MARCOS BABENE
RETRATOS de um
FOTÓGRAFO
por trás da fotografia de JOÃO CALDAS
2018 1
Fotos de JoĂŁo Caldas nas pĂĄginas: 14,27,36,37,39, 40,47,49,52,60,64,65,66,67,68,69,71,72,73,96,109, 110,118,119,120,121,137,138,140,141,142,143. Fotos de Marcos Babene: 2,4,5,7,9,11,12,13,15,16 ,19,19,20,21,22,23,24,25,28,29,,30,31,32,34,35,41, 43,44,45,50,51,55,56,59,63,74,75,76,77,78,,79,80, 81,82,83,84,8586,91,92,93,98,,100,105,108,109,11 6,123,124,125,126,127,128,129,130,131,133134,1 35,145,146,147,148,149,150,151,152,153
2
Este livro é dedicado às famílias que me abraçaram em momentos distintos da vida. Minha família que me recebeu por amor desde a minha estadia no ventre; à família teatral que me fez redescobrir um artista em mim que não conhecia; à família jornalística que me incentivou ao frenesi de ser verdadeiro; à família de João Caldas que só fez colaborar com um sonho de homenagear sonhos e a Deus que é família por si só. Peço que divirtam-se e depurem cada centímetro de foto, cada palavra de texto, cada emoção depositada em cliques e toques para mostrar um João distinto que poucos conhecem... Muito obrigado!.
3
João fazendo mímica/João Caldas posando para ensaio exclusivo do livro - 2018.
O Banquinho/Banquinho que João usa em seu estúdio há mais de 30 anos. Estimado de João. - 2018.
4
5
Primeiro Ato
Prólogo: O narrador atrasado Condomínio Praias Paulistas, Parque Cruzeiro do Sul, dentro do quarto mais distante da porta do Apartamento 1 do primeiro bloco do residencial, aqui se encontra o contador desta história. Sim, a história de sensibilidade e descoberta diária de um homem que sente o frio na barriga em serviço mesmo depois de quarenta anos de exercício da profissão. O contador desta história sou eu, Marcos Henrique Babene. Penso nesse capítulo em quanto estou dentro de um Uber a caminho do bairro de Perdizes. Futilidade dizer isso, você deve pensar. Não, é desespero mesmo. Moro num bairro localizado na Zona Leste de São Paulo. Extremo Leste. Nós, moradores da região, somos muito queridos pelo noticiário sensacionalista do canal sete e odiados pelas empresas do Centro: Aos noticiários damos pauta e aos empresários damos falta. Geralmente atrasos, por conta da mobilidade em transporte público que não nos auxilia muito. Quando o assunto é mobilidade, o morador da Zona Leste está parado. Preguiça? Não, paciência de esperar o fluxo congestionado das vias, as paradas inesperadamente obrigatóri6
as dos trens e o raro espaço cabível dentro de um vagão de metrô. Por que dizer isso? Porque para encontrar o personagem desta história fiz um cronograma GEOGRÁFICO. Ou seja, se moro longe do meu próximo centro de atuação, preciso antecipadamente checar os meios para acessá-lo. Estava tudo calculado: pegar um ônibus, descer no terminal do metrô Artur Alvim, pegar o metrô na plataforma sentido Palmeiras-Barra Funda, descer na estação Palmeiras-Barra Funda, pegar um Uber que me deixará em dez minutos na porta do estúdio de João Caldas. O que realmente aconteceu hoje: Acordei, vi o horário no celular, tomei banho, me arrumei, escovei os dentes, vi o horário no celular e percebi que ainda estava dentro do meu cronograma, separei meu guarda-chuva, chequei de novo o celular, fui dar um beijo na minha mãe e... Meu Deus... Eu fui dar um beijo na minha mãe. Mãe nessas horas nos atualiza da situação térmica e climática do mundo lá fora, tanto para te incentivar quanto para te fazer pensar bem se vale a pena sair...
Mãe: Está chovendo! Esta fala me apunhalou o coração porque ela literalmente pôs por água abaixo toda a minha organização desorganizada – alguns a chamariam de não linear. Minha mãe diria que sou atrapalhado, mesmo. Uma chuva para quem mora na Zona Leste é a certeza que o tempo do trajeto que seria feito de ônibus e metrô, agora seria dobrado ou até incompleto. A precariedade é inimiga da organização de um povo. Pena que este livro será publicado tempos depois das eleições. – Se o estiver lendo durante uma: Que milagre, ainda temos a democracia?! Por conta de a chuva gerar total inconstância no tempo que eu faria o trajeto, o melhor seria estar dentro deste Uber. Pelo menos pude rever com mais calma as perguntas que faria ao nosso personagem, sonhar em como seria recebido... não imaginei uma grandiosidade em infraestrutura, mas era gostoso imaginar o local de trabalho de um artista. Não sei por qual motivo, mas na minha cabeça já enxergava João como um artista livre e não um cumpridor de protocolos técnicos como a maioria dos ditos profissionais exemplares – estes que geralmente agradam no primeiro mês a Academia e se frustram com dois dias de atuação no mercado. João já me chamava à atenção por exalar o cumprimento de um chamado para o exercício de uma VOCAÇÃO.
7
Sei que disse “exercício de profissão” em linhas anteriores, mas, é além do que isso – e eu precisava te prender de alguma forma, já que o mais do mesmo é a arma inicial do show business e entretenimento. Essa impressão me pegou quando fucei algumas fotos suas em algumas páginas da Folha de S. Paulo, site de divulgação dos espetáculos de Teatro Musical do circuito cultural de São Paulo e dos demais espetáculos do grande teatro dramático nacional que também abastece a bagagem e portfólio de João Caldas. Motorista: Chegamos, Marcos. Obrigado e Boa Sorte, aí na entrevista. Carrego essas palavras positivas do motorista do Uber, abro o meu guarda-chuva saindo do carro e olho com a barriga gelando para a fachada do estúdio repleta de trepadeiras Unha-deGato. O número da casa em quatro azulejos, um pra cada algarismo. Vou até a entrada e aperto as campainhas que o João me orientou a apertar quando chegasse. Aperto as teclas 1 e depois 4. Espero três segundo olhando para o interfone, quando escuto uma voz que me chama: MARCOS! Gelado, sabendo quem era me viro pra trás. Era João Caldas debaixo de um clássico e grande guarda-chuva preto, trajando uma jaqueta preta fechada com o zíper até em cima, calça escura e botas também pretas. Um sorriso a me ver, enquanto atravessava a rua passando a mão em seu 8
cabelo grisalho e – adivinha – preto. Os dois com os óculos respingados por conta da chuva. João: Tudo bem? Desculpa o atraso, vi que faltavam uns cinco minutos e corri na padaria ali debaixo. Marcos: Imagina, eu que cheguei mais cedo mesmo. Medo de me atrasar por conta da chuva. A figura já se mostrava de um homem simpático, generoso e disposto ao que iríamos apenas COMEÇAR a fazer dali pra frente.
9
Overture – O Estúdio Uma entrada pequena e descoberta com um singelo jardim em ambos os lados do acesso ao interior da casa. Um capacho moderno dando as boas-vindas para dentro da aconchegante morada profissional de João. Piso brilhante, uma luz quente e aconchegante. À esquerda de quem entra, uma cadeira conceitual esculpida em uma espécie de tronco bem trabalhado, um sofá de cor amarelada e um banquinho. Ao lado direito, uma mesinha e cadeiras de madeira estão posicionadas debaixo da luz confortante. Parecia que já estavam montadas para o nosso encontro; mas era o puro bom gosto do fotógrafo que sabe montar seu cenário de recepção. João sobe rapidamente as escadas à direita para ajeitar algo que estava – provavelmente começado por ele enquanto me esperava para o encontro. Quando ele desce, me oferece café, água e prontamente entra no ambiente de estúdio propriamente dito e arquitetado por ele. O estúdio tem as divisões de piso de madeira para área destra do cômodo, luzes e flashes montados e bem característicos de um ambiente de fotografia; na área canhota, uma pia com torneira e mais ao canto caixinhas com sachês de açúcar e adoçante, posicionados ao lado de uma cafeteira com suas cápsulas café e suas diferentes possibilidades de doses – “Café longo ou curto?”. E acima disso tudo – fisicamente falando – prateleiras e mais prateleiras habitadas e ocupadas 10
por livros de fotografia, design, teatro, caixas de som Bluetooth, retratos antigos em branco e preto, um quadro de madeira antigo que serviu de base para a impressão do cartaz de uma peça e equipamentos de fotografia antigos, distintos e específicos. Fico esperando em uma das cadeiras de madeira da antessala, de costas pra porta. João volta sorridente e disposto, com uma velocidade que fez me sentir como uma das estrelas que ele estava para fotografar. Alguns chamariam de privilégio e na situação cultural em que nos encontramos, seria o privilégio da EDUCAÇÃO. João se senta na cadeira oposta a minha, criando uma cena que nos coloca tradicionalmente como programa de entrevistas. João: Bom, primeiro me passa um briefing do que você tá fazendo pra eu me situar, mais ou menos. Desculpe-me, caro leitor e leitora; mas já usei todos os elogios ao João lá em cima, enquanto descrevia minha odisseia dentro do Uber. Mas, o que posso dizer é que expliquei ao João toda minha admiração ao seu trabalho, a importância da conservação da memória de maneira fotográfica, que eu pretendia fugir do que foi o livro dele – publicado em forma de homenagem e portfólio também.
Quando digo sobre o livro, João salta da cadeira e diz: Você já viu meu livro? Marcos: Não... João salta para o estúdio e me entrega um exemplar ainda lacrado: Já leva de presente! Digerindo aquele ato afetuoso, assim como Javert quando lhe foi poupada a vida por Valjean, em Os Miseráveis – obra de Vitor Hugo, adaptada para cinema e teatros dramático e musical – continuo explicando sobre minha escolha de entrevistá-lo. João explica que o seu livro na verdade, não teve uma narrativa textual de grandes episódios, mas contou com alguns textos de amigos que o admiravam e como ele mesmo disse “só falavam bem de mim”, entre risos. Mas, em todo o momento João alega não ter grandes histórias ou particularidades interessantes, enquanto fotografava atores do naipe de Bibi Ferreira, Paulo Autran, Walderez de Barros, Beatriz Segall, Nathalia Timberg, dentre vários mais que gerariam uma lista praticamente infindável. Avisei ao João que ele vai se enjoar da minha pessoa, pois, seria preciso para este trabalho uma convivência frequente com ele – na medida do possível. E se eu tinha dúvidas de como começar esta conversa, dei o tiro certeiro na lata que estava inviolada.
11
Marcos: Uma figura histórica que eu encontrei que espelhava essa semelhança do que você faz hoje pela fotografia de Teatro, especificamente, em São Paulo – como é o seu caso - seria o ator Fredi Kleeman. João: Ah, o Fredi pra mim é uma referência. Eu conheci o Fredi Kleeman. Na hora, eu fiquei bobo. É como se você fizesse uma pesquisa pra escola sobre literatura e jornalismo, entrevistasse um repórter de uma redação de jornal ele te falasse que jantou com Truman Capote até o final da vida dele. Uma figura histórica que parecia tão distante, de repente se cruza com a sua referência atual.
12
13
CENA 1 – Clube Paulistano Fredi Kleeman foi ator, comediante e atuante nos tempos áureos do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Fredi fotografou a maioria das montagens do TBC, trabalhava na FOTÓTICA da Rua Conselheiro Crispiano, perto da sede do Teatro. Foi um dos fotógrafos mais expressivos do nicho “para teatro” em sua época. João chegou a conhecer Fredi Kleeman, o que foi muito rápido, ele explica. “Fui sócio do Clube Paulistano. Clube social mesmo, de esporte...”. Ele e seu irmão entraram de sócios, em 1969. Renato Caldas, então, começa a participar do clube de teatro do Paulistano. João: Teatro de clube, amador... E quem dirigia, na época, era o Fredi Kleeman – que era sócio de lá. Ele morreu jovem, com cinquenta e seis, cinquenta e sete... Ele era diretor do teatro, do coral, tinha aquelas coisas de jogral, né...?! E tinha o assistente dele que era o João Albano, que também era diretor de Teatro. E o João Albano ficava com o teatro infanto-juvenil, teatro infantil. A partir daí, os sócios começaram a participar desta que seria uma atividade de clube Social. João: Eu sempre fui muito tímido, né? Quieto, tímido e tal. Então, eu não tive coragem de pra “clube de teatro” e tal... Mas, aí a minha irmã que já tinha uma câmera, porque naquela época queria fazer Publicidade, me emprestava aquela câmera e eu resolvi ter um hobby que era A 14
FOTOGRAFIA. Que eu acho que pra uma pessoa que é Tímida é superinteressante. É uma coisa que você faz sozinho, quieto, o fato de estar atrás da câmera te deixa meio escondido... Então, pra um tímido é muito bom “a fotografia”. E foi o jeito que João achou de entrar naquele grupo de teatro sem precisar estar no palco. Começou a fotografar o TEATRO DE CLUBE. Todos os amigos estavam lá, então, João diz que começou a fotografar “super amador”. Registro de ensaio e das peças, em questão. Por conta deste convívio, João Albano criou outro convívio que se estendeu para a Família Caldas. Amigo da família, dos pais de João, de frequentar casa e eventos íntimos. João: Ele (Albano) foi meio meu padrinho nessa coisa de Teatro. E o Fredi (Kleeman) só era o diretor lá. A gente nem conhecia muito. Só via ele na piscina com o charutão dele. Então, eu não tive um contato pessoal com ele. Inclusive, depois eu fui saber que ele era fotógrafo e além de fotógrafo, ele era ator, né? Então, isso proporcionou a ele ter um acesso ao grupo (de Teatro). Porque ele pertencia aquele grupo. Isso é uma coisa que eu falo pra todo mundo: Pra qualquer foto que você vai fazer, pra qualquer assunto que você vai fotografar, se você conhecer aquele assunto e fizer parte daquele grupo (universo, em questão), com certeza as suas fotos sairão diferentes e melhores. Ah, saem mais verdadeiras porque você conhece o que está fotografando, né?! Com essa entradaque o João teve pelo Al-
bano, frequentar o teatro Amador e ensaios, Caldas começou a efetivamente fotografar o que dizia respeito àquele universo. João: Claro, numa escala muito pequena; porque filme (fotográfico) naquela época era muito caro... Então, era muito limitado. Pouco tempo depois, o próprio Albano começou a dar algumas chances nos teatros profissionais que ele fazia. João Albano estava na E.A.D. (Escola de Artes Dramáticas), em seguida começou a fazer uma peça profissional no Bixiga, num teatro bem pequenininho. E isso, João conta que foi lhe dando uma brecha, uma entrada boa no meio teatral.
15
16
CENA 2 - Estado de Sítio João: Era meu hobby “Fotografia”. Depois, fui fazer curso por correspondência. João Caldas, nesse momento com Albano, fazia colegial e depois que entrou na faculdade para fazer Engenharia. Estudou num colégio de Padres, o São Luís e naquela época, as carreiras eram: ser Médico, Engenheiro ou Advogado. Não tinha essa opção de... “Cultura”, disse João. Paralelo a isso, gostava muito de cinema, também. Então, depois que entrou na Engenharia, teve que parar de estudar porque foi servir ao exército. João: Logo que eu entrei na faculdade, eu fui convocado pra fazer os exames pra fazer CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva) que é bem mais tranquilo, você sai Oficial da Reserva, é meio período. Não é aquela coisa de ser da polícia do Exército, marchar... Você faz isso também, mas se tem aulas, é uma coisa pequena, é elite mesmo. Tem uma formação legal, mas de qualquer forma você ficava lá, tinha que entrar em forma às seis da manhã e saía às duas da tarde, sábado e domingo – um sim e um não – você tirava a guarda, ficar de guarda vinte e quatro horas; aquelas coisas que todo mundo da vida militar faz. Mas, foram dez meses e depois em julho, nas férias, tem um estágio que você faz no interior pra você daí, instruir a tropa, você vira um orientador, dá aula e sair pra reserva como segundo tenente. Uma experiência legal... Na época foi meio sofrido, porque era uma época
militar e não era bem visto ficar com aquele cabelo... Hoje, você usa esse cabelo retinho dos lados; mas, naquela época, não podia ter barba, nada. Então, fiquei de lado, meio isoladão. Descreve ainda como “um período muito solitário”. No contexto da época, corte de cabelo era “uma coisa vergonhosa”, entre aspas. - Aquele, no caso. Podemos dizer que ao estilo capilar João já pensava “aquEle Não”! Já era quieto e aí, “meio soldado”, se isolou de vez. Por conta do horários em que estava na CPOR e por conta de estar “reto” – diz. “Não era legal, o cara estar exército. Isso em 1984,85... Eu tô com 60 anos, agora...!”. Então, por conta desta nova agenda, acordava super cedo, perdeu todo o contato com seus amigos da faculdade e de colégio. Logo, fez da sétima arte sua nova companhia. João: Foi um dos anos que eu mais fui ao cinema na minha vida. Porque toda a tarde eu ia ao cinema. Eu trabalhava só meio período, das 06h às 14h. Então, o resto da tarde eu tava livre. Não tava fazendo faculdade. O Cinema foi sempre uma paixão. Aí, quando entrei na Engenharia de novo, eu falei “Ah, não... Quero não. Quero faculdade de CINEMA”. Aí, eu fui prestar ECA (Escola de Comunicação e Artes), consegui entrar na ECA pra fazer Cinema. E a minha ideia principal era que eu queria ser Fotógrafo de Cinema. Acabou por fazer a ECA inteira. Porém, naquela época o curso era muito precário. O curso em si era muito bom, enfatiza, mas o Cinema... Não tinha muito “Cinema” como atividade 17
profissional; a produção de cinema era muito pequena e limitada. Então, acabou sendo um campo que não rendia muito trabalho. Com isso, neste momento de sua vida, seu irmão resolveu ser ator e se estabeleceu na carreira mesmo. Renato não fez nem faculdade, acabou o colegial e aí entrou num grupo de teatro pra fazer um espetáculo que estreou em 1981, chamado CLARA CROCODILO.
