pra cá, nesses seis anos, assistimos, de certa forma, ao uso recorrente e incessante do termo em várias esferas. No dicionário Houaiss, gourmet refere-se ao “indivíduo que é bom apreciador e entendedor de boas mesas, de bons vinhos e se regala com finos acepipes e bebidas”. O que era substantivo foi transformado em adjetivo, qualificando não só as pessoas, mas, sobretudo, produtos. “Atualmente tem a ver com a questão de consumo, muito mais do que com a busca pelo conhecimento dos alimentos que antes estava pressuposta na palavra. É como se o produto tivesse um poder mágico de transformar quem o consome”, explica Renata Amaral, doutoranda em Comunicação pela UFPE, onde pesquisa jornalismo gastronômico. Com essa conjuntura, a comida passa a se tornar objeto de consumo e não mais de subsistência. Motter fala que o diferencial do seu brigadeiro gourmet em relação ao tradicional é “o uso do chocolate em pó em vez de achocolatado e manteiga em vez de margarina”, ou seja, primar por bons ingredientes. “Mas essa já é a receita do doce comum na casa de muita gente há décadas. Será que o brigadeiro precisa mesmo desse rótulo para se tornar irresistível?”, questiona Renata. Ainda no caso do famoso doce, gourmet passou a significar também que o acepipe ganhou releitura com ingredientes diferentes da receita original, por exemplo, Leite Ninho. Mas o que o lácteo em pó tem de sofisticado? A indústria, atenta ao magnetismo do novo adjetivo, também passou
Divulgação
Folha resume O termo gourmet, que antes se referia aos apreciadores de bons vinhos e da boa mesa, ganhou uma nova conotação na contemporaneidade. Por mera tática mercadológica, foi transformado em adjetivo para supor que determinado item comestível, e até os não, tem mais atributos que um comum.
a utilizar a palavra em vários artigos, associando a ideia de que aquilo é feito com melhores ingredientes, que é algo de excelência. “É o tal do ‘agregar valor’. Mas com uma preocupação muito mais com vender, com criar a necessidade que antes não existia, do que com o gosto em si”, alfineta Amaral. Para o empresário paulista Alexandre Matos, que desenvolveu um carvão gourmet (sim, o de preparar churrasco), é uma tendência em que tudo é válido, mas é inseguro em relação à longevidade desse frisson. “Vai ver que lá na frente, talvez não seja mais gourmet, o hype seja caipira”, supõe. A embalagem de 3,3kg
do carvão comercializado por Matos promete que o comburente “acende fácil, com segurança, maior calor, sem fumaça e nem cheiro”. NA CONSTRUÇÃO CIVIL O carvão, enfatiza o comerciante, é destinado às varandas gourmets, “para acender sem gerar tumulto”, conta, destacando como o adjetivo também está ligado a outras perspectivas que não as comestíveis. A varanda é um dos exemplos. Basta olhar os classificados de imóveis para constatar como o item é um dos novos chamarizes para as vendas, fruto da globalização gastronômica (e a subsequente contemporanização da culi-
nária) que propiciou, entre outras coisas, a presença do espírito de chef nas pessoas. Para o arquiteto Humberto Zirpoli, que já desenhou e comandou várias obras de espaVARANDA ços desse tipo, a principal finagourmetizada lidade da varanda gourmet é a é a nova de receber as visitas com mais coqueluche charme. “As pessoas, cada vez entre mais, estão enxergando a culimoradores de nária como um hobby. É soapartamentos cialmente interessante receber na varanda com uma cozinha equipada, cozinhar para os amigos. Muito mais simpático que mesa de restaurante”, opina o profissional. Segundo ele, a partir de R$ 5 mil é possível montar uma. Cerca de 80% dos seus clientes já solicitaram uma. Para que tudo dê certo, ele dá algumas dicas. “Preste atenção ao posicionamento do fogão em relação ao vento, verifique pontos de água e energia. Entre os itens ne-
cessários, um fogão tipo cooktop, armário para ingredientes e utensílios, pia e frigobar”, relaciona.
Saiba mais PALESTRA - No próximo dia 31, às 19h, na Livraria Cultura (Paço Alfândega) o coletivo Cartola, formado pela jornalista Renata Amaral, a antropóloga Luciana Lira e a socióloga Clarissa Galvão, discute o “Fetiche da Gastronomia” no mundo contemporâneo. A gourmetização tá na pauta.
> Serviço Humberto Zirpoli Arquitetura Informações: 3465.9040
“No início, indicava apenas os provadores de vinho. Depois, não só eles; mas todo aquele que apreciava a bebida. Até que passou a ter o sentido que tem hoje - aquele que é apreciador e entendedor das boas mesas e dos bons vinhos”
“Gourmet pra mim é tudo aquilo que nem sempre é bom, mas sempre é caro”
“É desfrutar da harmonia de uma boa comida, ambiente adequado e cercado de boas companhias”
“É poder viajar entre várias culturas por meio da culinária, técnicas e utensílios”
Arthur Chrispin, gerente de operações e personalidade do Twitter
Samuel Brito, empresário e gourmet
André Saburó, chef de cozinha
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André Nery/Arquivo Folha
André Nery/Arquivo Folha
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André Nery/Arquivo Folha
> E para você, o que é gourmet?
“Gourmet está ligado à perfeita combinação entre visual e sabor. Mexe com os sentidos no que existe de mais sofisticado na arte das combinações” André Carício, arquiteto
Lecticia Cavalcanti, pesquisadora gastronômica e ocupante da cadeira de número 23 da Academia Pernambucana de Letras