Revista RG News vol 2 n°1 2016

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Revista

Revista RG News 2 (1) 2016 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos Revista RG News V2 (1) 2016 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG NEWS V.2

N.1

2016

Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos


Revista RG News 2 (1) 2016 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Revista RG News Publicação oficial, virtual, da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos COMISSÃO EDITORIAL DA REVISTA Editor Chefe: Renato Ferraz de Arruda Veiga Conselho Editorial Técnico Científico: Área Animal: Afrânio Gonçalves Gazolla Área Microrganismos: Maira Halfen Teixeira Liberal Área Vegetal: Manoel Abílio Queiróz

DIRETORIA DA SBRG Presidente: Marcos Aparecido Gimenes Diretor Financeiro: Alexandre Floriani Ramos Diretora de Eventos: Rosa Lia Barbieri Diretor Científico e de Divulgação: Miguel Luiz Menezes Freitas Secretária Executiva: Tammy Aparecida Manabe Kiihl


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Revista Recursos Genéticos News - RG News Brasília, DF V2 (1) 2016 Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos A eventual citação de produtos e marcas comerciais, não expressa, necessariamente, recomendações de seu uso pela SBRG. É permitida a reprodução parcial, desde que citada a fonte.

“À vista mui deliciosa e fresca em gram maneira: toda está vestida de mui alto e espeço arvoredo, regada com as águas de muitas e preciosas ribeiras de que abundantemente participa a terra, onde permanece sempre a verdura, com aquela temperança da primavera. ” Pero Magalhães Gandavo (1891), sobre o Brasil

Editada pela SBRG


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Revista RG News v.2, no. 1., 2016 APRESENTAÇÃO A Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG), após publicar seu primeiro livro Recursos Fitogenéticos: A base da agricultura sustentável no Brasil e o primeiro volume da Revista virtual RG News, ambos em 2015, segue com o desafio de perpetuar sua revista, agora com o V.2 n° 1 de 2016. Assim prosseguimos com o objetivo de atender tanto aos trabalhos de divulgação de pesquisa e extensão como de ações desenvolvidas e das novidades sempre presentes em recursos genéticos e áreas correlatas. Temos aqui que fazer um esclarecimento do porque não nos atermos apenas a textos da língua portuguesa, abrindo espaço para textos em outras línguas como o inglês e espanhol. Isto se deve ao envolvimento intenso, em trabalhos conjuntos, com cientistas dos países do nosso entorno, todos falando o espanhol, bem como com muitos especialistas de outras partes do mundo, onde o inglês nos permite esta integração Devemos lembrar que a revista se destina a divulgar trabalhos na área, não apenas aos seus sócios, mas também a outros públicos científicos do país e exterior. Finalmente desejamos enfatizar que temos a pretensão de fornecer informações que auxiliem os especialistas das Redes de Recursos Genéticos e Curadorias de Bancos Ativos de Germoplasma/Coleções Científicas, das áreas Animal, Microrganismo e Vegetal.


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CONTEÚDO I – A PALAVRA DO PRESIDENTE DA SBRG .......................................................................... 6 Avanços com a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos ................................................. 6 II – ARTIGOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA ...................................................................... 8 A) ÁREA ANIMAL .................................................................................................................. 8

1) Condições de Manejo, Conservação, Estado Sanitário e Caracterização Fenotípica do Cavalo Baixadeiro .......................................................................................................................... 8 A) ÁREA DE MICRORGANISMO ............................................................................................ 15

1) Coleção de fungos entomopatogênicos: biodiversidade para o controle biológico de pragas na agropecuária brasileira. ............................................................................................. 15 A) ÁREA VEGETAL ............................................................................................................... 20

1) Epigenética....................................................................................................................................... 20 2) Tensores socioambientais de ameaça à conservação da Janaúba (Himatanthus Willd ex Schult. – Apocynaceae), um recurso medicinal de importância regional no Estado do Maranhão. ........................................................................................................................ 24 3) A segurança biológica, os recursos genéticos e a agricultura ........................................ 31 4) Sistemas Agroflorestais: relação social, econômica, ambiental e manejo de recursos genéticos e do agronegócio .............................................................................................................. 36 5) O princípio da precaução em OGMs e recursos genéticos ................................................ 40 6) Os direitos de propriedade intelectual, a biotecnologia e os recursos genéticos ..... 43 7) Contextualização sobre tópicos especiais de meio ambiente, agricultura sustentável e exploração dos recursos genéticos florestais .......................................................................... 52 8) Análise de risco de pragas: segurança para o agronegócio e para os recursos genéticos - o Maranhão como um bom exemplo de casos ..................................................... 58 9) Banco Genético da Embrapa e o seu papel de Conservação da Diversidade Genética da Flora Brasileira ............................................................................................................................. 62 III- ENTREVISTADO DA VEZ ........................................................................................................ 70 Afonso Celso Candeira Valois ......................................................................................................... 70 IV – QUAL O SEU BAG/COLEÇÃO CIENTÍFICA ................................................................ 77 Recursos genéticos de Palmeiras ................................................................................................... 77 V – SUA OPINIÃO ................................................................................................................................ 83 1) Recursos Genéticos: O princípio no mundo e o hoje no Brasil ........................................ 83 2) Cobiça versus soberania da Amazônia, recursos genéticos e suas relações com o aquecimento global ............................................................................................................................ 85 3) O uso de recursos genéticos na produção de cultivares melhoradas com vistas a atender os desafios impostos pela mudança climática .......................................................... 95 VI - ACONTECEU .................................................................................................................................. 98 Perdido na mata ................................................................................................................................. 98


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VII – EVENTOS .................................................................................................................................... 101 Acontecerá: ......................................................................................................................................... 101 VIII – A REDE DE RECURSOS GENÉTICOS DO NORDESTE ................................... 102 VIII – MEMÓRIA DOS RECURSOS GENÉTICOS ............................................................. 106 a) Internacional ................................................................................................................................ 106 b) Nacional ......................................................................................................................................... 108 IX – VERNISSAGE ............................................................................................................................. 109 X - SUGESTÕES PARA ELABORAÇÃO DOS TEXTOS.................................................... 112 XI – APOIO ............................................................................................................................................. 113


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I – A Palavra do Presidente da SBRG Avanços com a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Marcos Aparecido Gimenes Graduado em Ciências Biológicas (1990). Me (1993) e Dr. (1997) em Ciências Biológicas (Genética) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Botucatu. Pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e Professor e Orientador do curso de Pós-graduação em Ciências Biológicas da UNESP-Botucatu. Atuando principalmente nos seguintes temas: Arachis spp., variabilidade genética, e recursos genéticos.

No número anterior da RG News, apresentamos as finalidades a que se destina a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG). Nesse número, apresentaremos algumas das realizações no período e ações que pretendemos realizar em curto e médio prazo. Nossa comunidade clamava pela melhor divulgação do tema recursos genéticos, o que foi efetivado com as publicações do livro “Recursos Fitogenéticos - A base da agricultura sustentável no Brasil” e desta revista, a RG News. O livro tem foco em Recursos Fitogenéticos, mas em função de seu sucesso abriu as portas para outros livros nas áreas animal e microrganismos. Ainda atendendo aos anseios e demandas de nossa sociedade, durante o X SIRGEALC, realizado em Bento Gonçalves (RS) em 2015, realizamos em assembleia a revisão do estatuto da SBRG, onde foi atendida uma demanda ocorrida no III Congresso Brasileiro de Recursos Genéticos, em Santos (2014), relativa a necessidade da incorporação do tema Curadoria e Redes de Recursos Genéticos entre as atribuições da SBRG. Sendo assim, foi criado uma diretoria, que na próxima gestão, cuidará desses dois temas fundamentais, dando continuidade as atividades do Sistema Nacional de Curadorias, trabalhando junto às redes de recursos genéticos existentes e promovendo a criação de novas redes regionais. A SBRG participou da organização de eventos regionais, nacionais e internacionais e isso só foi possível devido à parceria com a Rede Sul de Recursos Genéticos e com a Rede de Recursos Genéticos Vegetais do Nordeste. No momento trabalhamos em parceira com o Instituto Agronômico do Paraná na organização do IV Congresso Brasileiro de Recursos Genéticos, que será realizado de 8 a 11 de novembro de 2016 em Curitiba. 6


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Também continuamos na luta por mais recursos para a manutenção das coleções e pesquisa, mais investimentos em capacitação e por maior reconhecimento do profissional que trabalha com recursos genéticos. Para tanto, temos atuado junto a parlamentares, CNPq, CAPES e outros atores. Essa luta certamente será longa, mas temos que ser perseverantes, pois recursos genéticos são estratégicos para o nosso Brasil! Nosso muito obrigado a todos por fazerem parte das vitórias conjuntas! Juntos somos fortes! Juntos alcançaremos nossos objetivos! A gente se vê no IV CBRG em Curitiba!! Abraços

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II – Artigos de Divulgação Científica a) Área Animal 1) Condições de Manejo, Conservação, Estado Sanitário e Caracterização Fenotípica do Cavalo Baixadeiro

Introdução O crescente interesse pela exploração de animais domésticos de raças autóctones, bem adaptadas a ecossistemas específicos tem se dado em função de suas características de adaptação ao meio ambiente onde são criados, contando também com significativa influência de natureza cultural, econômica e a utilização para cruzamento com outras raças. Assim são desenvolvidos atualmente programas mundiais de uso e conservação de raças localmente adaptadas de animais, devido à constatação da perda de diversidade genética animal com a extinção de raças e populações. (Schulte-Coerne, 1992). Embora a conservação de recursos genéticos seja tema de estudo relativamente recente e a criação de raças locais estivesse associada à pobreza dos produtores e ao atraso genético da exploração, observa-se que no Brasil este quadro está se modificando. A conscientização da sociedade e dos criadores a respeito da conservação e o reconhecimento de que estas raças possuem características únicas que devem ser preservadas, visando atender a futuras demandas, tem contribuído para evitar o desaparecimento das mesmas. A região da Baixada Maranhense é formada pelas bacias hidrográficas dos rios Mearim, Pindaré, Grajaú, Pericumã, Turiaçú, Aura e outras menores, rios que anualmente

Afrânio Gonçalves Gazolla Zootecnista pela UFV (1979), Me. em Agroecologia pela UEM (2004), Dr. em Zootecnia (2012) pela Unesp de Jaboticabal - SP. É inspetor das Associações; ABC de Cavalos da Raça Paint Horse, ABC de Cavalos Quarto de Milha, ABC de Cavalos Árabe, ABC de Cavalos Appaloosa, ABC de Limousin. Jurado efetivo da ABCZ e Prof. Adj. da UEM cadeiras de Equinocultura e Preparo e julgamento de animais domésticos em exposições. Tem experiência na área de produção e conservação animal. Integra a rede de pesquisa da Embrapa Recursos Genéticos na conservação do Cavalo Baixadeiro e Avaliação de Ecossistemas Pastoris para a Baixada Maranhense: Sistema Silvipastoril. Francisco Carneiro Lima Médico Veterinário pela UEM (1991); Me. em Agroecologia pela UEM (2000); Dr. em Zootecnia pela Unesp/Jaboticabal (2011). É Prof. Adj. II da UEM/CCA, exercendo suas atividades docentes nos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia. Tem como campo de atuação na docência a área de Produção Animal, ministrando a disciplina Fundamentos de Zootecnia. Osvaldo Rodrigues Serra Médico Veterinário pela UEM (1995), Me. em Agroecologia pela UEM (2004), Dr. em Zootecnia Unesp - Jaboticabal, Prof. da UEM, Vice-Presidente do Conselho de Medicina Veterinária e Presidente do Fundepec-MA.

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transbordam e com suas águas inundam todas as planícies da Baixada. Nesta região encontra-se um efetivo equino de 24 mil cavalos onde registra-se de forma marcante a presença de um grupamento genético equino denominado pela população local de “Baixadeiro”, que se destaca por sua rusticidade, resistência e grande adaptação as condições ecológicas do local, demonstrando grande capacidade para trabalhar em áreas alagadas. Estes equinos exercem importante papel no trabalho e na vida diária do homem da baixada maranhense que vive da agricultura e pecuária de subsistência. Este trabalho tem por objetivos investigar o manejo geral do grupamento genético de equinos “Baixadeiros”, caracterizá-lo fenotipicamente, destacando suas medidas lineares, índices e relações zootécnicas e suas principais pelagens além de averiguar o seu estado sanitário em relação a prevalência de anemia infecciosa equina, babesiose e erlichiose, nos municípios de Pinheiro, São Bento e Bacurituba visando sua preservação.

Material e Métodos

A presente pesquisa foi realizada na Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense, nos municípios de Pinheiro, de São Bento e de Bacurituba no período de novembro de 2003 a fevereiro de 2004. A escolha dos municípios se deu em função de informações de criadores da região, de que nesses municípios, especialmente em Pinheiro, concentra-se um grande número de exemplares equinos caracterizados como Baixadeiro. Foram estudados 305 equinos, dos quais 101 eram machos e 204 fêmeas, todos com idade igual ou superior a três anos, em 25 propriedades. Do total, 186 animais pertenciam 9


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ao município de Pinheiro, 71 pertenciam ao município de São Bento e 48 ao município de Bacurituba. Para caracterizar os sistemas de criação nas propriedades, foi aplicado um questionário contendo perguntas abertas e fechadas, aos criadores durante as coletas de material e mensuração dos animais. Para realização de exames complementares foi feita a coleta de sangue dos animais puncionando-se a veia jugular, para diagnóstico de Anemia Infecciosa Equina (AIE), Babesiose e Erlichiose. A AIE foi diagnosticada através do método de imunodifusão em Agar gel de acordo com determinações do Ministério da Agricultura. Quanto a babesia e a erlichiose, foram diagnosticadas através de esfregaços sanguíneos corados por Giemsa (Matos & Matos, 1995). Foram mensuradas as medidas lineares dos animais, que foram anotadas em fichas próprias, visando caracterizá-los fenotipicamente. A caracterização morfológica foi realizada considerando-se os parâmetros: altura da cernelha (AC), altura do dorso (AD), altura da garupa (AG), comprimento da cabeça (CC), comprimento do pescoço (CP), comprimento do dorso (CD), comprimento da garupa (CG), comprimento da espádua (CE), comprimento do corpo (CR), largura da cabeça (LC), largura do peito (LP), largura da anca (LA) e perímetro torácico (PT), de acordo com Ribeiro (1988) e Costa et al. (1998). A pelagem da população foi definida segundo a classificação proposta por Torres & Jardim (1982). Os dados coletados relativos às medidas lineares, índices, relações e pelagens, foram analisados estatisticamente observando-se frequência, média, desvio padrão e coeficiente de variação. Quanto aos questionários foi feita a tabulação dos dados em termos percentuais.

Resultados e Discussão Caracterização do manejo Dos criadores entrevistados todos responderam que os equinos são indispensáveis na lida com o gado e como meio de transporte para o homem da baixada, além de relatarem que estes animais são os ideais para trabalharem nas condições ecológicas da região. Todos os criadores declararam que quando outro tipo de equino é colocado para desempenhar a função da lida com o gado nos campos da baixada, o rendimento é menor e as exigências alimentares e sanitárias são maiores. Com relação ao sistema de criação, constatou-se que todos os equinos “Baixadeiros” são criados de forma ultra extensiva, soltos nos campos em áreas de pastagem nativa juntos com bovinos e bubalinos. Alimentam-se basicamente de pastagens nativas dos campos, sem nenhum tipo de suplementação. 10


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Durante a estação chuvosa todos os proprietários transportam seus animais para áreas não inundáveis, e durante a estação seca, estes pastam nos campos naturais. A identificação dos animais que garante o direito de posse do proprietário é feita através de marcas a ferro, procedimento relatado por 96% dos entrevistados. Apenas 4% adotam outros métodos de identificação, como cortes na orelha. No que diz respeito aos aspectos reprodutivos, 44% dos criadores mencionaram fazer a seleção do garanhão para ser usado como reprodutor (pastor) nos lotes de éguas. Também foi constatado que o critério de seleção utilizado pelo criador para o cavalo “pastor, ” em todos os casos recai sobre animais com algum defeito físico, dando-se importância apenas para o enquadramento no tipo “Baixadeiro”. Em 96% dos casos os criadores só utilizam como garanhão o Baixadeiro; 4% deles costumam colocar cavalos de outras raças para essa função. Essa prática, inclusive, pode estar contribuindo para a degeneração do grupamento “Baixadeiro”, pois, embora seja um percentual pequeno, a introdução de garanhões de raças exóticas pode levar à perda de características importantes como a rusticidade e a resistência.

Todos os criadores admitiram ser comum, o garanhão cobrir sua própria mãe, primas e irmãs. Um fato curioso registrado foi que os garanhões sempre rejeitam suas filhas na primeira cobertura, e após o primeiro parto, passam a ser cobertas normalmente pelos pais. 11


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Dentre os entrevistados, 40% relataram a ocorrência de abortos na criação, 38% informaram ser frequente o aparecimento de “cara inchada” (Osteodistrofia fibrosa) e 32% de “gerimum” (Edema de cernelha). Esses relatos foram confirmados em animais que apresentavam sintomatologia clássica dos quadros descritos. A única vacina utilizada pelos criadores é contra a encefalomielite equina, doença conhecida na região como “mal de roda”, no entanto, apenas 12% dos entrevistados já a utilizaram. Esta constatação não corresponde aos dados apresentados em plantéis de equinos da raça pantaneiro estudados por Santos et al. (1995), ao relatarem que 80% dos criadores vacinam seus animais contra encefalomielite, 73% contra o garrotilho e 60% contra raiva. Em relação a mortalidade dos animais 45% apontaram a categoria de potros com idade até 1 ano como a de maior frequência. É provável que a maior vulnerabilidade desta categoria e a total falta de manejo profilático dispensada a esta faixa etária estejam influenciando esses resultados.

Prevalência de anemia infecciosa equina, de erlichiose e de babesiose Da população estudada, 27,36% apresentaram reação positiva para o vírus da Anemia Infecciosa Equina (AIE), 31,80% da população apresentou erlichiose nas amostras examinadas e 15,78% apresentaram-se positivos para Babesiose (Babesia caballi) (Figura 1; Tabela 1). A prevalência de erlichiose e Babesiose provavelmente está relacionada à ocorrência de carrapatos na população, principalmente da espécie Anocentor nitens conhecido popularmente como “carrapato da orelha”.

100% 84,09% 72,63%

80%

68,19%

60% 40%

31,80%

27,36% 20%

15,78%

0% Animais positivos AIE

Babesiose

Animais negativos Herlichiose

Figura 1 – Representação gráfica da prevalência de AIE, Babesiose e Erlichiose no grupamento genético baixadeiro estudado

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Caracterização fenotípica Conforme as mensurações biométricas realizadas, o equino tipo “Baixadeiro” obteve média de 125 cm para a altura da cernelha (AC) e 127 cm para a altura da garupa (AG), sendo que nos machos, a cernelha teve altura média de 128 cm e nas fêmeas 123 cm. Já a altura da garupa foi de 129 cm nos machos e 126 cm nas fêmeas. A constatação desses resultados classifica o tipo “Baixadeiro” na categoria de pônei, conforme Ribeiro (1988). De posse desses resultados o cavalo Baixadeiro pode ser considerado baixo de frente, pois a altura da cernelha é menor que a altura da garupa. Quando comparadas as diferenças para a altura da cernelha entre os sexos, constatou-se que os machos apresentaram altura superior à das fêmeas, essas diferenças se justificam pelo dimorfismo sexual da espécie. As medidas lineares das características estudadas apresentaram baixo coeficiente de variação, menor que 10, indicando uma uniformidade do grupamento genético estudado (Gomes, 1982).

2,95

1,64

0,33

0,33 1,31

5,9

7,87 51,8

27,87

Tordilho

Castanho

Rosilho

Baio

Alazão

Branco

Ruão

Preto

Outras

Figura 2: Categorias de pelagens encontradas no grupamento estudado estão demonstradas na Figura 2

As categorias de pelagens encontradas no grupamento estudado estão demonstradas na Figura 2, onde se observa que a pelagem do tipo tordilha se destacou com 51,80%, seguida dos tipos castanha (27,87%), rosilha (7,87%), baia (5,90%), alazã (2,95%), branca (1,64%), ruã (0,33%) e preta (0,33%). Conclusões Diante dos resultados obtidos e nas condições em que foi realizado o presente estudo conclui-se que o cavalo Baixadeiro: 13


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É criado de forma ultra–extensiva, alimenta-se exclusivamente de pastagens nativas, sem suplementação, tendo seu manejo reprodutivo desordenado e sem critérios;

É classificado como pônei, baixo de frente, helipométrico, tem pelagem predominantemente tordilha e castanha, bom para equitação sendo indicado para sela e não para tração;

Apresenta grande uniformidade fenotípica, indicando se tratar de um grupamento racial naturalizado, que se adaptou as condições ecológicas da baixada maranhense;

Apresenta alta prevalência de doenças parasitárias e infecciosas como: Anemia infecciosa equina, Babesiose e Erlichiose;

É um importante meio de transporte para as comunidades locais e importante aliado nas atividades pecuárias, sendo uma ferramenta necessária para o desenvolvimento sócio econômico da Baixada Maranhense, garantindo a sustentabilidade dos meios de produção da região.

Referências COSTA, M.D. et al. Avaliação dos fatores genéticos e de ambiente que interferem nas medidas lineares dos pôneis das raças brasileiras. Revista Brasileira de Zootecnia, v.27, n.3, p.491-497, 1998. GOMES, F. P. Curso de estatística experimental. Escola Superior de Agricultura “Luis de Queiroz”, 1982. MATOS M.S., MATOS, P.F. de. Laboratório clinico médico veterinário. São Paulo: Atheneu, 1995. .CD97. RIBEIRO, D.B. O cavalo: raças, qualidades e defeitos. Rio de Janeiro: Globo Rural, 1988. SANTOS, S.A.et al. Avaliação e conservação do cavalo pantaneiro. Corumbá-MS: EMBRAPA-CPAP, 1995. 39p. (EMBRAPA-CPCA. Circular Técnica, 21). SCHULTE-COERNE, H. Data collection, conservation and use of farm animal genetic resources. Criteria for preservation of breeds. Proceedings of a CEC Workshop and Training Course, December 7-9. Institut of Animal Breeding and Genetics, School of Veterinary Science, Hannover, Germany. 1992. TORRES, A.D.P.; JARDIM, W.R.; JARDIM, L.M.B.F. Manual de zootecnia: raças que interessam ao Brasil.2. ed. São Paulo: Agronômica Ceres, 1982.

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a) Área de Microrganismo 1) Coleção de fungos entomopatogênicos: biodiversidade para o controle biológico de pragas na agropecuária brasileira. José Eduardo Marcondes de Almeida Graduado em Agronomia pela UFV (1990), Me. (1994) e Dr. (1998) em Entomologia pela USP. Atualmente é Pq C VI do Instituto Biológico (IB). Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Defesa Fitossanitária, atuando principalmente nos seguintes temas: controle biológico, controle microbiano, fungos entomopatogenicos, produção e formulação de bioinseticidas a base de fungos entomopatogênicos.

Antonio Batista Filho Graduado Eng. Agr. (1981) Me. (1990) e Dr. (1997) em Entomologia pela ESALQ/US. Diretor Geral do IB desde 2004, Pq C VI, Prof. disciplina "Controle Biológico de Pragas e Doenças", e da disciplina “Produtos e processos biotecnológicos aplicados a agropecuária” da Pós-Graduação em "Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio" do IB, e da disciplina " Microrganismos Entomopatogênicos" da UNESPBotucatu. Tem experiência em Entomologia Agrícola, atuando principalmente na área de controle microbiano de pragas. Luís Garrigós Leite Graduado em Agronomia pela Unesp- Jaboticabal (1983), Me. (1991) e Dr. (2001) em Entomologia pela ESALQ/USP. Atualmente é Pq C VI do Instituto Biológico. Tem experiência na área de Entomologia, com ênfase em Controle Microbiano de Insetos, atuando principalmente nos seguintes temas: fungos entomopatogênicos, nematóides entomopatogênicos, produção e formulação de bioinseticidas.

Ana Paula Santos Bartels Tecnóloga em Gestão Ambiental, São Bernardo do Campo, pela Universidade Metodista de São Paulo. Técnica de Laboratório - Instituto Biológico, Lab. Controle Biológico, Campinas-SP.

Roselanie Nunes Silva Bueno Tecnóloga em Gestão Ambiental, Ambiental, na Universidade Metodista de São Paulo. Técnica de Laboratório - Instituto Biológico, Lab. Controle Biológico, Campinas-SP.

Resumo O controle biológico de pragas baseado em fungos entomopatogênicos necessita de pesquisas na área de biodiversidade a fim de isolar, identificar, caracterizar e selecionar os isolados para o controle de pragas. O suporte para as pesquisas com o uso de fungos para o desenvolvimento de bioinseticidas está relacionado a uma coleção, onde são 15


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armazenados e conservados, permitindo assim a sua manipulação em laboratório para as pesquisas de controle de pragas e estudos de produção em larga escala, formulação e comercialização desses microrganismos. Os objetivos desse trabalho foram: introdução de novos isolados de fungos entomopatogênicos, desenvolver novas técnicas de armazenamento, permitindo assim maior precisão para a seleção de isolados para pragas. Atualmente a coleção possui 868 acessos de isolados de diferentes espécies de fungos entomopatogênicos, que dão suporte a projetos de desenvolvimento de bioinseticidas, controle biológico de pragas da cana-de-açúcar, citros, frutas, hortaliças e seringueira. Os fungos estão armazenados em tubos de centrífuga com micélio a - 20° C, em meio de cultura cobertos com óleo mineral estéril conservado a 5º C e em criopreservação a - 80º C com glicerol e sílica gel. A coleção está cadastrada como fiel depositária no CGEN/MMA sob no. 044/2011 SECEX/CEGEN Processo no. 02000.001642/201-31. Palavras-chaves: fungos entomopatogênicos, controle biológico, conservação. Introdução Os fungos foram os primeiros agentes a serem aplicados no controle microbiano de insetos, com cerca de 80% das doenças de insetos causadas por esses patógenos. No Brasil, esses patógenos vêm sendo estudados a mais de sessenta anos, sendo que após 1964, com a aplicação em massa do fungo Metarhizium anisopliae para o controle da cigarrinha-dafolha da cana-de-açúcar Mahanarva posticata, ganhou efetivo impulso (Alves, 1998). Os fungos são capazes de atacar um grande número de espécies de insetos e praticamente todos os estágios de desenvolvimento desses organismos. A maioria dos fungos atua por contato e por ingestão, sendo que a sua grande variabilidade genética permite estudos de seleção de cepas ou isolados e avaliação dos mais virulentos para o controle de pragas (Alves et. al. 2010). A maioria dos projetos de pesquisa com controle microbiano de insetos é com fungos entomopatogênicos, devido às características de ação desses patógenos, pois atuam por contato e ingestão, e sua grande variabilidade genética desfavorece a evolução da resistência em populações de ácaros e insetos-praga. Estão presentes em grande quantidade na natureza sendo o solo o seu maior reservatório e por serem mais difícil dos insetos tornarem-se resistentes pela sua grande variabilidade genética (Batista Filho et al. 2006; Alves et. al. 2010). Todo programa de controle microbiano é baseado em microrganismos entomopatogênicos, como o próprio nome revela, necessitando, portanto de pesquisas na área de biodiversidade a fim de isolar, identificar, caracterizar e selecionar os isolados mais interessantes para o controle de pragas específicas (Almeida & Batista 2001). A coleção é uma fonte inesgotável de material genéticos para o controle microbiano de insetos e ácaros e a biodiversidade de seus microrganismos e isolados é fonte de riqueza

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para a agricultura brasileira, fornecendo novas alternativas para o controle de pragas, diminuindo perdas e melhorando a produtividade da lavoura (Tanada & Kaya, 1993). O Laboratório de Controle Biológico do Centro Experimental Central do Instituto Biológico, com sede em Campinas-SP, há 45 anos tem se dedicado às pesquisas de controle biológico de pragas na agricultura. Dentre os programas existentes, o controle microbiano de pragas, com fungos, é um dos mais desenvolvidos, obtendo sucesso no controle biológico da cigarrinha-da-raiz da cana-de-açúcar, cigarrinhas-das-pastagens, moleque-dabananeira, broca-dos-citros, cigarrinhas-do-feijoeiro, gorgulho-aquático-do-arroz, cupins de montículo, broca-do-café, carrapatos bovinos e percevejo-de-renda da seringueira. A Coleção de Fungos Entomopatogênicos “Oldemar Cardim Abreu”, iniciada em 1981, teve como finalidade inicial apenas preservar alguns isolados de fungos, bactérias e vírus utilizados em trabalhos de controle biológico de pragas, mas que devido ao crescimento da demanda de pesquisas foi tomando corpo, chegando a 868 isolados até 2015. Os objetivos desse trabalho foram: introdução de novos isolados de fungos entomopatogênicos, desenvolver novas técnicas de armazenamento, permitindo assim maior precisão para a seleção de isolados para pragas. Material e métodos Para a conservação dos isolados na coleção, utilizou-se o seguinte material: Placas de Petri, Tubos de cultura, Óleo Nujol, Eppendorfs, Alça de platina e meio BDA, tudo devidamente auto clavado a 121 º C por 20 minutos. Cada isolado foi repicado, usando Alça de platina, em Placa de Petri e Tubos de cultura contendo meio BDA, mantidos em câmara B.O.D a 25 º C, UR 60% e fotoperíodo de 12h, por sete dias. Verificado o crescimento do isolado nas placas de Petri, providenciou-se a raspagem da massa de micélio para os tubos Eppendorfs, que foram armazenados à temperatura de -20ºC por períodos indeterminados. Já os isolados repicados em tubos, antes de serem armazenados, foram acrescidos de óleo mineral e armazenados à temperatura de 5oC em refrigerador. Os mesmos isolados foram armazenados em ultrafreezer a - 80º C em suspensão de glicerol 10% e em suspensão de leite em pó desnatado esterilizado em sílica gel azul (superseca).