18
19
20
CENA 3 CLARA CROCODILO João: Foi um musical, na época, muito radical. Era bem “underground”, música do Arrigo Barnabé. E aí, me falaram “vamos, lá! Fotografa pra gente!”. Era a história do Clara Crocodilo. Aquela história de submundo... Não lembro exatamente o roteiro, mas... Tinha o “Clara Crocodilo fugiu, Clara Crocodilo escapuliu”, era uma coisa assim... Bem underground mesmo. Clara Crocodilo foi uma das maiores imersões artísticas de João. Entrou quase como elenco, era residente do grupo, acompanhando do primeiro ensaio até o cair do pano concluindo a temporada. João: Tudo, tudo, tudo. As etapas do destino foram muito bem desenhadas. Primeiro: A exceção. A diretora tinha muitos contatos e ela conseguiu um apoio com a Fotótica resultando em uma contribuição de muito papel fotográfico e filme. Então, isso também lhe deu uma chance de, naquela época, fotografar muito. 21
João: Fazia muita foto de ensaio, depois a gente fez uma exposição no saguão do teatro, que ela conseguiu as ampliações, com patrocínio, né? Então, eu me lembro que até na época eu fiz 700 fotos. Que na época era uma coisa maluca fazer vinte, trinta filmes de um espetáculo. João lembra que por conta do filme ser caro, isto hoje, pode parecer superado, já que em minha apresentação de formatura como ator, ele diz ter feito mais de 500 cliques – e, se o número foi pouquíssimo menor do que isso, foi por conta da peça contar com uma iluminação mais escura por escolha do diretor. Mas no mínimo, 300 ou 400 cliques João Caldas faz, em apresentação com a câmera digital, hoje em dia. Então, em 1981, fazer aquela quantidade de cliques foi realmente um patrocínio divino na carreira de João. Segundo: Catarse (ou Deslumbramento) João: E esse processo foi muito intenso! Para a bateria de ensaios que seria feita, a diretora conseguiu o Auditório Carlos Santoro para uma imersão total no processo. João: Porque lá, a diretora era muito conhecida, conhecia muitos contatos, então... Conseguiu ir pra Campos do Jordão, ficar lá 10 dias ensaiando a peça “full time”, dormindo no teatro, fazer o elenco dormir no palco, o elenco todo comia no teatro; era uma vivência intensiva pra ensaios esse espetáculo, e eu fotografando o tempo todo, fazendo parte daquele grupo. Isso foi uma coisa que me marcou muito. Pensei “Não, é isso aqui 22
que eu vou fazer agora! É o Teatro! É a Fotografia!”. Saíram três, quatro casamentos do Clara Crocodilo. Teve uma vivência assim, enorme. Sabe? Acho que naquela época, dava pra fazer isso, né? As pessoas ficavam um mês só fazendo ensaio, ensaio, ensaiando e trabalhando. Nada como algo que nos toca para reanimar
a vontade de cumprir a vida com excelência. João fotografou os ensaios, as cenas, enquanto sentia essa energia dentro de si – fundamental para que nós, ao olhar para as fotografias pudéssemos sentir também uma energia. Mas a essa energia de espectador chamamos CATARSE. – O que no caso, João sentiu em cada clique, assistindo a
23
vida lhe oferecendo aquele espetáculo como um banquete, no qual João devorou cada peça do Buffet. Terceiro: A oportunidade João: E esse espetáculo foi muito marcante na época e muito polêmico. Esse tipo de linguagem, as pessoas nuas, o corpo sujo, bem underground, assim... Foi uma coisa...! Tinha gente que saía na metade odiando, tinha gente que ia cinco, seis vezes, adorava o espetáculo. Tenho o pôster, até isso eu fiz. Quer ver que legal? O José Rubens Siqueira (cenógrafo, figurinista, diretor de arte de todo o espetáculo) era o designer na época. Eu fazia todas as fotos, então ele disse “eu quero uma coisa de outdoor, com pedaços de imagens de todos os outdoors da época, rasgados”. Aí, ele colou tudo e fez a imagem desse crocodilo que saía do outdoor. A gente fotografou isso finalizado e fizemos o cartaz. Não tinha photoshop. Aí, teve uma exposição grande no Maria Della Costa (Teatro) e com essa exposição as minhas fotos tiveram visibilidade; e a partir daí que eu considero que eu virei fotógrafo profissional e de teatro. É até a primeira foto que ta aqui no livro (“Teatros”). João me mostra a primeira foto do seu livro, uma cena de Clara Crocodilo, na qual o elenco exibe-se em nu frontal com corpos sujos e aspecto de protesto em seu olhar e partitura corporal. Um cenário escuro, mas uma clara direção de quem é João Caldas. Captando tudo isso que 24
acabei de descrever, João – diferente das reações do público da peça - só poderia agradar nas fotografias. A exposição catarseou os pesquisadores do Centro Cultural de São Paulo que foram assistir, viram o trabalho em exposição e gostaram do trabalho. João: Então, eu considero isso o começo de tudo mesmo. Primeiro cartaz de teatro, com crédito “João Caldas”. Foi muito marcante pra mim isso. Foi muito determinante pra eu resolver no teatro. Primeiro, meu irmão ator, que me deu uma entrada boa em teatro. Depois comecei a seguir com esses diretores, funciona quase como um parceiro e ele vai te chamando pra fotografar o trabalho dele. Aí, você vai indo, né? Continuo até hoje fazendo teatro. Clara Crocodilo considero um marco zero, assim, pra mim! Primeira grande que deu visibilidade pro teatro, pra ir pra jornal. Não sei se você sabe, lá no Centro Cultural tem um arquivo multimeios. Antigamente chamava IDART e esse arquivo são pesquisadores de teatro que na época faziam o trabalho de documentação do que tava acontecendo na cidade. E aí, me conheceram e convidaram pra trabalhar no Centro Cultural de São Paulo como fotógrafo de teatro, artes plásticas e dança pro arquivo que tem lá até hoje.
25
CENA 4 – IDART: Entrando em cena batendo com as dez João Caldas começa no frenesi do circuito profissional teatral de São Paulo. O processo era o seguinte para abastecer a memória cultural promovida pelo IDART: . Faziam a pesquisa com diretores, atores, cenógrafos. . Naquela época, as fotos feitas com filme branco e preto e com cromo - colorido. Na etapa in loco, seguia-se o seguinte protocolo: - A gente ia ver a peça como espectador; - depois, pra fotografar ensaios de elenco, a luz, cenários; - por fim, uma terceira vez pra fotografar em branco e preto, pra ficar em cima da interpretação dos atores, do que fazia parte da cena, em ação. Isso era e está guardado lá no arquivo multimeios no Centro Cultural. A história, os negativos, o texto da peça, as críticas, isso de alguns espetáculos – os que eram visitados por esta equipe de pesquisa. Claro, que não todos porque a produção da cidade é absurda. É muita coisa de uma vez. João: Então, diretores, cenógrafos, atores tinham todo um acompanhamento para a produção desses arquivos. Também, consegui ver várias peças. Aí eu embalei com essa coisa de conseguir trabalhar em fotografia para teatro. 26
Eu gosto de ir na peça durante a temporada, com gente assistindo. Que é diferente! Isso é uma coisa que eu aprendi no Centro Cultural. Quando você fotografa com o público, a energia é outra. Você faz um “puta” ensaio geral, mas no dia que tem a plateia, é diferente. Pode ser uma coisa muito sutil, mas, na foto fica evidente. Nunca estive no palco, mas, quando tem público... Você sabe, é outro gás! É outra energia! É uma troca e tal. Isso foi critério e obrigação do Centro Cultural. As fotos tinham que ser fotografadas durante uma apresentação com plateia. Inclusive na época, tinha um problema muito complicado do ruído da câmera. Porque as câmeras eram muito barulhentas, na época tinham atores e atrizes que não permitiam. Às vezes, tinham que passar um pedaço da peça só pro fotógrafo. Outros já permitiam. Aí um amigo me falou de um abafador. O Abafador A ideia de um fotógrafo francês, que ao registrar uma Ópera, estreou esta invenção feita de pelo de carneiro com pena de ganso dentro. A estrutura é a de uma almoçada que dobra ao meio, na qual, dentro se cola a câmera, encaixando a lente num buraco bem acabado e em oposição, atrás do outro buraco o fotógrafo olhava pela lente e colocava-se a mão dentro para clicar.
27
“Tipo um travesseiro”, descreve. João: E aquilo você clicava, sumia o som da câmera. Um abafador! Aí, usava aquilo várias vezes. Acabei fazendo pra várias pessoas, “olha um pra você...” pra já ir replicando pra outras pessoas. Hoje em dia, já tem câmeras bem silenciosas. Essa que eu uso atualmente é uma Canon muito boa. Mas, na época, era terrível. Intervalo – João, neste momento, me oferece uma água, já que até este momento estávamos em pé, dentro de seu estúdio, desde que ele quis me mostrar o cartaz de Clara Crocodilo. Ou seja, meu gravador trabalhou à distância na mesinha de madeira, enquanto de pé conversávamos todos estes episódios – inclusive o seguinte que está encaixado de maneira cronologicamente estratégica. Só quis ilustrar o meu desespero pra deixar sua leitura mais divertida, afinal, o sadismo faz parte da verve cômica natural do ser humano. Nos lemos de volta à mesinha no episódio dos musicais. Boa leitura.
28
29
30
31
32
CENA 5 – Corporativando o Artista Questiono o João sobre sua entrada na Folha de São Paulo. João: A Folha de São Paulo, eu comecei a fazer uns freelas; eram uns freelas engraçados. Não me lembro qual que foi a edição, mas, acho que foi um amigo que falou assim “Ah, estão precisando de fotógrafo lá... Você faz foto com câmera seis por seis?”. Aí eu “faço!”. Não tinha feito nada! Aí, corria pros amigos, pedia a câmera emprestada... Aquele que nunca mentiu por trabalho, que atire o primeiro currículo. Talvez não seja um objeto tão letal de se jogar, já que o primeiro currículo é sempre muito fino e ótimo para rascunho. Mas, João fotografava para uma página de um suplemento que tinha na Folha chamado Suplemento Mulher. João: Tipo uns catálogos femininos... Aqueles jornaizinhos que vêm à parte. Tinha o jornal do carro, aqueles que vinham no meio dos jornais. Naquela época, tinha o “Suplemento Mulher”, tipo o Suplemento Feminino que tem no Estadão. Então as pautas eram assim: de maquiagem, de cabelo, ovo de páscoa, melhor pra dar de presente... Isso não era o pessoal do Teatro que fazia; isso era o freelancer que tinha que fotografar. Com isso eu comecei a fazer um
freelancer lá com esse Suplemento que é outro tipo de fotografia, luz de estúdio. Aí comecei a fazer foto de carro, alugava estúdio, me virava...! Não importava como fazer, vamo fazer. Mas assim, o que eu fazia com segurança era Teatro. Este foi um belo ensaio para João estrelar na oportunidade de ser um fotógrafo com CLT assinada por Otávio Frias Filho, ou Tavinho para João e todos que trabalharam diretamente com ele – o Jornalista diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo e diretor editorial do Grupo Folha, fundado por seu pai, Octávio Frias de Oliveira. João: Consegui entrar porque na época, teve uma abertura no jornal pros fotógrafos, fizeram uma seleção e eu já fazia freela lá; isso também me ajudou. Eu consegui entrar com mais cinco ou seis fotógrafos novos. Na época, foi o Tavinho Frias, era um cara que gostava de Teatro... Não tive intimidade com ele, nem nada; mas, quando ele morreu, eu fiquei muito triste. Consegui ficar três anos. Mas, não era a minha praia. O dia a dia muito longo. João fotografava a vida fora dos palcos, uma vida pautada pelo diretor de redação. Uma mudança diferente pra quem tinha, ao menos, uma liberdade de circulação dentro de um lugar fechado. João fotografava o assunto que lhe encarregavam de fotografar, esperando ordens de jornalista de como fotografa isso, aquilo e que tal lá?!... Às vezes circular fora de quatro paredes, 33
34
em ambiente aberto, não é sinal de liberdade. Prenderam o João do lado de fora. João: Sempre que dava, aí eles me encaminhavam pras pautas da “Ilustrada”. Depois que eu fiquei contratado lá, eu fazia o que tinha que fazer. Fotógrafo tinha uma editoria e ia atrás, “Política”, “Esporte”... Tinha um fotógrafo, quem tá na vez vai. A gente tem a chance de fazer de tudo. Mas sempre que dava, ia ter uma peça, “manda o João que tá mais em casa de fazer”. Pela Folha, eu fotografei muito mais Teatro. Era pauta semanal. É um pouco diferente o trabalho dela. Como vai em muito mais peças, ela trabalha menos profundamente cada peça. Diferente de você vir aqui no estúdio, antes da peça, fotografar, conhecer. Marcos: Como a Noviça (Rebelde), né? João: A Noviça eu fiz. Com esses musicais, acontece que são dois fotógrafos. O Jairo que faz isso em estúdio, que são os olhos de todos os lançamentos. Os cartazes, a marca divulgada, né? Depois eu vou e faço as Fotos de Cena. Que são coisas muito trabalhosas, sofisticadas, que exigem todo um cuidado. E eu ainda vou pro palco fazer esses cartazes, alguns ensaios... Em produções menores, às vezes eu improviso. Tá divulgando, a peça precisa de fotos... Então, os atores posam e depois a gente começa a fazer a peça em cartaz. Amigos, estamos entrando no momento Caldas, Get Your Gun. Fazendo uma paráfrase e menção ao título de um musical, talvez a tradução literal possa mostrar que a arma que João terá que pegar é a paciência de estar sob
a tutela das franquias, dos padrões, do sonho americano on stage. João Caldas fotografando musicais da Broadway.
35
CENA 6 – Não há Show como o Business do Show Business
36
37
Marcos: Quando você falou que não poderíamos conversar na semana passada porque iria fotografar o Annie, quase que eu falei “me leva junto”! João: Nossa, eu fui lá seis vezes...Eu até enjoei do Annie. – Depois de risos, completa –É porque o Musical já é outra história. Marcos: Qual a diferença de você fotografar um musical? João: Eles têm uma exigência muito grande. Eu comecei a fazer musical... Nossa, o primeiro que eu fiz de cara, foi a primeira montagem de A Bela e a Fera. O início de João fotografando Broadway foi com o musical que deu início à construção do meu sonho de ator. Eu era uma criança que ia pela primeira vez ao teatro, o antigo Teatro Abril, hoje, Teatro Renault. Me lembro dessa visão da fachada do antigo Cine Paramount (funcionamento que antecedeu ao de ser Teatro Abril), eu pequeno via aquela grandiosidade de maneira Dantesca. Um piso brilhoso, corrimões contorcidos que davam as formas de flores e folhagem do ferro duro e resistente que amparavam as laterais das escadas acarpetadas dando acesso ao Balcão do teatro. De lá saí encantado com o brilho, as músicas, a magia acontecendo ao vivo, a música que vibrava diretamente do fosso para as paredes acústicas, rebatendo no teto de igual estrutura levando ao meu perímetro corpóreo cada nota. Meu coração extasiado conserva até hoje a vocação que de lá já recebi. Porém, existe um por trás de tudo isso. Inclusive dos registros fotográficos. 38
João: Foi o segundo musical que os americanos trouxeram pro Brasil. Veio por aquela empresa CIE mexicana, antes da Time For Fun. Eles traziam muitos técnicos de fora, muita gente de fora. Os Miseráveis acho que foi o primeiro, depois foi A Bela e a Fera. Então eles tinham um cuidado com os técnicos brasileiros. A produção brasileira do espetáculo entrou em contato por maneiras que João não sabe, mas desconfia até hoje. Foi um processo bem intenso, descreve Caldas. João: O americano. É interessante como eles trabalham. Tudo muito organizado, muito marcado e como é uma franquia esses musicais, as fotos também têm que acompanhar um padrão. Então, você não pode criar muito. Pouquíssimo, assim. Você tem que fazer a cena daquele jeito, naquele momento... Em muitas cenas, a gente começou a fazer foto posada, naquela época. Porque algumas cenas da Bela e a Fera, como aquela cena das canecas do Gaston... O bater de canecas na coreografia, “tá, tá, tá, tá”. Para se fotografar aquilo durante a apresentação, por mais ensaiado que seja etodo mundo estando igual... “Até capto todo mundo igualzinho”, diz Caldas, mas vai ter um que “ih, piscou o olho”, ou ficou com careta pra cá, cabeça pra lá mais torta, olhou pra cá... “Eles querem que todos estejam sorrindo com as canecas ligadas umas nas outras, assim”. – João esboça um sorriso típico que é a energia Disney de quem já misturou lexotan com Red Bull: nada te estressa, mas tudo te anima. João: Então, isso só faz posado. É padrão faz-
er posadas essas grandes cenas com muita gente. Então, eles marcam um dia com todo o elenco, monta aqui, monta ali o cenário... Marcos: Pra aqueles programas? João: Pra aqueles Programas de Luxo. Quando você, leitor, for assistir a um espetáculo musical, será bombardeado com uma lojinha, na qual deverá conter em suas vitrines e prateleiras, ao menos: Camisas, Moletons, Chinelo, Garrafinhas, Chaveiros, Lápis, Figura de Ação temática, CD, Canecas, Caderno, flores com laço temático e o Programa de Luxo – como todos os produtos – personalizados do espetáculo para você levar de lembrança. – Até porque, assim como eu, você jamais se esquecerá de que pagou trinta reais numa rosa de veludo na lojinha do Fantasma da Ópera porque ela tem um lacinho bordado “Pense em Mim, bem lá no fundo...”, tradução da canção Think of Me do espetáculo. Funcionou, quando penso nesse investimento, vejo que não há mais fundos. João: Aquela cena da Bela e a Fera, do Jantar que saem os fogos, sabe? Entra as duas champagnes e sai fogos... Aquilo também foi posado! A gente fazia em cena, mas pro padrão Programa de Luxo, página dupla, é muito difícil porque uma hora, um tá escondido atrás de outro, então, a gente faz com o elenco todo montado, duas cargas daqueles fogos, da fumaça... E naquela época, era com filme, na transição. Porque foi 2000, né? Ah, não, foi 2002 porque já tinha um pouquinho da tecnologia digital, mas as câmeras ainda eram novas, aí não dava pra fazer aque-
las impressões gigantes, a gente fazia tudo com filme, filme grande... Posada, “clack”! Posada, “clack” e fazia todo esse barulho. Mas, as fotos eram aprovadas por eles... Depois, eu fiz O Rei Leão que já era digital, mas, pra você ter uma ideia... Eles me deixavam livres, falavam “olha, faz o que você quiser, agora, nós vamos fazer essas cenas e tal...”. E aí, o que ia ser aprovado pra ser utilizado tanto em imprensa, quanto programa, tanto divulgação, deviam ter umas sete pessoas olhando as fotos no Laptop do diretor. Era: a Diretora, Diretor, o cara do Marketing, Peruqueiro, Maquiagem, Iluminador e Figurinista.
39
A equipe olhava as fotos e a partir delas, definiam se o trabalho que foi registrado de figurino, de maquiagem, de peruca, de posição do ator em cena pela ótica estética, estavam “okay”. João: “Maquiagem, ok? Peruca, ok? Figurino, ok? Cara do marketing, essa cena pode? Então, pode passar”. Então, elas passam por todo esse filtro. Óbvio que a foto tem que estar boa tecnicamente, isso nem se discute. Se não, você nem mostra. Mas, além disso, acontece que as suas fotos são derrubadas assim: “Ah, a peruca, putz, escapou... Nossa, a maquiagem tá torta... A luz não entrou essa hora...”. Dá muito erro, né? Então, essas coisas vão eliminando as fotos; no musical você tem que ir várias vezes pra “acertar”. O fotógrafo capta o que lhe é mostrado. Não interfere no ambiente a ser unicamente registrado. Nesse caso, João ia de pateta várias vezes por conta do erro dos representantes do Mickey. Deve ser por esse perfeccionismo expiatório que o Pato Donald sempre andou estressado. Nesta ocasião, o Annie ainda estava em processo de fotografia. O João iria filtrar tudo que já foi fotografado nestes seis encontros, escolher o que mandar pra produção e o feedback desses arquivos, agora selecionados pela produção serão tratados. As imagens escolhidas pela produção, dentre as selecionadas e enviadas pelo João, agora serão devidamente tratadas e melhoradas para os programas e divulgação.
