Gleydson Oliveira dos Santos - ESCRITO

Page 1

RETRATOS DE FAMÍLIA: UMA ENTREVISTA COM A MINHA AVÓ. TRABALHO INTERDISCILPLINAR APRESENTADO COMO REQUISITO PARA OBTENÇÃO DE NOTA

Gleydson Oliveira dos Santos – RGM: 629098092 Orientadora: Prof.ª Carla Testa

São Paulo 2022


Retratos de Família. A seguir, leremos uma entrevista com a Dona Marly, minha vó. Mãe de oito filhos, nascida no ano de 1958, em Mangueiras, uma comunidade descendente de quilombolas localizada no município de Salvaterra, da Ilha de Marajó no Pará. Com 64 anos de idade Dona Marly, que hoje é residente de São Paulo/SP, relembra da sua infância, conta como foi seu convívio com seus pais, que a doaram aos oito anos de idade por conta das condições precárias que viviam. Ela, também reaviva acontecimentos marcantes como o nascimento de seus filhos, de como conheceu seu marido, sua primeira casa, e detalhes de sua vida até o meu nascimento. Acompanhe abaixo a entrevista: Entrevistador: - Boa tarde, primeiro vamos as apresentações. Como a senhora se chama? Quantos anos têm? Entrevistada: - Boa tarde, me chamo Marly Pereira de Oliveira Araújo, e tenho 64 anos de idade. Entrevistador: - Onde você nasceu? Entrevistada: - Nasci em mangueiras, na ilha do Marajó, que era uma comunidade quilombola. Entrevistador: - Conte um pouco sobre seus pais Entrevistada: - Meu pai se chama Valdemar Oliveira, e minha mãe, que já faleceu, chamava-se Gilda pereira. Contando comigo, eles tiveram 14 filhos, eu sou a terceira mais velha. Como morávamos em um interior, eles trabalhavam na roça. Não tenho boas lembranças do meu pai, por muitas vezes ele parecia não gostar dos seus filhos, era muito mal. Já a minha mãe transbordava amor por todos nós, claro que do jeito dela. Entrevistador: - A senhora tem alguma boa lembrança da sua mãe? Entrevistada: - Sim, minha compunha cantigas para o boi bumba de lá, era uma tradição na família, o pai dela ensinou e ela tentou me passar, mas eu não gostava daquilo (risadas), mas lembro com amor de uma das músicas, era assim: “Lá vem, lá vem, lá vem à estrela d’alva de Mangueiras, embolatado, rabo branco e ponta da madeira fina”, esse era o boi de mangueiras, meu avô gostava, passou pra minha vó, mas morreu nela. Lembro também de ir pegar leite com ela na fazenda São Joaquim, que era em outro povoado, andávamos muito. Entrevistador: - E os seus irmãos? Entrevistada: - Não tive muito contato com eles, fui dada à minha vó um pouco depois que nasci, e anos depois fui adotada por outra família. Mas lembro, com amor, que meu falecido irmão José, o segundo mais velho, me ajudou muito com meus primeiros filhos. Entrevistador: - Fale um pouco sobre esse processo de ser dada pelos pais, e logo depois ser adotada por outra família.