Resultados e discussão A Coleção de fungos entomopatogênicos “Oldemar Cardim Abreu” possui 868 acessos de isolados de diferentes espécies de fungos entomopatogênicos, que dão suporte a projetos de desenvolvimento de bioinseticidas, controle biológico de pragas da cana-deaçúcar, citros, frutas, hortaliças e seringueira. A coleção está cadastrada como fiel 17


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depositária no CGEN/Ministério do Meio Ambiente sob no. sob no. 044/2011 SECEX/CEGEN Processo no. 02000.001642/201-31 (Tabela 1). A demanda por inseticidas microbiológicos vem crescendo e alguns isolados, selecionados da coleção, para o controle de Mahanarva fimbriolata na cana-de-açúcar, Deois flavopicta em pastagens, como o IBCB 425 de Metarhizium anisopliae e IBCB 66 de Beauveria bassiana para o controle de Cosmopolites sordidus em banana, Tetranycus urticae em hortaliças e flores e Bemisia tabaci em diversas culturas, são referências para inseticidas microbiológicos aplicados na agricultura orgânica pelo Min. Agricultura Pecuária e Abastecimento - MAPA, de acordo com a normativa no. 3 SDA/SDC, causando um aumento na demanda desses fungos no mercado, sendo necessário sua produção em massa. O isolado IBCB 425 de M. anisopliae é aplicado em mais de 1 milhão de hectares de cana-de-açúcar no Brasil e o IBCB 66 de B. bassiana está registrado por cinco empresas no sistema Agrofit do MAPA. A assessoria técnica para implantação e manutenção de biofábricas para produção de fungos entomopatogênicos por fermentação sólida é um trabalho de transferência de tecnologia mantido pelo Instituto Biológico e que tem produzido bioinseticidas sem efeitos poluentes para o ambiente, gerado empregos, divisas para o país e economia no campo (Almeida et al. 2015). Referências bibliográficas ALMEIDA, J. E. M.; BATISTA FILHO, A. Banco de microrganismos entomopatogênicos: biodiversidade para o controle microbiano de pragas. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento. v.20, n.3, p.30-33. 2001. ALMEIDA, J. E. M.; BATISTA FILHO, A.; LEITE, L.G. Programa de desenvolvimento de biofábricas para a produção de inseticidas microbiológicos a base de fungos entomopatogênicos por fermentação sólida. Resumo. 28ª. Reunião Anual do Instituto Biológico. O Biológico, v. 77, n. 2, p. 91, 2015. ALVES, L.F.A.; NEVES, P.M.J.O.; FARIA, M.R. (coord.) Recomendações para utilização de fungos entomopatogênicos no controle de pragas. Ed. CP 2: Piracicaba, 2010, 52 p. ALVES, S.B. (coord.) Controle Microbiano de Insetos, Alves, S.B. (ed.). Editora FEALQ: Piracicaba. 1998. 1163 p. ALVES, S.B.; LOPES, R.B. ed. Controle Microbiano de Pragas na América Latina. Ed. FEALQ: Piracicaba, 2008, 414 p. BATISTA FILHO, A., L.F.A. ALVES, J.E.M. ALMEIDA, L. G. LEITE, L.A. MACHADO, V.A. COSTA, M. E. SATO, N.W. PERIOTO, R.I.R. LARA. Controle biológico de insetos e ácaros. Boletim Técnico Instituto Biológico, n. 15, 2006, 85 p.

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Tabela 1. Isolados acondicionados na Coleção “Oldemar Cardim Abreu” Instituto Biológico, Lab. Controle Biológico, Campinas-SP. Microrganismos

Número de isolados

Número de isolados

Manutenção 2015

2001

2010

Viáveis

Arthrobotrys sp.

1

1

0

Aschersonia aleyrodis

1

1

0

Beauveria amorpha

1

1

0

Beauveria bassiana

197

348

257

Beauveria broghniartii

6

17

4

Beauveria sp

*

47

25

Cladosporium sp.

3

3

1

Cordycipes sp.

1

1

0

Hirsutella thompsonii

2

3

0

Metarhizium anisopliae

61

330

264

Metarhizium sp

*

5

1

Nomuraea rileyi

9

13

1

Paecilomyces fumosoroseus

21

23

6

Paecilomyces farinosus

15

18

4

Paecilomyces lillacinus

2

4

2

Paecilomyces sp

*

36

22

Sporothix insectorum

7

7

1

Sporothix sp

*

1

0

Verticilium lecanii

2

2

0

Verticilium sp

*

2

0

Lecanicilium lecanii

*

2

2

Lecanicilium muscarium

*

1

1

Lecanicilium sp

*

1

1

Colletotrictrum

*

1

0

Total

329

868

592

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a) Área Vegetal 1) Epigenética Luis Carlos da Silva Ramos PhD Plant Breeding and Genetics – Texas A&M University (1985). Atualmente é Pq C VI do Centro de Recursos Genéticos Vegetais do IAC e Conselheiro da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Campinas. Pesquisa na área de Agronomia, com ênfase em Genética e Melhoramento Vegetal. As culturas em que mais atua profissionalmente são: Café (Coffea spp.) e Trigo (Triticum spp.), em: Embriogênese Somática, Cultura de Tecidos, Melhoramento, Clonagem, Cultura de Anteras, e Micropropagação. Outros trabalhos se destacam na Produção de óleo em Mamona (Ricinus communis) e Pinhão-manso (Jatropha curcas). Além de ser formado como Eng. Agr., graduou-se em Direito (OAB-SP) onde se especializou em direito autoral, particularmente afeto á agronomia (patentes, cultivares, ambiente...)

O autor agradece sugestões da Profa. Carmem Gottfried, UFRS

A descoberta da epigenética culmina um longo caminho dos avanços significativos da ciência, particularmente da genética. De modo geral, o avanço das ciências não deixa de sofrer interferências políticas, mesmo no campo da genética. Algumas pouco perceptíveis, mas outras não, como no caso do cientista russo Trofim Denisovič Lysenko, contrapondo-se às “leis de Mendel” elaboradas por Gregor Johann Mendel, na década de 1930 com a ideia da influência do ambiente na hereditariedade de caracteres. Hoje a epigenética traz de volta esta suspeita, diz-se, face ao fato da descoberta de alterações epigenéticas, induzidas pelo meio ambiente e até herdáveis. Assim, a compreensão da epigenética fica mais fácil vendo-a na perspectiva da história da própria genética: o século XX é considerado como o século da genética, enquanto sugere-se que o XXI será o da epigenética. Significa que estamos engatinhando neste fantástico campo, ainda. Independentemente do início da história da genética propriamente dita, um marco relevante ocorreu com a elaboração da teoria da evolução, por Charles Robert Darwin (1809 – 1882), publicada em 1859, “A origem das espécies” (On the Origin of Species), mas, não relacionada à genética na época.

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Certamente a mais notável e revolucionaria descoberta para a genética foi a do monge Mendel (1822 – 1884), que publicou seus resultados em 1865, descrevendo as “unidades invisíveis de herança”, 40 anos mais tarde chamadas de genes. Todavia, o conhecimento de Mendel só foi “descoberto” em 1.900, quando Hugo de Vries, Erich Von Tschermak, e Carl Correns publicaram trabalhos corroborando os mecanismos da hereditariedade de Mendel. Independentemente dos dois acontecimentos anteriores, Johann Friedrich Miescher (1844 – 1895) descobriu o DNA em 1868, chamando-o de “nucleina”. A “nucleina” era um composto que incluía os ácidos nucleicos e histonas, formando a cromatina. Logo em seguida, em 1871, o DNA foi isolado de esperma de trutas do rio Reno, ainda sem relação com a descoberta dos cromossomos, feita em 1882, por Walther Flemming (1843 – 1905). Somente em 1907, Thomas Hunt Morgan provou que os cromossomos tinham uma função definida na hereditariedade. Já em 1910, o mesmo Morgan provou que os genes se encontravam nos cromossomos firmando as bases para a moderna “genética”. Finalmente, em 1952 Alfred Hershey e Martha Chase estabeleceram provas de que o DNA era realmente o “material genético”, deixando de ser a “unidade invisível” da hereditariedade. No ano seguinte, 1953, Watson e Crick finalmente desvendaram a estrutura do DNA. Daí mais uma década foi decifrado o código genético por Holley, Khorana, Nirenberg, em 1961. Outros eventos significativos foram a construção do primeiro DNA recombinante de plasmídeo por Stanley Cohen & Herbert Boyer em 1972; os primeiros animais e drosófilas transgênicas criadas em 1981 e as primeiras plantas transgênicas patenteadas nos EUA em 1983, obtidas via engenharia genética. Visto assim, fica fácil compreender da razão de se nomear o século XX como o da genética. O estudo do crescimento e desenvolvimento das plantas, a ontogenia, é mediado principalmente através da ativação e desativação de genes, dependendo da fase específica da planta. A inativação ou ativação pode ser realizada por meio de metilação ou demetilação dos genes ou das cromatinas. Este processo não altera em nada sequência ou conteúdo do gene, mas adiciona ou remove um radical metil, por exemplo, num site 21


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específico do gene ou do cromossomo. Este processo pode ser chamado de controle epigenético. A expressão "epigenética" já fora originalmente mencionada por Conrad Hal Waddington na década de 1940, como o estudo de fenômenos que agem para produzir o fenótipo a partir do genótipo, diferentemente da forma entendida hoje. A visão de Waddington da epigenética abrange os campos da biologia do desenvolvimento e da biologia evolutiva do desenvolvimento, muito amplos, portanto. Nesta visão, ele descrevia como os padrões de mudança na expressão gênica ocorrem durante a ontogenia e evolução. Na forma como compreendemos hoje, nome epigenética foi mencionado em 1993, por Susan W. Herring, em alusão a “séries de interações entre células e seus produtos que leva a morfogênese e diferenciação”. Naturalmente, a compreensão de como funciona todo o processo do desenvolvimento nos seres vivos seria um objetivo final para que pudéssemos alterar o desenvolvimento de plantas para direções desejáveis de interesse na agricultura ou da alimentação. Da mesma forma que os conhecimentos da genética aplicados ao melhoramento de plantas provocaram uma revolução na agricultura pela descoberta e uso do fenomeno da heterose, por G. H. Shultz (1874 – 1954) já em 1908 nos EUA, este avanço também chegou ao Brasil na década de 1930, por “um dos pais da genética brasileira” o pesquisador Carlos Arnaldo Krug, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com a introdução do milho híbrido. Varios e importantes eventos marcaram as pesquisas com o melhoramento genético na agricultura, culminando com o mapeamento genético molecular e físico, a transgenia e a edição do próprio DNA, bem recentemente. No que tange à epigenética e afeto à biologia reprodutiva de plantas de importância agronomica, ainda nos resta muito saber como se dá esse controle. Apesar de já ser conhecida a ação típica de muitos genes homeóticos nas formas de vários seres vivos, como insetos, mamíferos, plantas, etc., estão sendo descobertos os efeitos epigenéticos relevantes no processo de “construção” deles, bem como de seus diferentes orgãos. Por outro lado, são comumente empregados alguns tratamentos de pré-indução em sementes (“seed priming”), que já tem sido usados como forma de aprimorar a germinação em algumas espécies agrícolas. Recentemente trabalhos genéticos e genômicos mostraram que ocorre alteração na expressão gênica no embrião e que perdura no desenvolvimento posterior, como estresse osmótico e o salino. Assim, tratamentos feitos na “fase de semente” redundaram em plantas que tiveram efeitos benéficos posteriores na “fase 22


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adulta”. Este tipo de controle da expressão gênica poderia ser até explicado pela epigenética, por exemplo. Estudos de sintenia cromossomica são importantes por revelarem a evolução de espécies do ponto de vista cromossomico. Segmentos dos cromossomos “caminham” incolumes na evolução das espécies. Assim, ao fazermos estudos de sintenia cromossomica usando espécies alvo com outras de plantas interrelacionadas, poder-se-iam desvendar alterações genômicas evolutivas interessantes. Isso é feito comparando-se os segmentos de espécies desconhecidas aos das já extensivamente estudadas, como a crucifera Arabidopsis, por exemplo. Espécies diversas, nativas ou não, podem apresentar caracteristicas altamente desejáveis do ponto de vista do melhoramento genético. Tais caracteristicas seriam intratáveis do ponto de vista do melhoramento clássico, dada a enorme barreira evolutiva entre elas. Tão pouco a transgenia poderia ser útil, a menos que se conhecessem individualmente e profundamente os genes estranhos para efetuar as suas transferencias, além dos impactos negativos da tecnica em sí, que ocorrem em muitos países. Estas, por sua vez, poderiam ser aproveitadas do ponto de vista da epigenética, readaptadas para direcionar caracteres de interesse nas espécies agronomicas, como fases de colheita, tipo de inflorescencia, adaptar plantas à condições mais adversas, converter hábito perene para anual, alterar porte arredondado para colunar em árvores, tamanho de frutos e de inflorescencias, por exemplo, sem usar a tecnologia da transgenia. Hoje este trabalho ainda seria monumental para um indivíduo, mas viavel para instituições integradas, que deveriam agregar conhecimentos das diferentes espécies de plantas em distintas disciplinas da ciencia, como a agronomia, botânica, genética, bioinformática, nutrição, etc., uma tarefa para alguém com uma visão macro desse sistema... Isso seria um sonho? Espero que não!

“A origem do universo e a nossa origem... O Universo surgiu de um “BIG BANG”, diz a mais recente teoria da cosmologia; Nós nos identificamos com todos os seres vivos pela nossa origem comum, diz a atual teoria da evolução; Nós nos identificamos com nosso sistema solar, que nos deu as moléculas, que propiciaram o surgimento da vida; Nós nos identificamos com o universo, que criou todos os átomos após o “BIG BANG” (nucleossíntese), que constituem todas as nossas moléculas. Como espécie, não somos um mundo à parte; somos parte desse universo. Temos que ter a consciência de ajudar a preservá-lo; é a nossa obrigação. ” Extraído do programa “O Universo”, de “The History Channel”. 15 de abril de 2009.

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2) Tensores socioambientais de ameaça à conservação da Janaúba (Himatanthus Willd ex Schult. – Apocynaceae), um recurso medicinal de importância regional no Estado do Maranhão.

Introdução Na família Apocynaceae, a presença de tecidos laticíferos e a produção de látex contendo vários tipos de alcalóides, estão relacionadas com a defesa da planta contra herbivoria. Devido a essas características, muitos de seus alcalóides são utilizados pela medicina (Vicentini & Oliveira, 1999; Spina, 2004).

Jairo Fernando Pereira Linhares Dr. em Agronomia (Horticultura) Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu – UNESP. Brasil. Professor Doutor, do curso de Agronomia das Faculdades Integradas Taguaí – São Paulo, Brasil. Claudio Urbano B. Pinheiro Dr. em Biologia – City University of New York, CUNY. EUA. Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Brasil.

A janaúba é o nome comum de espécie arbórea pertencente à família Apocynaceae, (Himatanthus sp.) com cerca de 200 gêneros e distribuição marcadamente tropical e subtropical (Joly, Aylton Brandão, 1999; Gemtchújnicov, 1976) ocorre desde o sudeste do Brasil até a Guiana Francesa, Suriname e Guiana. Dentre os gêneros que pertencem à família Apocynaceae, o gênero Himatanthus possui um total de nove espécies, sendo uma espécie no Panamá e oito espécies na América do Sul.

No Brasil, o gênero Himatanthus, ocorre nos Estados do Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Seus ambientes de ocorrência variam desde as florestas úmidas da Amazônia, Cerrado, Caatinga e Carrasco nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, além da Mata Atlântica na zona costeira brasileira; aparece, também com frequência, em florestas secundárias (Spina, 2004; Larrosa & Duarte, 2005; Ferreira, 2006). Himatanthus obovatus (Müll. Arg.) Woodson foi considerada a espécie mais amplamente distribuída no Brasil, desde a região Norte até o Sudeste brasileiro (Spina, 2004). Himatanthus drasticus (Mart.) Plumel) é outra espécie brasileira de grande distribuição, ocorrendo em áreas similares no Brasil. Estas duas são as espécies de relatos de ocorrência no Estado do Maranhão.

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No município de Alcântara, Maranhão, ocorrem duas etnoespécies de janaúba, a vermelha (H. drasticus (Mart.) Plumel) e a branca (H. obovatus (Müll Arg) Woodson), que são tradicionalmente exploradas nos ecossistemas florestais regionais, especialmente a primeira espécie. Nesta região, o látex da janaúba é tradicionalmente extraído de populações naturais e representa fonte de renda complementar para parte da população rural nessa região maranhense (Linhares & Pinheiro, 2013). O município de Alcântara pertence à região fisiográfica do Litoral maranhense (Sematur, 1991). Possui uma área total de 1.447,8 Km², população de 21.224 habitantes e densidade demográfica de 14,4 hab./ Km². Está localizado na Mesorregião Norte Maranhense, microrregião do Litoral Ocidental Maranhense, na bacia do rio Pericumã (Maranhão, 1998; Geplan, 2002). No município de Alcântara, a exploração da janaúba para extração do látex, sem controle e sem manejo, põe as espécies exploradas sob o efeito de tensores socioambientais que ameaçam a sua conservação (Linhares, 2010). Este estudo objetiva a exposição e discussão das ameaças e perspectivas de manutenção ou desaparecimento das espécies de janaúba, do sistema tradicional de exploração e dos benefícios às populações tradicionais desta região do Maranhão. Aspectos etnobotânicos e farmacológicos Segundo informações de feirantes que comercializam plantas medicinais nos principais mercados e feiras de São Luís, a janaúba possui um amplo espectro de usos que vai desde o tratamento de inflamações uterinas, gastrite, uso veterinário, uso em emplastos, fortificante, complemento alimentar, até tratamento de câncer. O látex da planta é muito utilizado e conhecido regionalmente como “leite de janaúba”, trata-se de uma solução de látex-água, onde o aspecto visual de leite rendeu-lhe o nome (Linhares & Pinheiro, 2013). No município de Alcântara, as propriedades medicinais mais atribuídas pelas populações regionais ao uso do látex da janaúba foram relacionadas ao tratamento de gastrite, processos inflamatórios diversos, câncer e anemia A maioria das pessoas da região conhece duas etnoespécies de janaúba: a vermelha e a branca (Linhares, 2010). A espécie Himatanthus obovatus (Müll. Arg.) Woodson têm o chá de suas folhas utilizado no norte do Brasil como depurativo, no tratamento de úlceras estomacais, pressão alta, coceiras, manchas de pele e espinhas. Do caule, raiz, folhas e casca, foram isolados o acetato de etila e os iridóides plumericina 5 e iso-plumericina 6. Essas substâncias foram testadas quanto à atividade antifúngica frente aos fungos Arpegillus fumigatus, Candida albicans, Cryptococcusneoformam. Os resultados foram negativos para o extrato de acetato de etila e positivo para os iridóides (Villegas, et al., 1992; Lima, 2005). Spina (2004) esclarece que o gênero ainda não foi estudado quimicamente na sua totalidade, e que na literatura foram encontrados estudos para as espécies H. sucuuba (Spruce ex Müll. Arg.) Woodson, H. obovatus (Müll. Arg.) Woodson, H. phagedaenicus 25


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(Mart.) Woodson, H. articulatus (Vahl.) Woodson, e H.bracteatus (A. DC.) Woodson. De acordo com Lopes (2008), foram isolados e identificados dois alcalóides indólicos (loimbina e uleína), o primeiro isolado pela primeira vez no gênero Himatanthus. Em relação à uleína, dados da literatura apresentavam divergências quanto à sua identificação, porém, em função da pureza do alcalóide e da alta resolução dos espectros obtidos, foi possível identificar este alcalóide. Além da separação destes dois constituintes na fração clorofórmica, foi obtido um perfil cromatográfico desta fração. Segundo o autor, a droga vegetal apresenta-se promissora para estudos futuros devido à sua ampla comercialização como produto fitoterápico e ações biológicas diversas descritas na literatura popular. Estudos realizados por Lima (2011) utilizando extrato hidro alcoólico de Himatanthus drasticus no controle de nematódeos gastrintestinais em ovinos naturalmente infectados e tratados com extrato bruto hidroalcoólico (EBHA) de janaúba (H. drasticus), exerceram ação inibitória no desenvolvimento de larvas fecais dos gêneros de nematódeos gastrintestinais prevalentes.

Modelo regional de exploração da Janaúba em Alcântara - MA O modelo de exploração da janaúba na região não tem sofrido modificações ao longo da sua história. Consistem em geral de operações manuais de extração do látex e comercialização direta. O método de extração de látex de janaúba na mata e a posterior preparação do "leite de janaúba" propriamente dito envolvem a seguinte sequência de operações: 1) retirada da casca da árvore com uso de facão; 2) espera pela exsudação de látex da região do córtex da árvore; 3) coleta de látex com auxílio de esponja embebida em água; 4) compressão da esponja embebida com a solução látex-água em recipiente com água; 5) decantação da solução látex-água até formar uma solução bifásica e posterior descarte da fração de água; 6) filtragem da solução látex-água em pano de algodão branco; 7) por último, o envasamento do produto, em geral em garrafas de garrafas PET, para posterior comercialização (Linhares & Pinheiro, 2013). Neste modelo, o látex da janaúba é obtido de indivíduos com espessuras entre 60-70 cm. Espessuras menores entre os indivíduos extraídos indicam maior pressão sobre o recurso. A produtividade nas áreas de ocorrência está mais diretamente relacionada à quantidade de árvores exploradas na fase produtiva do que propriamente ao porte das mesmas. Em média, de cada indivíduo na estação seca, são extraídos 730 ml de solução látex-água (Linhares, 2010). Sendo assim, o número de indivíduos em fase produtiva guarda uma relação direta com o histórico de uso agrícola, os tempos de pousio, bem como, a ocorrência de indivíduos em ambientes com restrições à prática agrícola, acarretando uma grande variação no número de indivíduos em fase produtiva, podendo variar de 10 a 40 indivíduos, resultando aproximadamente numa extração entre 7,3 e 29 litros em fragmentos florestais com dimensões entre 5-10 ha (Linhares, 2010). 26


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Tensores socioambientais de efeito sobre o recurso vegetal No município de Alcântara, a principal fonte de subsistência das populações locais é a agricultura. Outras formas de sustento incluem a aposentadoria rural, a pesca, o extrativismo – principalmente da janaúba, do carvão e de mariscos. Sendo a agricultura a principal forma de produção e sustento local, efeitos diretos e indiretos sobre as populações naturais de janaúba vêm das práticas agrícolas, uma vez que, em geral, são os mesmos os ambientes e áreas utilizadas para a agricultura onde também ocorrem as populações de janaúba na região. De acordo com Linhares et al (2011), são os seguintes os ambientes vegetacionais de ocorrência da janaúba na região de Alcântara: a) Florestas Secundárias (Capoeiras): a composição de espécies varia em função da idade da capoeira, período entre o desmatamento e o estágio atual da formação secundária. Hoje, em geral, 3 anos, pelo uso mais intenso das áreas para fins agrícolas, podendo, mais raramente, chegar a 10 anos. Formações sempre com número considerável de espécies arbóreas, embora com maioria dos indivíduos em estágios iniciais de crescimento ou juvenis, pelos desmatamentos continuados, com muito poucos indivíduos na fase adulta. Estas formações secundárias, em associação ou não com a palmeira babaçu (Orbignya phalerata Mart.), representam hoje, o tipo de vegetação mais comum nos ambientes do município. b) Babaçuais: Formações secundárias de terra firme, onde está palmeira tornouse dominante. A perda de seu valor econômico desta espécie (extração e venda de amêndoas para a produção de óleo) e a ocupação pela agricultura tem levado à redução dos babaçuais em suas áreas de ocorrência. c) Matas de Várzeas: vegetação ciliar inundada por períodos curtos e frequentes, sob a influência de marés. O guanandi (Symphonia globulifera L.; Clusiaceae), a mamorana (Pachira aquatica Aubl.; Bombacaceae) e a ucuuba (Virola surinamensis Warb.; Myristicaceae) são espécies vegetais características deste tipo de vegetação. d) Matas de Galeria: vegetação característica das margens de pequenos cursos d’água e nascentes (ciliares e, portanto, de preservação permanente, segundo a legislação ambiental), com vegetação higrófila característica, como buriti (Mauritia flexuosa L. f.; Palmae), juçara (Euterpe oleraceae Mart.; Palmae), guarimã (Ischnosiphon arouma (Aublet) Koern., Marantaceae) e várias espécies de Araceae, Heliconiaceae, Musaceae, entre outras e) Restingas: abrange um variado número de comunidades vegetais, desenvolvidas sobre um substrato de areias quartzosas, com forte influência do mar. Constitui um complexo de vegetações que ocupa as planícies litorâneas do Brasil, ocorrendo sobre sedimentos arenosos de origem marinha. Inclui desde fitofisionomias abertas, herbáceoarbustivas, localizadas próximas às praias, até florestas com árvores altas em direção ao interior do continente, ou arbustais sobre dunas litorâneas. 27


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Nesses ambientes vegetacionais, a janaúba encontra espaço de convivência. Além da terra firme, ocorre também em áreas inundáveis (várzea e matas de galeria), onde têm sido registradas as maiores produtividades do látex da janaúba. Por serem ambientes diferentes em seus aspectos físicos, são diferentes também os efeitos em cada um deles, pela ação de diferentes tensores. Entretanto, os tensores ambientais que mais comprometem as populações de janaúba nos ecossistemas florestais são produzidos pela prática do sistema agrícola regional (itinerante, de corte e queima), além da extração indiscriminada de madeira, produção de carvão e implantação de pastagens. As populações de janaúba em Alcântara têm sofrido reduções no número de indivíduos em fase produtiva e a perda das áreas de ocorrência para os roçados agrícolas. A concentração fundiária associada ao modelo produtivo existente baseado no sistema agrícola tradicional de derrubada, queima, plantio, colheita e pousio tem provocado redução das populações naturais de janaúba nos vários ambientes vegetacionais. A sobreexploração do recurso vegetal provocada pelo aumento do contingente de extratores mais o aumento da frequência de extração tem resultado no declínio das populações naturais e na sua capacidade de produção de látex. Menos mal que a janaúba constitui uma espécie de ampla adaptação ambiental. Entretanto, o avanço da agricultura e da extração sobre as diferentes tipologias vegetacionais onde ocorre, tem provocado redução nessa capacidade. As diversas tipologias de vegetação são reduzidas a uma única, a mata secundária, onde, a rigor, a janaúba também se ajusta e se desenvolve. Contudo, a redução das idades médias das formações secundárias com a diminuição dos períodos de pousio agrícola, resulta em florestas secundárias sempre jovens, incapazes de suprir, em plenitude, as funções de uma floresta que tenha passado pelos diferentes e necessários estágios sucessionais. Sem os diferentes grupos ecofisiológicos formados, a floresta não funciona; não se desenvolve plenamente nenhuma espécie; não se desenvolve a janaúba. Como consequência, não se sustenta e não se consolida um sistema produtivo baseado na extração de látex de janaúba a partir de indivíduos malformados dentro das espécies e das populações. Conclusões No município de Alcântara, Maranhão ocorre duas espécies de janaúba: a vermelha [Himatanthus drasticus (Mart.) Plumel] e a janaúba branca [Himatanthus obovatus (Müll Arg) Woodson]. Ocupam predominantemente os ambientes de terra firme, mas são frequentemente encontradas em áreas inundáveis, em Matas de Galeria, Matas de Várzeas e Restingas. Na realidade e atualidade regional, a principal tipologia vegetacional de ocorrência da janaúba (ambas as espécies) é a Mata Secundária. A condição secundária das principais formações de ocorrência das espécies de janaúba é confirmada pela associação com o bacuri (Platonia insignis Mart.), com o tucum (Astrocaryum vulgare Mart.) e murta (Myrcia selloi (Spreng.) N. Silveira, espécies conhecidas do processo de sucessão 28


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secundária. Desse modo, mostra-se presente nos estágios iniciais da sucessão, mas revela capacidade ecológica para ocupar e se manter no espaço como uma espécie tardia. A agricultura, no modelo praticado, pode ser imputada como a principal ameaça à conservação das espécies de janaúba. Como veículo principal do modelo produtivo regional não pode ser modificado, em curto prazo, para preservar a espécie medicinal. Contudo, medidas de manejo devem ser definidas e implementadas para controle da sobreexploração da espécie, proteção das áreas de ocorrência, melhoria do sistema de produção, tornando-o mais rentável e seguro, do ponto de vista ambiental e da saúde pública. Adicionalmente, é necessário o atendimento a questões básicas, como, por exemplo, conhecer o número efetivo de extrativistas em atividade; avaliar os métodos utilizados tradicionalmente, tanto do ponto de vista técnico quanto sanitário; estimular a formação de associação de extrativistas, com papel técnico e administrativo; e, mais politicamente, buscar a implementação de políticas de garantia de preço mínimo para o produto. Em resumo, mais organização na exploração, o que seguramente, deve resultar, em médio e longo prazo, na conservação do recurso vegetal e na obtenção dos benefícios esperados. Referências FERREIRA, C. S. Aspectos morfoanatômicos, bioquímicos e genéticos de Himatanthussucuuba Wood., em ambiente de várzea e de terra firme da bacia Amazônica. Manaus: UFAM/INPA, 2006. 90f. Tese (Doutorado em Ciências Biológicas) Programa Integrado de Pós-Graduação em Biologia Tropical e Recursos Naturais. – INPA/UFAM, Manaus, 2006. GEMTCHÚJNICOV, I. D. Manual de taxonomia vegetal: plantas de interesse econômico. São Paulo, Ed. Agronômica Ceres, 1976. 368p. GEPLAN - GERÊNCIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Atlas do Maranhão. Laboratório de Geoprocessamento – UEMA, São Luís., 2002. 44p. JOLY, A. B. Botânica: Introdução à taxonomia vegetal. São Paulo. Editora Nacional. 10ªEdição. 1991. 771p. LARROSA, C. R. R.; DUARTE, M. R. Contribuição ao estudo anatômico do caule de Himatanthus sucuuba (Spuce ex Müll. Arg.). Woodson, Apocynaceae. Revista Brasileira de Farmacognosia, p. 110-114. 2005. LIMA, F. C.Janaúba (Himatanthus Willd. ex. Schult.) - Apocynaceae no controle de nematódeos gastrintestinais em ovinos. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal, 2011, 137p. LIMA V. B. Estudo Fitoquímico de Himatanthus obovatus (Muell. Arg.) Woodson (APOCYNACEAE): Isolamento, Elucidação Estrutural e Atividade Biológica. 101 Campinas: UNICAMP, 2005. 194f. Tese (Doutorado em Ciências) Programa de Pós-Graduação em Química Orgânica. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. LINHARES, J.F.P.; PINHEIRO, C.U.B. Caracterização do sistema de extração de látex de janaúba (Himatanthus Willd. ex Schult. - Apocynaceae), no Município de Alcântara, Estado do Maranhão, Brasil. Rev Pan-Amaz Saúde 2013; 4(1): p.23-31. LINHARES, J.F.P.; PINHEIRO, C.U.B.; MING, L.C.; RODRIGUES, M.I.A; FERREIRA, A.B. Ambientes de Ocorrência e Flora Acompanhante do Gênero Himatanthus em Alcântara, Maranhão, Brasil. Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.13, especial, p.550-558, 2011. LINHARES, J. F. P. Sustentabilidade socioambiental da extração de janaúba (Himatanthus Willd. ex Schult.) no município de Alcântara, MA, Brasil. Dissertação

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(Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas, 2010, 116p. MARANHÃO. SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS. COORDENADORIA DE PROGRAMAS ESPECIAIS. PROGRAMA ESTADUAL DE GERENCIAMENTO COSTEIRO. Macrozoneamento do Golfão Maranhense; Diagnóstico Ambiental do Município de Alcântara. Estudo Sócio-Econômico e Cultural. – São Luís: Sema/MMA/PNMA, 1998. SEMATUR, Diagnóstico dos principais problemas ambientais do Estado do Maranhão. São Luis, 194p. 1991. SPINA, A. P. Estudos taxonômico, micro-morfológico e filogenético do gênero Himatanthus Willd. ex Schult. (Apocynaceae: Rauvolfioideae - Plumerieae). Campinas: UNICAMP. 2004. 191f. Tese (Doutorado em Biologia Vegetal) Programa de Pósgraduação 104 em Ciências Biológicas. Departamento de Botânica. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. VICENTINI, A.; OLIVEIRA A. A. Apocynaceae e Asclepiadaceae. In: Flora da Reserva DuckeGuia de identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra firme na Amazônia Central. edited by Ribeiro, J.E.L. S., Hopkins A.M.J.G. Vicentini, C.A. Sothers, Costa, M.A.S.; Brito, J.M.; Souza, M.A.D.; Martins, L.H.P.; Lohmann, L.G.; Assunção, P.A.C.L.; Pereira, E.C.; Silva, C.F.; Mesquita, M.R.; Procópio, L.C. vol.1, 568-581. Manaus: INPA-DFID. Disponível em: http://curupira.inpa.gov.br/projetos/ducke/index.html. Acessado em: 23/06/2009. 1999. VILEGAS, J. H. Y. HACHICH, E. M.; GARCIA, M.: BRASILEIRO, A.; CARNEIRO, M. A.G.; CAMPOS, V. L. B. Compostos antifúngicos de espécies de Apocynaceae. Rev. Latinoamer. Quím. 23:44-45. 1992.