40
Do clique da câmera ao clique do mouse O gancho nos trouxe um ponto interessante, a digitalização do processo. João diz que o digital dá muito mais trabalho pro fotógrafo. “A gente fotografa muito mais”. João: Eu acho que as câmeras são fantásticas! Nossa, uma beleza, cara! Eu vejo aqui fotos de trinta anos atrás que eu falo “putz, se eu tivesse a câmera que eu tenho, hoje”... E quando eu fui rever essas fotos, eu olhava e falava “C*ralho, só isso? E aquela cena?”. Assim, fotos que hoje em dia, eu acho ruins tecnicamente, mas... O filme era limitado, velocidade, as lentes... Hoje, em dia, tem cursos espetaculares... Você pode estar super concentrado na cena, você sabe que se errar um pouquinho a luz, você pode resolver depois e salvar a imagem. Então, isso dá muito mais trabalho depois, porque você vai ter que ver foto por foto; naquela foto que você viu você mexe um pouquinho; então, a edição demora muito mais do que um dia no Teatro. Então, o Annie, agora, tô editando, a Andreia também adita comigo, a gente elimina tudo que é erro e seleciona tudo que tá bom. Aí, o produtor olha e fala “Ah, mas, daquela cena, eu não gostei dessa foto. A fulana não tá bem, a iluminação tá errada. Ah, esse dia, no figurino tava aquele laço. Ah, nesse dia, a luz não entrou”. Porque o musical demora um tempo – como espetáculo e amadurecimento cênico – pra ficar azeitado. É uma coisa que não é bom ver logo na estreia. Ele vai pegando o ritmo... Então, nós estamos nessa fase. Provavelmente depois de tudo, ele (produ-
tor de Annie) vai falar “Não”. Aí, talvez a gente tenha que fazer as fotos posadas. Principalmente das crianças, você não consegue um clique com todas no mesmo momento, né? Perde um pouco do cara cantando, a abertura da boca e tal... Agora, a gente tem que escutar a música, né? A gente fica escutando e a coreografia, mesma coisa! Você conhece a coreografia, o passo da dança, então você sabe que aquele momento da coreografia é com a perna aqui – faz o gesto com o braço, o levantando até a testa. Ou seja, ilustrando a abertura generosa das bailarinas, em comparação com a mobilidade que qualquer ser humano faz com as pernas a vida inteira. Então, se na foto, a perna não estiver aqui, joga fora porque é o ápice do momento. E os atores têm a vaidade, também. Você elimina essas fotos todas. Por mais perfeitas tecnicamente que elas estejam, o momento não é bom,isso faz com que você tenha que ir muito mais vezes em musical do que em espetáculo de teatro, assim.
41
Money, Money, Money João: O orçamento do musical também é diferente. É bem melhor. Não por conta da demanda, mas porque as fotos são mais utilizadas do que num outro espetáculo. Por exemplo, o valor da fotografia tem muito a ver com a utilização dela. Então, você vai fazer uma peça, o musical vai ficar seis meses, aí, eles vão fazer um programa de luxo que nem esse aqui... João se levanta e pega num pequeno display, ao lado de seu sofá, um programa de luxo do musical O Homem de La Mancha, também produzido pelo Atelier de Cultura– produtores de A Noviça Rebelde e Annie. Então, começamos a identificar as fotos que foram posadas e outras de cena. Explicando, João disse que levou o “estúdio” para o SESI-SP, na época em que o musical lá estava em cartaz, e fez as fotos que eram mais de pose mesmo e divulgação. O “estúdio” que ele diz que levou seria um fundo infinito de fotografia que vem enrolado numa espécie de tubo – no qual, os atores irão se posicionar pra foto, flashes de luz distintos e tudo isso numa maleta. As fotos em que João fez num fundo branco, o artista e designer da produção trocou o fundo e colocou um temático do espetáculo. Todos os personagens deste espetáculo foram posados, num fundo branco, com luz de estúdio, pois o Miguel Falabella – diretor e adaptador do espetáculo – queria mostrar todos e todo figurino. O espetáculo teve duas temporadas, uma no Teatro SESI-SP e outra no Teatro Alfa, posteri42
ormente. O programa mais elaborado foi feito para a temporada do Alfa, pois, seria comercializado lá, na esperada lojinha. Essa informação da comercialização apurei eu mesmo, que assisti ao espetáculo três vezes – duas no SESI e uma no Alfa. No segundo teatro, lá estavam os produtos como bonequinhos do Dom Quixote, guarda-chuva estampado com pautas de partitura da canção tema do espetáculo, canecas, almofadas, dentre mais souvenirs. João: Essas fotos, a gente fez posado e é igualzinha a cena. Eles fazem com a intenção. Qual a diferença dessa foto posada e não posada? Esses dois atores, em cena, um poderia estar atrás desse e este estar meio escondido aqui... E ás vezes, você consegue mexer um pouquinho na luz; não que você mude o desenho da luz, mas aumentar a intensidade geral só da foto, na hora do clique posado. Mas, é exatamente assim! São todas posadas porque o produtor queria mostrar o tamanho do espetáculo e tudo... E eles fizeram tanto esse espetáculo que eles posam muito bem, né? Marcos: Isso ajuda também?! João: Ajuda! O elenco é bárbaro. O elenco de musical, eles são muito disciplinados.
43
44
45
Foto de Cena – Vingando a Espontaneidade (do Ator ao Fotógrafo) João: Na Pequena Sereia, a gente fez foto de cena e foto posada, também. E o legal foi que no programa eles misturaram. Nesse primeiro programa da Bela e a Fera, eu fiquei muito feliz que eu consegui colocar UMA foto de cena. Eu consegui, eu consegui! Era uma que, por acaso, a Fera tava lá no balcão e ela tá com a mão assim, abaixo do peito, abrindo o gesto dramático e tá meio borradinha a foto, por conta do movimento. E eles colocaram essa foto. Marcos: Eu tenho, na memória, de ver essa foto... João: E ela tá no Programa de Luxo! Foi o meu desafio! Marcos: Questão de honra, né? João: Questão de honra! Lembro-me de pequeno, no balcão do Teatro Abril, ter visto uma moça que tava na minha frente folheando esse programa. Essa foto abria o programa de luxo, uma das primeiras. Os comentários da minha tia que havia me levado e a toda família pra ver esse espetáculo, coisas do tipo “mas, tem que comprar, né?”. Lembro-me exatamente deste flashe eu estava diante do autor da foto. O ilustre protagonista deste projeto. Não há dúvida da importância da ligação entre registro e memória! João: Mas, dá pra por bastante foto de cena... Marcos: Dependendo da produtora também, né? Se tem muita influência dos americanos ou não. 46
João: Pois, é! Essa montagem do Annie , eles tiveram que respeitar bem o roteiro. E o Annie, por exemplo, no meu gosto, ele é muito americano. Então, assim, ele é antigo e americano. Fala de uma época antiga do americano, tem uma coisa social, mas, sempre enaltecendo o milionário com a menina pobre. Senti uns incômodos, assim, em algumas cenas... Fica meio... Quase... Como se diz...? Piegas! Quase! Algumas cenas... Depois, o pessoal da produção, do figurino, eles perguntam pra mim “João, você gostou mesmo?”. Eu falo “Não, gostei muito! MAS... A coisa do americano antigo de época não me agrada”. Mas, assim, o elenco... As crianças são espetaculares. As menininhas são assim – João faz o gesto de ficar de boca aberta. Realmente, parecem que foram produzidas na casa de Bibi Ferreira com um toque de Maria Callas. Se deixar curtindo na água, a receita resultará em uma promissora agilidade e performance digna de Claudia Raia. A não ser que a Cultura sofra cortes, aí cortando as pernas, não teremos Raia. Teremos Billy – Eliot. São três elencos de crianças! São sete meninas em cenas, então eles têm 21 meninas! Pra cada papel tem três meninas. Porque criança tem um limite que pode trabalhar tantas vezes por semana e tem o horário. Três elencos! Também teve isso, eu tive que fotografar pras três, com os três elencos de crianças. Por isso que eu já fui seis vezes, cada dia foi com um, né? Tem que ter as três meninas que fazem a Annie. Porque você vai fazer o programa, você vai ter que por umas... Pelo menos, uma foto de cada uma, né? E dos
elencos é legal aparecer todo mundo. Não são substitutas, são ALTERNANTES. É diferente. Mas, o espetáculo tem algumas coisas assim... A figurinista me fala que o próprio Miguel (Falabella) queria mudar algumas coisas, mas ele tava meio amarrado. Porque ele tem um contrato e tudo... Já O Homem de La Mancha, não! Ele foi completamente livre... E A Pequena Sereia você assistiu? Marcos: Não consegui assistir. João: Veio a diretora americana pra cá. Eles têm outra política, em cada país, eles colocam o jeitinho do lugar...! Então, tem uma das músicas lá que puseram em ritmo de samba, o papel do Tiago (Abravanel) que é o Sebastião tem o sotaque nordestino; a americana veio pra fazer isso! A diretora americana. Ela deu um toque brasileiro. Nada exagerado, mas, sabe...? Aí, você assiste e se encanta, cara! É muito bom! A melhor personagem é a polvo... Marcos: Ah, a Úrsula! João: A Úrsula! A Andrezza (Massei)! Espetacular! Melhor coisa do espetáculo! O papel 47
dela... É a melhor coisa que ela fez na vida dela...! Muito boa atriz, né? Sempre! Mas, a Úrsula... É...! Bom, a Fabi (Bang) também...! Muito bom! Muito bom! E assim, veio a diretora americana, mas o cenário é brasileiro... Tem as diretrizes e tudo mais, mas... Agora, O Fantasma da Ópera já vem... Marcos: Você fotografou essa? João: Dessa vez não, eu fotografei o primeiro! Marcos: O Fantasma é mais franquia do que a Disney, né? João: O Fantasma era super franquia! Nossa...! Super franquia...! Marcos: Como foi a experiência do Fantasma? João: Ah, a mesma coisa que o da Disney, né? Bem rígido. Mas, aí eles já tavam mais tranquilos... Mas, era uma coisa super marcada, assim! “Essa foto pode... Essa foto é assim...”. Aquela do barquinho, tá até aí no livro (TEATROS) fizemos ela posada porque não tem como... O Fantasma é muito escuro! Espetáculo bem escuro! Mas também consegui uma foto no programa que logo que começa o espetáculo assim, que ele vende o candelabro, você viu? Ele vende o candelabro, aí começa e saem os fogos do palco e aí o lustre sobe, assim... Eu peguei aquela foto e eles puseram no programa! Também consegui! Começamos a rir juntos com o entusiasmo de João. João: Ah, eu fico super feliz quando eu consigo emplacar uma foto que eles não esperam, né? Mas, aí eles já estão bem tranquilos, os gringos, 48
né? Super acostumados com o meu trabalho. Fica bom, fica bom... Vejo que ele passeia a mão pela capa do programa de O Homem de La Mancha e olhando pra ela, enquanto conclui a frase. Marcos: Você tem o maior carinho por esse musical ,né? João: Ah, esse foi a melhor coisa que o Atelier já fez. Agora, eles vão fazer o Billy Elliot. Eu não vi fora, mas quem viu, diz que é bárbaro. É uma história legal, né? Com certeza que eles vão achar três meninos que cantem, que dancem aquela coisa absurda... E olha, tem vários musicais em cartaz!
49
CENA 7 – Network, Negócios e Procedimentos O Que seria o Off Broadway Quando fechamos o assunto dos musicais, disse que seria importante que eu o observasse em serviço, pra enriquecer justamente a descrição que o jornalismo literário tem como matéria prima. João, então, me diz que não faz só trabalhos grandiosos, mas, fotografa coisas pequenas também. Me convidou a acompanhá-lo, no dia seguinte do nosso encontro, num espetáculo que aconteceria na Cia. Da Revista – inclusive local de produções musicais brasileiras. Aconteceria a estreia do espetáculo solo O Espírito do Tempo, estrelado pelo ator Perí Carpigiani. Um espetáculo sem patrocínio. O projeto chegou até João pela atriz Heloisa Cintra Castilho, uma das fundadoras da Pombo Correio – uma Assessoria de Imprensa Cultural focada somente na arte e entretenimento. O Perí procurou a Heloisa para que fizessem sua assessoria; o ator fez por conta umas fotos improvisadas e a própria Helô – como é conhecida pelos amigos do meio – sugeriu que ele fosse até o João Caldas. Network João: Essa é uma maneira de que vem muito trabalho pra mim...! Ás vezes, os atores me conhecem, ás vezes, os diretores, os produtores e a assessoria de imprensa. Você vai formando tua rede de contatos assim, né? Porque aí, eu consigo manter um ritmo de trabalho bom com foto de 50
teatro por conta disso, assim, de fazer esses contatos. Tenho alguns diretores amigos, parceiros... Porque, ás vezes, bom... Como é que você monta um elenco, uma peça, uma produção, né? Você contrata – acho - que o profissional que você gosta você confia... E acho que principalmente, os que não te dão trabalho nem problema, né? Ás vezes, o cara é super talentoso, o iluminador é genial, fantástico, mas, o cara é difícil. Em contraponto ao que é bárbaro e tranquilo de trabalhar! Então, eu tenho essa coisa de ser bem tranquilo, eu me adapto às condições, eu não sou muito de reclamar, ficar esperando... “Não, não tá bom”, se não tem luz, eu me viro com o que tem! Então, isso, também facilita você ser chamado, né?
Negócios João: E não sei preço. Preço tá muito ruim o de teatro. A parte de grana tá bem complicado. E agora, tem muita gente fazendo... Como se diz...? Na resistência, o pessoal tá dizendo. Esse moço (Perí Carpigiani), por exemplo, tá fazendo com a grana dele, uma vez por semana nas quartas de Setembro. É um monólogo, no qual ele dança, canta, faz tudo...! Não sei bem o quê que é. A gente fez umas fotos aqui no estúdio e foi super legal, deu super certo. E amanhã, eu vou lá. Amanhã é a estreia dele, se quiser ir lá... Não sei bem como vai ser. Eu vou lá pra ver e já fotografar. Que é uma coisa que eu gosto também, de chegar na surpresa. Porque eu assisto ao espetáculo quase que inteiro fotografando; eu vou buscando, vou me surpreendendo... Dá umas fotos legais, assim... Procedimentos João: Depois, às vezes tem que voltar porque errou algum momento, eu tô no lugar errado... Isso acontece muito. Quando eu tô num palco, numa sala de teatro, eu escolho o lugar... Se tem plateia – se for ensaio, não. Se for ensaio, eu fico à vontade. Mas, eu sempre procuro um lugar estratégico. E hoje, eu uso as lentes zoom porque são várias lentes numa lente só. Então, se você tá longe, você enquadra. Você consegue fazer o todo e detalhe sem ficar trocando, o tempo todo, de lente. Então, isso dá uma dinâmica muito boa.
Então, se eu tenho chance de fazer um espetáculo, eu vou ficar no meio, aqui! Agora, se eu tenho mais chances, eu começa a explorar as laterais, as diagonais... Que também dá umas coisas muito legais. Você consegue na luz, sobrepostos, passagem, atores – um na frente e outro atrás, tudo isso vai dando uma dinâmica legal pras fotos, né? Deixar aquela foto mais interessante. Porque tem alguns diretores que montam as cenas perfeitas pra fotografar. Porque acho que isso faz parte da direção, né? Você compõe a história, o ator, a interpretação, mas, também uma Imagem daquilo que você tá fazendo no palco, né? Então, tem diretores que, Nossa Senhora, não precisa fazer nada, o cara te mostra fotos assim... Um equilíbrio, o ator aqui, a luz ali, tudo compõe... Muito legal! Você vai acostumando com alguns diretores que são incríveis pra fotografar: Marcio Aurélio, Gabriel Vilela, Jorge Takla... Os espetáculos têm um visual! Agora, um monólogo, é muito legal fazer, também. É o oposto disso aqui, né – aponta para o programa de luxo do Homem de La Mancha.
51
52
CENA 8 – Autoria: A Tríade Marcos: A gente chegou, justamente, no ponto em que eu queria. Houve uma conversa do jornalista Rubens Fernandes Junior- Jornalista, curador e crítico de fotografia, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP- com o fotógrafo Thomaz Farkas, e ele recordava este encontro, enquanto analisava um fotógrafo que registrava a montagem de Policarpo Quaresma, de Antunes filho. No que eu fiz a introdução, João já riu e exclamou: Ah, esse caso é famoso! O que houve foi que Rubens conversou com Thomaz Farkas sobre a fotografia de teatro. No trecho de seu artigo ele descreve: “Sua posição sobre este gênero de fotografia sempre foi muito clara: o fotógrafo de teatro registra cenas pré-visualizadas pelo diretor do espetáculo. Ou seja, diante de uma imagem teatral, incluindo aqui ópera e dança, estamos sob o domínio da luz e da ação dramática já planejada por alguém, e não propriamente buscando o acaso ou alguma eventual singularidade de uma performance. Aparentemente, isso coloca em cheque a possibilidade de haver algum trabalho criativo na fotografia teatral.” Analisando isso, digo que Farkas, de cera maneira, tira a autoria do fotógrafo e agora dispensa numa tríade que seria: Diretor, Ator e Fotógrafo. Pergunto a João, o que ele acha. Quem seria o autor da imagem?