Entrevistada: - Não sei por qual motivo eles deram-me para minha vó. Mas acredito que tudo isso já estava nos planos de Deus para minha vida. Minha vó, Aurélia, me criou até os sete anos, não tenho muitas lembranças desse tempo, sei que ela também trabalhava na roça, mas eu nunca gostei de trabalhar na roça (risadas). Aos sete anos, voltei a morar com meus pais, mas por pouco tempo, logo fui adotada por uma família que na época, vivia em Soure, outro município de Marajó, mas logo nos mudamos para Belém, capital do Estado do Pará. Lá, nessa família, fui muito bem tratada e criada, eles me colocaram em uma escola boa, me davam do bom e do melhor, comida, brinquedos, joias. Lembro-me de várias bonecas, daquelas que falavam que ganhei de presente deles, tudo o que eu pedia eles me davam. Eles também queriam que eu fosse médica, suas duas outras filhas já eram formadas em medicina, uma cardiologista e a outra pediatra, mas eu era rebelde e inconsequente e aos dezesseis anos decidi sair da casa deles. Entrevistador: - Como foi à vida depois disso? Entrevistada: - Depois de sair da casa deles eu comecei a trabalhar em casa de família, como diarista, para me sustentar. Com 17 anos eu tive o meu primeiro filho, o Edilberto, com 19 anos eu tive a sua mãe, a Glenda, dois anos depois nasceu o Augusto, e com mais dois anos o Denis. Todos eles foram criados pela minha mãe, a rotina era, eu engravidava, ia pra Mangueiras com eles, amamentava até o primeiro ano e em seguida voltava para Belém. Entrevistador: - Com a minha mãe não foi diferente, certo? Ela era chorona? E isso mudou quando? Entrevistada: - Sua mãe não chorava muito não, sempre foi bem calminha. Sim, os meus quatro primeiros filhos foram criados pela minha mãe, ela sempre os aceitou de coração aberto, e eu voltava para cidade pra trabalhar e mandar dinheiro para o sustento deles. Isso só mudou quando conheci o Luiz, pai dos meus quatro filhos mais novos, e meu marido até hoje. Entrevistador: - Como a senhora conheceu o Luiz? Como foi a sua vida com ele? Entrevistada: - Eu estava parada na janela de casa, e ele no quintal da vizinha, ele puxou assunto comigo, começamos a conversar e depois nos conhecer. Ele já gostava de mim, mas eu não dava muita bola. Quando começamos a namorar, ele me aceitou do jeito que eu era, aceitou meus filhos e os trouxe de Mangueiras, me ajudando a cria-los, menos o Denis que quis ficar com a mamãe. No inicio foi difícil, os pais dele não me aceitavam pelo fato de eu ter quatro filhos, mas logo fomos morar juntos, alugamos uma casa no bairro de Sacramenta. Aos 27 anos, tive minha primeira filha com ele, a Fernanda, em seguida a Marluce, Leidiane e o Luiz Jr., todos com três anos de diferença. Ai a vida começou a melhorar, criamos nossos filhos, compramos nossa primeira casa, passamos alguns perrengues, mas sempre juntos. Nossa primeira casa foi comprada em cima de uma palafita, não era uma das melhores condições, mas era nossa, criamos nossos filhos bem, e todos estudaram. Entrevistador: - Mudando de assunto, como a minha mãe contou que estava grávida de mim? A senhora já conhecia meu pai?


Entrevistada: - Ela só contou “mãe, tô grávida”, sem muito suspense, eu já conhecia teu pai, gostava muito dele, isso facilitou a vida dela (risadas). Teu pai sempre foi muito presente durante a gravidez. Tu foste meu primeiro neto, muito amado, fiquei muito feliz com a notícia. Como a sua mãe trabalhava muito eu acabei te pegando para criar com um ano de idade. Entrevistador: - Para finalizar, como foi a minha criação? E a vida da família depois do meu nascimento? Entrevistada: - Te criei muito bem, a Fernanda, que era tua madrinha, junto da tua mãe, sempre deram do bom, e do melhor, a gente te mimava muito, era o xodó da família. Depois disso, a vida só melhorou, alguns dos meus filos se formaram na faculdade, outros casaram, compramos uma outra casa, em um bairro melhor, ganhei mais netos, e agora estamos aqui, tudo conforme os planos de Deus, não me arrependo de muitas coisas, sou grata a Deus por sempre ter me protegido, e me dado uma família maravilhosa. Entrevistador: - Dona Marly, muito obrigado por ter nos concedido a honra de conhecer suas origens. Fique com Deus. Benção vó, te amo!


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.