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3) A segurança biológica, os recursos genéticos e a agricultura Afonso Celso Candeira Valois Eng. Agr., Me, Dr. e Pós-Doc. Foi Diretor Executivo Interino da Embrapa, Assessor da Diretoria Executiva da Embrapa, Chefe-Adjunto Técnico do Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira e Dendê da Embrapa (Manaus-AM), Chefe-Geral do CNPSD, Chefe-Adjunto Técnico de Recursos Genéticos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília-DF), Chefe-Geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Contextualização Dentro de uma visão holística sobre segurança biológica deve-se considerar alguns temas ligados a recursos genéticos como os de espécies invasoras exóticas danosas, sanidade vegetal e animal, biossabotagem, agrossabotagem, riscos ao meio ambiente e outros temas integrados como quantidade dos alimentos e nutrição, qualidade dos alimentos e saúde. Levando em conta uma melhor compreensão didática das definições de segurança biológica e biossegurança, verifica-se que enquanto a primeira exige a adequação de uma precaução proibitiva para prevenir a ocorrência de eventos, a segunda enfoca uma ação diante de eventos já formados, que não deixa de ser uma precaução, só que permissiva, para os devidos aprimoramentos, em atenção ao processo do gerenciamento do risco. Considerando a possibilidade da colocação em prática da busca de uma utopia plausível, dentro dessa premissa da segurança biológica são discutidos os seguintes aspectos: a) praga zero, pelo controle de pragas exóticas e autóctones capazes de afetar a agricultura, pecuária e florestas; b) desperdício zero nas práticas de colheita e pós-colheita para assegurar a disponibilidade de alimentos em quantidade; c) segurança alimentar e nutricional, para também assegurar a qualidade dos alimentos (livres dos perigos biológicos, químicos, físicos e ambientais) e saúde humana e animal; d) manejo dos riscos ambientais capazes de restringir os efeitos benéficos da segurança biológica. Um ponto que deve ser enfatizado até como um comentário inovador é o uso da biodiversidade na via direta para o benefício da saúde humana. A segurança biológica entra nesse contexto, sob a ótica de ser assegurada a sanidade dos genótipos que ocorrem na natureza ou mesmo cultivados, para dar margem ao uso para o benefício da saúde humana e animal. Um exemplo elucidativo é o emprego da fava d’anta (Dimorphandra gardneriana) para a produção de rutina, princípio ativo existente na casca das vagens produzidas por essa planta, substância essa utilizada para fortalecer os vasos capilares e, dessa forma, prevenir a ocorrência das varizes e hemorroidas, além de ser antioxidante. Na natureza, a planta pode ser atacada por vários condicionantes biológicos, com destaque 31


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para os fitoplasmas, transmitidos por cigarrinhas, capazes de levar os genótipos ao perecimento. O destaque aos riscos ambientais, na maioria das vezes intangíveis, como é o caso da ocorrência de secas prolongadas não antes previstas, capazes de causar sérios danos à agricultura é quanto à possibilidade da prevenção pelo uso de genótipos tolerantes a estresses causados por deficiências hídricas no meio ambiente, principalmente considerando a riqueza de genes tropicais que compõem genótipos tolerantes à seca, em especial que ocorrem naturalmente em regiões semiáridas do nordeste brasileiro. Caso haja dificuldade para a geração de novos genótipos com o uso dos métodos convencionais de melhoramento genético, então a alternativa mais viável é a aplicação da técnica do DNA recombinante para a geração de organismos geneticamente modificados (OGM), levando em conta os cuidados de biossegurança e a legislação brasileira. Quanto à prevenção da entrada no país de espécies invasoras exóticas (EIE) que possam causar sérios danos à agricultura, pecuária e florestas, principalmente dois pontos devem ser considerados, isto é, retardar ao máximo a entrada do patógeno e se preparar proativamente com consistentes programas de melhoramento genético preventivo para o controle, no caso de a praga vir a se estabelecer no país. Um bom exemplo de retardamento é quanto ao caso do mal-das-folhas da seringueira, séria doença causada pelo fungo Microcyclus ulei, atualmente bastante monitorada para não penetrar na Ásia e África, onde os seringais são formados por clones altamente suscetíveis ao citado patógeno, apesar de excelentes produtores de borracha. Para o caso do melhoramento genético prévio, um outro bom exemplo foi o que ocorreu com a ferrugem do café, pois quando a doença ocorreu no Brasil, o Instituto Agronômico de São Paulo (IAC) já possuía variedades resistentes, melhoradas previamente. Outro bom exemplo bastante atual é quanto à sigatoka negra da bananeira, pois antes de a doença entrar no Brasil, a Embrapa introduziu germoplasma como fonte de resistência e desenvolveu variedades, sendo que atualmente pelo menos dez variedades estão à disposição dos bananicultores nacionais. Dentro de uma visão didática para o estabelecimento de planos de contingência de controle, as EIE podem ser classificadas de três maneiras: a) aquelas que já estão no Brasil há mais tempo, como o bicudo do algodoeiro e a mosca branca; b) aquelas que entraram mais recentemente, como a mosca da carambola, a ferrugem da soja e a helicoverpa; c) aquelas que podem entrar no País se não houver os cuidados necessários, como a monília do cacaueiro, o ácaro do arroz, a murcha bacteriana da bananeira e o besouro asiático, séria praga de espécies florestais. No contexto do enfoque sistêmico com o qual a segurança biológica deve ser encarada com a devida rastreabilidade, os seguintes aspectos devem ser levados em consideração: a) segurança do consumidor; b) segurança da biodiversidade e da agrobiodiversidade; c) segurança da agricultura, pecuária e florestas; d) segurança da sanidade vegetal e animal; e) segurança alimentar e nutricional; f) segurança dos alimentos e da saúde humana e animal pelo controle de perigos biológicos, químicos, físicos e ambientais; g) segurança do produtor rural; h) segurança socioeconômica; i) 32


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segurança do manejo dos riscos ambientais levando em conta a mitigação dos efeitos climáticos e edáficos, além de contaminações causadas por agrotóxicos (agroquímicos mal aplicados) e outros agentes. Todos os enfoques até então comentados levam em consideração a definição da segurança biológica no entendimento mais simples e perfeitamente compreensível neste caso, que é o manejo de todos os riscos bióticos e abióticos associados à agricultura, pecuária e florestas, dentre outros, principalmente para o benefício da segurança alimentar e nutricional, considerando a segurança dos alimentos. Sabe-se que não existe risco zero, mas os riscos podem ser avaliados, gerenciados e comunicados. Para esses casos da produção primária, o risco significa a probabilidade da ocorrência do perigo, que por sua vez se traduz no potencial da ocorrência de danos, cuja severidade é medida pelo dimensionamento da gravidade do dano quanto às consequências resultantes de sua ocorrência, podendo ser baixa, média e alta. No manejo dos riscos no setor primário, nos últimos anos têm sido veiculadas notícias alertando sobre a ocorrência de perigos e doenças, como substâncias químicas, agrotóxicos, bactérias patogênicas, botulismo, difilobotríase, mal-da-vaca louca, gripe aviária e outros, todos ligados aos alimentos de origem animal e vegetal. No Brasil, em importantes produtos de consumo interno e de exportação como castanha-do-brasil, pimenta-do-reino, café, amendoim, milho, melão e outros, têm sido identificadas sérias limitações ao consumo ligadas à presença de micotoxinas, salmonelioses e coliformes fecais, que estão prejudicando o agronegócio de exportação e o próprio consumo interno livre de condicionantes bióticos à saúde. Isso em decorrência da falta da aplicação constante de boas práticas agrícolas/agropecuárias e boas práticas de fabricação, culminando com a ocorrência da doença-de-chagas em Santa Catarina que teve como origem o caldo de cana-de-açúcar produzido sem o menor requinte de segurança dos alimentos. No processo da elevação da qualidade dos alimentos com segurança biológica é primordial a colocação em prática de um consistente programa de educação alimentar e treinamento de recursos humanos, com destaque para a mudança de hábito, atitude, postura, cultura e costume de todos os atores envolvidos na cadeia produtiva, considerando as fases de pré-colheita, colheita e pós-colheita, levando em conta a prática da rastreabilidade, com sustentabilidade e enfoque sistêmico. Nesse sentido, um tema muito importante é quanto à exigência dos consumidores no que se refere à melhor qualidade dos produtos alimentícios. Isto é, estão preferindo alimentos seguros, ou seja, aqueles que foram objeto de controle de perigos significativos ao longo de toda a cadeia produtiva, por aplicações de intervenções plausíveis, como medidas sanitárias. Têm sido detectados efeitos residuais (principalmente agrotóxicos) e contaminantes (principalmente micotoxinas- toxinas produzidas por fungos) em alguns dos principais produtos alimentícios, com destaque para esses últimos quanto à ocorrência de aflatoxinas 33


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em castanha-do-brasil, cacau e amendoim, ocratoxinas em café, fumonisinas e aflatoxinas em milho, além de salmonela em pimenta-do-reino, ovos e carne suína, coliformes fecais em hortaliças e leite, que dificultam o consumo interno e a exportação para outros países. Assim, além das boas práticas agrícolas, agropecuárias e de fabricação para o controle dos perigos físicos, químicos e biológicos de pré-colheita, colheita e pós-colheita é muito importante a aplicação do sistema APPCC (análise de perigos e pontos críticos de controle), levando em conta os seus sete princípios, ou seja, análise de perigos, identificação dos pontos críticos de controle, estabelecimento de limites críticos, procedimentos de monitoramento, aplicação de medidas corretivas, procedimentos de verificação e registros, o que corresponde ao grande diferencial para a obtenção de alimentos seguros. Na dimensão da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e nos propósitos da FAO para alimentação e agricultura, a amplitude do conceito da segurança biológica deve abranger a conservação e uso sustentável de componentes da biodiversidade, com repartição justa e equitativa dos benefícios, com ênfase nos recursos genéticos, para fortalecer a segurança alimentar e nutricional das populações através de cadeias agroalimentares, para assegurar os direitos humanos por uma alimentação adequada e saudável. A agrobiodiversidade e as cadeias agroalimentares são fundamentais para a sustentabilidade alimentar e do agronegócio, na visão econômica, social, ambiental, cultural e ética da segurança biológica. Considerando que a agrobiodiversidade engloba a identificação de componentes da diversidade biológica que possam ter uso apropriado nas cadeias agroalimentares para o benefício das populações, essa utilização na agricultura pode ser considerada como fator vital para a junção da biodiversidade com a segurança alimentar e nutricional, qualidade dos alimentos e saúde humana e animal. Nesse processo de uso sustentável da agrobiodiversidade, os recursos genéticos devem ser considerados no âmbito do desenvolvimento territorial, regional ou local, dentro de um enfoque sistêmico, para fortalecer a agregação de valores apropriada. Para a obtenção de uma alimentação saudável a partir da agrobiodiversidade e das cadeias agroalimentares destacam-se os alimentos funcionais, assim denominados por conterem substâncias capazes de promover efeitos benéficos à saúde, associados à prevenção de doenças como cardiovascular, câncer, diabetes e osteoporose. Dentre os grupos de alimentos que se enquadram nessa categoria encontram-se as frutas por conterem substâncias muito importantes para a saúde, tais como antocianinas no açaí (pigmentos que possuem enorme poder antioxidante que ajudam a impedir reações que levam ao envelhecimento precoce das células e auxiliam no controle do colesterol, além de conter propriedades anti-inflamatórias semelhantes às da aspirina, que combatem a dor), taninos no caju, carotenoides na manga, ácido ascórbico (precursor de vitamina C) no camu-camu, caju, pequi, pupunha e tucumã; ferro no açaí, banana, puruí e camu-camu, silício (proteína elastina) na banana e manga (favorece a elasticidade da pele-contra rugas), além de outros. Afora essas vantagens comparativas, considera-se ainda a 34


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ocorrência de isoflavonas (antioxidantes) na soja, betacaroteno (precursor de vitamina A previne contra cegueira) no arroz dourado, mandioca de polpa amarela, melancia de polpa amarela, banana, pequi, pupunha e tucumã, vitamina B1 (tiamina) em hortaliças, camucamu e tucumã, além dos edulcorantes esteviosídeo e rebaudiosídeo, que são substâncias extremamente doces encontradas na estévia, não absorvidas pelo corpo humano, não causando obesidade e muito úteis para as pessoas diabéticas. Para tudo isso é fundamental a aplicação dos princípios da segurança biológica para o pleno sucesso do agronegócio empresarial e familiar, que são os seguintes: temas de espécies invasoras exóticas danosas, sanidade vegetal e animal, biossabotagem, agrossabotagem ou agroterrorismo, quantidade dos alimentos e nutrição, qualidade dos alimentos (livres de perigos físicos, químicos, biológicos e ambientais) e saúde, além do manejo de riscos ambientais. Referências FAO. Principles of plant quarantine as related to international trade. Rome, 1995. 21 p. (ISPM, n. 1). FAO. Pest risk analysis for quarantine pests. Rome, 2002. 27 p. (ISPM, n. 11). KAHN, R.P. Plant protection and quarantine. Boca Raton: CRC Press, c1989. v. 1. 226 p. McNEELY, J. A.; MOONEY, H. A.; NEVILLE, L. E.; SCHEI, P. J.; WAAGE, J. K. (Ed.). A global strategy on Invasive alien species. Cambridge: International Union for the Conservation of Nature and Natural Resources, 2001. 50 p. ISBN-10: 2831706092 OLIVEIRA, M. R. V.; NEVILLE, L. E.; VALOIS, A. C. C. Importância ecológica e econômica e estratégias de manejo de espécies invasoras exóticas. Brasília, DF: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 2001. 6 p. (Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Circular Técnica, 8). OLIVEIRA, M. R. V.; PAULA, S. V. Análise de risco de pragas quarentenárias: conceitos e metodologias. Brasília, DF: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 2002. 144 p. (Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Documentos, 82). REJMÁNEK, M.; RICHARDSON, D. M. Invasiveness of conifers: extent and possiblemechanisms. Acta Horticulturae, n. 615, 2003. Edition of proceedings of the Fourth International Conifer Conference. V. 1. P. 375-378. ISBN 9066053801. VALOIS, A. C. C. Benefícios e estratégias de utilização sustentável da Amazônia. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica: Embrapa-Secretaria de Administração Estratégica, 2003. 78 p. (Embrapa-Secretaria de Administração Estratégica. Texto para Discussão, 18. VALOIS, A. C. C.; OLIVEIRA, M. R. V. Segurança biológica para o agronegócio. Agrociência, Montevideo, Uruguay, v.9, n. 1/2, p. 203-211, 2005.

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4) Sistemas Agroflorestais: relação social, econômica, ambiental e manejo de recursos genéticos e do agronegócio Afonso Celso Candeira Valois Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Aposentado da Embrapa.

Os sistemas agroflorestais (SAF) podem ser apontados como uns dos caminhos alternativos alvissareiros para a reutilização de áreas antropizadas (que receberam a interferência humana) do Brasil em face do elevado potencial que apresentam para o alcance de um bom nível de sustentabilidade da atividade do agronegócio com o fito social, econômico, ambiental, ético, cultural e histórico, especialmente na recuperação de áreas de terra firme, bem como de matas ciliares em terras localizadas nas cabeceiras e margens de importantes bacias hidrográficas, preservando e reintroduzindo recursos genéticos nativos. Os SAF não se constituem em sistemas de produção, mas no uso inteligente da terra de maneira estratégica, tática e operacional, pois a produção é considerada por unidade de área, principalmente pela combinação simultânea ou escalonada de espécies anuais, semiperenes, perenes, madeireiras e não-madeireiras, além de criações de animais, de forma compatível com os padrões dos agricultores/criadores familiares e demais produtores rurais. O desenvolvimento rural sustentável com o uso de SAF alcança uma grande dimensão, especialmente para os pequenos agricultores familiares ribeirinhos e outros, pois esses sistemas são acessíveis e compatíveis com a

tradição secular dos produtores tradicionais, afrodescendentes e povos indígenas. Os riscos são limitados ante à combinação dos produtos de subsistência e de mercado, além de favorecer uma melhor distribuição do emprego da mãode-obra ao longo do tempo útil. A grande diversidade de espécies na mesma unidade de área conduz à obtenção de produtos variados e prestação de serviços, além do uso dos recursos que se tornam mais eficientes em face de certa similitude das exigências de insumos por parte das espécies. Para o sucesso dos SAF deve-se vislumbrar que especialmente na Amazônia existem plantas que resistem muito bem ao sombreamento até certa intensidade, como é o caso do cacau, cupuaçu, café, pimenta-do-reino e guaraná, que alcançam bons valores fenotípicos quando em consorciação com a seringueira, castanha-do-brasil, bacuri, açaí, pupunha, coco, ingá, nim e demais espécies dominantes de interesse. O uso de outras espécies florestais como mogno, teca, acácia e paricá é também um excelente exemplo de agregação de valores, bem como culturas alimentares de menor porte como banana, mandioca, feijão caupi, milho, arroz, abacaxi, melancia e outras podem ser usadas com sucesso em plantios intercalares com culturas perenes nos primeiros anos de desenvolvimento. 36


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O zoneamento agroecológico, ordenamento territorial com a aplicação das devidas políticas públicas e a gestão social de territórios rurais identificados são primordiais para a implantação racional e condução dos SAF em face das prioridades técnicas, como as áreas já alteradas das cabeceiras e margens de bacias hidrográficas. Nessas regiões, o repovoamento sustentável das matas ciliares com a combinação de plantas capazes de oferecer bons valores agregados às comunidades como a consorciação de espécies florestais com culturas alimentares, para assegurar uma vida digna e decente aos produtores e segurança aos consumidores, é um esquema de arranjo de plantio que deve estar presente em qualquer programa de governo ou mesmo privado. Apesar de ser difícil estabelecer um modelo comum de sistemas agroflorestais para os vários nichos ecológicos onde essas práticas são aplicáveis, é da maior importância que sejam estabelecidos critérios mínimos orientadores de como consorciar/associar espécies, com destaque para os seguintes aspectos: a) que haja um perfeito “sombreamento” de raízes entre as espécies; b) que não possuam condicionantes bióticos e abióticos em comum; c) que possuam características dominantes e dominadas, sendo estas tolerantes ao sombreamento; d) que tenham ritmo de crescimento e arquitetura de copa compatíveis; e) que possuam respostas comuns quanto ao aproveitamento dos benefícios doados por bactérias nitrificantes e por fungos micorrízicos; f) que as plantas ofereçam bom nível de associação com os animais recomendados.

Deve-se atentar, por exemplo, que especialmente em regiões ribeirinhas, a agricultura itinerante e a pecuária têm sido consideradas as principais fontes causadoras das áreas degradadas, ocasionando a erosão de solos, assoreamento de rios, escassez hídrica, contaminação da água, erosão genética da biodiversidade, carência piscosa e outros sérios impedimentos. Está bastante claro que a constatação de que essas ações antrópicas estão a necessitar de urgentes medidas mitigadoras proativas e curativas é que aparece como destaque a necessária aplicação de consistentes SAF, com a antecipação de medidas de conscientização pública sobre a aplicabilidade dessa ação benéfica. Um importante aspecto a ser considerado na implantação de SAF é a agregação de valores com o uso da agricultura orgânica, agricultura ecológica, permacultura ou outra prática agrícola apropriada e consequente obtenção de selo de qualidade; implantação de agroindústrias nos próprios locais dos SAF estando os agricultores organizados, em face de os produtos geralmente serem perecíveis levando em conta as grandes distâncias e transporte precário aos pontos de comercialização, além da vantajosa criação adicional de trabalho e renda localizados; aplicação de boas práticas agrícolas/agropecuárias (BPA) com o uso da análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC), boas práticas de fabricação (BPF) com procedimentos padrões de higiene operacional (PPHO), para a obtenção de produtos livres de perigos físicos, químicos, biológicos e ambientais. 37


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Em termos de demanda de PD&I e ATER é importante desenvolver esforços e ações no sentido de desenvolver estudos e levantamentos para o aprimoramento das características agronômicas e sócioeconômica-ambientais dos SAF, com o propósito de oferecer tecnologias apropriadas à melhoria de vida dos pequenos produtores (educados ambientalmente), evitar o êxodo rural e contribuir para o desenvolvimento sustentável. Em termos concretos, é bastante salutar estabelecer programas de implantação de unidades de validação tecnológica (UVT), incluindo unidades de observação e demonstração e outros métodos de ATER atrativos e educativos aos produtores rurais, em esquemas de plantio que possam favorecer a consorciação de cultivos apropriados em regiões ribeirinhas e outras, além de liberar cartilhas explicativas sobre o uso racional dos produtos. Em termos gerais, deve-se evitar generalizar a tentativa do uso integral dos princípios da agroecologia em toda a agricultura especialmente familiar, pois além do alto grau de ingenuidade e amadorismo é um tremendo equívoco. No entanto, esses princípios podem ser aplicados com sucesso em determinadas fases de transição da agricultura de forma orientada e cuidadosa, e em oportunidades especiais como é o caso dos esforços e ações para promover a recuperação de matas ciliares de importantes bacias hidrográficas de um determinado Estado. Nesse sentido, os seguintes itens devem ser ajustados para o pleno sucesso dos SAF: zoneamento agroecológico com ênfase no ordenamento e gestão de

territórios rurais; avaliação da viabilidade da recuperação ambiental de áreas degradadas; caracterização de nichos ecológicos das áreas antropizadas; combate à desertificação; indicação de práticas e arranjos agroflorestais mais promissores; preservação e conservação da biodiversidade; estudos de mercado, escoamento da produção e estabelecimento de pontos de recolhimento dos produtos e comercialização; determinação das melhores combinações/associações das espécies de plantas e animais; estudos e definição de cadeias produtivas, monitoradas; porte dos indivíduos e competição por luz, água, nutrientes e espaço físico; densidade de plantio e dinâmica de populações; consorciação, rotação e sucessão de cultivos e fase produtiva; processo evolutivo das espécies; características físicas, químicas e microbiológicas do solo; agricultura orgânica, agricultura ecológica e permacultura; elevação da produção e produtividade; aplicação do sistema APPCC, certificação e selo verde; agregação de valores e agroindústrias; manejo de bacias hidrográficas e identificação das mais críticas, visando à intervenção imediata; determinação de níveis críticos de contaminação de rios para o monitoramento contínuo e controle efetivo; processos de repovoamento com peixes em rios ameaçados; quantificação, valoração e negociação de serviços ambientais (valorização), principalmente em relação ao sequestro de carbono e à mitigação da emissão de gases de efeito estufa; sensibilização e construção da consciência pública sobre a importância da sustentabilidade; mobilização social, 38


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educação ambiental e trabalho participativo com a intervenção das comunidades; métodos modernos de transferência e adoção de tecnologias apropriadas. Um programa governamental com a visão específica de recuperação dos recursos genéticos das matas ciliares prioritárias com o emprego de SAF apropriados parece ser o melhor caminho alternativo. Deve-se ainda frisar que os SAF estão perfeitamente incluídos no

plano ABC (agricultura com baixa emissão de carbono), que também abrange a agricultura de precisão, agricultura ecológica, agricultura orgânica, permacultura, fixação biológica do nitrogênio, plantio direto, biocontrole de pragas e doenças, biofertilizantes, neoextrativismo, integração lavourapecuária-floresta etc. Todas essas alternativas podem ser perfeitamente integradas aos sistemas agroflorestais.

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5) O princípio da precaução em OGMs e recursos genéticos Afonso Celso Candeira Valois Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Aposentado da Embrapa.

O Princípio da Precaução, também chamado de Princípio da Prudência ou Princípio da Cautela, tem grande implicação no sucesso do agronegócio devido influir diretamente na geração de novos genótipos, desde que não seja bem interpretado. Foi proposto formalmente na Conferência do Rio 92, bem como na Convenção sobre Diversidade Biológica e na Convenção-Quadro sobre as Mudanças Climáticas, inicialmente para ser considerado na segurança do meio ambiente e dos recursos genéticos e depois estendido para o benefício da saúde humana. No entanto, tem apresentado nuanças em sua interpretação, principalmente em relação à regulamentação da manipulação e uso dos organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgênicos, gerados com a aplicação da tecnologia do DNA recombinante. De maneira geral, o Princípio da Precaução tem sido entendido como a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento científico, não podem ainda ser identificados. Assim, permite a ação mesmo que haja incerteza sobre as evidências do risco e expressa extrema prudência, sendo indicado para aplicação em casos de efeitos adversos onde a avaliação científica não permite que o risco seja determinado com a certeza suficiente. A consolidação internacional desse Princípio teve como base o fato de que o risco desconhecido não pode ser considerado como inexistente. Remete ainda que na ausência da certeza científica formal, a presença de um risco da ocorrência de um dano significativo ou irreversível requer a implementação de medidas e procedimentos que possam prever e evitar esse dano. A definição oriunda da Conferência do Rio 92 invoca as noções da certeza científica e do risco potencial, o que, na ausência de adequada fundamentação científica na identificação e dimensionamento do risco poderá levar a equívocos de interpretação do Princípio da Precaução. A redação desse Princípio não implica, necessariamente, numa leitura formal, no impedimento da atividade, e sim na aplicação de alternativas viáveis que efetivamente assegurem a execução da determinada atividade dentro de condições suficientemente necessárias à prevenção do potencial de risco do dano previsto e estimado. A premissa da presença da certeza formal ou absoluta e do risco zero na manipulação de OGM e nas transações comerciais nacionais e internacionais tem se constituído em severos obstáculos para o deslanchamento do PD&I em engenharia genética e eventualmente ser invocado, em nome de interesses comerciais de domínio de patentes e 40


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de outros bens da propriedade intelectual, controle mercadológico dos produtos gerados, além da fabricação e comercialização de agrotóxicos e de outros agroquímicos, como barreiras não-tarifárias à entrada dos genótipos no mercado considerado. Pelo que se pode observar, existem dois entendimentos antagônicos sobre a aplicação do Princípio da Precaução. Há aquele com clara intenção proibitória e pessimista, que considera o risco zero e a segurança absoluta, e que aquilo que for tido como seguro não causará nenhum malefício no futuro. Por outro lado, existe aquele que é otimista, progressista e pragmático, que acredita que em biologia, por exemplo, não existe risco zero e nem segurança absoluta, e que é impossível para alguém prever com precisão absoluta que aquilo considerado seguro diante dos conhecimentos e tecnologias disponíveis não causará nenhum dano no futuro. Na atualidade, de forma equivocada, em muitos casos é exigida a certeza absoluta para a regulamentação das atividades com OGM tendo como base as informações científicas disponíveis, e não na certeza relativa que, aliás, é inteiramente compatível com qualquer evento biológico, sendo a primeira impossível de ser afirmada dado aos efeitos provisórios dos conhecimentos e das tecnologias existentes. Infelizmente, inúmeras manifestações sociais, atualmente enfraquecidas, têm demonstrado apego excessivo ao mito da certeza absoluta no campo da ciência biológica aplicada e procuram exigir que aqueles que realizam pesquisas em engenharia genética devem comprovar de forma absoluta, que aquilo avaliado como seguro não possibilitará dano algum no futuro. Dentro da lógica, os cientistas só podem afirmar que, dado ao estágio atual do conhecimento, existe ou não existe risco em relação ao uso de um determinado OGM avaliado e validado, não sendo possível predizer o futuro com precisão absoluta, dado aos constantes avanços do conhecimento científico e dos possíveis acontecimentos ao acaso de acidentes de ordem biótica. Deve-se levar em conta que as rotas biológicas estão sempre sujeitas a ocorrências inesperadas de mutações, interações gênicas alélicas e não-alélicas, acidentes citológicos e outros, podendo dar margem ao aparecimento de efeitos danosos não-intencionais. Essa atitude cautelosa dos cientistas muitas das vezes é entendida como desconhecimento ou descaso em relação ao bem-estar da sociedade, aos recursos genéticos e ao meio ambiente. O cuidado de regular a atividade científica com critério e espírito precautório não deve impedir que os conhecimentos, as técnicas e as tecnologias avancem, mas sim que contribua eficazmente para os seus aprimoramentos. Nesse sentido, os melhoristas de plantas já ofereceram consubstanciais e claros exemplos de precaução na geração de genótipos nessa base molecular, considerando a aplicação de metodologias recomendadas de exclusão da canamicina e de outros antibióticos na seleção de eventos geneticamente modificados para isolar o risco da resistência de pessoas a esses produtos químicos; desconsideração da proteína 2S da castanha-do-Brasil no enriquecimento proteico de outros produtos como feijão para evitar possíveis perigos alergênicos, além da recomendação de que OGM biorreatores 41


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transformados para a produção de vacinas devem ser considerados como medicamentosos e não como alimentícios para não permitir a premissa da super vacinação. Na aplicação do Princípio da Precaução não utópico é justificável a adoção de medidas e procedimentos quanto à análise de risco, cuja definição significa a probabilidade de os perigos físicos, químicos, biológicos e ambientais ocorrerem. Levando em consideração que não existe risco zero, segurança absoluta e nem a probabilidade zero ou de 100% na estimação de riscos futuros em eventos biológicos, na análise de risco devem ser considerados os seguintes temas: avaliação do risco, gerenciamento ou manejo do risco, além da comunicação do risco. Com destaque à avaliação do risco, trata-se de um procedimento científico que envolve os seguintes aspectos: identificação e caracterização do perigo, avaliação da exposição e caracterização do risco. Para muitos, o Princípio da Precaução é um bom exemplo de gerenciamento do risco. No Brasil, só recentemente a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), após causar sérios transtornos devido a desentendimentos inclusive subjetivos no âmbito de alguns dos seus membros e sofrer pesadas advertências por quem de direito, embora tardiamente começou a entender esse fato, o que ocasionou a imediata liberação de eventos de soja, feijão, milho e algodão, estando prestes a liberar OGM adicionais, pois estão passando por consistentes estudos de caráter experimental a nível de laboratório e campo. Isso possibilitou a que em 2013 o agronegócio brasileiro tenha cultivado 40,3 milhões de hectares com plantas transgênicas, alcançando o segundo lugar no nível mundial. Deve-se ainda acrescentar que no âmbito do planeta, após quase 20 anos de uso nenhum OGM causou qualquer malefício à saúde humana e animal, e muito pelo contrário, fez muito bem ao meio ambiente e à sanidade alimentar e nutricional dos consumidores devido à drástica redução da aplicação de agrotóxicos na agricultura, além da excelente qualidade nutricional dos produtos, resistência a pragas e doenças, tolerância à seca, a herbicidas e a outros estresses ambientais. No ano de 1996, a área plantada com OGM no mundo foi de 12 milhões de hectares! Em 2006, a área cultivada aumentou para 102 milhões de hectares em 51 países que adotaram o agronegócio dos transgênicos! Em 2013, a área cultivada com transgênicos no mundo alcançou 175 milhões de hectares. A adoção de uma política excessivamente restritiva sob o ponto de vista regulatório, em nome do Princípio da Precaução proibitivo poderá ser danosa ao desenvolvimento de PD&I e CT&I e especialmente da biotecnologia, importante área do conhecimento de segurança nacional e estratégica para a inovação e convergência tecnológica e para o pleno desenvolvimento do agronegócio e de outras importantes áreas prioritárias no Brasil. Logicamente que existe o risco potencial para os recursos genéticos vegetais, por exemplo, no caso de OGMs de espécies agrícolas das quais possuímos seus parentes em estado silvestre, casos do abacaxi, amendoim, algodão, arroz, por exemplo, apenas na letra “a”. Assim, sempre o bom-senso deve ser colocado em evidência.