João: Autor da Imagem é sempre o Fotógrafo! Mas, tem grandes diferenças entre os fotógrafos de teatro. Então, por exemplo, a minha formação de fotografar teatro ficou muito marcada pela época em que eu trabalhei no Centro Cultural, na área de documentação. Então, eu tenho alguns “padrões” que ficaram comigo. Então, eu não consigo NÃO fotografar o palco totalmente aberto; eu acho importante você mostrar o todo, né? Acho que foi por conta disso, porque, na época do Centro Cultural, era pra você ver a concepção da cena, do diretor, do cenário, a luz, tudo! Então, as fotografias de teatro eu considero caretas, quadradinhas, assim. Por outro lado, elas são muito apreciadas pelo pessoal de teatro, pelos diretores, porque eles nunca se veem em cena. Então, quando eles se veem na foto que eu faço, eles gostam muito porque eles estão se vendo de outro ângulo, né? Não conseguem se ver, estando em cena. Eles estão no palco, mas não sabem que tem esse cara atrás, o cenário assim atrás... Então, quem que é o autor, né...? O autor da Imagem é o fotógrafo. O autor da cena, da composição é o Diretor. É um conjunto de autorias, não sei se dá pra definir assim... Agora, já tem fotógrafos que reinterpretam e olham de outro jeito. Talvez, a Lenise Pinheiro tenha mais essa característica. As fotos dela, se você olhar, você sente o clima do teatro. Já viu as coisas dela? Marcos: Pouco. João: Deixa-me pegar um livro dela, ela tem vários... 53
CENA 9 – Páginas da Vida João salta pra fora da mesa e vai para o estúdio. Escuto o som dos livros aos serem tocados por João, enquanto ele busca o específico de Lenise. João volta trazendo o livro e folheando, busca mostrar a diferença de concepção de imagens entre os dois. João: Olha, bem diferente do meu... Talvez, a capa, eu escolhi essa foto porque eu adoro mãos! Uma coisa que eu gosto são mãos! Inclusive essa mão aqui você deve saber de quem que é, é da... Ela é da Cia do Elevador, é da Carolina Fabre. A empolgação de João foi nítida como a resolução da mão de Carolina Fabre na foto da capa. Continuamos a falar de Lenise... João: A gente tem umas coisas em comum, por exemplo, isso aqui, olha... É a primeira foto dela. A minha última... João abre a obturadora de seus olhas e foca em detalhes das duas fotos. A primeira foto do livro de Lenise Pinheiro era o registro das poltronas de um teatro em um plano detalhe, gerando o desenho das curvaturas do encosto. A última foto do livro de João foi a foto de Paulo Autran cochilando no cenário de Visitando Sr. Green, na qualestão em evidência também poltronas e suas curvaturas. João: Nossa, agora, que eu vi essa coincidência... A primeira dela ser igual a última minha... Mas isso aqui é uma coisa que eu sempre fiz questão de colocar que é padrão Centro Cultural, as fotos estão todas identificadas; tem o elenco 54
que aparece na foto, nome e data da peça. Então fica uma coisa de documento mesmo. Quem tá na foto, a peça, o autor, o diretor, todas as fotos estão super identificadas. Mas isso aqui eu não tinha visto... A fila de poltronas aqui, a fila de poltronas ali... Tem algumas coisas em comum e tem outras completamente diferentes. Enquanto analisa as fotos, João observou a foto que fez de Paulo Autran e contou sua história. João: Essa foto tem uma história bem legal, ela ficou guardada há anos... Não mostrava pra ninguém. Marcos: Sério? Foi só para o livro? João: É, eu pensei “um dia, eu vou usar essa foto”. Essa foto aqui , o Paulo Autran estava fazendo Visitando Sr. Green e teve a troca do Cássio (Scapin) pelo Dan Stulbach e eu fui fazer um ensaio com eles. Fui num dia de peça, numa sexta-feira, só que eu fui à tarde, eles fizeram a peça, troca um ator com outro e tal... E depois, à noite, ia ter a peça com o Dan (Stulbach) estreando. Pensei, “ah vou ficar aqui no teatro e já façoa estreia dele, pra já ter dele de cena e tudo mais”, já tinha feito dele posado. O Paulo Autran tinha o hábito de, antes de começar a peça, tirar uma sonequinha no cenário, já vestido com a roupa da peça... Umas oito, oito e quinze, oito e vinte dar uma cochiladinha. Eu saí lá do camarim e falei “vou ficar lá fora”. E vejo ele dormindo lá... “Ih, caramba”, saí de fininho, assim... “Putz, será que eu tiro uma foto...? Será...?”. Aí, Tic-tic-tictic! Pronto, saí. Tem várias dele assim. E guardei; acho que nem ele, em vida, chegou a ver essa
55
56
foto. Nunca publiquei, não sou muito de publicar em Instagram e essas coisas. Sou muito quieto. E aí, surgiu a oportunidade de fechar o livro com essa foto dele dormindo em cena. Uma curiosidade porque eu não sabia disso. Mas, isso aqui... – Fazendo menção às poltronas de Lenise e às suas. João: Mas, você abre em qualquer outra página... Olha o Otavinho (Otavio Frias Filho ), Caraca! Não tinha como não rir de espanto com aquelas coincidências. A escolha de uma certa simetria que as poltronas compunham na foto como abertura e fechamento de um livro e agora, a figura afetiva de Otavio Frias Filho representada numa foto que Lenise Pinheiro escolheu. João: Puta que pariu...! Marcos: Haha! Isso que eu ia falar, as coisas estão se cruzando...! João: Exatamente... Bom, ela era amiga pessoal dele, imagina...! Amiga pessoal, íntima, assim...! Trabalhou lá muito tempo... Mas, ela tem um jeito de fotografar bem diferente. Ela pega muito detalhe. Talvez tenha peças que eu tenha feito e que ela também tenha feito. Mas, ela tem outro tipo de foto. Mais detalhes. E a minha seja... Ah, não sei, a minha talvez seja mias careta mesmo! Foto abertona, quadradona assim... Mas, são dois olhares bem diferentes de teatro. Agora, quando você escolhe foto pra um livro, é muito complicado porque o que você põe e o que você deixa de colocar...? Quem vai entrar, quem não vai... Eu tive muito problema pra começar a fazer isso. Tive até que fazer terapia
pra começar a mexer nas fotos... Haha! Pânico, assim...! Porque eu sou muito suspeito, muito parcial com as minhas fotos. Então, a primeira escolhida que eu dei tinha umas 700 fotos. Aí o editor disse “Não, você tá louco...”. Se bem que o da Lenise deve ter umas 400 fotos, esse aqui deve ter umas cento e poucas... “Não, porque é muita coisa e que não sei o quê!?”. Então pra você ir cortando, pra você ir diminuindo é uma dificuldade. Aí a designer gráfica foi escolhendo foto que combinava com foto pra compor a página, né?! Então se são duas fotos de mão, vamos pôr as duas juntas. “Então cai essa, mas essa fica!”. As peças não têm nada a ver uma com a outra, datas diferentes, mas, o desenho da página foi por isso! Essa aqui por exemplo é uma sequência de fotos da mesma peça da Marisa Orth, na qual ela quebrava o espelho. Mas, aí eu conhecia a peça, fui umas duas, três vezes, pus a câmera lá e programei “tic-tic-tic”! Aí, você consegue fazer isso, né?! Isso aqui é completamente imprevisível, né? Teve um dia, inclusive, que ela não acertou o espelho! Ela fez a cena, jogou o cinzeiro e ela não acertou o espelho. Ela pegou o cinzeiro depois, jogou e acertou. Porque acontece, né? Por mais que seja grande, esteja perto, você pode... Errar o gol no pênalti. Haha! Foi um filtro bem rigoroso, né?! Mas, você vê que a Adriana põe sempre fotos que tenham algo em comum, né?! Esse aqui é o meu irmão! Marcos: Ah, seu irmão? João: É meu irmão. Tem duas dele; o irmão a gente sempre põe duas... Hahah! Mas, são olhares diferentes, as quantidades de fotos, a edição 57
do livro, são coisas bem diferentes. Ela fotografa muito mais teatro que eu, por conta dessa coisa da Folha; talvez ela vá umas cinco vezes por semana em teatro, pra fotografar. Assim, semana passada eu fui cinco vezes, mas, fui ao mesmo espetáculo. Então, são trabalhos diferentes. Ela tem a pauta que ela tem que produzir pra Folha, pro Blog dela, eles têm que alimentar o Blog e tudo. Normalmente, eu faço as peças que me chamam pra fazer, contrato. Eu vou no ensaio, vou uma vez, depois vou outra vez, acaba sendo diferente. O olhar dela é mais ousado. Mas, ela tem um acervo gigantesco.
58
59
CENA 10 – Os Noviços e os Rebeldes E tem muita gente nova e muito boa aparecendo. É uma área que demanda interesse, engraçado. Muita gente querendo fotografar teatro, assim. Comercialmente não é um trabalho bem remunerado. Mas, é o tal negócio... É como vida de ator, né? Uma gangorra, a gente fica sempre que meio no mesmo ritmo. Mas, assim, com a prática que eu tenho, acabei desenvolvendo um ritmo de trabalhar e tem dado certo; a coisa de ser cuidadoso, ser discreto, ser silencioso, isso tudo é muito importante pra não interferir no público, não interferir nos atores... Marcos: Você que existe muito fotógrafo que por conta de estar fotografando pega dessa função que ele está exercendo e lhe dá uma soberba, às vezes, pra ele e de incomodar o público? “Ah, não tem como, porque eu tô fotografando...!”. João: Às vezes, tem...! Tem acontecido e já aconteceu no SESC. O SESC agora, tá limitando muito quando a gente vai fotografar. “Não, fotógrafo agora, só pode ficar lá na última fila!”. Porque já aconteceu de um ou outro colega, sem esse preparo, sem esse cuidado interferiu no público. Realmente, atrapalha o público, muito. Na época que não tinha silenciador, essas coisas, até nisso o Centro Cultural tinha esse cuidado; fotografava umas cenas muito delicadas, a gente ia falar com os pesquisadores “Hmm, essa cena acho que não dá pra fazer”. Tá aquele silêncio, aquela emoção e aí vem você e “clack,clack”... 60
Não vai dar! “Então, tudo bem! Essa a gente não faz”. Abria mão do registro pra não incomodar. A gente sempre orientava “Espera aquela hora que ele tá falando”, porque isso é uma coisa que eu aprendi também, o ator tá falando ou teve alguma mudança de cena, aí é um momento bom de você clicar. Depois que eu usei o Abafador, então... Nossa, muito bom! Adorava quando saía do espetáculo e o pessoal falava “Pô, João! Você tava aí, fotografando?” e eu “Tava!”. “Nossa, não te vi...!”, me dava a maior alegria.
CENA 11 – Abafa o Caso Marcos: Alguma vez você já deixou escapar um barulhinho de câmera? João: Algumas atrizes como a Beatriz Segall, a própria Fernanda Montenegro não deixavam fotografar, preferiam passar cenas pra eu poder ter algumas fotos. A Beatriz Segall já chegou a passar assim: Vamos passar algumas cenas assim? Porque durante eu não quero que fotografe porque me incomoda. Aí, eu “Ok, não tem problema”. Mas, uma vez eu fui fazer a Walderez de Barros, era uma peça chamada Madame Blavatsky. Eu fui, o Centro Cultural mandava uma carta avisando e eles da peça autorizavam e aí, no meio da peça, veio alguém da produção e – bate no próprio ombro , aí, ela saiu de cena num momento e “Fala pra ele parar de me fotografar! Tá me enchendo!”. Aí, eu parei e tudo mais. Depois, eu me encontrei com ela, hoje, a gente é amigo e eu brinco com ela “Não vai me tirar, hoje, de cena não, de novo, hein?!”. Essa peça aqui – mostra no seu livro as fotos. Essas foram a que eu consegui, em 1985. Essa foi a hora que ela pediu pra eu parar no meio. Ah, as câmeras eram barulhentas, você puxava o dispositivo assim “cleck” e aí “Cleck-Cleck”. Era complicado. Marcos: E o teatro que ajuda pra propagar esse som, né? Tem toda a acústica. João: Não, super...! O público já reclamou... E isso até quando veio o Abafador e aí, acabou. Aí,
foi uma maravilha. Marcos: Mas, como foi que o público te abordou? João: Aí, não percebe! Uns até perguntam, o quê que é isso? É uma almofada...? Você enfia a câmera e realmente parece que você tá com um travesseiro na cara e abafa bem o ruído. João me mostra o Abafador que foi buscar em seu escritório e junto com ele um livro fotográfico de Fredi Kleeman. Fotos cheias de expressão e dinâmica, as quais João me revela: São posadas. A intensidade no rosto de fotos tiradas de Nydia Licia, Sergio Cardoso, Cacilda Becker, Paulo Autran são dignas de se imaginar que foram fotos de cena, tiradas durante uma ação dramática. Porém, João explica que por conta da tecnologia da época, seria quase impossível obter tal nitidez e captar a perfeição dos traços e do momento. As fotos foram tiradas com uma câmera Rolleiflex. João: Todas as fotos quadradas,né, porque a Rolleiflex era quadradinha. As fotos são da “turma” dele, né? São os mesmo atores... E aí, retrato mesmo de estúdio; não sei nem que luz ele usava, na época. A foto que analisávamos, em questão, era um retrato de Tônia Carreiro com um corte de cabelo bem curtinho. A composição da imagem, o corte escolhido de cabelo, a roupa que a atriz usava e os efeitos criados, nos dão a impressão de que a foto foi tirada com o intuito de parecer 61
conceitual com o filtro P&B (Preto e Branco). No máximo, poderíamos atribuir o visual aos anos 90. João me mostra o abafador e comenta que fotografa as apresentações das crianças da Casa do Teatro, uma divisão de ensino de Teatro Infantil dentro da Escola Superior de Artes Célia Helena, localizada no Itaim Bibi e Pacaembu. As turmas fazem uma maratona de apresentações no final do ano, com turmas de crianças bem pequeninas na faixa dos oito anos e com turmas que vão até os dezessete anos. João Caldas também é infância! Sobre o abafador, criou um diferencial para João, do tipo “Ah, o João não faz barulho!”, “O João tá no teatro e a gente nem sabe que ele tá aqui”. “Ah, você pode fotografar! Eu não discuto!”. João: Agora, sempre que eu posso, quando eu sou da produção, eu falo “ Me chama pro ensaio geral, antes de ser com público! Me dá um toque, eu vou lá! Nem que não esteja cem por cento pronto!”. É bom pra eu conhecer o espetáculo, pra eu tentar algumas fotos e saem coisas muito boas no ensaio geral. Ensaio geral que pode até ter uns convidados, uns amigos... Mas, é um ensaio geral, eu posso me deslocar, posso mexer, sempre com cuidado; não é porque é ensaio que eu vou desmoralizar, né?! E agora tem umas lentes novas que eu tô experimentando...
62
63
CENA 12 – Do Hábito ao Ofício João enfatiza que vai muito à teatro, independente de estar fotografando ou não. Vai muito a óperas, teatro, concertos. João: Meu pai que me estimulou isso muito, desde pequeno. A gente ia nos concertos do Municipal, domingos de manhã. Concertos pra juventude, ver Eleazar de Carvalho, isso desde os doze, treze anos... Domingo, onze horas da manhã ele fazia um concerto didático e apresentava a orquestra, os instrumentos... Uma coisa pra estimular o público jovem e meu pai gostava, então, a gente ia muito. O Teatro Municipal pra mim é o teatro que eu mais adoro, é um teatro fantástico, assim! Depois que eu consegui ir como fotógrafo, conhecer o teatro inteiro, os bastidores, fotografar de todos os ângulos, aí... É muito emocionante estar no Municipal pra mim. Eu encontrei meu amigo do Abafador lá. Eu não lembro, antes, como é que eu fazia.Às vezes, a gente arriscava, o elenco todo tava sabendo, E o público, já tive algumas reclamações.
64
65
66
67
68
69
CENA 13 – Vox Populi João: Tanto é que eu nunca ia aos sábados fotografar porque o público de sábado ainda é aquele que vai ao teatro, muitas vezes, como programa social, evento. “Preciso fazer alguma coisa cultural, então vou ao teatro!”. Então, sábado, raramente eu vou fotografar teatro. Ainda mais teatrão, com publicozão, SESC, tudo... Prefiro ir durante semana, sexta, domingo... Domingo é legal o dia porque é o último dia da semana, então é o dia que o espetáculo tá mais quente, assim! Tá mais a mil por hora. Tem um pouco essa variação. Acho que todos os dias, eles fazem bem, mas... No domingo, não sei, às vezes dá uma energia boa. Hoje em dia, você faz sexta, sábado e domingo, tem espetáculo que é só sábado e domingo. O Pousada Refúgio do Pedro Granato, eles estão fazendo só às terças; uma loucura eles fazerem só uma vez por semana. E é um espetáculo todo lá em cima, assim. Então, é louco pra entrar um dia a mil, sair a mil, pra depois só fazer na outra semana. Então, não tinha uma regra de como eu fazia sem o Abafador, mais de evitar por conta do público, aos sábados. Já cheguei fazer atrás das cortinas, sem abafador, as óperas. Mas isso foi poucas vezes, porque era ópera e eu não fazia muito. Concerto de música é uma coisa meio árida de fotografar porque não acontece muita coisa; você faz um registro ou outro, na Sala São Paulo, assim. Mas, é pouca coisa, com muito cuidado, quando a música tá muito alta...! 70
Porque não é uma coisa que você precisa fotografar o tempo inteiro, se não, as fotos ficam muito parecidas. E agora, essas câmeras têm um clique mais silencioso que é muito bom e as novas, zero ruído! Que eu ainda não acostumei porque é uma câmera que o visor dela é um monitor de vídeo; não são esses que o que você olha é o que você tá vendo na lente, né? Então, eu preciso me acostumar com aquele visor digital, parece que você tá olhando uma tevêzinha mesmo. É uma questão de costume. Mas, essas aí, estão me atendendo muito bem, em termos de barulho não tenho tido problema. E os novos fotógrafos que estão aparecendo e que têm me procurado pra fazer o workshop e tal, alguns já copiaram o abafador pra poder fazer igual e eu falei “olha, replica isso aí, porque é importante!”. E a gente sempre enfatiza os cuidados, “vai sempre todo de preto”, pra ficar meio invisível no teatro, né? “Não fica andando”, “Se vai se deslocar, ainda assim ,só, fora da plateia”, discretamente, né? Mas, nunca passa no meio, de jeito nenhum. Geralmente, eu faço assim, porque são ângulos diferentes. Aí eu tiro uma foto do fundo; quando dá, eu faço uma foto da primeira fila, também. É outra coisa. E aí dá uma foto de um lado e outra vista pelo outro lado. Aí, você tem todos os ângulos. É bem legal a diferença que dá em cada posição. Alguns espetáculos dão pra fazer da primeira
fila, uns infantis, público mais descontraído... No SESI, teatro popular, às vezes... Tem um público mais tranquilo, então, você fica mais solto. Agora, se eu tô na plateia e tem público, senta a pessoa do meu lado eu digo: “Olha, tô aqui, produção me chamou, vou fazer umas fotos, se eu tiver incomodando, você me fala... Me desculpe o transtorno, qualquer coisa... Pode me falar, se eu tiver atrapalhando, eu paro”. É legal esse diálogo. Porque você incomoda, a pessoa pagou ingresso e você tá lá “tec-tec-tec”. É chato, né?! A maioria das pessoas fala: “Não, imagina! Faz o teu trabalho”. Mas, já aconteceu de gente reclamar. A gente para, não tem problema. Mudo de lugar, até. Marcos: Mas, aí nesse caso, a produção te pagou pra fazer a foto, você incomodou. E como é que faz? Vai em outro dia? João: Vai em outro dia. Ou numa outra sessão. É que nunca tem um dia que eu tenha que ir... Isso é o legal do teatro. No jornal diário, é diferente. No jornal, você tem que ir e voltar com alguma foto. Teatro não; eu fiz o Annie, terça, quarta, quinta, sexta e sábado. Então, eu tô editando. Provavelmente na terça e quarta, eles vão começar a me ligar. Porque o espetáculo já estreou, as fotos de estúdio que o Jairo fez, estão servindo de divulgação, eles fizeram uma coletiva de imprensa, na qual eles passam duas cenas ou três e aí todo mundo fotografa e filma, uns cinquenta caras de jornal, revista, blog, internet, 71
revista de hotel, todo mundo! É aberto. Coletiva. Então, as minhas fotos acabam não tendo essa demanda tão urgente de você precisar entregar no dia seguinte. A não ser que tenha uma pauta, precise da foto pra essa semana, aí, a gente vara a noite, edita e manda. Mas, eu nem uso laptop, engraçado. Aquela coisa de ir lá fotografar, o pessoal já quer ver e já escolher, ainda não precisei disso. Essa pressão da demanda. Mas tive que chegar, descarregar e já editar, no dia seguinte de manhã, varar uma noite fazendo isso, pra mim não tem problema. Mas não é uma rotina, de jeito nenhum. É bem excepcional.
72
73
Epílogo Termino este ato conversando com João. Digo que se o primeiro encontro com ele foi tão rico, me sentia mais motivado para os próximos. Ele me convida para acompanha-lo na estreia de Perí (Carpigiani) e nas sessões posadas de Annie. Disse que talvez não demorasse pra que fossemos ao musical do Falabella, já que teria a urgência de montar e vender o programa de luxo. Retomando a questão das lojinhas, ele me diz que chegou a comprar o guarda-chuva do musical O Homem de La Mancha, estampado com pautas de música, uma partitura que envolvia todo o tecido do guarda-chuva. E ele completa: Eu gosto de guarda-chuvas. Nosso encontro não poderia ser diferente, se não numa tarde chuvosa, aconchegante, rica em detalhes, História, patrimônios culturais brasileiros. Finalizando em seu estúdio, com uma boa xícara de café, enquanto comíamos bombons e falávamos mais de projetos de colegas do mercado.