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Os direitos de propriedade intelectual, a biotecnologia e os recursos genéticos Afonso Celso Candeira Valois Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Aposentado da Embrapa.

A decifração do código genético e o desenvolvimento da engenharia genética permitiram ao ser humano intervir diretamente na essência da vida, provocando uma reação da sociedade aos riscos associados às incertezas científicas e tecnológicas, projetadas na esfera jurídica e ética. No Brasil, tanto o progresso da biotecnologia moderna quanto o debate ético e jurídico a ele associado começaram a ser estimulados a partir da década de 90, pela expansão da pesquisa e pela correspondente regulação legal. Devido à importância do tema, este artigo examina a legislação brasileira concernente à propriedade intelectual aplicada à biotecnologia moderna, notadamente patente e proteção de cultivares, além de aspectos relativos à propriedade na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), firmada durante a UNCED, realizada no Rio de Janeiro em 1992, e sua regulação através do Projeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos. Os direitos de propriedade intelectual referem-se a um conjunto de instrumentos legais que fornece proteção para criações do engenho humano e do conhecimento, cuja característica é de ser um bem incorpóreo. Devido a tal característica, os criadores dependem de uma proteção

legal contra a cópia, denominada de “direitos de propriedade intelectual”. Tais direitos, cujas quatro categorias mais importantes são patentes, marcas, proteção de melhoramentos vegetais e direitos de autor e conexos, compartilham algumas peculiaridades, como a faculdade temporária de excluir terceiros não autorizados do uso do objeto protegido. No universo da propriedade intelectual, a proteção patenteada pode incidir sobre uma ampla gama de invenções de produtos e processos em qualquer setor tecnológico, e até de determinadas formas de vida. A proteção de melhoramentos vegetais confere direitos semelhantes aos patenteados, mas apenas relativo a plantas. Direito autoral, ou copyright em alguns países, e direitos conexos tratam da proteção de obras literárias, musicais, cinematográficas e de artistas intérpretes e executantes, embora também tenha passado a ser aplicado para programa de computador. Marcas destinam-se a proteger os sinais distintivos de um determinado produto ou indicativos de um determinado serviço. Devido à natureza de seus processos e produtos e às características desses instrumentos normativos, a biotecnologia e os processos 43


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biotecnológicos são mais adequadamente protegíveis no âmbito do sistema de patentes e do sistema de proteção de melhoramentos vegetais. Em geral, as patentes despertam interesse maior, especialmente para a indústria farmacêutica e de biotecnologia agrícola. De acordo com a Organização Mundial de Propriedade Industrial (OMPI), 62 países (39 dos quais países em desenvolvimento) excluíram variedades de plantas da proteção intelectual; 63 excluíram raças animais; 49 excluíram produtos farmacêuticos; nove excluíram microrganismos. No entanto, tal situação atualmente se encontra bastante modificada, principalmente em decorrência dos resultados da Rodada do Uruguai sobre o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que se transformou na Organização Mundial do Comércio (OMC), notadamente da assinatura do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS). De maneira geral, ainda que atendam às exigências fundamentais da patente, são excluídos da patenteabilidade tudo que for contrário a moral e à segurança pública, o resultado das transformações do núcleo atômico e dos seres vivos, com exceção dos microrganismos modificados. Tornamse, assim, patenteáveis determinadas categorias de inventos anteriormente excluídas da proteção, como processos e produtos farmacêuticos e alimentícios, produtos químicos e ligas metálicas. No período de 1945 a 1969, o Brasil concedia patentes apenas para processos

farmacêuticos, negando-as para produtos. A partir da vigência do Código de Propriedade Industrial de 1971, a proteção patenteada de processos produtos farmacêuticos, alimentícios e químicos foi totalmente abolida. Além disso, o Código tornou-se omisso quanto ao patenteamento da biotecnologia (arte ou ferramenta inexistente na época). A exclusão dessas áreas tinha motivação essencialmente política, dentro de um modelo de industrialização autárquica, isto é, o de proporcionar, via apropriação do conhecimento alheio, o desenvolvimento brasileiro nesses setores tecnológicos, cuja expectativa foi frustrada, conforme demonstraram os indicadores econômicos. Porém, tal protecionismo, da mesma forma como não consistiu em restrição ao crescimento das empresas estrangeiras instaladas no país, tampouco resultou no fortalecimento e na capacitação da indústria nacional. No caso de produtos farmacêuticos que utilizam tecnologia de ponta, pesquisada e desenvolvida quase sempre no exterior, sem a adequada proteção patenteada, os produtos mais avançados e os medicamentos de última geração seriam mantidos em segredo e possivelmente, em vista do receio da pirataria, fora de fabricação no Brasil. Além disso, a fração correspondente à propriedade intelectual no valor final de qualquer produto equivale em média, a apenas 2% do preço final do produto, possivelmente menos do que os custos desconhecidos quando o produto é tratado como segredo industrial.

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Estudos setoriais realizados na UNICAMP na área de sementes melhoradas e de química fina mostraram que a inexistência de mecanismos jurídicos de apropriabilidade não foi determinante para o desenvolvimento desses setores: existem outros mecanismos de apropriabilidade que são utilizados pelas empresas; as oportunidades de imitação legalmente permitida não foram efetivamente aproveitadas; a proteção jurídica não é absolutamente eficaz. Tampouco, a mudança do sistema legal vigente envolve alterações radicais nos mercados analisados, salvo efeitos pontuais, como, por exemplo, um aumento de investimentos privados em variedades de soja ou a introdução de novos produtos farmacêuticos no País. Apenas dois anos depois da entrada em vigor do Código de Propriedade Industrial de 1971, duas universidades na Califórnia (EUA) clonaram o gene que codifica a insulina, dando início à engenharia genética. Assim, aquela codificação de nada poderia dispor quanto à patenteabilidade de invenções biotecnológicas, fossem elas relativas a plantas, animais ou microrganismos modificados. Tampouco há no texto legal de 1971, qualquer obstáculo explícito quanto ao patenteamento de processos biotecnológicos. Centenas de pedidos nessas áreas acumularam-se no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) desde a década de 70 que, a rigor poderiam ter sido concedidos com base no Código de 1971, posto não serem expressamente excluídos da proteção. As patentes não

foram concedidas por razões unicamente políticas por parte do Governo Brasileiro, dentro da estratégia de proteção da empresa nacional, a chamada “absorção de tecnologia pela via da cópia”. Plantas e animais, ainda que modificados geneticamente, com a exclusiva exceção dos microrganismos modificados, nunca foram e não serão objetos de patente nos termos da citada Lei. A indústria biotecnológica brasileira, representada pela Associação Brasileira das Empresas de Biotecnologia (ABRABI), não compartilhou das preocupações acerca de um possível impacto negativo sobre a biotecnologia, a agricultura e o meio ambiente (e na própria tessitura ética da sociedade brasileira) que a eventual autorização para patenteamento de animais e plantas superiores transgênicos poderia vir a causar. Por outro lado, no que concerne a questões de ordem ética sobre o corpo humano, a ABRABI manifestou-se expressamente contrária a qualquer forma de privilégio industrial ou exploração comercial do organismo humano e de suas partes constituintes (células, tecidos, órgãos e sangue). Também se declarou favorável ao patenteamento dos processos inovadores de transformação genética ou funcional de células e tecidos humanos, desde que o material biológico fosse doado espontaneamente pelo paciente ou terceiro interessado. Além disso, a ABRABI manifestouse eticamente contrária a qualquer alteração genética no ser humano que possa ser transmitida hereditariamente 45


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pela reprodução natural, recomendando o banimento ético de quaisquer experimentos científicos e aplicações médicas que impliquem na modificação genética das células reprodutivas masculinas ou femininas, da célula-ovo ou embrião humano em qualquer estádio do seu desenvolvimento. Com a vigência da nova Lei de Patentes, microrganismos modificados pelo ser humano e processos biotecnológicos não naturais tornaramse passíveis de proteção patentearia, desde que atendidos os requisitos básicos da patenteabilidade. No entanto, não é admitido o patenteamento de microrganismos encontrados na natureza e de outros seres vivos, como plantas e animais ou mesmo elementos advindos do ser humano sejam eles modificados ou não por engenharia genética. Não é admitido ainda, o patenteamento de produtos naturais, materiais biológicos encontrados na natureza, incluindo genes e o genoma de organismos vivos. Isso elimina a possibilidade de que produtos diretamente extraídos da biodiversidade (meramente isolados de seu meio natural) venham a ser patenteados. Já os processos biotecnológicos, mesmo os que recorrem ao uso de microrganismos encontrados na natureza, a exemplo de outros processos químicos ou físicos são passíveis de patenteamento. Para fins da Lei, microrganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição

genética, uma característica normalmente não alcançável em condições naturais. Tendo em vista as dificuldades para descrição suficiente dos microrganismos, o relatório descritivo da patente de invenção que integra o pedido de depósito é suplementado pelo depósito do material biológico em instituição autorizada pelo INPI ou indicada em acordo internacional. Não passíveis de proteção patentearia, as plantas inventadas pelo ser humano por processos de melhoramento genético são protegidas por um sistema “sui generis de propriedade intelectual” para proteção de novos melhoramentos vegetais, isto é, a Lei de Proteção de Cultivares. Por outro lado, também não serão cobertos pelas alterações promovidas no regime brasileiro de propriedade intelectual, os animais per se ou novas raças de animais, fruto da aplicação da engenharia genética. A ratificação do Acordo TRIPS pelo Brasil gerou o compromisso de se conferir proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma combinação de ambos, o que ensejou o fortalecimento da Lei de Proteção de Cultivares, além de o País ser envolvido no Convênio com a União de Países Obtentores de Melhoramentos Vegetais (UPOV). Dada a realidade da agricultura brasileira e o “estado da arte” das pesquisas na área vegetal, o Governo, em opção endossada pelo Congresso Nacional afastou o sistema de proteção 46


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por patentes e entendeu que a proteção via sistema de cultivares seria o instrumento adequado para o Brasil. Assim, o Projeto de Proteção de Cultivares (PL nº 1.457/96) foi enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em janeiro de 1996, tendo sido aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro daquele ano e no Senado Federal em abril de 1997. Tendo em vista algumas modificações que recebeu no Senado, o mesmo retornou para exame final na Câmara, onde foi aprovado sem novas alterações em 18 de abril, tendo sido sancionado pelo Presidente da República no dia 25 do mesmo mês. A referida Lei foi publicada no Diário Oficial da União em 28 de abril de 1997 e regulamentada em setembro por meio do Decreto nº 2.366 de 5 de novembro de 1997, que também criou a Comissão Nacional de Proteção de Cultivares. A Lei de Proteção de Cultivares visa oferecer ao melhorista de plantas brasileiro, o reconhecimento do direito de propriedade intelectual pela obtenção de novas variedades vegetais, que são explicitamente excluídas da patenteabilidade pela nova Lei de Propriedade Industrial. Em agosto de 1998, o Poder Executivo também encaminhou à Câmara dos Deputados, o PL 4751/98, regulamentando o artigo 225 da Constituição e a Convenção sobre Biodiversidade, dispondo sobre o Acesso ao Patrimônio Genético e ao Conhecimento Tradicional Associado, bem como sobre a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da sua utilização. Esse PL vincula-se ao

Projeto de Emenda Constitucional (PEC nº 618/98), encaminhado simultaneamente, que declara o Patrimônio Genético Brasileiro como bem da União, tratamento semelhante ao conferido aos recursos minerais e aos recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva. No processo de proteção do conhecimento tradicional associado, o PL 4751/98 o define como informação, prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao Patrimônio Genético. Assim fica resguardado ao detentor do conhecimento, o direito de decidir sobre o acesso de terceiros às informações sobre esse conhecimento, assegurando a prerrogativa de as comunidades participarem da repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização de seus conhecimentos tradicionais. Nos termos da Lei, uma cultivar é assim definida: variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior, que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por uma denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e que além da novidade, seja de espécie passiva de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada, abrangendo a linhagem componente de híbrido. A nova cultivar, definida na Lei é: a cultivar que não tenha sido oferecida no 47


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Brasil há mais de 12 meses em relação à data do pedido de proteção e que, observando o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros países, com o prévio conhecimento do obtentor, há mais de 6 anos para espécies de árvores e videiras e há mais de 4 anos para as demais espécies. Dentre os direitos assegurados ao titular do material genético protegido, destaca-se o de autorizar seu uso mediante remuneração adequada. A Lei prevê apenas duas exceções a esse direito exclusivo: a) resguarda o chamado farmer’s right ou privilégio do agricultor, que dentro do seu próprio estabelecimento pode reservar uma parte de sua colheita para futura semeadura sem a necessidade de prévia autorização ou pagamento de qualquer remuneração ao titular do material protegido; b) assegura o chamado breeder’s exemption ou isenção do melhorista, que permite a livre utilização da cultivar protegida para pesquisa como fonte de variação. Essa flexibilidade da Lei de Cultivares contrapõe-se ao direito de exclusividade dos titulares de patentes que, se aplicado à área vegetal não permitiria aos agricultores e aos pesquisadores o acesso ao material protegido senão mediante o pagamento de royalties. Além disso, a Lei apresenta outros pontos importantes, que são os seguintes: a) serão protegidos os direitos de propriedade intelectual dos obtentores de cultivares em geral e de “cultivares essencialmente derivadas”, que sejam novas e atendam aos requisitos de distinguibilidade, homogeneidade e estabilidade,

acrescentando-se a novidade; b) a proteção recairá exclusivamente sobre o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta inteira; c) o prazo de proteção é de 15 anos a contar da concessão do direito, exceto para espécies perenes (fruteiras, ornamentais, florestais e os respectivos porta-enxertos), cujo prazo de proteção é de 25 anos. Cabe ainda destacar neste artigo em itens seguintes, alguns pontos mais característicos da proteção intelectual conferida à área vegetal pela Lei de Proteção de Cultivares e sua interface com o tratamento patentário da Lei de Propriedade Industrial. Patentes são concedidas para invenções, enquanto os direitos do melhorista são conferidos a obtenções vegetais novas. Variedades vegetais compreendem um grupo de plantas que apresentam as mesmas expressões de características que podem ser passadas através da propagação a sucessivas gerações e que são usadas na agricultura comercial. Entre outros aspectos peculiares, o sistema de proteção de cultivares requer a comprovação da novidade, distinção, homogeneidade e estabilidade do material objeto do pedido de proteção. A noção de novidade nesse sistema, ao contrário do tratamento patentário, limita-se ao fato da cultivar não ter sido comercializada em determinado período de tempo antes da apresentação do pedido de proteção. A concessão de uma patente, além da novidade absoluta (o objeto da patente não pode constar do “estado da 48


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arte”), exige como requisitos essenciais, a atividade inventiva e a aplicação industrial. O mesmo não se aplica necessariamente às variedades vegetais, principalmente em face das dificuldades de descrição plena dos seres vivos, de indicação precisa da utilidade industrial e da ausência do requisito da atividade inventiva. A obtenção de cultivares frequentemente pressupõe a combinação de características observadas em materiais genéticos existentes na natureza. Daí o entendimento de que os direitos do melhorista podem ser também conferidos a descobertas ao passo que as patentes não. As cultivares vegetais objeto de proteção devem ser claramente distinguíveis, em função de alguma característica importante, de outra variedade cuja existência seja de conhecimento comum. Elas são, portanto, comparadas a outras variedades existentes. O importante é que o obtentor ofereça à sociedade uma nova variedade e não que o melhoramento seja julgado inventivo ou não óbvio. Uma nova variedade não tem de ser melhor que outras para que lhe seja garantida a proteção; precisa ser apenas nitidamente distinta. Uma variedade vegetal deve também atender ao requisito da suficiente homogeneidade. Esse requerimento inexiste no sistema patenteário, mas é indispensável para a proteção da nova variedade vegetal, uma vez que o sistema de cultivares trata da matéria viva e esta nem sempre é idêntica.

Nesse sistema está claro que um direito exclusivo só pode ser conferido a um grupo de plantas que seja suficientemente diferente do outro grupo de plantas. Além disso, a nova variedade deve ser estável, ou seja, capaz de transmitir suas características as sucessivas gerações. Do ponto de vista prático, é essencial que o usuário possa obter plantas do mesmo tipo quando o material da variedade protegida for reproduzido. Do ponto de vista legal, obviamente um direito exclusivo só pode ser assegurado se a variedade vegetal puder manter ao longo do tempo determinada característica essencial, conforme descrito quando o direito foi concedido. A exemplo da Lei de Patentes, a Lei de Proteção de Cultivares admite a noção de derivação. A cultivar essencialmente derivada deve, cumulativamente, ser uma nova variedade modificada a partir de uma cultivar inicialmente protegida, sem perder a expressão das características essenciais que resultem do genótipo ou da combinação de genótipos da cultivar da qual derivou, exceto no que diz respeito às diferenças resultantes da derivação; claramente distinta da cultivar da qual derivou por margem mínima de descritores de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão competente; que não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de 12 meses em relação à data do pedido de proteção e que, observado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros países, com o consentimento do obtentor, há mais de seis anos para espécies de árvores e 49


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videiras e há mais de 4 anos para as demais espécies. Caracterizada uma cultivar como essencialmente derivada de uma cultivar protegida, sua exploração comercial é condicionada à autorização do titular do direito de proteção da cultivar inicial. Neste caso, cabe o pagamento de royalties ao primeiro obtentor. Essa característica possibilita a interseção entre os dois sistemas em exame. Na hipótese de se modificar uma variedade vegetal através da introdução de um gene modificado, protegido por patente, podese obter uma nova variedade que será protegida pela Lei de Proteção de Cultivares. O mecanismo de derivação essencial adotado no projeto de lei brasileiro destina-se a proteger, mediante exigência de negociação de royalties, os direitos do melhorista que obteve a variedade original por métodos biológicos tradicionais, desenvolvida ao longo de anos e de gerações de plantas. Nesse sentido foi registrada a preocupação dos melhoristas brasileiros por ocasião dos debates sobre o patenteamento de microrganismos. Assim, o único aspecto preocupante para os agentes nacionais seria a aprovação do patenteamento de microrganismos sem a proteção às variedades vegetais, deixando-os sujeitos a ter suas cultivares usadas em pesquisas biotecnológicas sem direito à remuneração. No passado, essa questão não suscitava dúvidas nos países que adotavam esse tipo de proteção na área vegetal, mas com o advento da engenharia genética foi percebido que

haveria prejuízo do melhorista tradicional. A engenharia genética possibilitaria utilizar uma variedade desenvolvida pelo melhorista ao longo de anos, adicionando-lhe um gene (protegido ou não por patente) expressando uma nova cultivar característica e requerer proteção para a variedade modificada, sem qualquer remuneração ao obtentor da variedade inicial. Por essa razão, a lei brasileira incorporou o conceito de cultivar essencialmente derivada, segundo o qual a pessoa que alterar uma variedade não poderá explorá-la sem autorização do obtentor original e a respectiva negociação de royalties. No referente à Convenção sobre Diversidade Biológica são estabelecidos princípios de conservação e uso sustentável dos benefícios derivados da utilização dessa diversidade, incluindo animais, microrganismos e plantas. São incorporadas de forma condicionada ao contexto do acesso à biodiversidade, as noções de transferência de tecnologia e propriedade intelectual, buscando equilibrar o acesso a recursos naturais dos países desenvolvidos, bem como equilibrar os benefícios provenientes de produtos e processos resultantes da exploração de recursos naturais e a respectiva remuneração dos direitos de propriedade intelectual. Sendo o acesso à biodiversidade e a proteção da propriedade intelectual questões complementares, um dos pontos críticos debatidos por ocasião da negociação da Convenção dizia respeito à distribuição de fundos gerados por recursos genéticos e relacionados com o desenvolvimento 50


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de novos produtos tecnológicos, que se trata de um aspecto intrinsecamente associado à propriedade intelectual. Essa situação deu origem à oposição entre os países do Norte (gene poor but technology rich) e do Sul (gene rich but technology poor). Historicamente, o germoplasma vegetal foi livremente intercambiado entre os países, conforme a noção de que a “herança comum da humanidade” deveria estar irrestritamente disponível. Por outro lado, as exigências de investimentos vultosos para a pesquisa e o desenvolvimento de produtos biotecnológicos levaram à necessidade de se assegurar a propriedade intelectual

das inovações, tendo em vista o retorno desses investimentos. A fim de alcançar seus objetivos, a CDB estabeleceu uma série de obrigações e direitos das partes contratantes, sejam eles países com menor grau de desenvolvimento relativo, sejam países industrializados. Aspecto basilar do sistema delineado pela Convenção está situado no explícito reconhecimento da autoridade da legislação nacional no tratamento do acesso aos recursos naturais, alterando, conceitualmente, a antiga noção de “herança comum da humanidade

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7) Contextualização sobre tópicos especiais de meio ambiente, agricultura sustentável e exploração dos recursos genéticos florestais Afonso Celso Candeira Valois Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Aposentado da Embrapa.

Introdução A Revista Pesquisa editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) publicou em dezembro de 2010, nas páginas 16-21, uma interessante matéria sobre os resultados obtidos por ocasião da “10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) ”, que foi realizada na cidade de Nagoya, no Japão. Devido à grande importância do tema, o autor deste artigo apresentou uma síntese para os participantes do “ I Simpósio sobre Conservação da Biodiversidade”, cujo evento foi realizado no dia 09/12/2011 em dependências do Centro de Estudos Superiores de Tefé (CEST), pertencente à Universidade do Estado do Amazonas (UEA). No sentido de contextualizar tópicos considerados relevantes para o meio ambiente brasileiro e tomá-los como referência para o cumprimento de providências apropriadas é que este artigo delineia os principais itens tidos como importantes na referida Conferência, além de acrescentar outros aspectos entendidos como de excelência para integrar o tema de abrangência. Tópicos relevantes Em 29 de outubro de 2010 delegações de 193 países se reuniram em Nagoya (Japão), por ocasião da “10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) ”, convocada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse importante evento, os participantes chegaram a um inédito acordo para a proteção da diversidade de espécies e dos recursos genéticos de plantas, animais e microrganismos. As medidas aprovadas em Nagoya vinculam-se a três frentes. A primeira, e a mais difícil de avançar, foi um protocolo sobre acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade (ABS). Ele estabelece que cada país é soberano sobre os recursos genéticos de sua biodiversidade e que o acesso a essa biodiversidade só poderá ser feito com o seu consentimento. Se a riqueza biológica levar ao desenvolvimento de um produto, os lucros deverão ser divididos com o país de origem, embora a forma de partilhar o dinheiro ainda precise ser definida. O segundo avanço foi a aprovação da elaboração de um Plano Estratégico para o período de 2011-2020, com metas para a redução (proibição) da perda da biodiversidade. A percentagem dos territórios a serem conservados foi ampliada. No caso das áreas 52


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terrestres, esse quinhão deverá ser de 17% até 2020- a meta anterior, não alcançada pela maioria dos países, era de 10%. No caso dos ecossistemas marinhos, as áreas protegidas deverão passar de 1% para 10%. Outra novidade importante foi a inclusão do valor da biodiversidade nas contas públicas dos países e a redução dos subsídios destinados a atividades consideradas prejudiciais à biodiversidade. Ainda nesse contexto, a terceira frente referiu-se ao compromisso dos países desenvolvidos com o financiamento de ações de preservação e conservação (proteção) da biodiversidade. A grande dificuldade de atingir as metas do plano estratégico estabelecido em 2002 foi devido à falta de parâmetros mensuráveis (e talvez a lacuna quanto ao acompanhamento e monitoração com eficiência, eficácia e efetividade). Desde a Conferência Rio 92, as negociações sobre a proteção da biodiversidade giram em torno de uma trinca de objetivos: a conservação, o uso sustentável da biodiversidade e a chamada repartição justa e equitativa de benefícios oriundos dessa utilização. Assunto posteriormente muito bem discutido por ocasião da COP 7 realizada na Malásia, em 2005. Sobretudo, esse último tópico, que envolve o compromisso dos países ricos de compensarem financeiramente as nações em desenvolvimento pelo uso de suas riquezas, sempre representou um entrave nas negociações. Os três objetivos estão imbricados, pois é difícil falar em conservação sem avançar no uso sustentável, assim como é difícil falar em uso sustentável sem estabelecer regras para a repartição dos benefícios. Vale ressaltar que antes da Conferência propriamente dita, o Brasil apresentou uma proposta radical: ou se obtinha um pacote envolvendo os três objetivos, ou não haveria acordo parcial. Na segunda e última semana da Conferência, como os avanços não estavam sendo obtidos, os representantes brasileiros iniciaram conversas bilaterais com os países da União Europeia, que acabaram flexibilizando suas posições e, na reta final das negociações, tornaram-se os principais defensores das decisões do pacote. O Japão, país anfitrião, também se esforçou nesse sentido, embora persistissem dúvidas até ao final do magno evento. Países como Irã, Malásia e Índia exigiam que os países ricos fossem obrigados a divulgar as informações sobre a origem dos recursos naturais utilizados na hora de apresentar patentes. A ideia não prosperou, mas em contrapartida, foi definido que seriam designadas instituições para verificar como o determinado material genético foi obtido. Da mesma forma, os países africanos queriam que a repartição de benefícios fosse retroativa, ou seja, que os países ricos pagassem também por toda a riqueza biológica que utilizaram no passado. Como houve consenso de que a ideia era inaplicável, foi combinada a criação de um fundo para compensar o uso pretérito da biodiversidade. Euforia à parte, o Protocolo de Nagoya terá agora de vencer uma sucessão de obstáculos até se provar viável e gerar resultados. Trata-se, na realidade, de um acordo 53


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genérico, que dependerá de muitas rodadas de negociação nos próximos quatro anos, além da criação de legislações ambientais, principalmente nos países pobres. O Protocolo ABS não resolve todos os problemas, pois os detalhes serão resolvidos pela legislação nacional. Ficou amplo, pois nada foi excluído, exceto os recursos genéticos humanos. O elo mais frágil do acordo foi o compromisso dos países desenvolvidos de financiar a proteção à biodiversidade, que, por enquanto, se resume a ofertas já conhecidas da Alemanha e do Japão. Os acordos de uma conferência desse tipo são considerados soft law , ou seja, não tem força de lei, embora os países assumam compromissos de implementá-los. Só após a ratificação do acordo pelos parlamentos de pelo menos 50 países é que o Protocolo de Nagoya entrará em vigor. Vale ainda ressaltar que o país mais rico do planeta, os Estados Unidos, não participou da Conferência e não será alcançado por suas decisões. Um importante ponto de destaque merecedor do máximo de atenção é no sentido de a burocracia brasileira intervir no avanço das pesquisas. Há mais de 10 anos a atual legislação emperra as pesquisas, principalmente nas questões associadas ao uso sustentável e à repartição justa e equitativa dos benefícios oriundos da biodiversidade. No entanto, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) prevê um abrandamento da legislação antibiopirataria no Brasil com a aprovação do Protocolo de Nagoya, pois com a proteção à biodiversidade de caráter internacional ficará mais fácil criar uma legislação menos restritiva e menos burocrática que ajude à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico apropriado. Sobre o evento de Nagoya houve o comentário de que todos devem ter em mente que um dos resultados da reunião foi também o fracasso coletivo nas metas para 2010. Para evitar isso nas metas para 2020 é esperado que os instrumentos de políticas desenhados em Nagoya estejam à altura dos desafios que virão. Um outro momento importante da Conferência foram os debates em torno do estudo “Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade (TEEB) ”, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que apontou o valor econômico de plantas, animais, florestas e ecossistemas. Esse estudo avaliou os custos da perda da biodiversidade, que ficaram entre R$ 3,6 e R$ 8,2 trilhões por ano. A importância do TEEB é que ele possibilitou, com a utilização de argumentos econômicos, ampliar o debate sobre a necessidade da conservação da biodiversidade para outras esferas da sociedade além da ambiental e influenciar tomadores de decisão. Além disso, no caso de países em desenvolvimento que precisam de dinheiro para investir em conservação e uso sustentável da biodiversidade, o estudo do TEEB aponta possibilidades de retorno econômico com a exploração dos serviços prestados pela biodiversidade. 54


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No plano nacional, os desdobramentos do Protocolo de Nagoya também enfrentarão desafios. Não existe, hoje, consenso nem se quer dentro do Governo para implementar certos tópicos. A repartição de benefícios, por exemplo, foi questionada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) do Brasil, num reflexo dos temores do setor ruralista de que o País tenha que pagar para usufruir os recursos genéticos de outros países para melhorar suas culturas. Mesmo sem ter cumprido todas as metas previstas para 2010, o Brasil foi um dos países que mais avançaram nesse sentido, o que deu forças aos negociadores brasileiros nas conversas em Nagoya. Houve redução significativa na taxa de desmatamento da Amazônia, que caiu 75% entre 2004 e 2009, e ampliaram-se as áreas protegidas. De maneira geral, no sentido de ampliar e atualizar o conhecimento dos leitores sobre o nefasto processo de desflorestamento da Amazônia brasileira, o autor deste singelo artigo aproveita esta oportunidade para nivelar o conhecimento histórico da derrubada de florestas na Hiléia, conforme a seguir (dados em quilômetros quadrados): 2002- 25.476; 2004- 27 mil; 200519 mil; 2006- 14 mil; 2007- 11.532; 2008- 11.968; 2009- 7.008; 2010- 6.451; 2011- 6.238; 2012- 5.843; 2014- 3.036. Estes dados históricos atestam a drástica redução da maléfica devastação da Amazônia, fruto de um trabalho hercúleo do governo federal, estados e municípios, com a compreensão das pessoas que labutam na imensa região, embora em algumas unidades da federação brasileira como Pará, Mato Grosso, Rondônia e Maranhão os pontos de incêndios continuem totalmente inapropriados, rumando no sentido do desmatamento e uso ilegal da madeira! Em termos da conservação da biodiversidade propriamente dita, o Brasil conta atualmente com 1.098 unidades de conservação estabelecidas em 140.528.309 hectares, além de 584 terras indígenas implantadas em 114.699.057 hectares, que juntos representam algo em torno de 30% do imenso território brasileiro. Estes conjugados esforços e ações têm merecido o reconhecimento nacional e internacional! No entanto, metas brasileiras que dependiam do avanço do conhecimento científico, tecnológico e inovação não foram tão bem. Cada país deveria publicar listas oficiais de espécies que ocorrem nos seus territórios, a fim de estabelecer o direito de participar da repartição de benefícios de sua utilização. O Brasil tinha que apresentar listas oficiais de plantas, animais e microrganismos, mas só conseguiu apresentar uma lista parcial de espécies da flora brasileira, disponível no site do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Para o caso de animais e microrganismos da biodiversidade brasileira, o País não tem sequer listas parciais oficialmente reconhecidas, sendo ressaltado que nesse quesito, São Paulo conseguiu avançar. Um volume especial da Revista Biota Neotrópica trará, em breve, a lista oficial de espécies de vertebrados, invertebrados e plantas do Estado de São Paulo, cuja unidade da federação brasileira deu uma contribuição significativa para as metas alcançadas pelo Brasil. Foi também enfatizado que em São Paulo já está previsto o pagamento de serviços ambientais através de uma lei estadual, bem como, a criação de reservas marinhas. O Estado já tem 52% das áreas marinhas protegidas e 13% da área terrestre. 55


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O evento de Nagoya sacramentou a criação da “Rede de Observações da Biodiversidade Global (GEO-BOM) ”, uma estrutura global e cientificamente robusta para a observação e detecção de alterações na biodiversidade. Trata-se de uma iniciativa muito importante que irá possibilitar o patamar necessário para o acompanhamento do quanto está sendo feito para o alcance das novas metas até 2020. O cenário pós-Nagoya também impõe um engajamento maior dos cientistas na proteção da biodiversidade. Numa reunião realizada em junho de 2010, coordenada pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP) em Busan, Coréia do Sul, representantes de 85 países recomendaram a criação da “Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES) ”. Esse bom acontecimento precisa agora ser referendado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, e realizar avaliações regulares e atuais sobre o conhecimento a respeito da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos. Os estudos científicos deverão ser independentes e avaliados por pares, em moldes semelhantes ao trabalho do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC). Uma iniciativa semelhante foi tentada anteriormente, mas não prosperou, talvez por não possuir uma garantia de proporcionalidade de representação, na composição do organismo, entre os países ricos em biodiversidade e os países que possuem tecnologias apropriadas para explorá-la de maneira sustentável. No entanto, o novo órgão terá uma diferença fundamental em relação ao IPCC, pois em vez de apenas gerar relatórios, também se empenhará na capacitação de técnicos, sobretudo em países pobres. Isso é necessário para ser feita uma ponte entre o conhecimento científico e sua aplicação em políticas públicas. Ainda mais, o MMA tem demonstrado interesse em criar uma instância nacional nos moldes do IPBES, pois o Brasil está consciente que não irá resolver as questões ligadas à biodiversidade sem uma forte base técnico-científica! Aspectos a observar, visando à consideração por ocasião da elaboração das metas da Estratégia Nacional para 2011-2020: Monitoramento e controle de espécies invasoras exóticas danosas (EIE); sistemas agroflorestais (SAF); integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF); monitoramento da dinâmica do uso e cobertura das terras no Brasil; sistemas de produção de base ecológica; sistemas florestais nativos; segurança biológica; recuperação de áreas degradadas; adoção do plano ABC (agricultura com baixa emissão de carbono); plantio direto; fixação biológica do nitrogênio (FBN); neo-extrativismo; multifuncionalidade e sustentabilidade dos ecossistemas; agrobiodiversidade; agricultura de precisão; agricultura orgânica; permacultura; manejo integrado de pragas (MIP) incluindo o controle biológico de pragas da agricultura; controle da perda da biodiversidade e da fragmentação de hábitats considerando a erosão genética e perda de espécies; redução da pegada ecológica e controle da degradação ambiental; mitigação da super utilização de recursos naturais; uso sustentável de recursos hídricos; prática da bioalfabetização; conservação in situ e ex situ 56


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dos recursos genéticos; serviços ambientais e climáticos; zoneamento ecológico e econômico (ZEE) em territórios rurais; análise de riscos; zoneamento de riscos climáticos, sistema de análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC); elaboração de metas factíveis; elaboração de termos de referência para o acompanhamento e avaliação constante quanto ao real cumprimento das metas; estabelecimento de um calendário de monitoramento contínuo quanto ao alcance das metas; definição de uma estrutura mínima de apoio para o controle e avaliação das etapas programadas; estabelecimento de metas de domesticação de plantas; harmonização de definições técnicas com os ecossistemas regionais; aprimoramento da metodologia de implantação e condução de unidades de conservação incluindo as reservas genéticas; modernização de iniciativas adicionais quanto aos mecanismos para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa advindos da queimada de florestas e degradação ambiental; implantação e monitoramento de efetivos esforços e ações para a modernização das atividades de licenciamento e compensação ambiental; colocação em prática dos serviços de inteligência (estratégica, territorial, ambiental, biológica, artificial e alimentar); criação de projeto de lei parlamentar sobre a implantação e monitoramento de modernos planos de manejo de exploração racional da madeira para evitar usos ilegais; avaliação de impacto ambiental; monitoramento controlado e avaliação constante de EIA/RIMA, dentre outros.

Referências FAPESP. Vitória em Nagoya. Revista Pesquisa. Dezembro de 2010. p.16-21. VALOIS, A. C. C. Nota Técnica de Aula. Tefé-AM: UEA/CEST, dez. de 2011. 6 p.

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8) Análise de risco de pragas: segurança para o agronegócio e para os recursos genéticos - o Maranhão como um bom exemplo de casos Afonso Celso Candeira Valois Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Aposentado da Embrapa.

Dentro de uma visão holística, a análise de risco de pragas (ARP) está incluída no sistema de segurança biológica, que, por sua vez, corresponde ao manejo de todos os riscos bióticos e abióticos associados à agricultura, pecuária, recursos genéticos florestais e áreas afins, definição esta plenamente reconhecida pela FAO. Trata-se de um tema da maior relevância para à nação, e como por exemplo ao estado do Maranhão, que tem no setor primário o sustentáculo da economia da grande maioria da sua população. Esse Estado tem dado bons exemplos de segurança biológica pela redução significativa da incidência da febre aftosa no rebanho bovino através de um trabalho hercúleo da AGED, bem como tem se mantido livre da sigatoka negra, principal doença da bananeira, em face das barreiras fitossanitárias impostas. A análise de risco define os riscos, perigos e danos que uma praga exótica, por exemplo, pode causar na agricultura, pecuária e aos Recursos Genéticos em uma determinada área. Esses impedimentos de ordem biótica podem ser determinados tanto qualitativa como quantitativamente, como a probabilidade (chance) que uma praga (inseto, ácaro, fungo, bactéria, vírus ou mesmo uma planta daninha invasora) tem de se dispersar ou de ser disseminada de uma região para outra com o auxílio do ser humano ou por meio de fenômenos naturais. Como exemplo, no ano de 2006 no município de Barreirinhas (MA) ocorreram seguidamente ataques da lagarta mandarová em mandiocais da agricultura familiar, causando sérios danos, cujo estádio larval da mariposa foi controlado pelos agricultores com o apoio do Convênio do MAPA e Embrapa com o Governo do Maranhão e outras instituições, com forte participação da UEMA, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília-DF), InAgro, SEAGRO, Banco do Nordeste e Secretaria de Agricultura do município de Barreirinhas, inclusive com pesquisas em controle biológico. Diante da possibilidade da ocorrência desse e de outros impedimentos, a realização da ARP deve ser uma medida principalmente antecipadora e considerar a avaliação de impactos de uma determinada praga exótica ou endêmica em uma área de cultivo ou de criação, abordando os aspectos econômico, social, ambiental, cultural, ético e histórico. Para que a previsão do risco (probabilidade da ocorrência do perigo, que por sua vez significa o potencial da ocorrência do dano, que de acordo com a severidade de ocorrência, pode ser baixo, médio ou alto) possa ser avaliada de forma coerente e pragmática, a análise deve ser realizada dentro de critérios técnico-científicos rigorosos, ser abrangente, clara e passível de ser realinhada e examinada por qualquer organização de proteção de recursos genéticos vegetais ou animais, nativos ou exóticos, quando for o caso. 58


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A ARP deve identificar a ameaça, determinar a probabilidade e consequências dos eventos adversos, descrever as incertezas e acima de tudo evitar ao máximo colocar em risco os ecossistemas naturais e agrícolas de um país, formulando recomendações práticas, lógicas e coerentes de serem executadas, com apoio de planos de contingência. Nesse sentido da proteção aos ecossistemas, também relacionado à ARP, na região do município de Chapadinha (MA), vem ocorrendo uma grande alteração de nichos ecológicos, favorecendo um danoso desequilíbrio no meio ambiente e consequente ocorrência de pragas, pela substituição indiscriminada das matas nativas por extensos plantios de grãos, o que requer a adoção de um urgente plano de ordenamento territorial, com ênfase no zoneamento agroecológico com sustentabilidade e racionalidade. Um ponto fundamental que a ARP deve levar em conta com a máxima prioridade é quanto ao controle da entrada de espécies invasoras exóticas (EIE), que causem danos ao meio ambiente e ao agronegócio tanto familiar como empresarial. Para isso, pelo menos dois tópicos devem ser considerados: a) evitar ou retardar ao máximo a penetração dos impedimentos de ordem biológica pela implantação de consistentes barreiras sanitárias em pontos estratégicos, serviços de vigilância sanitária e trabalhos quarentenários; b) desenvolver o melhoramento genético preventivo e curativo de plantas e animais. Quanto ao primeiro, para o caso do Maranhão, a AGED e MAPA vêm atuando de maneira considerável, embora ainda falte uma presença mais marcante em alguns pontos estratégicos do Estado, como no município de Carutapera, pois para fugir da vigilância estabelecida no município de Gurupi com a firme presença da AGED e apoio do MAPA, os atravessadores penetravam pelo primeiro e por ali introduziam mudas de banana, por exemplo, sem a prévia inspeção fitossanitária, plantas estas advindas do Pará, onde existe a terrível sigatoka negra! Para o segundo tópico, ainda dois pontos devem ser levados em conta: 1- introdução, avaliação e utilização de espécies resistentes ao determinado inseto, vírus, fungo, bactéria, ácaro, etc., já presente na determinada região; 2- introdução de espécies de plantas ou animais resistentes em áreas onde ainda não existam esses impedimentos, mas que estejam sob a ameaça de penetrar, na qualidade de uma estratégica medida preventiva. Para este último caso, em 2005/2006, o Convênio do MAPA e Embrapa com o Governo do Maranhão e outras instituições, com a coordenação do autor do presente artigo, em articulação com a Secretaria Municipal de Agricultura de Barreirinhas (MA) e organização de produtores introduziu naquele município dez variedades de banana resistentes à sigatoka negra, oriundas da Embrapa Amazônia Ocidental (Manaus-AM), bem como três dessas cultivares também foram plantadas nos municípios de Anajatuba e Pedreiras, como ação preventiva, para o caso de a doença vir a se instalar no Estado. No caso de um bom exemplo de medida curativa usando a ciência do melhoramento genético de plantas, no início de 2006 o citado Convênio coordenado pelo autor deste artigo, adicionalmente introduziu quatro clones de cupuaçu resistentes à vassoura-de-bruxa (a mais importante doença fúngica dessa planta) no município de Anajatuba, cujos genótipos foram oriundos da Embrapa Amazônia Oriental (Belém-PA), em ação articulada com a Prefeitura Municipal, diante da gravíssima ocorrência da referida doença que estava assolando e causando sérios 59


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danos aos pomares pertencentes aos agricultores de produção familiar daquele Município. Outros municípios como Luís Domingues, Godofredo Viana, Amapá do Maranhão, Cândido Mendes, Nunes Freire e Itapecuru-Mirim também foram agraciados com esses preciosos clones. Esse assunto de segurança biológica, com ênfase em ARP é tão importante que no nível nacional, já foi buscada a formalização da figura de uma “autoridade nacional” para coordenar as ações e esforços de vários ministérios e instituições vinculadas na implantação e execução de um plano estratégico inteligente de vigilância para a segurança biológica, principalmente para proteger a agricultura, pecuária e recursos genéticos florestais do País em bases éticas, diante da atual fase da globalização da economia e disputa por mercados estrangeiros e internacionais. Nesse propósito estratégico e de segurança nacional, coordenado pelo autor do presente artigo, o Maranhão iniciou a colocação em prática de um plano piloto sobre segurança biológica, tendo o Convênio do MAPA e Embrapa com o Estado proporcionado a formação dos primeiros analistas de risco do Estado através de curso inédito ministrado pelo autor deste artigo e outros, em novembro de 2005, em articulação com a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, AGED, UEMA, InAgro e MAPA/SFA-MA, que foi complementado através de workshops subsequentes. Como ponto de destaque, nesses eventos sobre a formação de analistas foi levado em consideração o trinômio da sustentação da análise de risco, isto é, a avaliação, o gerenciamento e a comunicação do risco, perigo e dano, sendo que se fez questão de demonstrar como fato inédito, que é perfeitamente possível a construção de índices de análises de risco (IAR), onde as seguintes variáveis devem ser destacadas: IAR= AR (IP+SP+CP+GPr+SFC+ CaR+ER (ADD+AE+AC) + GR (ApR (RE (AR/NPN) + AO+AplO+CC) + CR (A+P+O+H+C+At+F), onde: IAR= Índice de Análise de Risco AR= Avaliação do Risco IP= Identificação dos Perigos SP= Seleção do Perigo CP= Caracterização do Perigo GPr= Gerenciamento do Processo de AR SFC= Seleção da Forma de Controle ao Longo da Cadeia CaR= Caracterização do Risco ER= Estimativa do Risco ADD= Avaliação da Difusão e Disseminação do Perigo AE= Avaliação da Exposição 60


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AC= Avaliação das Consequências GR= Gerenciamento do Risco ApR= Apreciação do Risco RE= Risco Estimado NPN= Nível de Proteção Necessária AO= Avaliação das Opções AplO= Aplicação da Opção Selecionada CC= Controle Contínuo, Verificação e Registro do Processo CR= Comunicação do Risco A= Aceitar e Divulgar a Informação Sobre o Risco P= Planejar os Esforços e Ações O= Ouvir aos Interessados H= Ser Honesto, Aberto e Transparente no Processo da Comunicação do Risco C= Coordenar as Ações da Comunicação do Risco de Modo a Alcançar Todos os Interessados Diretos e Indiretos At= Atender à Mídia F= Falar com Discernimento Na construção de índices como o presente, usualmente a tendência é a formação de subgrupos toda a vez em que o número de variáveis ascende da casa de 20. No entanto, esse erro oculto pode ser minimizado no presente caso, pois como foi enfatizado aos treinandos, os possíveis subgrupos já estão previamente identificados como sendo três, o que assegura a exatidão dos índices comparativos a serem formados. As variáveis determinadas para a construção de IAR estão perfeitamente compatíveis com as exigências para a minimização dos efeitos do risco, perigo e dano da agricultura, pecuária e florestas. Esse excelente exemplo de vanguarda proporcionado pelo Convênio do MAPA e Embrapa com o Governo do Estado quanto à análise de risco de pragas deve ser seguido por outros Estados, o que pode se traduzir na frase “é o Maranhão dando mais um bom exemplo para o Brasil”!

Modestamente, a intenção da publicação renovada deste artigo é também para examinar se os bons avanços técnico-científicos há anos obtidos no Maranhão estão em franco progresso, tendo como atores instituições públicas e privadas de PD&I, CT&I, ATER, associações, na proteção aos seus recursos genéticos.

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9) Banco Genético da Embrapa e o seu papel de Conservação da Diversidade Genética da Flora Brasileira

Juliano Pádua Eng.Agr. UFLA, 2000, Dr. Esalq/Usp, 2004. Pesquisador A da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Curador de Espécies Frutíferas e da Coleção de Base. Atua em recursos genéticos, conservação, frutíferas e sementes.

Histórico No ano de 1977, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, à época Centro Nacional de Recursos Genéticos - Cenargen construiu sua primeira câmara de conservação de germoplasma semente. Essa estrutura tinha a capacidade para armazenar cerca de 7 mil amostras, que eram conservadas em temperatura de +10°C, com umidade relativa de 25% (Silva et al., 2007). Em 1979, pesquisadores do Cenargen constataram que essa estrutura, do ponto de vista estratégico, não apresentavam as condições necessárias para a conservação de germoplasma semente em longo prazo (Embrapa, 1980). Os técnicos do Cenargen visitaram as maiores coleções mundiais para definir uma estratégia de implantação de um sistema de conservação no país (Silva et al., 2007). Como resultado, em 1981, construiu-se o PCG – Prédio da Conservação de Germoplasma, do qual faziam parte laboratórios, salas de técnicos e pesquisadores e as câmaras frias para conservação de sementes. As atividades de coleta, bem como a introdução e o intercâmbio de germoplasma foram intensificadas. Da mesma forma, investiu-se na qualificação de pessoal e no estabelecimento de convênios de parceria com instituições internacionais (Silva et al., 2007). Nessa época as sementes dessecadas, com grau de umidade entre 3 e 7%, eram armazenadas em latas de alumínio. Com o aumento substancial do número de amostras conservadas, em 1992, procedeu-se a ampliação da capacidade de armazenamento. Foram instaladas cinco câmaras frias que operavam a -20°C. As sementes, anteriormente armazenadas em latas, passaram a ser conservadas em envelopes aluminizados trifoliados. No ano de 2009, a Embrapa decidiu implementar melhorias na área de conservação de recursos genéticos. Um novo prédio para conservação de germoplasma animal, microbiano e vegetal foi projetado. A este conjunto de coleções denomina-se Banco Genético. A concepção da nova estrutura é de reunir, em uma única edificação, toda a infraestrutura de conservação. Assim, o Banco Genético é dotado de câmaras frias 62


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operando a -20°C, câmaras de secagem de sementes (15% UR; 20°C e 30% UR e 10°C), câmaras de temperatura controlada para conservação in vitro (10, 20 e 25°C), tanques de nitrogênio líquido para conservação de estruturas vegetais, tecidos e células animais e micro-organismos. O Banco Genético foi inaugurado em abril de 2014 durante as comemorações do 41° aniversário da Embrapa.

Figura 1. Vistas frontal (A) e posterior (B) do Prédio do Banco Genético da Embrapa.

Com essa nova infraestrutura, a capacidade de conservação foi incrementada. Em relação à conservação de sementes, dispunha-se, anteriormente, de espaço em câmara para a conservação de aproximadamente 180 mil acessos. No Banco Genético, foram instaladas quatro câmaras frias com dimensão aproximada de 8,0 x 7,60 m, provida de estantes deslizantes (Figura 2). Há ainda uma área de expansão, possibilitando a instalação de outras duas câmaras com estas mesmas dimensões. Com essa conformação, a capacidade instalada é de aproximadamente 425 mil acessos, podendo ser expandida para conservar 635 mil amostras.

B

Figura 2. Entrada das câmaras frias com controle biométrico de acesso e vista interna das câmaras frias com estantes deslizantes.

Fluxo de Funcionamento e Normatizações Como descrito anteriormente, o Banco Genético é a estrutura que abriga as cópias de segurança das coleções de germoplasma de animais, de micro-organismos e de vegetais que estão dispersas pelas unidades descentralizadas da Embrapa em todo o território nacional.

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No caso específico de germoplasma-semente, podemos classificar o acervo conservado em cinco coleções: A Coleção de Base propriamente dita: desempenha o papel de cópia de segurança do germoplasma conservado pelos bancos ativos e coleções de germoplasma da Embrapa, conforme descrito anteriormente; A Coleção “Banco de Cultivares da Embrapa”: conserva uma amostra das cultivares lançadas pela Embrapa. Esta coleção foi estabelecida no ano de 1998 (Deliberação 16/98). Porém, com a constante melhoria da infraestrutura de conservação disponível nas unidades descentralizadas, há uma discussão sobre a necessidade da centralização deste acervo; Banco Fiel Depositário: coleção responsável pela conservação de subamostras representativas de cada população componente do patrimônio genético acessado, conforme estabelecido nos termos do art. 16, § 3º, da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001 e resolução nº 18, de 07 de julho de 2005 do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – Cgen. A Coleção de Base foi credenciada pela Deliberação nº 73, de 26 de agosto de 2004. Banco “Pré-melhoramento”: tem a função de conservar os ativos pré-tecnológicos gerados no âmbito dos programas de pré-melhoramento da Embrapa. Banco de Plantas geneticamente modificadas: conserva as linhagens produzidas e eventos desenvolvidos no âmbito dos projetos de pesquisa da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Esse acervo permanece isolado e identificado do restante do acervo. De forma geral, para a introdução de acessos na Coleção de Base, duas condições devem ser atendidas: apresentar no mínimo 1500 sementes e também um potencial germinativo de 85%. Esses parâmetros são válidos para a maioria das espécies cultivadas, porém, são flexíveis para espécies com baixo grau de domesticação. Nesses casos, esses critérios são estudados e estabelecidos em comum acordo com os curadores. As amostras são inicialmente recebidas, conferidas e encaminhadas para realização de um tratamento de fumigação, com o intuito de prevenir a entrada de pragas e os danos por elas causados. Esse procedimento é feito pela exposição das sementes a fosfina (fosfeto de alumínio) na concentração de 1g/m³ por uma semana. Ocasionalmente, a Colbase recebe amostras diretamente do exterior. Nesse caso, as amostras são submetidas ao setor de Quarentena para que análises quarentenárias sejam realizadas. Essa etapa é de fundamental importância para evitar a entrada de pragas exóticas no território nacional. Tais análises visam detectar a presença de plantas infestantes e parasitas, insetos, ácaros, vírus, viróides, fitoplasmas, fungos, bactérias e nematóides, prioritariamente daquelas que constam das listas de pragas quarentenárias ausentes (A1) e de pragas quarentenárias presentes (A2) para o Brasil, definidas em Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

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Após o procedimento de fumigação, as sementes são encaminhadas para a Sala de Recebimento e Documentação. Cada acesso é avaliado e é verificado se já existe algum registro do mesmo nos módulos de intercâmbio e passaporte. No caso de um novo acesso, as informações de passaporte são inseridas no sistema e lhe é atribuído um código de identificação – BRA, constituído de seis dígitos. No caso do acesso já ter sido registrado no sistema, tratando-se de uma nova introdução do mesmo na coleção, o seu código BRA é resgatado e atribui-se um sufixo. Se essa introdução é resultado da multiplicação ou regeneração do acesso original, os sufixos são 10, 20, 30, primeira, segunda ou terceira multiplicação, e assim sucessivamente. Caso seja a introdução de uma nova amostra de um acesso existente, mas não associada à amostra original conservada, esses sufixos são 01, 02, 03, e assim por diante. Por exemplo, se existe conservado o acesso BRA 123456.00 e no processo de monitoração da sua viabilidade, for detectada a necessidade de sua regeneração em razão de queda no seu percentual de germinação, quando as sementes retornarem, esta amostra será identificada como BRA 123456.10. Se recebermos uma nova amostra deste acesso, cujas sementes não foram obtidas da amostra original conservada, essa amostra receberá a identificação BRA 123456.01. Todo este procedimento de documentação dos dados de passaporte é realizado por meio de um sistema de informatização – Sibrargen – Sistema de Informações sobre Recursos Genéticos. As respectivas etiquetas de identificação dos acessos são geradas e coladas nas embalagens das sementes. A partir desse momento, toda a movimentação dos acessos é realizada e monitorada por códigos de barra impressos nas etiquetas de identificação (Figura 3).

A

B

Figura 3. Etiquetas utilizadas para identificação de acessos na Coleção de Base. Em (A) temos a etiqueta final de armazenamento; em (B) a etiqueta de identificação inicial do acesso, emitida após a conferência na base de dados.

Assim, os dados básicos de passaporte como local de coleta com dados de georreferenciamento, coletor, data de coleta, denominação em outras instituições, dentre outros, quando informados pelo depositante, são inseridas via Sibrargen. Enquanto todo esse procedimento de documentação é realizado, as sementes permanecem em uma câmara com temperatura de 10°C e umidade relativa de 30%. Concluída a etapa de introdução dos dados de passaporte, etiquetas de identificação de 65


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cada amostra, com código de barras são impressas e coladas nas respectivas embalagens. As sementes passam por um processo de limpeza, manual ou usando peneiras ou sopradores (Figura 4), de forma a eliminar sementes vazias, gravetos, terra, pedras, ou qualquer outro tipo de contaminante macroscópico.

Figura 4. Sopradores utilizados para a limpeza das amostras.

As sementes são então contadas e encaminhadas para uma câmara de secagem que opera a 20°C e umidade relativa de 15% (Figura 5). Essas condições de ambiente permitem que as sementes percam água para o ambiente. As sementes permanecem nessa câmara até atingirem grau de umidade de 5% ±2%. Uma vez que as sementes serão congeladas a -20°C, é fundamental que a quantidade de água dentro delas esteja nesse intervalo, evitando-se a formação de cristais de gelo que comprometerão a integridade das células e consequentemente a viabilidade das sementes.

A

B

C

Figura 5. Processo de secagem de sementes. Em (A) é apresentado o desumidificador de ambiente; em (B) uma visão da câmara e em (C) envelopes permeáveis identificados contendo sementes

De forma geral, aproximadamente duas semanas são suficientes para que as sementes atinjam o grau de umidade desejado. Essa avaliação é realizada por meio de um teste de umidade realizado pelo método da estufa a 105°C. Caso as amostras não tenham 66


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perdido água o suficiente, permanecendo com grau de umidade superior a 7%, elas permanecerão por mais tempo na câmara de secagem. Os testes de umidade são repetidos até que as amostras atinjam o limite máximo de 7% de conteúdo de água. Alternativamente é empregado um medidor de atividade de água (Figura 6). Este equipamento mede a umidade relativa de equilíbrio das sementes com o ambiente. Dessa maneira, é possível saber se as sementes já estão em equilíbrio com a umidade relativa do ambiente da câmara. Atingindo este equilíbrio as sementes não mais perderão ou ganharão água, e com certeza, estarão no intervalo desejável de grau de umidade.

Figura 6. Medidor de atividade de água. Equipamento utilizado para inferir sobre a secagem das sementes.

Após atingir níveis adequados de grau de umidade, uma subamostra é retirada e encaminhada para avaliação da qualidade fisiológica, expressa através do poder de germinação. Como descrito anteriormente, foi estabelecido que para a incorporação de acessos de espécies cultivadas, é exigido que estes apresentem no mínimo 85% de poder germinativo. No caso de espécies com baixo nível de domesticação, este limite é estabelecido caso a caso com o depositante. Os protocolos de germinação utilizados são os descritos nas Regras de Análise de Sementes (RAS) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com algumas adaptações, notadamente em relação ao tamanho da amostra, de acordo com a quantidade de sementes encaminhadas para conservação. Para as espécies não contempladas nas RAS, faz-se uma busca na literatura especializada, ou a equipe da Colbase busca definir a metodologia mais adequada para realizar as avaliações. De maneira geral, os testes são conduzidos usando-se como substrato papel Germitest, mantidos em germinador (Figura 7). Em casos específicos, utiliza-se papel mata-borrão, areia ou Vermiculita como substrato.

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Figura 7. Sala de germinadores e exemplo de teste de germinação usando rolo de papel germitest.

Com o resultado dos testes de germinação, é possível a tomada de decisão em relação à conservação. Caso a amostra seja composta por mais de 1.500 sementes e possua poder de germinação superior a 85%, procede-se à embalagem em envelopes aluminizados trifoliados hermeticamente lacrados usando-se selagem a quente. Essa embalagem não permite a entrada de vapor de água no seu interior, evitando-se o incremento do grau de umidade das sementes. As embalagens recebem etiquetas contendo código de barras para identificação dos acessos e outras informações importantes da amostra, como a espécie, produto, quantidade de sementes, poder germinativo e localização nas câmaras frias. Os envelopes são dispostos em caixas de PCV rígido, também identificadas. Apesar das condições de conservação prolongarem a viabilidade das sementes por dezenas ou centenas de anos, periodicamente, é realizado o monitoramento das amostras. Geralmente, esse procedimento é executado a cada dez anos, ou em um prazo maior, de acordo com negociação com o respectivo curador de banco ativo ou coleção, uma vez que deste processo, alguns acessos deverão ser por ele multiplicados ou regenerados. 68


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Com essa nova e moderna infraestrutura será possível ampliar o foco de atuação da Coleção de Base. Até o presente, a Colbase detinha-se, quase que exclusivamente, na conservação de espécies relacionadas à agricultura e alimentação. Com o incremento significativo da capacidade de armazenamento e com o desenvolvimento de biotecnologias capazes de quebrar as barreiras de cruzamento entre espécies, conservar a diversidade genética de espécies que apresentam características úteis ao desenvolvimento de produtos torna-se uma ação estratégica para atender às demandas da sociedade. A convergência de várias áreas do conhecimento para a resolução de problemas e desenvolvimento de produtos é extremamente dependente de capital humano e, sobretudo de recursos biológicos. Dessa maneira, esforços para a conservação e caracterização desses recursos serão ativos tecnológicos cruciais para que um país seja bem-sucedido no desenvolvimento da bioeconomia. A partir dessa premissa, o Banco Genético, em estreita associação com os bancos e coleções de germoplasma da Embrapa e de instituições parceiras poderão contribuir de forma preponderante para que o Brasil possa atuar como protagonista desta nova faceta econômica global. Temos a certeza de que o Banco Genético e uma estrutura para atender aos anseios do país, e não somente da Embrapa. E por esta razão, diversos arranjos jurídicos serão estabelecidos para permitir que instituições de ensino e pesquisa e associações de agricultores possam realizar o depósito compartilhado de seus recursos genéticos. Nesse sentido, podemos construir um verdadeiro sistema nacional de conservação de recursos genéticos, um dos componentes importantes de um modelo de Aliança entre Embrapa e as OEPAS que já vem sendo discutido há certo tempo. Assim, como muito apropriadamente escreveu o presidente da Embrapa Dr. Maurício Lopes: "Ao compartilhar ativos, competências, estruturas e modelos de negócios, parceiros se complementam e desenvolvem novos produtos com maior rapidez e eficiência", temos que seguir essa diretriz para que os custos de conservação sejam compartilhados e consequentemente minimizados. Associado a este ponto, ter uma estrutura, compartilhada e segura de conservação em longo prazo, com capacidade para prover variabilidade genética aos bancos de germoplasma, programas de melhoramento e para a reconstituição de áreas degradadas é sem dúvida uma grande contribuição das instituições de pesquisa brasileira à sustentabilidade da agricultura Nacional e ao meio ambiente.

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III- Entrevistado da Vez

Afonso Celso Candeira Valois Por Renato F A. Veiga

Eng. Agr. UFR Amazônia, Me. e Dr. em Genética – Dep. Genética (1973, 1982), na ESALQ-USP, Pós Doc. na Universidade do Estado do Novo México (EUA). Exerceu inúmeros cargos na Embrapa, inclusive de Chefe-Adjunto Técnico e Chefe-Geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Foi Assessor Científico da FAPESP. II Presidente no I e I Presidente do II Simpósio LatinoAmericano e do Caribe de Recursos Genéticos (SIRGEALC). Prof. Associado da UnB. Colaborou na elaboração dos Documentos Básicos de criação das Redes de Recursos Genéticos: TROPIGEN, do PROCITROPICOS e GENAMAZ Atuou na criação do Curso de Pós-Graduação de Agricultura Tropical da UnB e de Fitossanidade da UFRA Belém (PA). Professor da UEA/CEST. ExSecretário Municipal de Meio Ambiente/Tefé-AM. Experiência em Genética Quantitativa, atuando em temas como: recursos genéticos, melhoramento, biodiversidade e biotecnologia.