74
75
76
77
78
79
80
81
82
83
84
Fim do Primeiro Ato. 85
86
Segundo Ato
CENA 1 – O Espírito do Tempo Estação Marechal Deodoro do Metrô. Saindo do vagão e tomando cuidado com o vão entre o trem e a plataforma, o meu desembarque já me preparava para a noite de teatro e vivência que teria com João Caldas – A estação tem como característica a exposição de alguns figurinos de ópera. Cheguei mais cedo que João, na estação. Talvez a ansiedade houvesse me trazido algum benefício, ao menos uma vez na vida. Dentre ruídos sepulcrais da movimentação de um centro paulistano canalizado no vai e vem de catracas, ficava imaginando como seria estar pela primeira vez num teatro que só tinha ouvido falar; com atores que só tinha ouvido falar – e outros nunca na minha vida. Depois de alguns minutos conversando com João no Whatsapp, vejo o grisalho fotógrafo de jovem espírito emergindo das escadas rolantes da estação Marechal. Pediu perdão pelo seu atraso e juntos fomos conversando dali até a Cia da Revista. João enfatizou enquanto caminhávamos que não sabia mesmo o que ele iria encontrar ali naquela apresentação, que somente conhecia o ator por conta de tê-lo fotografado em seu estúdio. Talvez, aquilo o afligisse de certa maneira, ou até mesmo fosse um incômodo sutil; João nasceu de uma produção de processo intenso, cujo clima era de intimidade com a obra e elen-
co, um aprofundamento empírico do tema e da mensagem do espetáculo. Fotografar uma obra autoral e inédita, sem antes ter acompanhado um ensaio ou mapeado o ambiente, a escolha de luz e disposição do ator em cena durante todo o monólogo era realmente um desafio. Porém, Caldas disse que já havia passado por experiências parecidas, apesar de raras. Alameda Nothmann, atravessamos para o lado oposto da calçada e chegamos à Cia da Revista. Uma placa preta que vem escrito Espaço CIA DA REVISTA, na qual a palavra “Espaço” sublinhada está com um traço multicolor de cinco cores, pregada na fachada pintada de vermelho encarnado. Um lugar aconchegante e cultural da cidade. Um espaço de pessoas de teatro feito por pessoas de teatro. Uma grande luminária de madeira no centro, com lâmpadas no espaço vazado. Na lateral esquerda, três séries de Banquinhos empilhados servem de base para um telefone antigo, uma máquina de escrever e uma televisãozinha antiga respectivamente, servindo de fundo para apresentações de música ambiente, antes de se abrirem as portas da sala de espetáculo. Na lateral direita, varias mesinhas e cadeiras de madeira para o público esperar e consumir a comida da cozinha da casa. Luzes quentes por toda parte, um espaço que lembra um ateliê de alfaiataria, no outro um espaço 87
com livros e mídias à venda. Próxima à entrada da sala de espetáculo, a bancada para pedir sua bebida ou prato especial da culinária teatral da ocasião, um espaço batizado de Botequim Contra-Regra. Encontramos logo na entrada a atriz e assessora Heloísa Cintra, conhecida como Helô entre os amigos e o diretor Kleber Montanheiro. Helô Cintra estava belíssima sem grandes produções de figurino e maquiagem, um visual casual, postura e procedimentos elegantes em conversa. Muito generosa, me recebeu muito bem por estar acompanhando João. Kleber Montanheiro é um diretor muito respeitado no meio, sua postura também negava que pertencesse ao estereótipo do diretor de teatro que esbanja conhecimento e vaidade de si mesmo ao ponto de esnobar ainda que sutilmente os que lhe cercam; não. Kleber apresenta um aspecto jovem que se expressa no sorriso, maneira de se vestir e carinho na educação de tratar a todos. Bem diferente do que se mostram alguns donos de espaços como este. Todos receberam bem a minha presença e a ideia deste projeto que homenageia João Caldas. Em conversas com Helô Cintra e com Kleber Montanheiro, João pergunta se poderia já entrar na sala de espetáculo pra poder compreender o espaço e escolher o melhor lugar pra sua captura de melhores cliques com o que poderia fazer. Helô diz que ainda seria um pouco difícil porque Perí (Carpigiani), o ator do espetáculo, estava se concentrando. João: Ah, okay! Mas, pelo menos uns dez minutinhos antes, se puder me liberar pra ver 88
mais ou menos o espaço, seria ótimo! Helô: Ah, sim! Fica tranquilo! Ficamos esperando o momento de liberarem João para a sala de espetáculo, enquanto ouvíamos o ELAS TRIO, um trio feminino de jazz autoral. A conversa sobre tecnologia nos tomou neste período curto de tempo. Falamos de como somos vigiados e mapeados pelos satélites, de como o algoritmo nos persegue pior do que o Diabo oferecendo tentações a Cristo no deserto; cada passada de página é enfeitada com um anúncio que atende perfeitamente ao seu perfil de consumidor. Uma espécie de “acaso” charlatão como a feiticeira de Branca de Neve oferecendo-lhe uma maçã, justamente porque sabe que está com fome: Eu vendo mercadorias...! Kleber chamou a João e eu o acompanhei até a sala de espetáculo. Um grande espaço com duas arquibancadas para o assento do público. Varandas para a circulação dos atores, além do espaço de palco. Todo preto. João encontra seu lugar: O vão entre as duas arquibancadas. João: Aí, eu entro depois do público mesmo, Kleber. Porque não vou atrapalhar, fico quietinho ali no meio. Nós três saímos, após o acordo. Kleber fica na porta da sala destacando os ingressos como uma espécie de bilheteiro. Entro após todos do público, afinal, como um convidado informal, estava sem ingresso. Sentei-me na primeira fileira da arquibancada direita, ao lado de Helô Cintra. Vejo João vindo, logo em seguida, que posiciona o seu tripé e encaixa sua câmera. Meu maior medo foi uma conversa que tive
antes com João, na qual ele me disse pra ficar tranquilo, pois, o que ele basicamente fazia era assistira ao espetáculo pela lente da objetiva. Mas eu não podia ficar tranquilo, se o perdesse de vista! Eu tinha que assistir João Caldas. Qualquer movimento era um clique precioso. As luzes se apagaram. O espetáculo começa com um visual metalinguístico. O ator que conversa com a própria gravação durante o espetáculo todo, dizendo sobre o fazer do ator e do ator quanto cidadão e motor observador da sociedade que está acostumada a um sistema. Uma população anestesiada à grosseria, fruto de uma má educação regida pelo uso irresponsável da tecnologia que, assim como ela, nos tornou frios e instantâneos; e por instantâneos, até no sentido de não conseguir armazenar lembranças e fazer equivocadamente da palavra “memória” um sinônimo de “HD interno”. Os momentos da vida são efêmeros, mas, as capacidades inteligíveis e cognitivas humanas se tornaram efêmeras em sua qualidade. Etéreos que somos. Permeado de números musicais com o perfil rock, pop rock e rock “Broadway”, Perí sustentou um personagem de si mesmo e de alegorias de uma sociedade refém da tecnologia. A todo instante que você olhasse para João, veria que ele não seu olho do visor da câmera. Realmente, ele assistia ao espetáculo pela lente da objetiva e esta se tornava a projeção de seu olho, capturando a todo instante o melhor que poderia com o melhor que lhe era oferecido quanto à ideia de imagem. O espetáculo termina aos aplausos que
contemplavam a coragem bem sucedida de um espetáculo independente de um ator ousado por estar só em cena. Ao final, Perí agradeceu a todos da equipe, do público, da produção do teatro e ao João. Perí: Às fotos do nosso querido João... CALDAS! Todos riem e João, meio tímido, agradece com humildade. Após o espetáculo, João saiu rapidamente para o salão do teatro, deixando sua mochila numa cadeira e conferindo as fotos que tirou. João vira pra mim e diz... João: Eu preciso agora, tomar uma bebidinha, dar uma acalmada... É verdade, cara. Eu saio depois de fotografar um espetáculo pilhado, eu fico agitado. É difícil eu, por exemplo, ir pra casa agora e dormir. Não. Pelo menos pra mim, é assim que funciona. Fotografar teatro assim, é muito difícil me acalmar. Parece que é algo simples mas, eu saio... Excitado! De verdade... Você bebe? Fomos para o balcão do Botequim Contra-Regra, dentro do teatro. João checa o cardápio e entre conversas com o balconista, escolhe tomar a cachacinha mineira do barrilzinho envernizado do canto canhoto da bancada. João: De qual marca é essa cachaça? Balconista: Não tem nem marca! João: Humm...! 89
Balconista: É que essa sou eu mesmo que trago de Minas. João: Ah, entendi...! Balconista: Quer experimentar? João experimenta meia dose e aceita pagar por uma dose que foi generosamente adicionada ao seu copo. Tomando sua cachacinha, checava o placar do Tricolor que perdia de um a zero para o Atlético Mineiro. João: Você bebe? Marcos: Não, não! Só bebo vinho e olhe lá...!? O álcool amarga um pouco meu paladar e eu não curto muito. João: Bom, então não vou te ensinar os vícios ruins! João cumprimenta Perí que sai arrumado da sala de espetáculo. Perí o agradece. João me apresenta como o Marcos do Célia (Helena. Escola de Artes). Perí brinca olhando com medo da minha opinião e logo rimos. A Escola é responsável pela formação de grandes atores e tem uma credibilidade no mercado, o que gera a superestima de todos quando ouvem que você “é do Célia Helena”. Independente de placa de universidades, faculdades e cursos profissionalizantes, o espetáculo de Perí tira a mente da zona de conforto e nos faz repensar o título “Musical” como somente um rótulo de superestima de produções grandiosas. É possível sim, haver Teatro no Musical. Nos despedimos de Perí, de Kleber Montanheiro e 90
fomos embora. Andávamos pela calçada da Avenida Angélica de volta ao metrô. Perguntava algumas curiosidades sobre a sua vida. João compartilhou que seu filho fazia um curso novo, Administração Pública e sua filha, Arquitetura. Ela está em Portugal fazendo seu estágio curricular. Porém, não podemos esquecer: Era uma quarta-feira de jogo do São Paulo. As conversas aconteciam mais ou menos assim... Marcos: Sua filha faz o quê...? João: Ela faz Arquitetura e tá agora em Portugal fazen... (Parada brusca). Levava um susto, achei que estivesse acontecendo uma tragédia ou até mesmo um assaltante do meu lado. Mas, não! Era somente o televisor da padaria transmitindo o jogo que João parou pra olhar. João: Então, meu filho tá fazendo esse curso que é um curso novo... Antes, o governo tava até chamando gente pra fazer, não pagava nada e... (Parada brusca). Mais uma parada cardíaca minha. Mais uma padaria transmitindo o jogo. João: Ela tá lá, em Portugal. Tá amando, diz que é uma maravilha a experiênc...(Parada brusca). Mini-infarto. Minutos finais do primeiro tempo do jogo que cativava João. Sempre parando para checar o placar do jogo do São Paulo nos televisores das padarias e eu me assustando por conta das paradas repentinas e o olhar cruzando o horizonte, em questão. Entre paradas na calçada, paradas cardíacas
e um placar que parava a esperança dos torcedores do Tricolor, consegui traçar o perfil básico de João. Católico, pai de dois filhos – um casal, esposa judia. Nos despedíamos na estação Marechal Deodoro, ansiosos para o próximo encontro. Embarques em sentidos opostos, mas o gosto pela noite do teatro alinhado.
91
CENA 2 – Frenesi Blasé
92
Duas semanas depois, volto a mais um encontro marcado com João Caldas. Toco o interfone e ele me pede para esperar. Após alguns minutos, João abre a porta e me olha com um sorriso amarelo. João: Era hoje? Marcos: Não era hoje? João: Não, era amanhã! Confuso e morrendo de dó de mim mesmo só de pensar na possibilidade de voltar pra casa, me lembrei que tínhamos realmente combinado de conversar naquela quarta-feira por conta de agenda; aquela não era a minha primeira opção. João checou seu celular e abriu na nossa conversa do Whatsapp e foi entendendo a confusão que tinha feito por conta de pressão do trabalho. João: Nossa, realmente ficou confuso...deu a entender isso...! Mas, sem problemas, pode entrar; você aproveita e dá uma olhada no que a gente tá fazendo. Me pediu pra subir e fomos juntos até seu escritório. Um cômodo tranqüilo com dois armários de ferro, prateleiras de ardósia e outras de madeira, uma mesa encostada na parede com dois computadores modernos. À direita, as prateleiras de João com a sua coleção de Jack Daniel’s composta por várias garrafas de diversas edições e até modelos exclusivos e internacionais, um pote cheio de fósforos Jack Daniel’s, cases de baralhos Jack Daniel’s e além de chocolates e quadros que João disse que tem e ganha dos amigos e da família. Guarda até um gole exclusivo para Mário Bortolotto (ator,diretor,dramaturgo, escritor e compositor) do seu exclusivo uísque
Unaged, edição não envelhecida da Jack Daniel’s; na garrafa é o que vemos, um único gole. Eu no máximo, tive a oportunidade de sentir o cheiro.
93
Nos monitores de João Caldas e Andreia, fotos da peça Estado de Sítio, produzida, dirigida e adaptada por Gabriel Vilela para serem editadas. As fotos foram feitas no galpão do diretor em um ensaio específico de ajustes de figurino, maquiagem, cenário, fotografia para divulgação e programa especial da peça. João havia me convidado para acompanhá-lo, mas, com a ressalva de que não sabia se seria possível; iria checar se poderia estar com eles. Não foi. Vilela é conhecido por comandar todo o processo desde figurino, maquiagem até a própria cena.
94
João: Nós estamos na pilha com ele (Vilela) porque é bem complicado...! Ele fica em cima, ele não dá moleza...! A gente foi pra lá uma da tarde, Andreia? Uma e pouco? Andreia: É, chegamos a uma... Uma e meia e saímos às nove e meia. João: Nove e meia da noite! Ficamos DIRETO. Só pra te falar um pouco da edição, a gente vai e fotografa, depois, traz todo o material e eu uso esse software aqui, o Lightroom– que é um Photoshop pra fotógrafo. Na verdade é um browser pra você editar todo o material. Então,
você importa todas as fotos aqui e aqui aparece tudo que tem nele, Annie, Casa de Bonecas e aqui Estado de Sítio. Essa aqui é uma sessão que a gente fez pro Estado de Sítio que vai estrear em novembro (Estamos em setembro, na ocasião) e nesse trabalho aqui, teve uma coisa curiosa... Esse ator aqui, ele foi viajar no sábado e as fotos iam ser na segunda. Então a gente fez essa foto aqui no estúdio, ele mesmo se maquiou, ele trouxe o figurino e tal porque ele não ia poder estar no dia. Os outros todos já foram feitos lá. João me mostra todo o espaço do galpão da Aclimação que Gabriel Vilela aluga para os processos criativos de suas produções. Mostrou o atelier, o cenário, o processo e maquiagem que funciona durante o processo, assim como o de figurino, no qual ele criacom o acréscimo de cor, traços, pecinhas na roupa como pedaços de madeira, lantejoulas, arames, tudo é construído na atmosfera silenciosa do ensaio. João: Ele fica assim, do lado acompanhando, dirigindo tudo, os maquiadores... Só não pega na câmera, né, Andreia?! Mas ele fala, “olha clica aqui assim...”. Ele realmente dirige tudo! João disse que durante aquelas seis horas, o ambiente era de silencioso, porém, explícito respeito ao diretor Gabriel Vilela que enfatizou a presença de Caldas, enquanto corrigia um ato falho sem intenção da assistente do maquiador. João: Ela foi registrar com o celular a maquiagem e aí o Gabriel disse “Olha, ninguém vai tirar foto com o celular, a gente chamou um profissional. Só ele vai fotografar, hoje, em res95
peito a ele; eu não quero esse trabalho nas redes, antes da hora. Depois que tudo terminar, aí você registra”. Porque ela tem que registrar cada ator e anotar o que foi feito, com qual produto, quanta quantidade porque depois ela faz um memorial pra cada ator se maquiar sozinho. Vimos mais fotos, nas quais ele me mostrou como funcionava o sistema de iluminação que era montado como o do de teatro para o ensaio no galpão, a referência do Theatre Du Soleil e como era o mecanismo do cenário durante a peça. Mencionou JC Serroni, um dos maiores cenógrafos e figurinistas do país, que estava lá no trabalho de Vilela. João se sente muito honrado em participar desse tipo de trabalho, a particularidade de Gabriel Vilela chamar o iluminador da peça para fazer a luz das fotos de divulgação, o impressionou e o fez se apaixonar pelos processos. O diretor realmente aprecia a fotografia, tendo como capa do livro do SESC que homenageia Vilela, uma de suas fotos. O livro foi escrito por Rodrigo Audi e Dib Carneiro Neto. João: O legal disso é fotografar teatro e o que está por trás do teatro; porque teatro não é só que você tá vendo ali, né? Você sabe... Você estudou, você trabalhou, montou peça, você sabe o trabalho que dá...! O espectador não tem a menor idéia do trabalho que dá.
96
Oh, Hello! Eis que acontece o fenômeno banal e cotidiano do ser humano com a tecnologia, o celular de João começa a tocar. Ainda bem que era eu quem estava no ambiente junto a ele, se fosse Ronald Golias, teria atendido sem dó por conta de seu T.O.C. João só de olhar diz: Ai, deve ser a Vivo. Eu to com um problema sério com a Vivo, deixa eu ver se consigo resolver... Alô?! Eu e Andreia tentamos disfarçar pra não assumir que estamos interessados na conversa do João ao telefone, enquanto vemos uns programas de peças do Vilela. Andreia: É, esse é o Frateschi. Esta cena vai funcionar da seguinte forma, as minhas falas e a de Andreia estarão contracenando, enquanto as de João estarão indicando que ele está falando no celular, perto da janela, ao canto. Então, João ao telefone e Andreia ao Babene (ou seja, eu). João: Bom dia... Sim... Andreia: Esse, no caso, foi o Wagner Freire que faz a iluminação. João: Isso...! Marcos: Que coisa linda...! Andreia: Esses são os detalhes que a gente fez... João: Isso, eu já tô, há doze, dias tentando que alguém venha aqui. Eu tenho dois produtos Vivo, dois estão no meu CPF, um é negócio e o outro é residencial... Vocês não conseguem achar o meu endereço comercial?! E já é...
Não éramos muito lógicos, só falávamos enquanto João falava e pausávamos, enquanto João pausava. João: Não, mas, pera um pouco...! Deixa eu explicar, ontem, quando eu liguei pela vigésima quarta vez, eu conferi, chequei, reconfirmei o endereço com a atendente... Eu tenho o número da OS, eu sei que são Vivo Base 1, Vivo Base 2, falei várias vezes que era Vivo Base 1, ela falou “confirmado, rua Vanderlei, número tal”, aí ele chega e vai na minha casa?! Ou seja, é uma falha de comunicação interna numa empresa de comunicação. O problema é DE VOCÊS. Eu quero que o técnico venha no endereço certo... Você desloca ele, ele tá a um quilômetro daqui pra cá, não tem o menor problema. Eu preciso ser atendido, eu to há doze dias sem a minha fibra aqui na empresa. Andreia: Essa é uma foto posada. Passaram uma cena... João: Não, eu não vou ligar! Não vou ligar! Você me faz outra ordem de serviço, eu não agüento mais ligar. (Pausa) Então por que você me ligou? Você me ligou pra confirmar... Não foi f... Sim, sim, sim... Andreia: Nossa, esse pessoal da Vivo é muito embaçado...! João: O erro é de vocês! Por que é que eu tenho que fazer isso de novo? Andreia: A gente tá há doze dias sem internet! João: Mas, por que EU tenho, se o erro é de vocês? Andreia: O plano do João e o meu já estourou, o de celular... João: Ele tá lá há uma hora parado, ele já 97
teria vindo e resolvido o meu problema. Ou seja, me desculpa falar, mas, é uma ineficiência, uma burrice, uma ignorância que é sem tamanho isso. Como é que vocês resolvem isso? Você tá me ligando pra não me falar nada, você me fez perder uma hora esperando. (Pausa) Eu já fiz isso várias vezes e você não me acham... Como é que vocês não me encontram no sistema de vocês? (Pausa) Mas, tá errado! Eu já liguei dezoito vezes, mas ninguém acerta. Me dá outro número que não esses dois... Outro! Eu já liguei pra esses dois, eu quero outra opção! (Anotando) Legal. (Pausa). Tá okay. Desliga o celular. Sem responder o “Obrigado e tenha um bom dia”, já que de nada lhe foram útil ao ponto de ser grato e ter um bom dia mantendo as cruciais circunstâncias que ferem seu trabalho seria difícil. João: Nossa, que irritação! Me desculpa! Marcos: Imagina! Eu conheço as peças também... João: Doze dias esperando! Marcos: Sei bem como é que são... João: E tem que ligar de novo. Começar tudo de novo... Andreia: Aquele processo tudo de novo de ligar, pra marcar, pra vir aqui um dia? João: É... Meio constrangido de ter criado qualquer que fosse um clima de tensão, João brinca. João: Faz parte do dia a dia do fotógrafo, haha! Termina de esvaziar uma garrafa de água enchendo seu copo. Vira um gole. João: Que saco! Marcos: A Andreia tava me falando... Doze 98
dias? João: Desde o dia sete de setembro... Rompeu a fibra na rua, eles não vêm! Eu tenho dois endereços, casa e aqui, eles vão na minha casa... O telefone é daqui, eles vão na minha casa. Eles não conseguem me achar. O cara tá na minha casa, agora! Tá lá há uma hora e quinze esperando! Agora, era só pra me avisar que ela vai liberar o técnico, eu falei pôrr... E suspirou na última palavra como que expiando toda a raiva que a raça humana tem das companhias telefônicas. João: Já dava pra ele ter vindo aqui resolver... (Pausa) Eu não sei mais o que fazer! (Pausa e me olha) Vou pegar uma água pra gente, Haha! (Saindo diz) É muita irritação, Nossa Senhora... Descendo as escadas, faz-se sonoros os passos de diluição da raiva em cada degrau. Ao fim da partitura, tento puxar assunto com Andreia.