1. Você trabalhou muito tempo na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, que tem um setor de Intercâmbio e Quarentena de Plantas muito forte. Você acredita que há riscos para o Brasil na questão da Biopirataria? R- Conforme é sabido, o Brasil é possuidor da maior diversidade biológica de plantas, animais e microrganismos do planeta, totalizando algo em torno de 20%, acrescentandose que muito ainda tenha que se fazer com prioridade quanto ao processo de domesticação de plantas por exemplo, pois é demasiado o seu nível de dependência por genótipos exóticos. Também é verdade que o país possui cerca de 18 mil km de fronteiras, que só na Amazônia estão 11,3 mil km quase que totalmente desguarnecidos. Nesta imensa região riquíssima em biodiversidade, com seus 514 milhões de hectares (60,44% do território brasileiro) reside o grande risco, perigo e dano que a biopirataria representa, ajudada por uma larga porta aberta, sem chave e sem tranca, à disposição da evasão de germoplasma por métodos escusos. Isso tem acontecido, principalmente considerando plantas medicinais, industriais e ornamentais, muito embora atualmente existam esforços e ações de órgãos governamentais para pelo menos mitigar essa nefasta realidade no Brasil. 2. Ainda no mesmo contexto da questão anterior, você imagina que o Brasil com sua vasta área corre riscos eminentes da entrada de novas pragas exóticas? 70


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R - Considerando a imensidão do território brasileiro com seus 850 milhões de hectares e as inúmeras dificuldades de controle das fronteiras especialmente na Amazônia, estão claras as chances da entrada de novas pragas exóticas na agricultura do país. Para facilitar o raciocínio, considera-se três momentos sobre a entrada desses condicionantes biológicos no Brasil, isto é, aqueles que entraram há mais tempo, como o bicudo do algodoeiro, a mosca branca e a ferrugem do café; aqueles que entraram mais recentemente, como a mosca da carambola, a ferrugem da soja, a sigatoka negra da bananeira e a Helicoverpa; e aqueles que podem entrar no país se não houver os cuidados necessários, como a monília do cacaueiro, o ácaro do arroz e o besouro asiático, séria praga de espécies florestais, dentre outros. Isso significa a enorme responsabilidade de implementar no Brasil um consistente esquema de segurança biológica (manejo de riscos bióticos e abióticos associados à agricultura, pecuária, florestas e afins), com barreiras quarentenárias bem equipadas e estabelecidas em pontos estratégicos, principalmente no momento em que o agronegócio vem assumindo cada vez mais o “elegante papel” de pagar as dívidas deste país. Para muitos não adianta a aplicação de planos, programas e projetos para coibir a entrada de novos patógenos na agricultura brasileira, pois mais cedo ou mais tarde entrarão. No entanto, medidas premonitórias urgentes têm que ser adotadas para a postergação, mitigação ou mesmo evitar esses acontecimentos indesejáveis. Como exemplo, deve-se atentar para o que é feito na Malásia para evitar a entrada do Microcyclus ulei nos seringais altamente suscetíveis daquele país, considerando o rígido controle de vôos domésticos e de passageiros especialmente da América do Sul, além de outros processos de vigilância! Dentro desse contexto de medidas antecipadoras para mitigar ou evitar a ação de patógenos na agricultura, no Brasil merecem destaques pelo menos, dois programas de melhoramento genético preventivo com o uso inteligente de RG. O primeiro refere-se ao caso da ferrugem do café, causada pelo fungo Himileia vastatrix, onde o Instituto Agronômico de São Paulo (IAC), sob a coordenação do competente e saudoso pesquisador, Dr. Alcides Carvalho, desenvolveu pesquisas em outro país (Portugal), como medida premonitória, na expectativa de o patógeno poder penetrar no Brasil. Infelizmente, o fungo chegou aos cafezais, mas foi tenazmente recepcionado por cultivares resistentes ou mesmo tolerantes (vantagem comparativa de uma cultivar em relação a outras quanto ao desempenho de um caráter sob as mesmas condições ambientais). Nota 10 para esse uso relevante de RG! O segundo destaque vai para a sigatoka negra da bananeira, causada pelo fungo Mycosphaerella fijiensis, sendo que desta vez a nota máxima vai para a Embrapa! Quando eu estava na assessoria da Diretoria Executiva dessa empresa pública por volta de 1983, trabalhando junto ao Diretor Dr. Raymundo Fonseca Souza, esse Diretor tinha como hábito reunir comigo e com o Dr. Zelson Tenório (também assessor, infelizmente já falecido- aqui rendo uma sincera homenagem póstuma!) toda segunda-feira a partir das 09:00 horas, no sentido de analisar os fatos da semana passada e planejar as atividades da entrante. Em uma dessas manhãs, o Dr. Raymundo recebeu o Dr. Dalmo Giacometti, então Chefe-Geral do Cenargen, que carregava consigo uma revista que trazia na capa uma figura colorida de uma bananeira severamente atacada pela sigatoka negra. Após nos mostrar essa revista técnica, o Dr. Dalmo chamou atenção do Diretor no aspecto de que se nada fosse 71


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feito, esse terrível patógeno chegaria ao Vale do Ribeira (São Paulo) e dizimaria a bananicultura brasileira. Diante dessa ameaça ainda aparente, o Dr. Raymundo tomou as providências imediatas, pois a Embrapa naquela época era possuidora de uma notável flexibilidade institucional. Assim foram mantidos os contatos com instituições estrangeiras e internacionais detentoras de germoplasma resistentes à nefasta doença, foi formada uma equipe com colegas do Cenargen e do Centro Nacional de Pesquisa de Mandioca e Fruticultura (CNPMF), sendo a missão realizada com inteiro sucesso. Os genótipos resistentes foram introduzidos no CNPAF via Cenargen para os devidos cuidados quarentenários, para o início do programa de melhoramento genético, que também contou com a participação de colegas da Embrapa Amazônia Ocidental e Embrapa Acre. Infelizmente, a sigatoka negra chegou ao Brasil, mas também foi plenamente recepcionada por genótipos geneticamente resistentes. Lembro que nesse período, a Revista Veja publicou uma reportagem, onde a chamada era de que o brasileiro deixaria de comer bananas! Mas, o RG e o melhoramento genético preventivo não permitiram! Lembro também que quando adolescente em São Luís (MA), toda manhã eu ouvia um vendedor ambulante de frutas tocando sino do carrinho e anunciando que tinha banana maçã macia! Pois bem, a sigatoka negra dizimou a banana maçã em outros locais do Brasil! Certa vez cheguei em Maracay (Venezuela) para participar de eventos técnicos e visitei um BAG com genótipos resistentes à sigatoka, inclusive do grupo FHIA, daqueles introduzidos no Brasil (FHIA 1 e FHIA 18). No mercado municipal de Tefé (AM) encontrei bananas FHIA, inclusive tendo o sabor semelhante ao da banana maçã, tendo me lembrado daquele astucioso vendedor de São Luís. Em Tefé, as pessoas comentavam que voltaram a comer banana maçã! Quando eu coordenava o Convênio da Embrapa com o Governo do Maranhão e outras instituições da sociedade civil organizada para a realização de PD&I, verifiquei que a sigatoka negra ainda não tinha penetrado naquele Estado. Diante desse fato preferi manter contatos com a Embrapa Amazônia Ocidental e com o Governo do Estado do Amazonas, tendo introduzido dez variedades resistentes e plantado em vários locais, como medida preventiva, antecipadora. Na minha conta do facebook eu apareço junto a uma bananeira com um belo cacho, em comunidade agrícola do município de Barreirinhas (MA). Tudo isso é para enfatizar a enorme importância do enriquecimento, manejo e uso sustentável dos recursos fitogenéticos!

3. Os organismos geneticamente modificados podem ser um risco aos recursos genéticos nativos, como o algodão, o arroz, o amendoim, o abacaxi, apenas citando germoplasma domesticado com nome vulgar começando com a letra “A”. Qual a sua opinião sobre este assunto? R - Muito se tem escrito sobre a importância dos organismos geneticamente modificados para a agricultura brasileira, o que aliás já é fato considerando, por exemplo, que em 2013 o país cultivou cerca de 40 milhões de hectares com OGM, sendo o segundo no nível mundial. O primeiro foram os Estados Unidos com 70 milhões, atrás do Brasil vieram a Argentina com 24 milhões, a Índia com 11 milhões e o Canadá com 10 milhões, 72


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além de outros países. Os OGM não são panaceia para resolver todas as limitações da agricultura, pois é apenas mais um método de melhoramento genético, mas que pode apresentar inúmeras vantagens comparativas, como a melhoria da qualidade do produto, tolerância à seca, resistência a patógenos etc., trazendo em seu bojo a drástica redução da aplicação de agrotóxicos na agricultura. Até ao momento nenhum efeito pleiotrópico danoso ao ser humano e animal foi identificado a partir do uso de OGM! No entanto, dentre os inúmeros benefícios trazidos por esses produtos, não se pode deixar de citar o efeito intertrófico ou tritrófico, que é quando um organismo interfere na ação de outros dois componentes. Isso já ocorreu no sistema algodão OGM, lagarta e agente de controle biológico. Em resumo, a planta OGM foi atacada por lagarta que morreu, veio o agente de controle biológico que sugou a lagarta e também morreu, sendo reduzido assim, a população desses insetos benéficos. Mas, esse foi um caso isolado, que pode ocorrer, sendo menos drástico do que efetuar um verdadeiro derrame de agrotóxico na agricultura, com efeitos ambientais danosos e na saúde em inúmeros níveis. Afora isso, aqui mesmo no Brasil algumas pessoas contrárias a OGM diziam que uma planta modificada poderia contaminar um plantio de soja. Esqueceram que primeiramente, a soja é uma planta autógama e que no Brasil só é cultivada a espécie Glycine max, de origem chinesa! Mesmo assim, tanto para OGM como para plantas não modificadas, todo cuidado deve ser devotado em um processo de multiplicação/regeneração de germoplasma para evitar a contaminação dos acessos. Certa vez soube-se na FAO (em Roma) que a famosa coleção de Vavilov estava toda contaminada devido ao método de campo inadequado, daí a necessidade do refinamento do processo de multiplicação/regeneração de acessos. Realmente quando fui à Alemanha e visitei um Centro de RG identifiquei inúmeras nãoconformidades técnicas no processo de multiplicação/regeneração de acessos de plantas não OGM e logicamente fiz comentários e deixei orientações. O que se deve atentar é para não promover a contaminação de acessos tanto entre OGM e não OGM, como também entre OGM e entre não OGM. Em milho, por exemplo, deve-se guardar uma distância mínima de 500 metros entre as parcelas de multiplicação/regeneração para evitar a contaminação por grão de pólen advindo de outro campo!

4. Durante o período em que você foi o Chefe Técnico do CENARGEN muito se trabalhou com as coleções nucleares. Você acredita que tais coleções são o caminho para um melhor uso dos recursos fitogenéticos? R - Aqui reside talvez a maior aplicação das CN, para evitar a situação atual no sentido de que nem 10% (pode ser menos) dos cerca de 6.500 acessos conservados em bancos de germoplasma no nível mundial estejam realmente sendo utilizados. No Brasil, buscou-se entender do assunto, houve capacitação de pessoal, contratação de consultoria internacional, foram elaborados planos, programas e projetos, promovidas reuniões nacionais e internacional relevantes, publicados artigos e participação em livro de cunho internacional etc., de modo que atualmente a CN é uma realidade nacional. Foram feitos avanços especiais na formulação de CN de mandioca, milho, arroz e feijão em bases técnicas 73


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refinadas. Recentemente, a Embrapa definiu a sua participação no banco de germoplasma internacional de Svalbard (Noruega), ao enviar 541 acessos de arroz, 514 acessos de feijão Phaseolus e 264 acessos de milho, todos oriundos das CN desses produtos alimentares, para serem conservados em ambiente natural de clima glacial do Ártico, a menos 20 graus Celsius, mostrando assim uma outra feliz aplicação da CN. A formulação de CN não significa que os demais acessos da coleção devam ser descartados, pois podem se constituir em excelentes fontes de resistência a condicionantes bióticos e tolerantes a fatores abióticos, por exemplo. A CN (reduzida) irá facilitar a conservação, caracterização, avaliação, documentação e informação do germoplasma, com vistas para a real utilização dos acessos em bases técnico-científicas recomendadas. O número de acessos a serem incluídos na coleção nuclear baseia-se na composição genética das populações e na conservação de alelos, sendo recomendados cerca de 10% da coleção de base, não devendo exceder de 3.000 acessos. No referente aos materiais melhorados, estes devem ser colocados em coleção especial, enquanto que alguns podem ser incluídos na CN para servirem de controle na obtenção e interpretação de dados, como a interação de genótipo x ambiente. As variedades locais e outros materiais como fontes de variabilidade também devem ser considerados. Na seleção dos acessos a comporem a CN devem ser usados métodos hierárquicos, considerando parâmetros de estratificação baseados em local de origem, distância geográfica e caracterização morfológica, citogenética, bioquímica, molecular e agronômica. Também, em coleções que tenham servido de base para estudos do vigor do híbrido devem ser levados em consideração aqueles materiais que tenham apresentado bons valores de heterose para caracteres de interesse. Ainda na escolha dos acessos devem ser considerados os seguintes fatores: dados de passaporte e de outras informações disponíveis sobre os acessos, disponibilidade de sementes ou de material de propagação vegetativa, além da diversidade genética e expressão fenotípica de caracteres relevantes. A estruturação da CN deve ser acompanhada de processos de validação com o uso de métodos estatísticos como teste F e análise discriminante, bem como, métodos laboratoriais como a caracterização bioquímica e molecular. Assim, a aplicação de conhecimentos de genética quantitativa e de populações, além de métodos de análises estatístico-genéticas é muito importante na formação da CN. É do maior interesse que o manejo da CN seja efetuado por equipe técnica especializada ligada a programas de melhoramento genético, visando maximizar o manejo e emprego do germoplasma. A CN, que em sua essência é uma coleção reduzida em bases técnicas e científicas representando com um mínimo de repetitividade, a diversidade genética de uma espécie vegetal e de seus parentes silvestres, pode atuar tanto na coleção de base, como na coleção ativa, coleção de trabalho (sementes ortodoxas), na criopreservação e em coleções in vitro. A CN auxilia na elucidação do conteúdo da diversidade genética, identifica e evita a duplicação dentro da coleção, auxilia na quantificação do estoque a ser conservado, facilita a caracterização e avaliação do germoplasma, auxilia na formação de subconjuntos de uma coleção de base para a duplicação em outros locais, além da documentação, informatização, informação e intercâmbio do germoplasma, além da colocação dos acessos à disposição de programas de melhoramento genético e de outras ciências afins. 74


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5. Ainda durante a sua gestão o Cenargen atuou muito com as coleções científicas como os herbários de plantas, coleções de insetos quarentenários, etc. Você acredita que tais coleções sejam úteis às pesquisas científicas de recursos genéticos? R - No Brasil, especialmente na Amazônia, existe um tremendo vazio quanto ao uso do germoplasma autóctone, devido principalmente a falta de conhecimento mais detalhado da flora, o que também é verdadeiro para o caso da fauna. Não adianta só considerar se tratar do país mais rico em biodiversidade, quando quase nada vem sendo realmente utilizado. Para o uso das vantagens comparativas que a mãe natureza nos legou é primordial que primeiramente passemos a conhecer os recursos genéticos disponíveis. É justamente aí que entram as coleções em geral para utilização em pesquisas científicas de recursos genéticos. Como que um colega botânico, por exemplo, vai estudar uma coleção de plantas autóctones se ele não tem um tipo para auxiliar na identificação e classificação com o fito da utilização? Esse é um assunto crucial que se enfrenta no Brasil, pois muitas vezes por limitação de recursos em geral, as coleções brasileiras são conduzidas até oficialmente para países desenvolvidos para lá serem estudadas. Certa vez fui ao Jardim de Kew (Inglaterra) para discutir sobre ações de coleta de germoplasma em regiões com períodos secos bem definidos. Levei uma colega botânica que participou ativamente no evento, mas no fim ela teve de se deslocar para Escócia, pois lá estavam exsicatas conservadas com tipos brasileiros que não se tinha no Brasil, extremamente importantes para a continuidade das pesquisas! Isso não é novidade, considerando que recentemente passou na televisão algo semelhante, e na Inglaterra! Trata-se daquela velha máxima: para se utilizar devidamente, antes temos que conhecer! As coleções científicas conduzem para esse caminho cintilante!

6. E os recursos genéticos animais, são relevantes também para o Brasil? R- A dívida que o Brasil tem para com o povo africano inclui a vinda de animais nos navios negreiros, e não só frutos de coco, dendê e de outras espécies vegetais. Isso significa fazer referência a que a variação genética de animais no Brasil é parca, o que remete para a formação de bancos de germoplasma não só de animais vivos como de sêmen etc, como fontes para o uso de genótipos superiores quanto à quantidade e qualidade da carne, resistência a enfermidades etc. Em uma oportunidade visitei comunidades em Angola e verifiquei uma vara, cujos animais eram muito semelhantes a algumas raças que ocorrem no Brasil, inclusive com bom valor zootécnico para menor produção de gordura. Isso conduz à assertiva de que muitas das espécies animais que ocorrem no Brasil são naturalizadas. Para o caso de equinos, é muito bom observar a resistência do cavalo lavradeiro de Roraima, como do próprio cavalo baixadeiro do Maranhão, ou do cavalo pantaneiro de Mato Grosso do Sul. O mesmo pode ser dito para raças de gado bovino, que também são fontes para a melhoria do rebanho nacional. É bem verdade que antes a própria FAO não considerava esses importantes recursos genéticos, mas a partir de uma 75


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nossa sugestão em reunião em Roma, os recursos genéticos animais passaram a ser considerados e adotados, inclusive com uma consistente participação brasileira na formulação dos planos, programas e projetos. Esse reconhecimento foi relevante para um dos pilares de sustentação da cadeia alimentar dos povos!

Caro Dr. Valois, muito nos honrou o seu aceite para esta entrevista, a qual foi pensada como uma espécie de homenagem a quem tanto fez e faz por nossos recursos genéticos. Agradecemos de coração Dr. Valois por ter abraçado a nossa revista e nos inundado com tantos textos fantásticos para nossos leitores, também nos sentimos homenageados por isto, muito obrigado pela parceria!

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IV – Qual o seu BAG/Coleção científica Recursos genéticos de Palmeiras Afonso Celso Candeira Valois

Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Aposentado da Embrapa.

De modo geral, o Brasil é apontado como o terceiro país mais rico em diversidade de palmeiras nativas, possuindo algo em torno de 37 gêneros e 387 espécies, sendo que presentemente muitas delas são consideradas de importância econômica, social e ambiental. Somente na região amazônica, os levantamentos atestam a presença de 32 gêneros e 232 espécies. Além disso, no País ocorrem outras palmeiras naturalizadas ou introduzidas de grande valor atual e potencial. As palmeiras são bastante utilizadas na alimentação humana e animal, no processamento de óleos e gorduras, na produção de energia renovável, bem como em outras nobres finalidades, daí algumas delas serem denominadas de “árvores da vida”. Em face da grande importância que exercem, algumas palmeiras têm passado por processos de domesticação e melhoradas ao redor do mundo. Países em desenvolvimento são centros de origem e centros de diversidade genética da maioria das palmeiras, além de possuir condições ecológicas favoráveis ao crescimento e exploração racional dessas plantas maravilhosas. Nesse contexto, a gestão de recursos genéticos de palmeiras exerce um grande papel no correto manejo de espécies nativas, linhagens, variedades e cultivares, tendo em vista a utilização dos genótipos em programas de melhoramento genético, biotecnologia, agrobiodiversidade e outras áreas afins. Pertencentes à família botânica Arecaceae, algumas palmeiras têm merecido grande atenção e se destacado quanto ao nível apropriado de domesticação, como é o caso do dendê africano (Elaeis guineensis) e coco (Cocos nucifera). Para o caso das espécies autóctones do Brasil existem vários esforços de domesticação de palmeiras, sendo em menor escala para a pupunha (Bactris gasipaes) em face dessa espécie já ter passado por um bom processo de domesticação praticado por povos nativos da Amazônia. 77


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O manejo racional do extrativismo em palmeiras deve ser considerado em conjunto com o processo de domesticação em face do grande significado econômico, social e ambiental dos produtos extraídos, como no caso do babaçu (Orbignya phalerata) e buriti (Mauritia flexuosa) nas suas respectivas áreas de ocorrência natural. Em vista disso apresenta-se a seguir, a sugestão de uma ordem de prioridades para ser considerada no processo de manejo de recursos genéticos de palmeiras: a) racionalização do processo de extração dos produtos de modo a torná-lo mais atrativo sob o ponto de vista social e econômico, com ênfase no babaçu, buriti e juçara (Euterpe oleracea e E. precatoria); b) domesticação, considerando o desenvolvimento de cultivares com alta produção, produtividade e manutenção da variabilidade genética, como no caso da pupunha e macaúba (Acrocomia aculeata); c) desenvolvimento de atividades intermediárias entre as duas situações anteriores, com destaque para o patauá (Jessenia bataua), bacaba (Oenocarpus bacaba) e bacabi (Oenocarpus minor). A domesticação é um processo contínuo que deve considerar os recursos genéticos remanescentes sob as condições naturais. Inclui o adequado manejo, tratamento agronômico, processo industrial e aspectos social, econômico e ambiental. Dentre as espécies nativas de palmeiras de ocorrência no Brasil, os maiores destaques são dados para as seguintes: Macaúba- a produção de óleo é similar à apresentada pelo dendê africano, cuja extração é praticada desde o Brasil até ao Paraguai em maior extensão. Trata-se de uma espécie que necessita de domesticação com prioridade, pois talvez seja aquela de maior potencial real para a produção de óleo oleico, além de ser uma das maiores fontes de óleo láurico em regiões moderadamente úmidas. Tucumã (Astrocaryum vulgare) - esta palmeira também chamada de tucum no Maranhão é considerada uma espécie pré-colombiana de alto valor econômico. Possui excelentes características e potencial para a agroindústria. Portanto, sua domesticação é de grande interesse especialmente em virtude da grande quantidade e qualidade dos óleos oleico (comestível) e láurico (industrial) que produz. Análises de laboratório evidenciaram que a quantidade de óleo no tucumã variou entre 33 e 47,5% na polpa e de 30 a 50% na semente. O conteúdo de vitamina foi alto, com 51 mil unidades de vitamina A por 100 gramas de polpa. Piaçava (Attalea funifera) - trata-se de uma espécie que alcança elevada importância no nordeste brasileiro, principalmente devido a excelente qualidade das fibras que produz, de múltiplos usos, com enorme alcance social e econômico. A piaçava é motivo de grande atenção em face de estar submetida a forte pressão antrópica em suas ocorrências naturais, com o resultado contudente de uma significativa erosão genética, com riscos de extinção. Nesse sentido, a espécie é prioritária para entrar em um programa de domesticação e manejo de recursos genéticos com vistas a uma utilização racional. Pupunha- refere-se a uma planta que assume a maior importância de segurança alimentar entre as espécies pré-colombianas, muito utilizada por povos nos trópicos ao ponto de só ser conhecida sob condições de cultivo devido ao bom nível de domesticação a que foi 78


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submetida por populações nativas da Amazônia. Seus frutos são bastante apreciados como alimento de alto valor proteico, rico em óleos oleico e láurico, além da excelente palatabilidade do palmito, sendo maior produtora de carboidratos e proteínas em relação ao milho. Atualmente vem ganhando destaque o uso de pupunheiras sem espinho no estipe, o que facilita sobremaneira o processo de condução e exploração racional do cultivo. A pupunha é largamente difundida na região amazônica e vem sendo adaptada em outras regiões mais úmidas do Brasil, localizadas no nordeste e sudeste do País. Coco - é uma das palmeiras mais utilizadas ao redor do mundo, principalmente como fonte de alimentos, bebidas, fibras, artesanato e combustível daí ser considerada como uma “árvore da vida”. Utilizado em mais de 90 países, o coqueiro alcança uma enorme importância social, econômica e ambiental especialmente por promover a geração de trabalho, renda, serviços, comércio, agroindústrias e outros fatores de agregação de valores. O coqueiro gigante (var.typica) foi introduzido no Brasil em 1553 advinda da Ilha de Cabo Verde, enquanto que o coqueiro anão (var. nana) veio para o País em 1925, oriundo de Java. Carnaúba (Copernicia prunifera)- é a única espécie com valor econômico no gênero, com distribuição praticamente restrita ao nordeste do Brasil, onde alcança grande importância de cunho social e industrial pela extração e uso da cera produzida em suas folhas. Enquanto isso, as fibras para a produção de cordas e o amido comestível retirado do estipe e frutos são considerados produtos secundários da carnaúba. Mesmo a extração da cera vem decaindo enormemente não só pela presença de alternativas tecnológicas de uso, bem como em face da própria escassez da ocorrência natural dos genótipos. Isso conduz à necessidade de ser estabelecido um bom programa de domesticação, manejo de recursos genéticos e implantação de agroindústrias para o uso sustentado do extrativismo e dos cultivos racionais dos carnaubais. Dendê- além do dendê africano, no Brasil existe a ocorrência natural do dendê amazônico ou caiaué (Elaeis oleifera), que apesar da baixa produção de óleo, quando em cruzamento com a espécie africana transmite ao híbrido interespecífico excelentes características de baixa taxa de crescimento, ótima qualidade do óleo (rico em ácidos graxos insaturados) e resistência a condicionantes bióticos e abióticos. Trata-se de uma planta alógama e monóica, com as suas inflorescências masculinas e femininas sendo produzidas em ciclos alternados. A espécie africana é a mais importante do gênero Elaeis, alcançando uma alta produção e produtividade de óleos oleico e láurico em torno de cinco toneladas por hectare/ano nas condições da Amazônia. Além da vasta aplicação do óleo de dendê na produção de alimentos e cosméticos, nos dias atuais de busca de alternativas de energia renovável, o óleo dessa palmeira tem enorme aplicação na produção de biodiesel. O dendê africano foi introduzido no Brasil no século 16 trazido por navios negreiros, se estabelecendo de forma sub-espontânea desde à costa do Ceará até ao Rio de Janeiro, o que tem sido explorado para a prospecção e coleta de germoplasma de grande valor genético. A cultura racional do dendezeiro além de ser um agronegócio altamente rentável tem a vantagem adicional de contribuir para a redução da emissão de gases de efeito estufa em dois caminhos, isto é, retirada de CO² da atmosfera e evitar a emissão desse gás através do solo em face da eficaz cobertura que é proporcionada pela leguminosa Pueraria phaseoloides, prática 79


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agrícola bastante usual na dendeicultura. Ainda mais, o dendê africano talvez seja a planta que até aos dias atuais mais tenha respondido ao processo de domesticação, pois passou de 300 kg/ha/ano de óleo nas condições nativas da África para cerca de 9 toneladas anuais por hectare na Malásia com o uso de apropriadas tecnologias convergentes. O cultivo racional do dendezeiro atualmente é o agronegócio mais ideal para ocupar áreas alteradas ou antropizadas da Amazônia! Juçara- também chamada de açaí, as duas espécies (E. oleracea e E. precatoria) possuem seus centros de distribuição na região amazônica. Produzem um suco rico em ferro e antocianinas, sendo um produto de grande valor alimentar e nutricional para os povos amazônidas e de outras partes do Brasil. Além disso, a juçara ou açaí produz um excelente palmito comestível, com boa palatabilidade e grande aceitação de mercado e comercialização. Em face da ampla utilização dos produtos e subprodutos da juçara, as ocorrências naturais da palmeira vêm sofrendo uma forte erosão genética, o que conduz à necessidade premente da prática da conservação in situ e ex situ, inclusive dos esforços de domesticação para o uso racional. Com base na prospecção, coleta, conservação, caracterização, avaliação, documentação, informação e uso de recursos genéticos de palmeiras, a Embrapa Amazônia Oriental desenvolveu novas cultivares de juçara, tornando assim o cultivo ainda mais econômico e social, com excelentes níveis de produção e produtividade da polpa para as transformações adequadas. Na região do Médio Rio Solimões, no município de Tefé (AM), localidade Taboca, o autor do presente artigo encontrou a dispersão natural da juçara branca ou açaí branco, assim denominado em face dos grãos quando maduros permanecerem com a coloração esverdeada que também é transmitida para a cor do suco obtido. O sabor do vinho é semelhante em relação ao da juçara comum, só tendo a desvantagem, talvez, da ausência de antocianinas, importantes substâncias anti-oxidantes (retardam o envelhecimento das células) e também controlam o colesterol ruim. Além das duas espécies citadas, em outras regiões do País, ou mais propriamente na Mata Atlântica, ocorre a espécie E. edulis de grande aplicação na produção de palmito,mas que também necessita dos cuidados de manejo sustentável, conservação, preservação e domesticação principalmente diante da perigosa erosão genética à qual está tenazmente submetida. Um ponto de destaque que deve ser chamado atenção dos leitores e consumidores é quanto à necessidade da segurança alimentar e nutricional do suco da juçara, livre de perigos físicos, químicos e biológicos no processo de preparo da saudável bebida para o consumo humano. Deve haver o cuidado na lavagem dos grãos para que sejam extraídos restos de insetos vetores de doenças ou mesmo fezes que possam causar males irreparáveis de saúde pública. Cuidado semelhante deve haver com a água e utensílios de preparo da bebida. Patauá- esta espécie é largamente distribuída através da Bacia Amazônica, alcançando o Brasil, Guianas e Peru. É uma importante palmeira para a produção de alimentos ricos em aminoácidos essenciais, produção de óleos oleico e linoleico de qualidades similares ao óleo de oliva, considerado um produto extra virgem de grande valor alimentar e nutricional. Em face da forma inadequada de exploração extrativa, onde geralmente as palmeiras são primeiramente derrubadas em meio à floresta para em seguida ser efetuada a coleta dos cachos, o patauá tem sofrido uma grande ação antrópica indesejável, 80


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o que tem causado uma séria erosão genética nas ocorrências naturais dessa palmeira. Isso requer a necessária implantação de prioridades para o desenvolvimento de esforços e ações quanto ao processo de domesticação, manejo e conservação de recursos genéticos para o uso sustentável do germoplasma de patauá. Buriti- talvez o buritizeiro seja a palmeira com a maior distribuição geográfica nos países de ocorrência natural, sendo bastante apreciado pelo delicioso doce advindo da transformação da polpa dos seus vistosos frutos. No Brasil, apenas a ocorrência natural do babaçu tem dispersão superior à apresentada pelo buriti. Possui um enorme potencial extrativo, sendo uma excelente alternativa de cultivo racional, se constituindo em uma valorosa fonte de produção de frutos, fibras, artesanato e material de cobertura de casas. O suco preparado a partir dos frutos do buriti é bastante rico em vitamina C, semelhante à cenoura e espinafre. A espécie se desenvolve muito bem em condições de solos pobres, ácidos e alagados, que não se prestam para a agricultura. Essas características de comportamento talvez a libere de ter as populações naturais ameaçadas de antropismos indesejáveis, por não colonizar áreas agricultáveis. Essa importante palmeira, rica em óleos oleico e láurico é indicadora natural de áreas com ocorrência de recursos hídricos. Apesar de alguns avanços quanto à tecnologia de germinação de sementes, o buritizeiro ainda carece do aprofundamento do processo de domesticação, além do manejo, conservação e uso sustentável do germoplasma. Bacaba e Bacabí- essas duas espécies são de grande interesse para domesticação devido aos comestíveis frutos oleaginosos que produzem. De forma semelhante ao patauá, as plantas ocorrem em regiões úmidas da Amazônia. Babaçu- esta é a mais importante palmeira do complexo babaçu em face de possuir um enorme apelo social, econômico e ecológico proporcionado pelo extrativismo da coleta e utilização dos cocos especialmente nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Mato Grosso, dando ocupação econômica e social para milhões de famílias. Trata-se da palmeira com a maior dispersão natural no Brasil, alcançando uma área superior a 18 milhões de hectares principalmente nos estados acima indicados, sendo que a maior ocorrência natural estar presente no estado do Maranhão. Esses maciços de babaçuais também contribuem para a redução da emissão de gases de efeito estufa, pois são verdadeiros sumidouros de CO². A exploração racional do babaçu tem sido efetuada nas entressafras de outras culturas, o que concorre para a melhor utilização da mão-de-obra disponível e redução do êxodo rural. É importante atestar que o complexo babaçu, de ocorrência natural em regiões chamadas de cocais, geralmente com áreas alteradas, é capaz de transformar solos degradados em regiões com campos produtivos, sendo muito comum a prática do plantio de culturas alimentares nos espaços entre as plantas dos babaçuais. Estipe, folhas e frutos do babaçu possuem usos práticos em diversas direções da agregação de valores, como a extração de leite e óleo dos frutos, bem como na confecção de pontes no meio rural, cobertura de casas e construção de paredes de moradias rústicas. O óleo é bastante rico em aminoácidos essenciais para a nutrição humana, ácidos láuricos para a indústria, ácido acético, compostos de acetona e metano, alcatrão, gases combustíveis, carvão de alta qualidade calorífica para uso na indústria de ferro etc, amido para alimentação animal, farinha para consumo humano e 81


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finalidade medicinal, além do óleo se prestar para a produção de biodiesel. Os esforços e ações para o uso integral do coco babaçu são de extrema importância, pois geralmente apenas as amêndoas (6% do fruto) são largamente utilizadas para a produção de óleos e outros fins. O mesocarpo (15%) e o endocarpo (76%), úteis principalmente para a produção de amido e carvão respectivamente, geralmente são jogados fora ou mesmo o fruto inteiro é transformado em carvão para o suprimento calorífico de caldeiras, o que significa um enorme desperdício dessa dádiva da natureza. É urgente a racionalização da exploração extrativa e econômica do babaçu em virtude do elevado significado de cunho social e ecológico das ocorrências naturais das palmeiras, que geralmente começam a produzir com 12-15 anos de idade na ausência da pressão de seleção ou elevada densidade de plantas por hectare. Mais recentemente foi identificado um híbrido interespecífico natural entre O. phalerata x O. eichleri que começa a produção de frutos entre 5 e 6 anos de idade, condição esta vantajosa para o estabelecimento do cultivo racional do babaçu. No entanto, apesar de alguns resultados de tecnologias convergentes para a cultura do babaçu, ainda existe uma enorme lacuna relacionada à domesticação, manejo, conservação de germoplasma e uso sustentado, sem solução de continuidade, para o correto emprego desses importantes recursos genéticos. Licuri (Syagrus coronata) - esta espécie ocorre na região semi-árida do nordeste brasileiro. Possui um elevado potencial econômico, pois as suas sementes são promissoras fontes de óleo láurico e os frutos são possuidores de mesocarpo comestível. A palmeira está submetida a uma forte pressão antrópica, sob severa erosão genética, daí a enorme premência do desenvolvimento de um consistente programa de conservação e domesticação. Inajá (Maximiliana regia) - palmeira robusta de 10-18 metros de altura, de grande potencial, freqüente sobretudo no estuário amazônico até ao Maranhão, estendendo-se à Bolívia, Venezuela e Guiana, crescendo de preferência em terras firmes secas e arenosas. A palmeira é destaque em ocorrências naturais no estado de Roraima. O fruto é uma drupa ovóide de 5-6cm de comprimento, com a casca fibroso-coriácea recobrindo uma polpa pastosa, oleosa, de sabor levemente ácido, agradável, sendo o endocarpo pétreo, com 1-3 sementes. Essas sementes ou amêndoas podem fornecer cerca de 60% de um óleo semelhante ao do babaçu, prestando-se para os mesmos usos. As folhas jovens são muito empregadas para cobertura e paredes de moradias, bem como para tecelagens diversas. Nos seringais nativos da Amazônia, os frutos são queimados para a defumação da borracha. A espata, lenhosa, quando bem seca torna-se fortemente encurvada, sendo aproveitada como assentos individuais. Um excelente palmito comestível pode ser obtido da palmeira inajá. Trata-se assim de um outro recurso genético de grande importância econômica e social atual e potencial, mas que necessita da colocação em prática de um forte programa de manejo, conservação in situ e ex situ, domesticação e uso racional.

Diante da visão singela apresentada no presente artigo pode ser notado que é imperativo o uso das práticas de conservação, domesticação e uso racional de recursos genéticos de várias palmeiras merecedoras de grande atenção, em virtude da elevada importância que representam para uma vida digna e sustentável da humanidade! 82


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V – SUA OPINIÃO 1) Recursos Genéticos: O princípio no mundo e o hoje no Brasil Renato Ferraz de Arruda Veiga Eng.Agr. FAZMACG (1979), Me. (1990) e Dr. (1996) pela UNESPBotucatu. Pesquisador Científico (aposentado) pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), de 1980 a 2015. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG), Editor Chefe da Revista RG News e Diretor Administrativo da Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola – FUNDAG.

Em primeiro lugar considero relevante citar uma definição do termo Recursos Genéticos que gosto de utilizar em minhas apresentações: São os materiais genéticos de plantas, animais e microrganismos que, ao serem utilizados pelo homem, agregam valor financeiro, lúdico ou de outra ordem, como recurso disponível para as gerações presentes e futuras. Tendo em vista a definição acima, que inclui o valor agregado, torna-se impossível falar de recursos genéticos sem falar de agricultura e pecuária, pois tal valor, em sua maior parte, é advindo destas atividades. Desta forma, para poder falar de recursos genéticos, considera-se relevante lembrar a hipótese de que nossa agricultura/pecuária tiveram sua origem e dispersão independentemente em 3 regiões distintas: Mesopotâmia (cultura Natufiana), na América Central (culturas pré-colombianas) e no leste da Ásia (chineses). Tais ocorrências são estimadas entre 10 - 12 mil anos, quando nossos antepassados foram deixando o costume nômade de caçador-coletor e passaram a se assentar por períodos mais longos em determinados territórios e, assim, iniciaram a domesticação de animais e plantas. Acredita-se que tais assentamentos humanos passaram por uma transição gradual, quando a extração vegetal, a caça, o plantio de alimentos, e a criação animal, coexistiram. Provavelmente a domesticação das plantas e animais ocorreu naturalmente atrelada à coevolução entre o ser humano e as plantas cultivadas, bem como com os animais criados. Neste caso, muitas comunidades são tão dependentes de determinadas espécies de plantas e animais quanto estas o são dos agricultores e pecuaristas. Provavelmente muitas espécies não mais sobrevivem isoladamente na natureza, após a sua domesticação, sem o auxílio homem e, não raramente, o homem também não consegue mais sobreviver sem tais espécies. No Brasil possuímos espécies nativas ou aparentadas das plantas domesticadas, dentre as quais pode-se citar: abacaxi, amendoim, cacau, castanha83


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do-pará, caju, mandioca, maracujá e seringueira. No presente, outras espécies ainda estão em processo de domesticação, tais como: o abacaxi-ornamental, açucena, alecrim-pimenta, araticum, cagaita, caju-anão, heliconias, madresilvas, mangaba, orquídeas, palmeiras, pequi e as petúneas, entre outras. Na área animal, temos raças crioulas, locais ou naturalizadas, que aqui se adaptaram, introduzidas no Brasil pelos nossos colonizadores, as quais também correm riscos de extinção se não forem bem conservadas, como por exemplo: os Bovinos Curraleiro e Pantaneiro, os Búfalos Baio e Carabao, Caprinos Azul, Canindé, Moxotó, Marota, Nambi, e Repartida, os Cavalos Lavradeiro e Pantaneiro, os Ovinos Bergamácia, Barriga Negra, Crioulo Lanado, Morada Nova, Rabo Largo, Santanes, e Somális Brasileira, e o Suíno Moura, entre outros. Ainda poderíamos citar exemplos outros animais como aves, peixes, etc. Temos também que destacar nossos ricos recursos genéticos de microrganismos e insetos benéficos, associados às plantas e animais, embora também os tenhamos na água, ar, rochas e solo. Hoje, no país, contamos com estruturas chamadas “Curadorias”, cujos responsáveis denominados “Curadores” vêm lutando para atuar, nas mais diversas atividades relativas aos recursos genéticos por eles conservados e preservados, quer sejam em bancos de germoplasma de animais, microrganismos ou plantas. Assim, tais curadores têm que se envolver em atividades de coleta, introdução, remessa, quarentena, identificação, caracterização, avaliação, documentação, informatização, conservação, preservação, educação e uso de recursos genéticos. Enfim, depois de um rico início da agricultura e pecuária, hoje em dia convivemos com uma “queda de braço” onde de um lado está o ser humano provocando a extinção de animais, microrganismos e plantas, principalmente por ações consideradas justificáveis decorrentes da necessidade por novas áreas para construções de residências, de represas, de estradas, etc., e até mesmo novas áreas para a expansão da pecuária e agricultura, enquanto que na outra ponta estão os pesquisadores científicos e os ambientalistas em sua luta diuturna pela conservação e preservação da variabilidade dos recursos genéticos nativos e exóticos. Haveremos de vencer esta luta em prol de um Brasil melhor para nossos descendentes, e de uma nação que seja exemplo positivo, na área de Agricultura e Meio Ambiente, através da conservação e preservação do Patrimônio Genético nativo e exótico e de seu meio ambiente, para os demais países do mundo. Pensando nestas atividades como sendo de Segurança Nacional, temos que agir tanto apoiando a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos na gestão das curadorias já existentes, mas também incentivando a criação de novas, quer sejam nos Institutos de Pesquisa Estaduais, Universidades, e Empresas Agrícolas. Porém, isto somente será uma realidade quando houver financiamento federal com alíquotas que permitam a existência sustentável de uma Rede ou um Sistema Brasileiro de Curadorias. 84


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2) Cobiça versus soberania da Amazônia, recursos genéticos e suas relações com o aquecimento global Afonso Celso Candeira Valois Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Aposentado da Embrapa.

digna convivência da sociedade amazônica com a tecnologia apropriada e com a sustentabilidade do meio ambiente. No entanto, diante das ameaças, riscos, perigos e danos constantes dos tempos atuais, o grande desafio premente fica por conta da persistência, perseverança e determinação no sentido de debilitar os repetidos desejos e intenções de cobiça sobre a Amazônia e fortalecer as ações para promoção da soberania nacional da grande região brasileira. A consciência insofismável que se pode denotar na região é de que tudo isso passa pela grata contribuição que a sociedade especialmente amazônida possa oferecer para mitigar ou mesmo evitar os efeitos danosos das mudanças climáticas globais sobre a biodiversidade e seres humanos, com o pleno reconhecimento internacional das demais nações do Planeta.

No atual estágio dos acontecimentos, a Amazônia passa por vários desafios, cuja suplantação plausível irá permitir à grande região oferecer melhores condições aos seus ocupantes tanto bióticos como abióticos, com grande ênfase ao respeito humano pela natureza. Dentre os grandes desafios que atualmente perduram para o benefício da Hileia, destaca-se a busca incessante da

No seio da biodiversidade, em comparação com animais e microrganismos são as plantas aqueles componentes mais vulneráveis às ações do aquecimento global por serem mais estáticas apesar de comporem um sistema dinâmico intrínseco e extrínseco na natureza, muito embora “o caiaué (Elaeis oleifera)- dendê amazônico, possa se locomover na floresta em busca de luz”; esse exemplo é muito bom para a reflexão dos amazônidas, pois como o dendê 85


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muitos têm que sair da acomodação diante das enormes facilidades oferecidas pela natureza e se mexer em prol da Amazônia- não devem apenas olhar o “recreio” passar! A observação de uma planta pelo seu fenótipo (F) identifica que se trata do resultado do somatório de uma parte genética chamada genótipo (G) que pode ser representado por suas variâncias genéticas aditiva, dominante e epistática, além do componente ambiental (A). Assim, F=G+A mostra que o meio ambiente é fator preponderante no ciclo vital de uma planta, daí os geneticistas sempre se preocuparem com o estudo da interação genótipo x ambiente, determinação das fontes de variação e decomposição de graus de liberdade, em busca da estabilidade genética dos genótipos em vários ambientes e explicações sobre a homeostase do desenvolvimento (diferente da homeostase genética) ou mesmo da plasticidade fenotípica em relação às variações climáticas, edáficas, topográficas e demais características de nichos ecológicos aos quais as plantas estão submetidas. Dentro de uma visão holística é muito importante para sobrepujar o enorme desafio que se caracterize as espécies de plantas que são acolhidas no seio da floresta tropical úmida da Amazônia, que por sua vez abarca a maior ocorrência florestal natural contínua do mundo. Antes, porém, se faz necessário que seja oferecida uma visão geral sobre alguns tipos de plantas para o nivelamento do conhecimento dos nobres leitores, para se chegar de forma didática

ao foco principal da discussão requerida neste singelo artigo. De maneira geral, as plantas existem com as seguintes características, entre outras: a) plantas alógamas (polinização aberta- exemplos: seringueira e milho), plantas autógamas (polinização fechadaexemplos: arroz e soja) e plantas intermediárias entre os dois primeiros tipos (exemplo: algodão e café); b) plantas com variação genética livre (autógamas) e plantas com variação genética potencial (alógamas). No primeiro caso nenhum genótipo terá todos os alelos, enquanto no segundo caso aparece a grande vantagem das plantas alógamas por conterem na população a presença do heterozigoto, que permite maior homeostase em relação às mudanças do meio ambiente: c) plantas estrategistas K em relação à partição do uso de emergia, onde o maior uso é para a formação do sistema vegetativo (específico das plantas perenes- explica o fato de a castanheira (Bertholletia excelsa), por exemplo, produzir mais frutos em um ano e menos no outro nas condições naturais da floresta), e plantas estrategistas r, específico de plantas anuais, onde a energia é principalmente para a formação do sistema reprodutivo (exemplos: arroz, feijão e milho); d) plantas que produzem sementes recalcitrantes, que não suportam ser armazenadas com pouca unidade em ambientes com baixas temperaturas (exemplos: seringueira, cacau, cupuaçu, castanha-do-brasil e guaraná, daí a obrigatoriedade da manutenção em condições de campo), plantas que produzem sementes ortodoxas, que suportam o armazenamento com pouca umidade em ambientes com baixas 86


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temperaturas (exemplos: arroz, soja, milho, trigo e feijão, daí poderem ser guardadas em câmaras frias), além de plantas com sementes intermediárias entre os dois primeiros tipos (exemplo: café); e) plantas que não suportam sombra (exemplo: seringueira) e plantas que suportam sombreamento (exemplo: cacaueiro); f) plantas que carregam em seus genomas os genes tropicais, de mais fácil adaptação a diferentes condições climáticas e edáficas (a grande maravilha presente nos trópicos!) e plantas que ostentam genes adaptados a climas temperados, de difícil adaptação em outras condições climáticas; g) plantas que compõem um ecossistema bastante dinâmico em interação com variadas espécies de outras plantas, animais e microrganismos (exemplo: floresta sempre úmida da Amazônia) e plantas que ocupam ecossistema com poucas espécies (exemplo: floresta de clima temperado); h) plantas que possuem o fenômeno da alelopatia (exsudam substâncias químicas através das raízes que afetam outros genótipos vizinhos) e plantas que não apresentam esse fenômeno e que podem ser afetadas dentro do sistema competitivo do ecossistema. Além disso, dentro do bioma (grande área geográfica com a predominância de um tipo de vegetação bem marcante) floresta amazônica ocorre a mais rica biodiversidade da terra, entendida como o conjunto de plantas, animais e microrganismos em interação com o ambiente em que vivem. Dentro dessas vitais condições ocorrem os recursos genéticos, definidos como a variabilidade de plantas, animais e microrganismos integrantes da biodiversidade e que

contêm elementos funcionais da hereditariedade, de valor atual e potencial no sentido econômico, social, ambiental, político, ético, cultural e histórico, para uso em programas de melhoramento genético, agrobiodiversidade, extrativismo, biotecnologia e em outras áreas afins. Nesse contexto, ainda que diversidade e variabilidade genética sejam termos alternativos para representar a variação genética, e ainda para efeito do melhor entendimento sobre o grande papel da floresta amazônica para influenciar positivamente nas condições climáticas globais (recente confirmação através dos estudos do “Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia- LBA), considerando esse “fantástico e vital binômio florestachuva”, enfatiza-se ainda a definição dos seguintes termos técnicos: a) diversidade genética- indica o somatório das informações genéticas conhecidas ou potenciais (ou ainda desconhecidas); b) variabilidade genética- indica a porção da diversidade genética capturada ou disponível; c) variância genética- é a medida estatística da variabilidade genética: d) centros de diversidade primária- onde, ademais da espécie de interesse ocorrem outras espécies silvestres relacionadas, com grande presença de genes dominantes; e) centros de diversidade secundária- onde ocorre a espécie de interesse em conjunto com poucas espécies relacionadas, com grande presença de genes recessivos. Como é sabido, a Amazônia é centro de origem, diversidade e variabilidade genética de grande número de espécies de plantas, animais e microrganismos de benefício 87


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direto da humanidade! A natureza levou milhares de anos para compor os genes, os sistemas alélicos e estruturas genéticas na formação das florestas naturais, daí a grande atenção e o respeito que obrigatoriamente a humanidade tem que dispensar para o tema e para o seu próprio benefício toda vez que alguém estiver praticando a corrupção (uso da força e do poder para auferir vantagens de interesse privado) contra os recursos naturais e a falta de ética nas práticas do desflorestamento irracional e ilícito! Ainda dentro desse preâmbulo instrutivo para o nivelamento do conhecimento, deve-se enfatizar que as palavras conservação e preservação não significam a mesma coisa, pois ambas didaticamente reunidas na palavra proteção, remetem para: a) conservaçãouso racional; b) preservação- não uso. Para o caso da floresta amazônica, ambas as palavras são importantes, pois não se pode conservar toda a Amazônia (há nichos que não podem ser usados, mesmo com a intenção de sustentabilidade), como também não se pode nem pensar em preservar toda a Hileia (deixá-la intocável), principalmente em respeito e consideração às cerca de 30 milhões de pessoas que nela vivem e que têm o magno direito de se desenvolver de maneira digna e decente! Isso significa dizer que ambos os termos são de grande relevância para a Amazônia, com a prevalência do bom senso! No sentido da conservação, deve-se ainda enfatizar que existe aquela in situ (permanência da população de plantas no ambiente ao qual está adaptado, dentro da comunidade à qual pertence) e a conservação ex situ (manutenção dos

genótipos fora dos seus locais de origem). Para os propósitos do vis-à-vis da floresta amazônica com as ameaças das mudanças climáticas, nas intenções do presente documento é de bom alvitre considerar a conservação in situ, mesmo levando em conta a grande importância dos oito tipos de conservação ex situ conhecidos, especialmente nas ações complementares entre os dois tipos de conservação. Em termos gerais, a conservação in situ apresenta as seguintes vantagens: a) continuidade do processo de evolução e adaptação- as espécies estão sempre interagindo com o ambiente físico e com as outras espécies do ecossistema. Para uma espécie existir no futuro ela deve está apta a competir com outras espécies, e sua capacidade de competição será mantida somente se for permitida a continuidade do processo evolutivo através das forças evolucionárias da mutação, migração, recombinação, seleção e deriva genética, isto é, a plena colocação em prática da teoria sintética da evolução, ou seja, a sobrevivência dos mais adaptados. Os ambientes bióticos e abióticos mudam constantemente, e as interações são primordiais para o sucesso evolucionário de longo prazo, inclusive no aparecimento de novas espécies mais adaptadas aos nichos mais modernos. Esse aspecto é cada vez mais importante em função das mudanças climáticas globais que estão acontecendo como resultado do aquecimento global. Dessa forma, para persistirem em face das mudanças dos padrões climáticos, ao longo do tempo as plantas terão que se adaptar, assim como migrar e colonizar novas áreas, com ênfase no aparecimento de novos tipos; b) conservação de outras espécies de plantas, 88


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animais e microrganismos associados; c) facilidade para conservar uma população viável de uma espécie em relação à conservação ex situ; d) conservação de espécies com sementes recalcitrantescerca de 75% das espécies da floresta amazônica produzem sementes recalcitrantes; e) controle dos recursos genéticos pelas comunidades tradicionais e técnicas através da condução de reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável, agrobiodiversidade e das reservas genéticas para fins técnicocientíficos. O Brasil, além de praticar todos os tipos de conservação in situ conhecidos é possuidor de um bom sistema de unidades de conservação in situ representado principalmente por parques e reservas, com destaque para a recente alocação de 900 áreas prioritárias para conservação (43% localizadas na Amazônia), bem como ostentar o maior parque nacional do mundo, que é o Tumucumaque, situado no estado do Amapá, com cerca de 3.800.000 hectares. Afora isso, a Reserva do Amanã implantada no estado do Amazonas, com 2,2 milhões de hectares, contígua ao Parque Nacional do Jaú com 2,3 milhões de hectares, juntos formam o maior corredor de florestas tropicais naturais do Planeta. Estima-se que no Brasil estejam algo em torno de 20% de toda biodiversidade do mundo. Diante desse vasto quadro de nivelamento quanto aos conhecimentos disponíveis sobre as plantas e ambientes físicos da floresta da Hileia e úteis aos propósitos do presente artigo, agora é facilmente detectado que a predominância das plantas da rica floresta são as alógamas, com variação genética

potencial, perenes, produtoras de sementes recalcitrantes na grande maioria, estrategistas K, possuidoras do fenômeno da homeostase do desenvolvimento que permite maior capacidade de adaptação, migração e colonização de novas áreas e enfrentamento às ameaças dos efeitos danosos das mudanças climáticas, além de outras características de elevada importância para o tema, como a importante capacidade evolutiva dos componentes da biodiversidade. Tudo isso nos conduz facilmente à afirmação de que as mudanças climáticas que vêm ocorrendo ao longo de centenas de anos jamais serão catastróficas para a floresta amazônica, principalmente em face da excelência das populações de plantas que acolhe, que conforme foi visto têm grande capacidade de responder aos perigos das mudanças climáticas. A premissa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de que nos próximos 50 anos, a Amazônia dentro de uma visão pessimista terá um aumento de 6 a 8ºC de temperatura com a redução de 20% na quantidade de chuvas, e previsão otimista do aumento de 4 a 5°C de temperatura e redução de 10 a 15% na quantidade de chuvas, talvez necessite de uma revisão, com a certeza de que a biodiversidade estará bem viva, desde que sejam afastados os males do antropismo desastroso, pois este sim é o maior risco, perigo e dano que constantemente estão afetando a floresta amazônica! A sociedade tem que assumir o seu papel e compromisso para com a região, daí a citação no grande desafio, e não simplesmente transferir para as mudanças climáticas os riscos de 89


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extermínio da biodiversidade na Amazônia. Qualquer alarde considerado inócuo, inodoro, insípido e incolor como o acima citado deve ser rechaçado, sem ser desprezado! Ainda dentro de um contexto pragmático, a seguinte expressão mostra que a possibilidade da permanência de uma população de plantas na natureza é função dos seguintes fatores:

PPP= f (CBN, CAN, PAP), onde: PPP- permanência da população de plantas na natureza f- função CBN- competição da planta com componentes bióticos da natureza CAN- competição da planta com componentes abióticos da natureza PAP- práticas antrópicas perversas contra a biodiversidade

Considerando os componentes dessa expressão, vemos que a planta pode vencer a competição com os outros elementos bióticos da natureza e continuar com a convivência harmônica, pois se trata de uma interdependência vital onde, por exemplo, a planta necessita de insetos para a polinização de suas flores, de animais para a dispersão das suas sementes e de microrganismos para o controle biológico de inimigos naturais. Para o caso da competição com componentes abióticos da natureza, uma planta, por exemplo, tem condições de se adaptar e vegetar em solos ácidos, viver em variadas condições topográficas e em

diferentes latitudes, mas o grande destaque reside na condição de poder enfrentar as dificuldades impostas pelas mudanças climáticas de temperatura, umidade e luz, conforme já assinalado neste artigo. Dentro das condições naturais, as plantas podem vencer as limitações oriundas dos componentes tanto abióticos como bióticos da natureza. No entanto, conforme visto anteriormente, o grande desafio para a permanência de uma população de plantas na natureza está na dependência do rígido controle para evitar as práticas antrópicas perversas contra a biodiversidade e bem estar da sociedade, o que exige muita seriedade, persistência, perseverança, determinação e muita vontade de realizar sem solução de continuidade, principalmente para dotar a sociedade da consciência ambiental e responsabilidade para o seu próprio benefício e das futuras gerações. É sempre bom enfatizar que as atuais gerações humanas devem atender às suas próprias necessidades sem se esquecerem de que as futuras gerações também necessitarão fazer o mesmo, e que elas não serão apenas as herdeiras das gerações atuais, mas que estas são suas fiéis depositárias e que se os recursos naturais não forem bem cuidados no presente com a ação imperativa do componente ético, os descendentes nada terão para herdar! É premente que o verbo “amazonizar” o Brasil, difundido em outra matéria escrita pelo autor deste artigo, seja realmente conjugado e praticado repetidamente para o pleno benefício da humanidade.

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Para evitar as perigosas subjetividades do PAP é premente na Amazônia, a colocação em prática dos seguintes princípios: a) ordenamento territorial, com ênfase na real efetivação do zoneamento ecológico-econômico (ZEE) considerando os diversos ecossistemas da grande região, que precisa sair da qualidade festiva e entrar rapidamente na qualidade operativa, e gestão de territórios rurais e urbanos, além do planejamento estratégico e plano diretor; b) racionalidade, especialmente no uso dos recursos da natureza, evitando a bioburla, ou seja, a fraude à vigilância e às leis ambientais em ações criminosas contra a biodiversidade; c) sustentabilidade, considerando que as populações futuras também necessitarão satisfazer as suas próprias necessidades; d) multifuncionalidade, considerando o conjunto das contribuições que poderá advir do uso sustentável de componentes da floresta para o desenvolvimento econômico, social, ambiental, ético, cultural e histórico aplicado à implementação e fortalecimento da agregação de valores e geração de outras oportunidades na Amazônia; e) transversalidade, principalmente a fronteiriça, levando em conta a complementaridade de esforços e ações que o Brasil tem que manter com os demais países amazônicos e Guiana Francesa, levando em conta a realização de estudos sobre a biodiversidade, proteção das cabeceiras dos rios que não nascem no Brasil, melhor definição do “aquífero solimões”, evitar a poluição das águas superficiais e subterrâneas, incentivar a aplicação da análise de riscos em relação ao uso sustentável dos

recursos hídricos e de outros bens do capital abiótico e biótico da natureza, exercer a vigilância constante contra ilícitos, evitar a entrada de espécies invasoras exóticas danosas à saúde humana, agricultura, floresta e áreas afins pela ação da vigilância sanitária e serviços quarentenários, fortalecer o agronegócio e outras ações comerciais, adoção de políticas públicas integradas quanto à educação (ensino, pesquisa e extensão), saúde, tecnologia apropriada e meio ambiente, além de outros esforços e ações complementares, como a premente orientação na constituição de famílias na comunidade para evitar a consanguinidade e adicionais malefícios ; f) enfoque sistêmico de sustentabilidade, colocando em prática a articulação de diversos setores correlacionados, como uma rede de educação, saúde, tecnologia apropriada e meio ambiente; g) segurança biológica, pelo manejo de riscos, perigos e danos bióticos e abióticos associados; h) mitigação ou mesmo evitar os meios para a emissão de gases maléficos na região, especialmente aqueles de efeito estufa; i) implementação das políticas públicas para a convivência humana com as mudanças climáticas, com ênfase às práticas de saneamento básico no tratamento do lixo, água, esgoto e outros; j) desenvolver de forma sistemática, os esforços e ações sobre a estratégia e tática da segurança nacional para afirmação da soberania da região; l) promover a conscientização pública sobre a importância da Amazônia para a humanidade, evitar o desmatamento perverso, usar tecnologia alternativa à prática do fogo, promover a educação ambiental e divulgar os ensinamentos sobre a bioalfabetização a 91


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partir das escolas do ensino fundamental; m) praticar o extrativismo ou neoextrativismo sustentável; n) promover a educação alimentar dos povos e uso sustentável da agrobiodiversidade, com ênfase na segurança alimentar e nutrição e na segurança dos alimentos e saúde, livres dos perigos biológicos, químicos, físicos e ambientais, usando a rastreabilidade; o) proceder o cadastramento, instrução, conscientização e monitoramento das ações de produtores e empresários rurais; p) promover o exercício da ética e da consciência ambiental; q) articular a prática dos direitos humanos por uma qualidade de vida digna e decente e assegurar o desenvolvimento social inclusivo; r) implantar um forte sistema de CT&I na região e proceder a criação e pleno funcionamento de escolas técnicas na Amazônia, além do fortalecimento das universidades e escolas do ensino fundamental e médio; s) exercitar na Amazônia, a convergência das tecnologias apropriadas aos diversos nichos ecológicos da região, explorando de forma sustentável as oportunidades oferecidas na Hileia, como a produção de alimentos, fibras, elastômeros, biocombustíveis e uso sistemático das águas de chuva nos diversos fins; t) assegurar a disponibilidade de energia elétrica constante para a população, segurança pública, moradia digna, estradas carroçáveis, modernos meios de comunicação, modernização dos transportes fluviais, outras infraestruturas e apoio logístico como hospitais públicos muito bem equipados e escolas públicas funcionais, além de

demais benefícios para a felicidade dos povos que vivem na Amazônia. Assim, pode ser visto que para a permanência de uma população de plantas na natureza, o principal impedimento não são as mudanças climáticas diretamente, mas os próprios seres humanos que praticaram e praticam o antropismo perverso na natureza, inclusive provocando o aquecimento global, sendo que muitos deliberadamente se negam em participar de esforço conjunto mundial para a redução de efeitos danosos sobre a natureza, como a emissão de gases com fins maléficos para a humanidade. A Amazônia, especialmente a brasileira está constantemente sob os holofotes do mundo voltados para ela, em vigilância permanente, principalmente quanto às ações perversas do desmatamento, levando em conta os dados de que em 2001-2002 foi de 25.476 km², em 2003-2004 foi de 27.429 km², em 2004-2005 foi de 18.793 km², entre 2005-2006 ficou em 14.039 km², em 2006-2007 foi de cerca de 11.532 km² e de agosto a dezembro de 2007 o desmatamento atingiu 7.000 km² com destaque negativo para 35 municípios localizados nos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia que mais desmataram. Isso fez com que o governo brasileiro em fins de fevereiro de 2008 enviasse a Força Nacional de Segurança para o município de Tailândia (PA), para proceder ao fechamento e multa das madeireiras infratoras, o que causou grande revolta entre a população desempregada, mas que cuja ação foi muito bem aplicada. No período de 2007-2008, o desflorestamento alcançou 11.968 km², 92


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reduzindo para 7.008 km² entre 20082009. O desmatamento desenfreado na Amazônia, de acordo com a Revista ISTOÉ de 05/03/2008, Nº 2000, Ano 31, p. 43-44, geralmente resulta do “diabólico pacto de interesse entre a pobreza dos colonos, a ganância dos madeireiros, o oportunismo dos pecuaristas e a complacência dos governos”. No entanto, na Amazônia é muito importante que à sociedade sejam dadas todas as oportunidades de agregação de valores de maneira legal, ética e transparente, como a criação de serviços, postos de trabalho, emprego digno, renda e outros fatores de desenvolvimento sustentável. Com isso será possível a condução de uma vida feliz, harmônica e saudável na família e na comunidade, com o premente fortalecimento da municipalização extensiva a todos as comarcas, sem discriminação, e não só às capitais! Assim, em vez de destruírem a floresta para os seus sustentos e das famílias, os habitantes da Hileia com atividades ilícitas em todos os sentidos com certeza realinharão os seus costumes, hábitos, atitudes, posturas e culturas e efetivamente irão contribuir para a proteção e soberania da grande região brasileira. Diante dos atuais quadros não recomendáveis de desmatamento perverso continua a cobiça sobre a Amazônia, com notícias descabidas de plano de privatização e interesse em transformá-la em bem público internacional, conforme o autor deste artigo já teve a oportunidade de atestar em país desenvolvido. A mais recente ameaça é a possibilidade de implantação de centro de pesquisa francês no Amapá para

estudar a biodiversidade de plantas, animais e microrganismos na grande região, medida esta que se efetivada irá totalmente de encontro àquilo que o Brasil sempre evitou, isto é, existência de instituições de pesquisa estrangeiras e internacionais na Amazônia para desenvolver projetos isolados, sem a participação brasileira. Aqui se deve relembrar de que “quem tem germoplasma tem poder para assegurar a alimentação adequada do seu povo de maneira independente” e disso jamais se deve abrir mão, pois a Amazônia nunca pode ser entendida como “moeda de troca” para satisfazer outras necessidades dentro do próprio Brasil! Todos os esforços e ações têm que ser feitos para possibilitar uma vida digna e decente principalmente aos habitantes mais pacatos da Amazônia, pois não podem continuar na condição de “escravos na floresta”! Aqui reside a grande missão de governantes, políticos, gerentes, legisladores e da sociedade em geral em aproveitar o momento atual em que o mundo clama pela redução dos efeitos danosos das mudanças climáticas e demonstrarem a responsabilidade, o interesse e a qualidade operativa para contribuírem efetivamente para a mitigação ou mesmo extinção desses efeitos sobre a biodiversidade e a vida humana, com o perfeito reconhecimento das demais nações. Com isso certamente a cobiça sobre a Amazônia será enfraquecida! Considerando a excelência da oportunidade, espera-se que este documento tenha sido levado em conta como singela contribuição à “III 93


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Conferência Nacional do Meio Ambiente”, realizada em maio de 2008 no Brasil, precedida de conferências estaduais e municipais como a efetuada em Tefé (AM) no período de 27 a 29/02/2008, e que teve como foco central a questão das mudanças climáticas em quatro eixos temáticos que nortearam as discussões. Como iniciativas

fundamento, todas as devem ser tomadas com

sustentabilidade para afastar os perigosos sinais de desgaste que já começam a aparecer na Amazônia no seu vital papel de “bomba de água biótica natural”, dentre outras atividades prementes para o benefício da humanidade. Isso fortalece a implantação de um consistente programa de reflorestamento sem sofrer solução de continuidade, nas áreas degradadas da Hileia, como salutar e responsável alternativa.