A Hora de Andreia Marcos: Complicado, né? Compromete todo o trabalho de vocês, né? Andreia: Sim, sim... Porque a gente trabalha com isso, né? Deve ter um monte de e-mails, alguém pedindo alguma coisa e não tem condições de a gente... Eu acho que tem autorização, um monte de autorização pedindo, mas, a gente fica parada, né? Não tem... Não tem o que fazer. Marcos: Caramba... Andreia: Cancelar e tentar outra! Acho que seria mais fácil. Se tivesse cancelado e vindo outra empresa e colocado a internet, acho que tava funcionando. Marcos: Já, tranquilo. Andreia: Porque, meu, a Vivo... Foi boa. No passado, assim, sabe? Quando tinha concorrência, ela era boa, era eficiente, uma das melhores. Mas, agora... Lamentável. Marcos: E não é a primeira vez que dá esse problema...?! Andreia: Assim... Que eles não resolvem, é a primeira vez! Né? Sempre, às vezes, dá uns problemas, mas, eles vêm... O técnico vem e acaba resolvendo rápido. Mas, é a primeira vez que eles estão com esse problema de não achar no sistema o endereço daqui. Marcos: Desde que você trabalha com o João, é a Vivo que a internet do estúdio? Andreia: Era Telefônica, né? Antes, era a Telefônica e aí, virou essa bosta. Me desculpa, Hahah! Marcos: Haha! Tudo bem!
Andreia: Mas, eu também tô tendo um problema com a Vivo... Eu comprei um celular pelo site da Vivo, né? E o celular veio com problema... quando eu peguei o celular e mexi, eu vi que ele tava com problema. João começa a subir as escadas do escritório. Andreia: Aí, eu fui lá na loja da Vivo reclamar e aí disseram que o problema não é deles. Eu sou cliente deles, há mais de dez anos, comprei um celular na própria loja, no site, pela troca de pontos... você tem desconto, tudo bem e aí eu fui lá e falei que o celular veio com problema. João: Me dá dez minutinhos, eu vou ligar lá de baixo e já subo, haha! Marcos: Tá bom, imagina! Haha! João: Vou ver se ele ainda vem hoje! Haha! Marcos: Ah, tá jóia! Haha! João desce as escadas e vai para o estúdio. Andreia: Aí, eles falaram “Não, o problema não é nosso. Você tem que procurar a assistência técnica da Sony”. Aí, eu falei “Escuta, Tudo bem, eu procuro a assistência técnica da Sony... Só que eu comprei um aparelho pra usar o serviço de vocês, comprei na loja de vocês, vocês me mandam um aparelho... Não é que o aparelho deu problema depois de um mês, dois meses... Ele veio com problema! Eu não consegui ligar, quando ligava, ele desligava sozinho e aí, eu venho aqui e você me fala que o problema não é de vocês? Tudo bem que a Sony mandou um aparelho com problema, só que vocês compraram um aparelho com problema, me venderam e agora, o problema é o meu? Háh! Eu que tenho que resolver?”. Não é muito mais fácil dizer “não, vamos trocar... Real99
mente o aparelho veio com problema...” e trocar o aparelho? Aí, não resolveu. Tive que ir na assistência técnica da Sony que é lá perto do aeroporto, longe pra caramba, na Alameda dos Japurus, Japuru, sei lá... Deixar o celular, já tá mais de uma semana e eu também tô sem celular! Meu celular tá uma porcaria pra teclar, já tá meio velho e aí você fica nas mãos desses caras.
100
Eles não resolvem o seu problema. O problema nunca é deles. Em casa, eu tenho a Net, ainda... A Vivo vive me ligando “não, vamos trocar... Você já é cliente pós-pago, tem internet, tem isso, tem aquilo.”. Não, muito obrigado. Não, a Vivo não dá. Se tivesse uma outra, já cancelaria tudo. É impressionante, cara, como que todos os serviços no Brasil, são péssimos... Prestação de serviço no
Brasil é muito ruim. Pior que você sai de uma e cai em outra, né? Não muda muita coisa... Marcos: Quando a empresa ruim compra outra, aí fica pior...! Andreia: E aí, vai virando um cartel que você vai vendo que você tá na mão de um dois grupos só. Um grupo só. Então, você tem que aceitar, né?! A gente enquanto prestador de serviço tem que vender sua alma e um pouquinho mais pra pessoa confiar, né? Haha! A pessoa tem que confiar, você faz tudo certinho... Agora, essas grandes empresas destratam você, eu fico impressionada... Eu sei lá o que a gente precisa de fazer, se rebelar e dizer não vou ter mais. Haha! Ah... Marcos: E presta serviço há tanto tempo pro estúdio, como é que não achou, né? Andreia: É, essa linha o João tem há mais de trinta anos... Marcos: E ele deixou aqui o livro do Vilela! Haha! Andreia: Haha! Ah, é o Imaginai... Muito bacana esse livro, muito bem feito. Marcos: Nossa, eu tava falando com o Audi (Rodrigo Audi, ator, diretor e professor)... Eu fui dirigido por ele lá no Célia, né?! Andreia: Ah, ele fez alguns espetáculos. Acho que há dois espetáculos só que ele não fez com o Gabriel... Marcos: Ele falava pra mim, na época que ele tava ainda reunindo fotos e de liberar foto... Andreia: Pra esse livro, né? Marcos: Porque acho que tinha uma coisa de... Uma atriz e o marido da atriz não queria liberar... Andreia: Ai, isso é uma encheção de saco...!
Esse negócio de direito autoral, né, de direito de uso da imagem é do fotógrafo, né? A gente que libera o direito de uso da imagem; mas, a imagem, né... O direito da imagem do cara que foi fotografado é um pepino...! Falei quem era a atriz em questão e aí, pela reação de Andreia, fico sabendo que o marido da atriz é fotógrafo também. Andreia: É um ogro, né? É um dinossauro...! Marcos: Hahah! Andreia: O Brasil tá ficando cada vez mais provinciano, né? As pessoas estão ficando provincianas... O Rio de Janeiro é provinciano. Às vezes, espetáculos de teatro aqui em São Paulo tem uma aceitação de um tipo, né? Que já é muito... Um país muito religioso... É arcaico, vamos falar a verdade, né? Precisa ter muita cultura, muito tempo de cultura pra ver se abre um pouco a mente... Mas, no Rio de Janeiro é pior! E é uma cidade que você olha, assim, de fora e você fala cidade maravilhosa, de gente bonita, gente na praia, super liberta... NADA. É muito, muito, muito provinciano. Tanto é que eles elegem evangélicos, né? Já, começa por aí... Não tô falando que é problema só de lá, é problema do Brasil inteiro... Pô, Crivella... O cara que embargou uma exposição...! Que país é esse?! E eles aceitam... Bom, não vamos entrar nessa coisa de política, né?! Mas, é um povo muito provinciano. Às vezes, a aceitação é completamente diferente daqui de São Paulo.Me lembro daquele espetáculo, foi com o Gianecchini e aquele Ricardo Tozzi... Eu me lembro deles falando no final do espetáculo, eles contavam realmente a aceitação de como que era em cada lugar. Fizeram 101
a estreia em Portugal e eles falaram que era um povo muito mais aberto, aceita mais as coisas, e a reação que teve aqui em São Paulo e que teve no Rio de Janeiro – que foram completamente diferentes. Gente, como era o nome do espetáculo...? Marcos: Os Guardas do Taj? Andreia: Os Guardas do Taj! Não sei se você assistiu... E é uma história de amizade, né?! Só que quem não tem uma mente muito cabeça, acha que é uma história de homossexualidade, de amor, né? E é uma coisa que acontece na Índia, né? Estão construindo o Taj e é lei: Não pode olhar! Só a amada do príncipe que poderia olhar, né? E eu acho engraçado, os atores contando a história da aceitação que teve esse texto. E às vezes, a platéia ria de umas coisas que não era pra rir. Tipo, algumas falas assim, que não era engraçada, mas, a pessoa ria. Aí, em outras que eram pra rir mesmo, a pessoa ficava meio... Mas, foi bem legal. Aí, eu pensei, então que já comprovou o que eu já sabia. O que eu já imaginava, né, que é mesmo um povo provinciano. Marcos: Não sabia que tinha essa resistência do Rio com aceitação de espetáculo...! Andreia: Tem...! De aceitação... Até mesmo, como posso te falar...? É de aceitação mesmo, do novo! Aceitação de abrir a cabeça pra uma nova cultura... O Rio eu acho que é um povo mais religioso, mais fechado, assim! Não tá tão disposto a abrir tudo, a aceitar tudo! Na verdade, o Brasil é assim, né? Se a gente for comparar com outras, é assim. Mas, acho que o Rio de Janeiro é mais. Acho que o Rio de Janeiro é um pouquinho pior...! E teatro é isso, né? Abre-se a cortina, abre-se a 102
caixinha preta, lá e tudo acontece. E aí cabe a você aceitar ou não, né?! Tem muito da restrição, né?! Por isso que os grandes musicais fazem sucesso, né? Porque são historinhas bonitas, historinhas gostosas, historinhas do bem... Bem Broadway, né?! Marcos: O sonho americano, né? Andreia: O Gabriel (Vilela) mesmo tem muitos espetáculos que ou você ama, ou odeia, né? Tem gente que adora e tem gente que não suporta. Acha muito barroco, acha muito... Ele tem essa linha do barroco mineiro que é sempre muito dramático, né?! Muito carregado, muito intenso. Acho que o único espetáculo do Gabriel que foi completamente clean, não tinha nem cenário, não tinha nem maquiagem, não tinha nada, foi aquele Salmo 91. Acho que foi lá em 2006, 2007 que teve... Esse espetáculo não tinha nada. Tanto que não era tão Gabriel Vilela, porque todos os espetáculos são assim... É muito figurino, muita maquiagem, tudo muito carregado... Continuamos a folhear o livro Imaginai e percebo o total conhecimento de Andreia em relação ao teatro, memorizando nomes de atores, datas, perfil dos espetáculos, colaboradores, locações... Quem está com João, se não deve trazer uma pré-bagagem cultural e de vivência como público de teatro, além da paixão pelo teatro, pela fotografia, pela memória e a necessidade de seu registro para encaminhá-los a imortalidade para um produto físico – a foto , aprende ao menos, a documentar suas experiências na cabeça e assim, quando sabatinado, honrar o perfil do patrão e do emprego.
Notamos juntos a voz de João falando ao telefone com a central de atendimento. Andreia: Oh, lá...! Já tá ligando, já! De novo! Marcos: Eu imagino o estresse por que... Vocês constroem uma credibilidade, uma reputação... Aí, justo com o Gabriel Vilela, enfrenta um problema desses. Andreia: E fica esse jogo de empurra-empurra com essa Vivo. E o problema é na rua, não é nem aqui. É na rua. Rompeu o cabo na rua e conseguiu que o cara viesse, acho que no domingo. Só que a ordem estava para fazer o serviço interno e não externo. Olha a burocracia... Hahah! É uma incompetência, é tudo... E uma má vontade, acho que eles testam a gente. Marcos: E que mal vai fazer o cara vir aqui e arrumar? Porque você não usar a internet fixa não vai economizar nada... Pelo contrário... Andreia: É...! O serviço já tá pago, né?! Conversamos sobre a motivação de fazer o meu TCC e Andreia começou a explanar mais sobre João Caldas na Folha de São Paulo. Andreia: Ele trabalhou na Folha, né? Foi lá que ele começou com teatro, começou a cobrir as peças da Ilustrada. Aí, foi indo... Mas, começar mesmo ele começou com o irmão, né, no Clara Crocodilo... Deve ter contado essa história pra você... Marcos: Contou...! Andreia: Tem a história dele no Centro Cultural São Paulo, né? Eles têm o centro de pesquisa e hoje, a gente contribui também...! Porque eles tem um acervo lá, mas, acho que até noventa e nove, dois mil, eles tinham os teatros lá e eles
contratavam os fotógrafos. Acho que a partir de dois mil, foi extinta essa divisão, então, só que aí eles têm documentada a história do teatro brasileiro até mais ou menos essa data e de lá pra cá, tá defasado. Só que aí, eles têm os contatos com os fotógrafos e a gente sempre alimenta o acervo, o multimeios deles lá. Recentemente, mesmo, em 2010,a gente acho que dez espetáculos que eles escolheram pra tombar, né, lá no Centro Cultural. Eu tenho um sonho Andreia fez designer gráfico e relembrou sua época de TCC, como não aguentar a presença de mais ninguém, nem escola, nem professores, muito menos os coleguinhas. Fez seu trabalho em grupo e durou um ano. Um ano com o mesmo grupo, entre amor e ódio. Explicou que o trabalho de designer gráfico é inviável de ser feito sozinho, pois o projeto é bem extenso para se apresentar. Projetos de sinalização, embalagem, criação de embalagem, editoração de livro e de revista e tipografia. A organização tinha de ser a de um grupo grande e focado, como por exemplo, uma pessoa estar responsável só pelo tópico de tipografia, que segundo ela, é uma dor de cabeça imensa, outro para tomar conta sozinho do projeto de embalagem. O grupo tinha que ter até sete pessoas... Depois de relembrar os anos de sua graduação, para e pensa... Andreia: Mas, que queria ter feito outra...! Talvez, jornalismo... Mas, eu sou péssima pra escrever. Tenho uma amiga que me disse “ah, isso você aprende... É técnica...” Mas, eu tenho sérios 103
problemas com redação. E quando você lê texto de jornal, você que tem mesmo uma técnica, que tem um jeito de começar, de desenvolver, de organizar as idéias no papel. Falei da minha recente formação em teatro e minha ocupação como professor de teatro para crianças. Andreia: E é gostoso esse projeto, né?! Eu acho que ensino de teatro deveria ser – não só do Teatro, mas do Direito, da Constituição – em todas as escolas. Tinha que entrar na grade curricular porque o Teatro liberta a pessoa. E não é só o Teatro, não é só a encenação! Meu, você aprende sobre corpo, aprende sobre projeção de voz, você aprende a se respeitar, aprende a pensar, aprende a respeitar o seu colega...! Eu acho que tinha que ser em todas as escolas isso, né?! Acho que a grande maioria dos problemas do Brasil de respeito e educação se resolveria com isso – com você conhecer, né?! Porque é uma arte coletiva, sem o seu amigo você não faz nada! Então, eu acho que a gente sairia dessa caixinha que a gente vive que sou só “Eu... Eu e a minha família...”, sabe um nepotismo...? Respeite seu colega, ele também vive, você precisa dele pra fazer as coisas! Eu acho que deveria ser em todas as escolas... Mas, é escola particular, né? Marcos: Sim, escola particular! Andreia: É escola particular! E essas pessoas se tiverem chance também, mandam embora! Meu sobrinho mesmo, tá com um projeto aí, falando que quer ir embora pro Canadá. Falei “Olha, João, se fosse em outras épocas, eu falaria...”, porque ser imigrante, em outro país, é foda, né? A gente vê 104
essa onda xenofóbica, em todo lugar...Até aqui no Brasil tem com os venezuelanos, o caos... “Mas, se fosse em outras épocas, eu falaria pra você pensar mais um pouco; mas, hoje, do jeito que o país tá também... Vai! Vai e seja feliz!” Mas, aí tem que largar tudo aqui, né?! Tá terminando a faculdade de Geografia, lá na USP, mas, aí, ele tá fazendo o que ele não quer... Porque ele quer esse negócio de... Fotografia, de Cinema, aí, acho que ele vai prestar pra audiovisuais na UNESP ou até mesmo, lá na USP. Mas, também tá com esse projeto de ir embora e sair do país. Eu falei “Poxa, Ivan, a gente tem que fazer o que a gente gosta, correr atrás do que a gente quer...”. Mas, essa are de Cultura, aqui no Brasil, é muito complicado. Você que é ator, você sabe... É muito complicado. Não é só o teatro, é em tudo! Tudo, tudo que você fala que é Arte... É “perfumaria”...! Tratado como perfumaria, tratado como supérfluo. Todo mundo acha que é e não dá valor, não dá incentivo. Aí “todo mundo é vagabundo”... Até pra minha mãe mesmo, quando eu falei que ia fazer o curso de Fotografia... “Fotografia...? Você não tem outra coisa pra fazer não? Fotografia...?”. Ainda, falava da Fotografia de Teatro , pior, né?! Hahah! “Não basta só ser Fotografia, tem que ser Fotografia de Teatro, ainda?”. Até gente que tá dentro de casa, que a gente sempre conversa, que a gente sabe como que é, né?! E tem já esse pensamento. Eu falei, “ah, João, termina a faculdade de Geografia...” Sei lá, mas, quando a gente gosta também das coisas, não tem como você falar, né?! Eu devia ser a primeira a falar “Não, vai atrás do que você gosta... Você quer ser ator? Corre atrás! Ah, tem que ter
sorte... Então, reza pra ter sorte!” Haha! Pra você ter sorte, talento, vocação... Porque não basta você só querer, né? Se não, também, fica dando murro em ponta de faca...! Mas, é o país que a gente vive, né? Se pudesse voltar atrás e “ah, acho que escolhi o país errado!” pra ir lá e começar em outro... Hahah! Mas, não dá, né?! Marcos: Não dá pra mudar o que já foi feito
antes... Só se transformar o país em outro e agora! Mas, agora também, tá difícil... Andreia: Vish... Com isso que tá aí? Ou continua do jeito que tá, ou piora...! A gente escolhe o menos pior, né?! Até o menos pior tá difícil! O João deve tá pendurado, lá, no telefone... Coitado...