“Tratar da Amazônia e de seus recursos genéticos é premente para o Bem da Humanidade! ”

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3) O uso de recursos genéticos na produção de cultivares melhoradas com vistas a atender os desafios impostos pela mudança climática Marines Marli Gniech Karasawa PhD Genetics and Plant Breeding (USP) /Post doc. Haploid Technology – Gametic embryogenesis (UNIPA-IT). Anteriores: Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL-MG, Universidade de São Paulo (USP/ESALQ), Universidade Estadual de Feira de Santana. Formação acadêmica: Universidade de São Paulo (USP/ESALQ).

A agricultura moderna apresenta grandes e novos desafios, dentre eles, o crescimento da população mundial e a maior longevidade dos habitantes, competição entre a área de produção de grãos e a energia renovável, mudanças climáticas globais causadas primariamente pelo efeito estufa e atividades humanas associadas à queima de combustíveis fósseis (Guerra, Rocha & Nodari, 2015) presença de pragas e doenças e, a redução na disponibilidade de insumos renováveis, etc. faz com que as cultivares disponibilizadas tenham de ser cada vez mais produtivas e resistentes a estresses bióticos (Borém & Fritsche-Neto, 2012) e a abióticos (alterações de temperatura, disponibilidade de água, macro e micro nutrientes, e ao cultivo em solos marginais que apresentem elevado teor de sódio, alumínio, e outros elementos tóxicos) (Borém & Ramalho, 2011). De acordo com previsão o aquecimento global deverá produzir uma redução de 20% na disponibilidade de água nos diferentes ecossistemas tropicais e subtropicais, e o aumento da temperatura global ocorrerá de modo gradativo ano a ano. Embora nos últimos 50 anos tenha ocorrido uma redução na população mundial que passa fome, o contínuo crescimento populacional aliado as alterações climáticas deverão aumentar e intensificar o efeito dos estresses sobre as cultivares agrícolas promovendo prejuízos à produção e redução na oferta final de alimentos, de modo que por consequência espera-se que haja um aumento da população faminta. Nas últimas quatro décadas a agricultura brasileira apresentou sucessivos saltos e consolidou sua posição de primeiro produtor e exportador de açúcar, álcool, café e suco de frutas. Um dos principais responsáveis por todo este sucesso foi a capacidade dos profissionais melhoristas em utilizar os recursos genéticos, disponíveis nos bancos ativos de germoplasma (BAGs), para incorporar genes nas cultivares elite (Lopes, 2015). De modo que, os recursos fitogenéticos têm possibilitado e continuam possibilitando cultivos mais produtivos, resistentes e sustentáveis constituindo patrimônio de valor incalculável que serve de base para o desenvolvimento agrícola e à subsistência humana (Lameira & Oliveira, 2015).

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O melhoramento genético de plantas tem por objetivo atender as demandas de produtores e consumidores produzindo plantas mais resistentes, produtivas e que atendam às exigências do consumidor final. Para atingir tais objetivos, o melhorista faz uso de uma “coleção de trabalho”, que geralmente é composta por um reduzido número de acessos de determinada espécie contendo as características de interesse do programa de melhoramento. Entretanto, o estreitamento da base genética das espécies cultivada em decorrência do cultivo em larga escala torna necessária a utilização de recursos fitogenéticos de espécies nativas e parentes silvestres das espécies cultivadas (Fávero & Faleiro, 2015) para introduzir genes não encontrados no material de base. Comumente, realiza-se a busca nos BAGs, pois ali são mantidos e conservados um número muito maior de acessos contendo as características representativas de variabilidade genética da espécie ou do gênero (Veiga & Barbosa, 2012). Assim, os recursos genéticos desempenham um papel crítico nos programas de melhoramento porque disponibilizam a variabilidade genética para produzir novas combinações gênicas que através da seleção permitem desenvolver novas cultivares mais produtivas e adaptadas. Contudo, o melhoramento clássico requer paciência e persistência necessitandose do emprego de 8 a 12 anos, em média, na melhor das hipóteses, para se obter uma nova cultivar elite. Com o auxílio de técnicas biotecnológicas este prazo citado pode ser muito reduzido quando comparado às metodologias tradicionais. Por exemplo, o uso da embriogênese gamética permite obter uma linha pura, no caso de espécies anuais, num período de três meses. A técnica de hibridação que hoje é realizada a campo também pode ser realizada “in vitro” e a posterior seleção dos genótipos desejados pode ser feita com o auxílio de marcadores moleculares. Uma vez selecionado o genótipo desejado, pode-se dar início à clonagem em larga escala dos híbridos formados e à produção de sementes sintéticas. Assim, algo que hoje se faz em uma média de 10 de anos poderíamos estar fazendo num período máximo de 3 anos, na pior das hipóteses. A vantagem desta sequência supra apresentada é que temos o benefício de estar usando todos os genes do genoma, interessante para o caso de características cujo controle gênico apresenta herança quantitativa (controlada por inúmeros genes). Em contrapartida, se tivermos trabalhando com características cuja herança é controlada por um ou poucos genes pode-se lançar mão da transgenia de modo a transferir apenas o gene de interesse. Esta técnica, aliada à embriogênese gamética permite obter diretamente o transgene em homozigose, reduzindo o tempo gasto com autofecundações e seleção. Além disto, técnicas de seleção “in vitro” para fatores abióticos, não só irá acelerar o processo de obtenção como também permitir a liberação de novas cultivares mais resistentes em um tempo menor com custos muito menores. Como se pode ver, a biotecnologia aliada ao uso eficiente de recursos genéticos pode trazer benefícios, até então, inimagináveis para o aumento da produtividade e resistência das cultivares elite produzidas pelo melhoramento genético vegetal.

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Bibliografia Borém, A; Ramalho, MAP. Estresses abióticos: desafios do melhoramento de plantas nas próximas décadas. In. Fritche-Neto, R; Borém, A. (Orgs). Melhoramento de plantas para condições de estresses abióticos. Visconde do Rio Branco: Suprema, 2011. p. 9-28. Borém, A; Fritche-Neto, R. Desafios bióticos do melhoramento de plantas para alimentar o mundo. In. Fritche-Neto, R; Borém, A. (Orgs). Visconde do Rio Branco: Suprema, 2012. p. 9-24. Fávero, AP; Faleiro, FG. O uso de recursos fitogenéticos no pré-melhoramento genético. In.:Veiga, RF; Queiróz, MA de (Eds). Recursos fitogenéticos: a base da agricultura sustentável no Brasil, 2015. Cap. 43. Guerra, MP; Rocha, FS; Nodari, RO. Biodiversidade, recursos genéticos e segurança alimentar em um cenário de ameaças e mudanças. In.:Veiga, RF; Queiróz, MA de (Eds). Recursos fitogenéticos: a base da agricultura sustentável no Brasil, 2015. Cap. 2. Lameira, OA; Oliveira, ECP de. O uso de recursos fitogenéticos na alimentação e saúde. In.:Veiga, RF; Queiróz, MA de (Eds). Recursos fitogenéticos: a base da agricultura sustentável no Brasil, 2015. Cap.42. Lopes, MA. Recursos genéticos e o futuro da agricultura brasileira. In.:Veiga, RF; Queiróz, MA de (Eds). Recursos fitogenéticos: a base da agricultura sustentável no Brasil, 2015. Cap. 6. Veiga, RFA; Barbosa, W. Bancos de germoplasma: importância e organização. In: Costa, AM; Sephar, CR & Sereno, JRB (Eds). Conservação de recursos genéticos no Brasil. Brasília, DF: Embrapa, 2012. p. 104-125.

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VI - ACONTECEU Perdido na mata Renato Ferraz de Arruda Veiga

Eng. Agr., Dr., PqC VI, Instituto Agronômico de Campinas (aposentado). Diretor Administrativo da FUNDAG.

Embora constrangido conto aqui esta minha peripécia, ocorrida na II Expedição Científica de Coleta de Germoplasma de Arachis spp. (amendoins silvestres), e efetivada pelo Nordeste do Brasil. A expedição foi coordenada pelo principal especialista brasileiro - quiçá do mundo - em taxonomia do gênero Arachis, o meu grande mestre e amigo Dr. José Francisco Montenegro Valls e com participação de outro amigo, o geógrafo Glocimar Pereira da Silva (na foto preparando uma exsicata de herbário, no Toyota azul), ambos da Embrapa Cenargen, e eu os acompanhando como membro convidado, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), pela Embrapa. - Eles que me desmintam se eu estiver com a memória de idoso muito alterada! Este fato em voga se iniciou em uma parada de coleta, quando o Dr. Valls solicitou e o Glossimar, que pilotava a caminhonete no momento, parou no acostamento da estrada. A seguir, todos descemos - para iniciar mais uma tradicional procura por germoplasma de populações de espécies silvestres de amendoim - sendo que eu caminhei para um lado oposto ao deles. Segui, com a “cabeça na lua”, pensando que agora, como já era “experiente” em expedições científicas de coleta de amendoim - já estava na minha segunda experiência com os mesmos amigos - iria demonstrar tudo o que havia aprendido ao encontrar sozinho a minha tão almejada população de Arachis, e assim voltaria triunfante para o carro. Tenho que explicar que no caso de espécies de Arachis - da qual faz parte o amendoim comum - a maneira mais fácil de se encontrar uma planta no campo é pela visualização de sua flor com formato tradicional das fabáceas (com estandarte 98


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alaranjado ou amarelo ou mesmo raramente branco), e/ou pelos seus folíolos comumente tetrafoliolados (mesmo existindo raras espécies trifolioladas), já que suas sementes somente podem ser inspecionadas após o peneiramento do solo ou ao se detectar e seguir um “peg” que ainda mantenha aderidos os seus frutos (também abaixo do solo). De qualquer forma, o que quero que vocês percebam é que, ao coletor se torna necessário ficar olhando para as plantas herbáceas mais rasteiras, portanto, de cabeça baixa - e foi assim que prossegui o meu caminho, cabisbaixo e “perdido nos meus sonhos”. O tempo passou e, em determinado momento, me lembro de ter passado em frente a uma residência - de pau a pique, típica daquele espaço - cujos humildes moradores estavam sentados à frente da mesma, aproveitando-se da fraca brisa que soprava no momento, aos quais respeitosamente cumprimentei, caminhando sem parar, prosseguindo no meu trajeto. Pouco tempo depois - como que de um estalo - acordei dos meus pensamentos e levantei a cabeça. Pensei imediatamente: Meu Deus! Onde estou? Que horas são? Quando olhei para o horizonte vislumbrei, bem ao longe, o Toyota azul “pequenininho” e com o Glocimar em cima da capota - como que me procurando. Pensei, nossa! Estou ferrado!!! Tenho que voltar imediatamente para a estrada, mas epa! Por onde? - A vegetação meio que havia crescido e me ilhado “propositadamente”. - Minha Nossa Senhora! Cadê o caminho? Como chegarei na estrada? E, congelei! “Como se não estivesse naquele calor danado! ” Mas, eis que, de repente, ouço uma voz de um anjo, vinda dos céus, quer dizer, da mata: – Senhor, o Sr. está perdido? Meu pai mandou lhe perguntar! Quando olhei vi que o meu “anjo” era o menininho - de uns 7 anos de idade filho do morador da casinha que passara em frente, momentos antes! Ufa, que alívio a vinda deste salvador! Engolindo “a seco” todo o meu jovial orgulho, respondi imediatamente: Sim, amigo, e tenho que ir lá para aquele carro na estrada e não acho o caminho! – Então, por favor, o Sr. pode me acompanhar! Assim, lá fui eu, mais ainda de cabeça baixa do que vim! Bem amigos, foi desta forma que consegui escapar do Cerrado e retornar para aquele maravilhoso e lendário Toyota azul (foto) – ao carro que, naquele momento, embora palco de minha extrema vergonha, também representava a minha salvação e o fim desta história! Mas, mesmo com a história acabando bem, depois de uma embaraçosa explicação aos meus companheiros de expedição, logicamente tive que “levar um belo sermão” tanto do Valls como do Glocimar - e seguindo o restante da viagem muito bem-comportado, sempre de olho nos dois, me sentindo como se tivesse menos experiência que aquele menininho de 7 anos de idade! 99


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Foto: Dr. José Francisco Montenegro Valls (Coordenador) e o Geógrafo Glossimar Pereira da Silva (Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia) e o Toyota Azul. Expedição Científica de Coleta de Germoplasma de Arachis spp., 1985. Fotografados por Renato F.A.Veiga.

Dedicado aos amigos José Francisco Montenegro Valls e Glossimar Pereira da Silva, parceiros de tantas jornadas de minha vida!

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VII – Eventos Acontecerá:

A Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG) promove bienalmente o Congresso Brasileiro de Recursos Genéticos (CBRG), o qual constitui o principal fórum para discussão do avanço do conhecimento científico e de novas tecnologias para a conservação e uso dos recursos genéticos. Com o tema central "Recursos genéticos no Brasil: a base para o desenvolvimento sustentável", o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) é a instituição responsável pela realização do IV CBRG, que ocorrerá em Curitiba - PR no período de 8 a 11 de novembro de 2016. Concomitante ao IV CBRG será realizado o III Workshop de Curadores do Brasil e a Feira de Guardiões da Agrobiodiversidade. Com esse intuito convidamos pesquisadores, professores, estudantes de graduação e pós-graduação, técnicos, extensionistas, agricultores, empresários, enfim a sociedade como um todo para discutir a conservação e o uso sustentável dos recursos genéticos vegetal, animal e microrganismo. As inúmeras atrações turísticas da região são mais um incentivo para a sua participação no IV CBRG. Atualize seus conhecimentos, faça novos contatos, envie seu trabalho e conheça as inovações da área. Esperamos você em Curitiba para o IV CBRG! Visite a nossa página: www.cbrg2016.com.br 101


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VIII – A Rede de Recursos Genéticos do Nordeste Apresentação por: Manoel Abílio de Queiróz Eng. Agr. UFRP (1967), Me. em Agronomia (Genética e Melhoramento de Plantas) pela USP (1969) e Dr. em Genetics and Plant Breeding University of Cambridge, Inglaterra (1984). É Prof. Titular da UNEB, Docente Permanente do Curso de Mestrado em Horticultura Irrigada e Prof. Colaborador da UEFS no curso de Pós-Graduação em Recursos Genéticos Vegetais. Tem experiência na área Recursos Genéticos Vegetais e Melhoramento de Plantas, atuando principalmente nos seguintes temas: cucurbitáceas, fruteiras nativas do semiárido

A Rede de Recursos Genéticos Vegetais do Nordeste (RGV Nordeste) se originou da Rede de Recursos Genéticos Vegetais da Bahia (RGV Bahia). A RGV Bahia foi concebida em 2005, como resultado de uma discussão com professores e pesquisadores do Estado da Bahia, sob a liderança do professor Roberto Romão, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS-BA). Naquela ocasião foi idealizado o I Workshop de Recursos Genéticos Vegetais da Bahia, realizado na Fundação Luiz Eduardo Magalhães, em Salvador - BA. A partir de então, foram realizados outros três eventos relacionados à Rede de Recursos Genéticos Vegetais da Bahia (RGV Bahia), sendo o segundo em 2006, em Ilhéus, na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC-BA). O III Simpósio da RGV Bahia ocorreu na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB-BA), em 2008, e o IV na Universidade Estadual da Bahia, campus de Juazeiro (UNEB-Juazeiro), em 2011. Em todos os eventos, contou-se com um grande número de profissionais, pesquisadores e professores, além de estudantes de graduação e especialmente de pósgraduação das principais Universidades da Bahia. Durante o evento realizado em Juazeiro (IV RGV Bahia), foram organizados grupos de trabalho para aprofundar a análise da situação da RGV Bahia e como a mesma deveria ser imaginada para atender as demandas futuras e, assim, foi sugerida que a Rede, que tinha apenas a jurisdição da Bahia, deveria ampliar sua ação para o Nordeste Brasileiro. A recomendação foi aprovada na Assembleia Geral do dia 2 de dezembro de 2011, passando a mesma a ser designada de Rede de Recursos Genéticos Vegetais do Nordeste (RGV Nordeste) e, por conseguinte, a RGV Nordeste originalmente foi RGV‐Bahia. É importante se informar que na nossa opinião a RGV Bahia foi uma das inspirações para criação da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos – SBRG, pois alguns pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia participaram dos Simpósios da RGV Bahia onde se fez uma grande discussão da grande necessidade de se ter uma maior capilaridade para o estudo dos recursos genéticos no país, principalmente os recursos genéticos vegetais e que esse 102


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sistema viria em fortalecimento ao Sistema Nacional que era coordenado pela Embrapa. Participaram dessas discussões a Dra. Clara Oliveira Goedert, o Dr. Francisco Montenegro Valls e a Dra. Magaly Wetzel no II Simpósio da RGV Bahia realizado em Ilhéus, BA na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) sob a presidência da professora Norma Eliane e, no III Simpósio da RGV Bahia, realizado em Vitória da Conquista, BA nas dependências da Universidade do Sudoeste da Bahia (UESB) em 2008, sob a presidência do professor Claudio Lucio Fernandes Amaral, no qual participou o Dr. Juliano Gomes Pádua também da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Na assembleia que se criou a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos, no ano de 2008 em Brasília, o professor Roberto Lisboa Romão foi convidado a participar da mesa diretora dos trabalhos ao lado da Dra. Clara Goedert da Embrapa Recursos Genéticos e da Dra. Vânia Moda Cirino do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR). Essa influência também pode ser sentida pela eleição do local escolhido para o I Congresso Brasileiro de Recursos Genéticos ter sido a Bahia e cuja realização em 2010 foi feita em articulação com a RGV Bahia tendo o professor Roberto Lisboa Romão como presidente. Vale destacar que no Simpósio da Rede de Recursos Genéticos Vegetais da Bahia ocorrido em 2011 teve também a participação de pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e no II Simpósio da RGV Nordeste ocorrido em Fortaleza em novembro de 2015 contou com a participação do presidente da SBRG, Dr. Marcos Aparecido Gimenez. Por sua vez a RGV Nordeste teve participação em todos os Congressos Brasileiros de Recursos Genéticos e, a Sociedade tem um forte desejo de que ocorram a participação de Redes Regionais já estando em operação as redes de Recursos Genéticos Vegetais do Nordeste e da Região Sul compreendendo os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e existem tratativas para que se organizem as redes das Regiões Norte, Sudeste e Centro Oeste. O primeiro Simpósio da RGV Nordeste aconteceu em Cruz das Almas‐BA, em novembro de 2013 sob a presidência da professora Dra. Ana Cristina Loyola Dantas da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e contou com uma relevante programação, com palestras nos diversos segmentos dos recursos genéticos e conferencistas renomados. Contou com a inscrição de cerca de 150 participantes e foram apresentados 177 trabalhos. Maiores detalhes podem ser vistos no site www3.ufrb.edu.br/rgvnordeste.

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O segundo Simpósio ocorreu em Fortaleza em novembro de 2015 sob a presidência do pesquisador Fernando Antônio de Souza Aragão da Embrapa Agroindústria Tropical e teve cerca de 100 inscrições e ao redor de 140 resumos expandidos. Toda a programação do Simpósio e os trabalhos apresentados se encontram no site www.rgvne.org. Em todos os Simpósios da Rede, desde a fase inicial como RGV‐Bahia e continuado e ampliado na fase de RGV‐Nordeste, contou-se com a participação de pesquisadores e professores de diferentes Universidades brasileiras e de pesquisadores da Embrapa de diversas regiões e, notadamente com a participação de estudantes de graduação e de pós‐graduação ao nível de mestrado e doutorado de Universidades do Nordeste brasileiro, inclusive de Unidades avançadas que estão localizadas no Semiárido brasileiro. Durante a organização do II Simpósio da RGV‐NE teve-se a oportunidade de ampliar substancialmente a interação da RGV Nordeste com a SBRG, pois todas as inscrições foram efetuadas através da conta da SBRG e na Assembleia ocorrida durante o II Simpósio deliberou-se que os integrantes da RGV‐NE que forem sócios da SBRG e estiverem quites com as anuidades da Sociedade estarão regularizados com a RGV Nordeste e, assim, terão descontos na inscrição dos Simpósios da Rede. A colaboração também se deu através do uso do CNPJ da Sociedade para efetuar alguns pagamentos necessários para a realização do evento da RGV‐Nordeste. Está sendo organizada uma lista detalhada dos integrantes da RGV Nordeste que deverá estar bem consolidada até a realização do III Simpósio da RGV Nordeste a ser realizado em Aracaju sob a liderança da Embrapa Tabuleiros Costeiros em outubro ou novembro de 2017, tendo como presidente a pesquisadora Dra. Semiramis Rabelo Ramalho Ramos e atual vice‐presidente da RGV Nordeste. É importante salientar que a RGV Nordeste conta com a interlocução com professores de várias Universidades do Nordeste brasileiro, notadamente dos cursos de pós‐graduação em Ciências Agrárias, além das Unidades da Embrapa, principalmente a Embrapa Semiárido, Embrapa Tabuleiros Costeiros e a Embrapa Agroindústria Tropical e o principal produto da Rede é a realização de um Simpósio bienal um produto que vem consistentemente sendo realizado desde a fase inicial como RVG‐Bahia. 104


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É esperado que cada vez mais participantes da região Nordeste possam participar. Um segundo produto da Rede é a mobilidade estudantil, já começando a ser sentida com a participação de diferentes alunos em diferentes laboratórios para melhorar a qualidade de seus trabalhos de dissertação e teses, uma ação que se espera aumentar consideravelmente. Também, outro produto, que está sendo vislumbrado já com alguns exemplos marcantes é a participação de grupos de pesquisadores, professores e estudantes de pós‐graduação principalmente, em editais e, assim, aumentar a competitividade de participação em projetos de pesquisa e, dessa forma, melhorar a qualidade das pesquisas realizadas e, como consequência veicular artigos em revistas de melhor impacto e, ao mesmo tempo, relatar fatos relevantes sobre as plantas dos principais biomas que ocorrem no Nordeste brasileiro e, ao mesmo tempo, também estudar a agrobiodiversidade existente na região que é muito expressiva e contêm germoplasma de grande valia para a busca de genes uteis para o desenvolvimento agropecuário da Região seja nos sistemas de produção dependentes de chuva seja em sistemas de produção irrigados.

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VIII – Memória dos Recursos Genéticos a) Internacional

Jack Rodney Harlan (1917 - 1998) No número anterior de nossa Revista RG News, homenageamos o russo Nicolai Ivanovich Vavilov, já nesta homenageamos o americano Jack Rodney Harlan cujo pai Harry Harlan, também coletor e melhorista genético, era um grande amigo de Vavilov, possibilitando ao próprio Jack, com a idade de 15 anos, conhecê-lo pessoalmente, quando Vavilov se hospedou em sua casa, fato que marcou Jack para o resto de sua vida profissional. Formou-se Engenheiro Agrônomo na Universidade George Washington (1938), obtendo PhD em Genética (1942) na Universidade da Califórnia, orientado por G. Ledyard Stebbins. Trabalhou no Departamento de Agricultura dos USA (1942 a 1951), com germoplasma de forrageiras na melhoria da qualidade de pastos em Oklahoma. Se tornou um professor e pesquisador universitário (1951), trabalhando primeiro como professor de agronomia na Universidade Estadual de Oklahoma em Stillwater, e mais tarde como professor de genética de plantas na Universidade de Illinois. Foi um dos fundadores do Laboratório de Evolução (1966). Se tornou Prof. adjunto na Universidade de Tulane, Luisiana (1980). Publicou uma variedade de trabalhos em biodiversidade, em especial com variedades tradicionais. Como cientista Harlan tinha dois interesses de investigação complementares; o trabalho prático de melhoramento genético de plantas agrícolas, e arqueobotânica, com o estudo arqueológico sobre as origens da domesticação de culturas. Para tanto, organizou mais de 40 expedições científicas de coleta de plantas em todos os continentes do mundo. Todo o germoplasma coletado foi acondicionado nos BAGs dos USDA. Muitos destes germoplasmas chegaram a ser utilizados nos programas de melhoramento genético 106


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oficias dos USA. As amostras foram adicionadas ao banco de sementes do USDA como PI 178383. Quinze anos mais tarde, na década de 1960 houve uma epidemia grave de ferrugem no trigo e um de seus PI 178383 acabou sem mostrando resistente, sendo incorporado em novas cultivares elite nos estados do noroeste dos Estados Unidos. Mesmo concordando com a Teoria de “Origem das Plantas Cultivadas” de Vavilov, Harlan preferiu utilizar o termo “Centro de Diversidade das Plantas Cultivadas” porque, enquanto os centros de diversidade de culturas são conhecidos e mapeados, a origem das culturas não pode ser definitivamente comprovada em tempo e local. Para ele a agricultura não é o resultado de um acontecimento, uma ideia, uma invenção, descoberta ou a orientação de um deus ou deusa, tendo surgido como resultado de milênios de coevolução entre o homem e as plantas, em milhares de quilômetros percorridos. Ao Jack, nossa merecida homenagem!

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b) Nacional “Homenagem a alguns Pioneiros da Genética no Brasil” Selecionamos 3 baluartes da Genética Fundamental e Aplicada, que foram contemporâneos na década de 1930, e que coincidentemente também foram amigos, os quais são considerados os Pioneiros da Genética no Brasil. Conhecidos por serem os primeiros formadores de recursos humanos em genética no país, são mais que merecedores do nosso reconhecimento, recebendo aqui a nossa homenagem. Foram eles:

Trabalhou em Piracicaba, na ESALQ, nativo da Alemanha, foi botânico, taxonomia numérico, especialista em evolução nos trópicos, estatístico e geneticista. Especializado em Orquidáceas, foi também geneticista com milho.

Trabalhou em São Paulo, no Departamento de Biologia Geral, da Universidade de São Paulo. Médico, e bom comunicador, suas palestras lotavam auditórios. Sua vida foi lecionar e formar nossos futuros cientistas em genética.

Trabalhou em Campinas, chefe da Seção de Genética do IAC, que criou e na qual começou a implantar métodos práticos de Genética de Melhoramento, aplicados com experimentação de campo. Especializou-se em melhoramento genético de Eucaliptus spp. e foi o introdutor do milho híbrido no Brasil.

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IX – VERNISSAGE

Neste volume temos a honra de apresentar duas obras de arte que tão graciosamente homenagearam a área de Recursos Genéticos.

Fernanda Vidigal Duarte de Souza Graduada em Ciências Biológicas pela UFR do RJ (1984), Me. Ciências Agrárias pela UF da Bahia (1994) e Dr. em Biologia Celular, pela U. Politécnica de Valencia (2001) Espanha. Atualmente é Pesquisadora A da Embrapa Mandioca e Fruticultura. A área de domínio é Biologia Celular de plantas e Recursos Genéticos Vegetais, com ênfase no melhoramento genético, atuando nos seguintes temas: micropropagação, conservação in vitro, criopreservação/crioterapia e embriogênese somática. Prof. permanente do Curso de Mestrado em RGV na UFRB e responsável pela disciplina de Conservação. Fez a estância Pós-Doutoral no National Center for Genetic Resources and Preservation (NCGRP-ARS-USDA) nos EUA em criopreservação e crioterapia. É curadora do banco de germoplasma de Abacaxi, com vários trabalhos e projetos focados na prospecção e diversificação do gênero Ananas e outras bromeliaceas.

Dra. Fernanda Vidigal, além de ser uma excelente pesquisadora na nossa área, também, vem nos ajudando frequentemente com suas pinturas. Aqui nos brinda com a sua bela arte mostrando como os recursos genéticos fazem parte do nosso dia a dia.

Dra. Fernanda Vidigal, a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos parabeniza e agradece pelo seu trabalho.

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Obra número 1 – A Feira

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Obra número 2 - A Dança da vida

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X - Sugestões para Elaboração dos Textos Embora seja uma revista de divulgação, em sendo uma publicação oficial da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos, se destina à publicação, de textos técnicos e textos de divulgação científica, que envolvam os bancos ativos de germoplasma e as coleções científicas e que contribuam significativamente para o desenvolvimento das áreas animal, microrganismo e vegetal. Esta pretende ser publicada a cada 6 meses. Os textos podem ser enviados e/ou publicados em português, e inglês ou espanhol. Para publicar torna-se necessário que o primeiro autor do trabalho seja membro da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG), ou que seja convidado a escrever, caso contrário será solicitado ao autor principal o apoio de uma taxa, tão logo o texto seja aceito para tramitação. O envio dos textos deve ser feito por meio eletrônico, ao Editor da área (Animal, Microrganismo, Vegetal), o qual uma vez aprovado é enviado ao Editor Chefe, para revisão final. Sugere-se seguir o padrão abaixo para os Textos: Digitação: No máximo 5 páginas digitadas em espaço duplo (exceto tabelas), fonte Times New Roman, normal, tamanho 12, recuo do parágrafo por 1 cm, margens de 2,5cm, espaçamento entre linhas simples. Ordem (no caso de um texto mais técnico): Título (inicial em maiúscula, negrito e centralizado), Resumo (máximo de 250 palavras), Introdução (compacta, objetiva, máximo de 500 palavras), Material e Métodos (opcional), Resultados e Discussão (opcional), Conclusões, e Referências Bibliográficas. Os autores devem possuir o nome completo, seguido pelo e-mail (para fins de contato com os revisores) e instituição, logo abaixo do título, e informações sobre a formação científica dos autores. Citações: De preferência seguir a NBR 10520/2002, quando entre parênteses utilizar letras maiúsculas. Siglas: Quando citadas pela primeira vez devem ter o nome colocado por extenso. Tabelas: Numeração consecutiva com algarismos arábicos na parte superior. Figuras: (Enviar fotos dos autores). Inserir após a citação, foto dos autores e outras ilustrativas e preparar no Word, com 8cm de largura e Times New Roman 10. “Lembrando que a responsabilidade sobre o texto é exclusiva do autor”.

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XI – Apoio

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Fale conosco Revista RG News Renato Ferraz de Arruda Veiga – Editor Chefe E-mail: renatofav53@gmail.com

Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos - SBRG E-mail: sbrg@recursosgeneticos.org Acesse nosso site: www.recursosgeneticos.org

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