105
Caráter – Uma sociedade em Estado de Sítio Falamos sobre os rumos do jornalismo, dos desempregados, da tecnologia, bem por cima e chegamos no assunto das fakenews. Andreia: Hoje em dia, a notícia é muito dinâmica, né? Realmente, se acontece alguma coisa, até você ligar pra pessoa chegar lá, tem que estar ali na rua... Hoje, qualquer um é jornalista, né? Qualquer um é fotógrafo... Porque hoje, precisa desse dinamismo, dessa velocidade, dessa rapidez da informação. Esse cenário pode confundir a maioria e pensar, ainda que amoralmente, como Andreia. Não, todo mundo não é jornalista – todo mundo tem a oportunidade de reportar um acontecimento através da tecnologia que interliga pessoas para a rapidez da troca desta informação, facilitando assim, o acesso a uma determinada maneira de comunicação. Jornalista é o profissional que checa todo o cenário de interesse público, reporta o que aconteceu, se foi realmente verídica a afirmação das testemunhas diante do fato, para que a interpretação do ocorrido fique com você, leitor e não com o veículo, não com o jornalista; para isso temos as colunas sociais e os artigos de OPINIÃO. Notícia é o evento sendo contado pra você, mostrando o que aconteceu, porque aconteceu, onde aconteceu, quando aconteceu, como aconteceu – todo este filtro só poderá ser feito de maneira segura e íntegra nas mãos de um profissional que treina, estuda e pratica esta técnica esquecida em vários pilares da humanidade: A técnica de 106
FALAR A VERDADE e não de FABRICAR UMA VERDADE. A verdade existe e simplesmente existe; se foi confeccionada, é produto. Ao ler uma notícia, prefira saber e não consumir! Marcos: E hoje em dia, pouco importa, né, a checagem da informação?! Andreia: Se é verdade ou se não, né? Muito se discute as fakenews , né?! Marcos: Está terrível, assim... O cara se dedica mais pra montar no site a mentira, do que realmente checar... Por causa do furo (de reportagem) né? O negócio do furo acho que piorou... Andreia: E como que se checa, assim? É mais discernimento da pessoa, também, né? Marcos: Ter discernimento... Tentar ver todos os lados pra ver se batem com a realidade, tem que ter coerência no texto... Andreia: Fontes... Marcos e Andreia: Fontes confiáveis... (Neste momento falamos juntos. Um sinal de união no nosso país). Marcos: E tem uma coisa que... Os veículos conversam entre si, também, pra checar... Então, cria-se uma imagem de concorrência, ainda mais entre as emissoras de TV, mas... Tem que conversar. Porque, se não, você não checa nada...! É óbvio que um possa estar mais adiantado que o outro, mas, pra dar a base verdadeira da história, um grupo conversa com o outro! Andreia: Mas, eu acho que essa fakenews existe, olha, desde os tablóides... Que eles ficavam inventando mentira de celebridades pra vender jornal, vender tablóide... Vender, né?! Agora, piorou um pouquinho, né?! Às vezes, eu tenho a sensação
de que as pessoas estão perdendo um pouquinho do brio... Davergonha, sabe? Da essência do que é ser humano, sabe? Não tem aí... Igual esse Trump, esse Trump é um babaca, como assim...? Ele simplesmente não tá nem aí pra ninguém e acho que nem pro país dele. Tipo o Kiko (personagem do Chaves – achou que eu fosse escrever “Frederico”, né?!) que era dono da bola, aí cansou de brincar, catava a bola pra parar e “Parei! Não quero brincar mais!”, pegava a bola e ia embora? Haha! Esse cara não tá nem aí pra ninguém! Tá tudo doido, hoje em dia... O mundo tá doido. O que eu percebo, agora, é que tá tendo uma onda da extrema direita, tomando força mais e cada vez mais... E não é só nos Estados Unidos com esse Trump, não! É na Alemanha, na Rússia, a França ainda não porque elegeu o Macron e ele tenta apaziguar tudo,né? Mas tá meio que... Turquia, tudo, tudo. E tem a ala, também, dos ditadores na América do Sul, né?! Nós dois olhamos para o jornal que está em cima da mesa. Andreia: Hoje, tem aqui no jornal... Eu achei uma coisa impressionante... Um povo morrendo de fome na Venezuela e o Nicolás Maduro em um dos restaurantes mais caros da Turquia. Segundo pesquisas que eles falam, assim, 99% da população da Argentina vive com menos de um dólar por dia. Isso é uma pobreza mesmo; por isso que tem essa onda de imigração e o cara lá, no maior restaurante... Aí você pensa se será que esse povo não faz nada? Só vê as coisas acontecerem? Também, é difícil, né?! E aí, não é só na Venezuela... A gente tem a Nicarágua que tá assim também... Mas, é político, né? A gente não sabe pra onde estamos
indo... Estado de sítio... Arquivo Caldas Andreia: Ele te falou um pouquinho de como ele arquiva? Marcos: Não... Andreia: A gente faz um arquivo, então, armazena tudo em HD externo! A gente tem um monte de HD externo, sempre espelhado porque isso aqui pra dar problema é fácil, né? E pra você perder isso aqui, a gente perde TUDO. Tudo MESMO. Inclusive a confiança (risos). Então, a gente sempre deixa dois HDs e como que a gente acha? A gente tem um banco de dados de teatro aqui no computador. Andreia abria pastas com planilhas, nas quais estavam indicados os nomes de peças, atores, data, se teve somente foto de cena ou de estúdio e as pastas se diferenciavam entre arquivo digital e negativo de fotografia. Andreia Olha, o digital começou em 2013, então, começou a se fotografar mais em digital. A gente sempre coloca o nome do espetáculo, a direção, aonde ele tá arquivado... Por exemplo, aqui tá no HD-16, mais DVD... O ano, que tipo de foto que foi feita, se foi divulgação, se foi cena ou se tem os dois, cena e divulgação , se é teatro, teatro infantil ou teatro musical, ou se é dança – a gente faz muita coisa de dança – e algumas observações... Algum tipo de observação, então, se é musical, que peça teve continuação, se foi – por exemplo – com Elias Andreato que é um cara que a gente 107
sempre trabalha bastante, então pede pra filtrar “Elias Andreato” e aí já acha tudo que tá relacionado com o Elias, com o Fagundes... Poucas observações que a gente acha viável colocar. Tem todos os espetáculos que a gente fotografou e o mais importante é onde está arquivado porque, às vezes, ele tem algumas editoras que pede foto, né, pra impressão em livro didático e aí pede, sei lá, uma foto do Decifra-te , aí você fica “Putz, o que é Decifra-te?”... Porque o João fotografa muito! Tem muito teatro rolando... Aí, a gente vem aqui nesse banco, pede pra fazer o filtro, escreve o que a gente quer, ele filtra e aí a gente sabe em qual HD que tem! O HD que tá no armário com os números... Porque daqui a seis meses, sete meses, essa peça do Gabriel (Vilela) já vai ser antiga, já vai ter passado, então tem que etiquetar bem pra saber em qual HD estará... Se alguém pede alguma foto, a gente tem que saber onde tá...! Os negativos são a mesma coisa...
108
Andreia me levou até um pequeno armário de escritório, no mesmo andar, na mesma sala. Abriu uma gaveta que tinha várias pastas etiquetadas de A-Z, dentro de cada uma delas, vários negativos. Andreia: A gente tem os nomes das peças de A-Z, aí, quando a gente precisa de algum, pelo menos não está,assim... Sumido, né? Porque são trinta e tantos anos de carreira fotografando teatro. Então, tem na pasta qual o espetáculo, qual o filme de câmera, são meios por onde a gente pode achar também. E isso aqui não acaba nunca, não deteriora. Até onde a gente sabe, não vai estragar. Agora, o HD a gente já não sabe... Porque já teve o CD, o DVD, agora, estamos no HD e agora, tem isso aqui, né? (Diz levantando um pen-drive) e tem 64 GB. E a gente não sabe como armazenar... Porque HD também dá problema. Tecnologia sempre dá, então a gente sempre deixa espelhado, deu problema em um, a gente sempre tem uma chance de achar no outro. Tem essas conversas de armazenar em nuvem, né? Que funciona, mas, esse é ainda um serviço muito caro... E como a gente vai armazenar tudo isso? Só de HD são quarenta, quarenta dois, quarenta e três HDs de 2 TB, 3 TB. Não sei se teria como armazenar... O ideal que o João fala é que o projeto dele é fazer uma edição, por exemplo, dos negativos, né? Vai pegar todos os espetáculos que ele fotografou e fazer aquela edição das melhores fotos, sabe? Aí, sim, edita umas vinte fotos de cada espetáculo e aí de tudo que ele já fez você ter umas vinte fotos de cada espetáculo... E aí, sim, armazenar essas...! Marcos: Uau, acho que nem o Centro Cultural
consegue... Andreia: Consegue, consegue... E fora o projeto dele ter um banco mesmo, um site dele, mas, de ser um banco de pesquisa. Espetáculo tal, tá lá com a ficha técnica, onde foi estreia, ter uma seleção de foto bacana dele... O banco de dados é alimentado sempre que João fotografa uma peça nova e arquiva, em um novo HD, todos os novos cliques. Há muitos pedidos de atores, produtoras, editoras e alunos que são fotografados pelo João. Andreia: É uma responsabilidade muito grande, né? Que a gente tem... Imagina, você vai fazer o espetáculo, fotografa e... A gente nunca deixa pra ser o último dia, uma única chance que você tem pra fotografar... Mas, às vezes, não tem como! As apresentações da Casa do Teatro são uma vez só e imagina se a gente perde isso. Porque aquilo só vai acontecer uma vez, não vai acontecer de novo... Foi aquele momento e não tem como voltar. Imagina se o HD dá problema, queima o arquivo, apaga o cartão... Uma dor de cabeça! Por isso que quando tem que fazer muita foto assim, a gente fica até um pouco estressado! Fazer backup, liberar cartão, depois fazer foto de novo... Esse trabalho do Vilela, o João fica super estressado! E olha que ele tem, oh, tempo... Tem carreira, faz isso quase que com os pés nas costas, só que não é bem assim, né? Só que não... Ele fica super ansioso, fica super nervoso de perder, dar pau... Às vezes, eu falo,“Mas, João, você faz isso há quase trinta anos...”, aí ele me fala “Mas, o dia em que eu parar de ficar preocupado, vai perder a graça! O dia em que eu achar normal, vai perder a graça!”.
Fechar com uma curiosidade que a humildade de João me ocultou e eu não sei onde colocar fora
109
110
deste bloco. Andreia: No Rei Leão (musical), acho que foi uma foto do João que foi a primeira foto que o diretor artístico do espetáculo aprovou sendo uma foto de cena pra ir pro programa. Assim, no mundo. Foi uma foto dele. Porque todas as outras, em todos os lugares onde o Rei Leão é montado, tem de ser aquele padrão de foto (posada) e quem dirige é o dono do espetáculo original, é o mesmo aqui, na Argentina, na Suíça, se for montado. E ele dirige a foto! Ele chega a pegar no fotógrafo e falar “é aqui!”. Os detalhes são cirúrgicos nas produção da Disney. E teve uma foto do João que foi pro programa que não era foto posada. Vou te mostrar o programa, vem cá! Musical, Tantas faces no Plural Descemos para uma salinha, na qual um display possui vários programas dos mais variados espetáculos musicais de São Paulo. Ouvimos os passos cansados e insistentes de João subindo as escadas. João: Puta, Marcos! Me desculpa, cara! Marcos: Imagina, sem problemas...! João: Uma hora no telefone... Andreia: Conseguiu? João: Não vai resolver! Andreia: Putz... João: Falei com a ouvidoria, tudo... Puta merda... Andreia: Eu tava falando das fotos do Rei Leão que eles são super... João: Super rígidos!
Andreia: E teve uma só de cena que você conseguiu... João: Consegui! Consegui colocar... Eu preciso achar, saber onde tá o programa! Andreia havia me dado o programa de luxo da primeira montagem brasileira de O Fantasma da Ópera, enquanto eu folheava, João observava e comentava... Na ocasião, eu havia assistido a montagem mais recente – a segunda que era feita do espetáculo, no Brasil, então, somente para situá-los. Marcos: Esse foi o primeiro Fantasma? João: Esse foi o primeiro! Eu quero ver o Fantasma de novo... Tava lotado quando você foi? Marcos: Tava super lotado! João: Você foi convidado...! Marcos: Nada... Haha! Paguei trezentão! A cara dos dois foi uma cena digna de foto! Andreia: Trezentos? Marcos O meu e o da minha amiga pra ir comigo. João: Duas meias... Marcos: Duas meias! João: Puta que pariu... Andreia: Caraca... Marcos: Porque eram os únicos lugares juntos no fim de semana. Pros outros dias, só tinham assentos separados ou visão parcial prejudicada. João: Você foi na plateia, embaixo, né? Marcos: Fui, fui! Mas, também... Saí encantado...! João: Ah, sim... Vale a pena! Vale a pena! Andreia: Vale a pena! João: É um belo espetáculo! Não sei com 111
quem você viu fazendo o Fantasma, mas, dizem que tá muito bom... Marcos: Eu vi com o Arancam... Thiago Arancam...! João: Ah, dizem que ele tá ótimo... Marcos: Tá muito bom...! João: E quem fez a Christine? Marcos: Eu vi com a Giulia Nadruz! João: Ah, eu gosto dela!!! Marcos: Eu gosto muito dela!!! João: Gosto dela... Já a fotografei algumas vezes... Ela é ótima!!! Marcos: O que você já fez com ela? João: Eu fiz o Musical Popular Brasileiro e fiz o Fame, o primeiro quando ela apareceu, assim... Ela quase fez o My Fair Lady, fotografamos ela no estúdio de Eliza... Mas, não rolou a produção... Querido leitor, vamos entrar numa seara delicada. Vamos falar de casos que aconteceram com duas grandes atrizes do cenário musical, numa produção em especial; para conseguir contar a vocês sem que ninguém seja exposto e a credibilidade de João não seja colocada em jogo, muito menos a minha diante dele por me confiar isso, irei substituir os nomes delas e de alguns diretores e atores para que a dedução pareça complicada de ser feita... Então, escolhi os nomes das personagens de O Fantasma da Ópera, já que é o espetáculo que está ilustrando o principal cenário do teatro comercial de São Paulo, na ocasião em que conversávamos. Boa leitura. Marcos: Não tinha uma história da Condessa da Christine e da Condessa da Carlotta? João: Olha, a Christine faziaa princesa do Han112
nibal maravilhosamente bem... Mas, a Condessa da Carlotta é foda...! Inclusive a Carlotta fez o papel da Condessa fora do Brasil, ficou nove meses em Hong Kong... Ah, é o papel dela! Inclusive, conversei com ela se dessa vez não ia fazer, aí ela “Não, tô muito velha pra fazer Condessa!”. Terminada a sessão “parábolas para não machucar ninguém e fechar minhas portas no mercado de trabalho”, conversamos mais sobre algumas atrizes que fizeram parte do portfólio de João. João: A Sara Sarres, tá lá no Annie... Fazendo uma participação muito pequena do que ela tá acostumada a fazer, mas, tá deslumbrante, também! Incrível! Marcos: Ah, sim...! Imagino! Ainda mais pela relação que ela tem, né, com o Miguel (Falabella), afetiva... João: Sim, ela bem amiga do pessoal lá do Atelier (de Cultura. Produtora de Espetáculos). Eu acho até bom porque ela tava como Aldonza lá no Homem de La Mancha e tava direto em cena, fizeram muito esse espetáculo, é bom que ela descansa um pouco... Marcos: Isso sugava bastante ela, né? João: Super, né? Agora ela tá fazendo só um pouco lá... A governanta do milionário... Perdão, BIlionário do Falabella... Super tranquilo! Ela tá sub-sub-subutilizada acho! Ela rende muito mais que isso... Mas, tá bom! Tudo bem! Marcos: É... João: Às vezes, é bom fazer uma alternância assim, né...?! Marcos: É que o pessoal fala mesmo que a Christine pra tratar com o público sempre foi um
amor e tal... João: Sim, sim... Agora, ela casou com aquele outro rapaz, o Raoul... Ele é bem legal! Mas, ela era meio bicudinha mesmo, né? Com a gente nunca foi problema, né? Andreia: É, nunca foi simpática... Nunca foi simpática, nunca foi antipática...! João: Mas, ela é boa atriz...! Andreia: Diferente da Sara que é super simpática... João: Nossa, a Sara não tem nada de estrela, né?! Andreia: Não tem! Não tem! Super acessível... João: Tem também a Amandinha (Amanda Acosta), tá fazendo a Carmen (Musical sobre Carmen Miranda para crianças) lá no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), não sei se você viu... Nossa, a Amanda é pessoa do bem... Andreia: Tem mais gente simpática nesse mundo do que os antipáticos... Hahah! Marcos: Ai, que bom! Andreia: Vou pegar um casaco porque eu também estou com frio... (Sai Andreia que desce ao estúdio). João: Eu também vou porque tá ficando gelado aqui dentro... Subo com João até o escritório e aí pelos degraus vamos conversando. João: Marcos, me desculpa... Marcos: IMAGINA...! Aliás, tava pensando aqui... Vou terminar de fazer o seu livro e fazer o da Andreia... João: O da Andreia...! Hahah! A Andreia tá comigo há... Onze anos, doze... Acho que é isso...!
Álbum de Família Marcos: Eu varei essa madrugada e minusciando algumas coisas mais pontuais e o que eu achei interessante foi que você começou por conta do seu irmão ir pro teatro, por conta do Renato ser ator e você o acompanhar... Mas, a questão da câmera foi com a sua irmã! João: É, porque ela ia estudar publicidade e eu acho que o meu pai comprou uma câmera pra ela... Marcos: Ela se formou em Publicidade? João: Ela se formou em publicidade na FAAP e uma das matérias curriculares é Fotografia. Mas, é aquela coisa, faz a matéria uns seis meses e só pra ter uma noção... Uma matéria do currículo, como qualquer outra matéria... E ela comprou a câmera e tal, mas, depois a câmera ficou meio subutilizada... E eu acho que eu comecei a me interessar pela câmera... Fui fazer aquele curso por correspondência e “comecei a gostar dessa história, me deixa aprender um pouquinho mais...”. Fui aprender a revelar, rebobinar filmelá no Lasar Segall... E aí, você começa a frequentar o mundo fotográfico,né?! E o que foi muito marcante foi um... Não sei se eu te falei do Encontro Fotográfico de Campos do Jordão... Dos anos acho que foi 1978/79... Ao mestre com Carinho João: Aí, tinha um amigo meu que falava “vai ter esse encontro fotográfico com a Estefânia 113
Abril” e nós fomos nesse encontro, a gente ficou lá uns oito ou dez dias... Era como se fosse aquele que tem em Paraty, agora... Paraty Em Foco... É um evento de uma semana que acontece palestras, workshops, vivências, práticas e você fica lá! E nesse encontro foram várias pessoas, artistas plásticos, designers, fotógrafos... Lá eu fiz alguns workshops, fiz um de retrato e de laboratório. Depois eu conheci esse cara que deu workshop de laboratório, de revelação que tinha se chamava Zone System do Ansel Adams... Ele quebrava todas as regras de revelar, do tempo do uso do filme pra fazer o filme branco e preto ter mais latitude, ou seja, ele ter mais capacidade de pegar as nuances entre o branco branco e o preto preto; porque tem uma escala de cinzas e uma escala de cinzas completa não me lembro se tem oito ou dez tons de cinza entre o branco e o preto! E esse americano, Ansel Adams, é o cara que fazia as paisagens dos grandes parques e ele fotografava com aquelas câmeras grandes com pezão e tal... Ele é um mestre, assim... Ele criou esse método e o Zé de Boni (Fotógrafo) adotou esse método e começou a ensinar! E eu meio que colei no Zé de Boni, fui ser assistente dele, ficava no estúdio dele montando o cromo, fazia as aulas dele... E era muito metódico assim, laboratório fotográfico era uma coisa científica, parecia uma UTI ali... O tempo, a organização e tudo isso eu aprendi... Fazendo laboratório muito melhor do que Photoshop, que eu tinha mais habilidade, tinha jeito e tinha um rendimento bom, assim... 114
Foi um serviço que quando eu comecei a trabalhar, eu agreguei! Então, eu fotografava, revelava e fazia as fotos! Por exemplo, esse trabalho que a gente fez com o Gabriel, a gente foi lá, fotografou e agora, o trabalho que a gente tem é editar. Editar, reeditar, cortar, preencher, ajustar cor... Porque nesse trabalho específico o Gabriel queria uma coisa meio sem cor. Então, quando você faz a foto, ela vem de um jeito padrão, né... E depois você pode ir mexendo de acordo com o projeto gráfico, de acordo com a sua intenção. Você a deixa em branco e preto, satura as cores, diminui as cores, você corta, aumenta o contraste, escurece os que estão muito claros e clareia o que tá muito escuro... Tudo isso você faz aqui no computador. Naquela época, esse esquema de fotografar em Zone System, permitia que o branco e preto – porque só tinha o branco e preto; o cromo era colorido e não tinha como mexer, isso também fez com que os fotógrafos fossem muito mais precisos naquela época. Você clicava menos e com o cromo – que é o filme de slides, sabe o projetor de slides? O Slide é um filme que não permite muitos erros! Hoje, o filme digital permite alguns erros... João estava prestes a me mostrar uma fotografia para ilustrar o seu exemplo, mas, aí... Seu celular começa a tocar. João: Ai, falta só um telefonema...! Marcos: Tudo bem... Haha! João: Oi, Fla!(Pausa) Terminei, já ia te ligar! (Pausa) O que aconteceu com o documento? (Pausa) Eita, nois... (Pausa) Hmm (Pausa) Mas, eu fiz o passaporte também, não fiz? (Pausa) Ou não? (Pausa) Ah... Nossa, também, não tinha a menor
ideia disso, ninguém falou nada...! (Pausa) Aqui no Brasil só funciona o RG, a carteira de motorista... (Pausa) Hmm, sei. (Pausa) Tem que fazer tudo de novo, é isso? (Pausa) Ela sabia que tinha que fazer isso? (Pausa) Hmm... Putz, então conversar lá que não fez e não cobra dessa vez, sei lá... (Pausa) Hmm. (Pausa) É... (Pausa) Exatamente agora, não consigo. Mas, o passaporte tá em casa. Eu tento passar aí e pegar!(Pausa) Há uma hora fica pronto o quê? (Pausa) Eu sei que eu tenho que ir, mas, o quê que fica pronto há uma hora? (Pausa) Bom, o número do passaporte tá aí, é só levar embaixo... Se precisar ir, eu vou lá e assino. (Pausa) Ah, entendi...! (Pausa) Uhum... (Pausa) Tá... (Pausa) Então, vamos lá! A uma hora você quer ir lá? (Pausa) Não, certo... Tá, tudo bem... (Pausa) Mas, eu passo aí, um pouquinho antes da uma. É pertinho! (Pausa) Daqui uma hora... Quinze pra meio dia, quinze pra meio dia! (Pausa) Té, já! (Pausa e desliga). Nossa, hoje, tá complicado... Outro problema, mas tudo bem...! Onde eu parei? Ah, o negócio da correção da luz... Marcos: Hmm... João: Então, o que eu tava te falando... Antigamente, a gente fazia isso na forma de revelar o filme pra ele ficar com mais capacidade de pegar as diferenças de luz. Então, mas, hoje em dia, o que acontece? Você erra feio a luz, tá vendo? O software até te sinaliza, aqui estourou muito a luz! Quando aparece essa luz vermelha, estourou a luz! Tem muita luz, então, você perdeu toda a informação da fotografia... Não tem mais informação nenhuma. É só pra você comparar naquela época e agora!
O que um botão faz no anseio tecnológico por velocidade, João fazia artisticamente com qualidade, em laboratório. Seu diferencial no mercado de outrora, hoje, para o mercado contemporâneo, é somente uma peculiaridade. João: Então você consegue numa foto... Toca o celular. João: Pera aí, desculpa! Marcos: Magina! João: Oi! (Pausa) Tá. (Pausa) Ah, que ótimo. (Pausa) Tá embaixo, onde tem a... Os sapatos... Embaixo de tudo, tem a crocs, tem um sapatinho, tem umas revistas de jornais velhos, tá aí. (Pausa) Achou? (Pausa) Dentro tá o RG também, se quiser ir lá e fazer tudo... (Pausa) Então, pronto. Então... (Pausa) A gente já vai adiantando, se puder só chegar lá e assinar, melhor ainda. (Pausa) Olha, quando eu fui lá, eu fiquei três horas esperando... Se ele puder te avisar “fiz o documento, pode vir”, era melhor! (Pausa) Exatamente agora, eu não posso sair daqui (Pausa) Eu tô dando uma entrevista aqui que vai acabar daqui a quarenta minutos – João me dá um sorriso e mostra a língua como o simpático retrato de um Einstein engraçadinho tentando ganhar tempo. (Pausa) Não posso interromper! (Pausa) Tá, vê se consegue ir adiantando. Seria ótimo (Pausa). Tá bom? Achou aí, né? (Pausa) Tá, tchau! (Desliga). Marcos: É a esposa? João: É a esposa. Agora, é outro problema, ou seja, nada se resolveu! Marcos: Hahaha! João: Nossa, tem dias em que você precisa ser zen budista pra... Nossa Senhora...! Mas, tudo 115
bem! Marcos: Haha! João: Tá tudo com saúde, já tá tudo bem...! Hahah! Marcos: Haha! Já tá ótimo...! João: Não tá no hospital, tá bom! Haha! Marcos: Haha! João: Bom, então... Os erros eram muito menores e você perdia a foto. Porque você tirava menos fotos, pois, os filmes eram caros. Claro, você não tinha o controle se a pessoa piscava e não tinha esse recurso que a gente tem hoje... As fotos em grupo, né? O que acontece... Você pega num grupo, uma senhora que piscou, aí na outra foto, ela tá com a cara boa; então, o que é que a gente faz? Você pega essa cara dela, recorta só esse pedaço aqui e cola na outra. Aí, foto de grupo você vai olhando um por um... Esse aqui piscou também, oh... Aí, você pega ele em outra foto e tá bom...! Então, hoje em dia, a gente consegue fazer esse trabalho todo no computador! Antigamente, não. Você acertava ou errava. Era uma coisa mais precisa... Não sei! Sempre deu certo e sempre funcionou! Então, foi bom ir nesse encontro de Campos do Jordão, começar a ter aula e fazer workshops com eles e naquela época, não tava fotografando teatro, não tava fotografando nada... Encantado com a fotografia. Eu fiz com esse cara de retrato, fiz com o Zé De Boni que era fotógrafo de natureza. Aí, depois, eu acompanhei ele fazendo umas matérias da Abril, na Bolsa de Valores... Depois, ele abriu uma galeria de fotos, uma das primeiras de São Paulo... Então, foi uma vivência 116
muito legal de conhecer fotógrafos, ver o processo de montagem de exposição, a coisa do arquivo... Aí, depois, repassando as fotos, aprender a ampliar, aprender a fazer uma cópia num processo de museu pra aquela foto impressa durar cem anos... Fazer umas viragens técnicas... Então, foi um processo de aprendizado muito grande! E tudo Fotografia. A coisa do teatro foi mais quando meu irmão em 81 me chamou pra fazer aquele espetáculo que eu te falei... Aí, tiveram as variações, eu trabalhei no hospital que eu te falei, né?
Caldas’s Anatomy Marcos: O hospital foi no Exército? João: O hospital foi do... Eu tava fazendo faculdade de engenharia. Em 75, entrei; em 76, o exército; em 77, fiz a faculdade de engenharia e em 78, fiz outro vestibular pra fazer cinema na ECA e lá, eu conheci Maurício Simonetti, que é um baita fotógrafo, e ele trabalhava no Hospital Oswaldo Cruz, como fotógrafo! Porque os médicos, lá do Hospital, no instituto de radioterapia, eles contratavam fotógrafo três vezes por semana, meio período, era de segunda, quarta e sexta à tarde... Pra reproduzir os livros, fotografar as chapas de raio-X – naquela época, acho que não tinha nem ressonância. Depois começou a ter tomografia – e também, fotografar algumas cirurgias porque medicina tá sempre em pesquisa, evolução, então... Não tinha muita tecnologia, então, tinha uma cuidado de documentar tudo isso e também, de dar aulas! Cada caso virava um conteúdo de aula, então tudo isso tinha que ter um documento fotográfico e de vídeo. O Maurício trabalhava, a gente ficou amigo... Aí, ele falou “Oh, João, tô indo trabalhar na Agência F4”, que foi uma agência de fotografia importantíssima de Jornalismo, só tem fera... “Eu vou ser laboratorista lá na Agência, você não quer ficar lá no meu lugar?”... Pô...! Haha! Aí, eu consegui o meu primeiro emprego de fotógrafo, carteira registrada... Isso foi também em 80... 89/80...! No Hospital Oswaldo Cruz! E eu trabalhei lá, acho que três anos e pouco... Na verdade, a gente fazia muita reprodução,
eles tinham câmera e fazia gravação em vídeo, fotografava os pacientes e lá, teria que ter uma revelação porque naquela época, não tinha o Power Point! Então, eles faziam os slides com texto e aquele fundo azul. Aquilo que a gente faz hoje no Power Point, fundo azul/vermelho... Aquilo era um processo fotográfico chamado kodalite de alto contraste que a gente punha na câmera! Rebobinava, punha na câmera, fotografava os textos que os caras escreviam – já tinha computador e impressora, colocava aquilo em slides e eles davam aula! Às vezes, fotografava gráfico, raio-X, pra eles darem a aula no congresso e tal... E paralelo a isso, como era só três vezes por semana, dava pra fazer outras coisas, ir na faculdade, né? Dava pra fazer tudo...! Aí, logo na sequência, fui pro Centro Cultural e saí do Hospital. Louco, né? Porque foi tudo perto... Morava no Paraíso, o Oswaldo Cruz era ali, o Centro cultural era ali... Então fiquei sempre naquela região muitos anos...! Esclarecendo Pontos– Um Visconde de Chagny para Caldas Marcos: Então, foi o Takla que te colocou no mundo dos musicais... João: Foi tudo indicação mesmo... Eu fiz um espetáculo pro Centro Cultural... Poxa, eu não lembro como eu conheci o Takla... Acho que alguém me indicou, ele chegou a fazer um espetáculo que era até com a Walderez de Barros... Outro espetáculo, que não aquele da primeira vez fotografando-a... Era uma direção, que até o 117
cenário e o figurino era do Charles Möeller – que hoje é diretor, trabalhava com o (Jorge) Takla, tava começando, “João, você tem que conhecer esse garoto, é um talento, sabe tudo...”. Poxa, como era a peça...? Bom, a luz do Takla, os cenários, nossa... A foto eu tinha impressa, uma foto da Walderez com cinco, seis atores... E eu fiz esse trabalho pro Takla. A gente se afinou bem, ele gostou do trabalho, então, sempre que pode me chama! E aí, quando a CIE veio pro Brasil pra montar os musicais, contrataram ele pra ser diretor artístico da CIE, diretor de Teatro. Porque a CIE, antes da Time For Fun, é igual a Time For Fun: Teatro, Shows, Eventos... A T4F é uma cópia d CIE, só que brasileira. Então, ele era tipo um curador do que a CIE ia trazer, como ia trazer, cuidava dessa parte... O link das produções americanas de teatro musical pro Brasil.
118
Todo musical, tem um diretor residente e na época, era a Tânia Nardini, que era coreógrafa e hoje, tá dirigindo Chicago, em Paris... A Tânia é espetacular... Disputadíssima em países, na Broadway... Aprendeu aqui, tá no mundo. E ela trabalhou com o Takla como diretora residente e agora, tá dirigindo esses musicais sozinha, no mundo, onde chamam ela...! Uma diretora que fica durante toda a temporada pra substituição e ela assiste pra manter a qualidade. Uma coisa que se foi ver sábado, daqui uma semana tem que estar igualzinho. Se trocar alguém, tem que estar igual! Então, a ideia é essa desses musicais... Mas, aí o Takla se arriscou e falou “Vamos trazer o fotógrafo” e o primeiro que ele trouxe foi Os Miseráveis, quem fez foi uma fotógrafa de música que foi chamada, a Lúcia... Não vou saber o nome completo, também, mas... Colega também,
parceira... Depois, pro Fantasma, eu que fiz! Aí, fiz uma sequência... Primeiro foi o A Bela e a Fera, depois foi O Fantasma da Ópera, depois teve Chicago, A Família Addams... Aí teve teatro (dramático), fizeram algumas peças de teatro... Teve uma com o Lázaro Ramos e a Taís Araújo... E até hoje o Takla me chama pra fazer as óperas dele... My Fair Lady, eu fiz as duas... O West Side Story, as peças da Marília, Chanel, Master Class... O Takla é um cara bacana! Depois, o Takla recebe todo mundo na casa dele, faz um jantar... O Takla é muito sofisticado. O Takla nasceu na Síria, não sei se é de Damasco ou se é de Beirute... E foi educado, formado, em Paris...! Tem formação erudita tipo, desde jovem, assim... Entende de Ópera como ninguém. O cara que fala francês, inglês muito bem! Dizem que é difícil trabalhar pela rigidez, tipo Gabriel Vilela... O Gabriel Vilela
119
é duro... Marcos: E o Takla põe isso no meio operístico e musical...? João: É...! Dizem que é uma pessoa difícil, eu nunca tive problema com ele... Marcos: É uma coisa de ator, né? João: De ator, diretor, muita gente briga, sai... Como no Gabriel, né? Muita gente bate de frente, corta relação, fica de mal pro resto da vida, isso acontece. Eu como fotógrafo transito muito por fora mesmo, né? Eu vou faço as fotos e saio. Mas, a gente se dá muito bem... O Takla... E ele confiou em mim, então, eu tenho acompanhado bastante coisa dele! Essa coisa de trabalhar com os gringos em musical tem um lado legal, você atende a uma demanda de alto qualidade, mas ao mesmo tempo, tem que obedecer a um padrão que no mundo inteiro, as fotos não têm a cara do fotógrafo, as fotos têm a cara do espetáculo! Agora, com o Atelier de Cultura está acontecendo uma coisa curiosa, eles estão querendo evitar fotos posadas. Então vamos ver se vai dar certo... Receberam as fotos e o cara do programa deve estar louco porque mandei 1.800 fotos pra ele, o programa tem 50 fotos, geralmente. Mas, como são 3 elencos, 3 meninas, eu fui quatro vezes, então pra ter cada vez um elenco de criança. Ia ser legal porque seria o meu primeiro programa totalmente feito com foto de cena. Mas, não sei... Acho difícil.
120
121
CENA 3 – Numa Sessão Dourada Condomínio Praias Paulistas, Parque Cruzeiro do Sul, dentro do quarto mais distante da porta do Apartamento 1 do primeiro bloco do residencial, aqui se encontra um narrador que foi convidado pra acompanhar uma sessão profissional em estúdio do espetáculo Num Lago Dourado com Ary Fontoura. A peça teria substituição da atriz protagonista para o início de uma nova temporada. Cléo Ventura assumiria o papel dali por diante. Mais uma vez pego pelo transporte público da Zona Leste de São Paulo, meu bilhete único não estava carregado. Na verdade, pego pela minha memória que resolveu esclarecer esse descuido logo que eu despertei...! De carona com minha mãe até o metrô Artur Alvim, o relógio era a paisagem que eu fitava mais aflito e catártico... Me via obrigado pelo vício das caronas e quando minha mãe me deixou na estação, pedi um Uber! Meu alívio era que muitas coisas ainda estavam para ser preparadas no estúdio de João, então, eu estava com uma folga técnica de horário. Cheguei ao estúdio. João me recebeu tranquilo, sorriso no rosto... E o principal foi dito por ele... João: O Ary (Fontoura) não chegou ainda...! Com alívio, fui apresentado à equipe da peça, na qual tínhamos o produtor, as produtoras, a assistente de direção, a maquiadora e a estrela da vez, Cléo Ventura. A atriz que assumiria o papel que foi de Ana Lúcia Torres na temporada anteri122
or é uma distinta mulher, elegante, tratada como senhora por respeito – seus cuidados pessoais são nítidos e harmoniosos. Não se diz que a distinta senhora já trabalhou em Hair, musical tão ousado e revolucionário, ainda mais pela escolha da produção da época, em fazer uma cena de nu frontal como protesto – estávamos na época de Ditadura. Dentro do estúdio, uma arara com vários figurinos, uma caixinha de som JBL tocando a trilha sonora do espetáculo, a maquiadora fazendo os últimos retoques de Cléo... Campainha tocou. João: Deve ser o Ary...! E era. Entra Ary que todo esportivo nos levou na esportiva. João me apresentou a ele e eu tentando esconder um nervosismo de fã diante dele...! Ary: Opa, tudo bom? Prazer em conhecê-lo! João: E aí, Ary? Ary: Tá friozinho, né, João...?! Nossa...! A Cléo tá aí, já? Ary abre a porta de acesso ao espaço do estúdio mesmo e cumprimenta a todos com a mesma energia positiva e irreverente. Ary: Olá, saudações a todos...! Olá! Todos: Haha! Olá! Cléo: Oi, Ary! Os dois se abraçam e se cumprimentam ao som de reações de fofura e aplausos da produção. Ary logo se posiciona numa cadeira para ser maquiado.
João: Achei que fosse te ver com aquela barbona, Ary...! Por causa da novela Ary: Não, aquilo era colado...! Eu tinha que ter essa barba base, pra poder orientar a maquiagem e aqui era colado em mim fio por fio! João: Nossa...!
Ary: Era um inferno aquilo...! Não sei quantas horas de maquiagem porque tinha que ficar sempre igual. Pode ver que a barba ficava sempre igual...! João: Ah, isso é verdade... A fotografia da Globo é fantástica, a maquiagem, o cenário... Tudo! E agora? Vai descansar um pouco? Ary: Vou naquelas, né? Vou fazer a peça agora e já, já tô fazendo essa outra novela também... João: Caramba, Ary...! Uma na outra, assim, emendado? Ary: Uma na outra... Cléo: Já ponho o roupão...? Produtora: Ainda não...! Espera o Ary terminar aí os dois já terminam juntos... Cléo: Ah, tá bom! Okay! As conversas durante o processo de maquiagem e figurino de Ary e Cléo foi de uma nostalgia de um perfil de gravações que não se tem mais em televisão. Cléo: Outro dia tava vendo uma cena da Débora Duarte que tava reprisando, ela saí assim... Aí ela nitidamente, tropeçou, quase caiu e eles deixaram! Não cortaram a cena, não editaram nada! Ary: Ah, hoje em dia, eles fazem isso... Eles falam “Ah, não... Tá bom! Tá bom assim... Pode deixar”... Eles não refazem! Cléo: Uma vez, eu fui fazer uma cena que na hora da emoção, eu virei e dei uma fala meio que virada pro chão... A fala não ia sair no vídeo, ninguém ia entender... E vocês acreditam que eles não quiseram refazer? A menina falou “Ah, não precisa refazer não...”, aí eu “pera aí, como não?”. 123
Todos: Hahah! Cléo: Eu dei uma fala virada pra baixo, como assim...? Marcos: Haha! Cléo (interagindo diretamente comigo): Né? Não, eles são terríveis... Ary: Por isso que toda vez que eu erro, eu boto um “puta que pariu”! Todos: Hahah...! Ary: Engasgou, até vai... Eles podem até pensar em tirar. Mas, palavrão não tem como ir pro ar... Então eu meto um “porra!”, “PQP” que não tem erro! Marcos: Hahah! Ary (interagindo diretamente comigo): É, menino...! Tem que ser...! Produtora: Vem, Cléo... Leva essa roupa e pode se trocar ali no banheiro...! Cléo: Ah, tá okay, obrigada! Com licença, gente...! Cléo sai para se trocar e os produtores discutem qual a música da trilha deve ser tocada para ficar de som ambiente... A assistente de direção é Andrea Bassit...! Andrea: Nossa, João...! Que potente essa caixinha... João: Essa marca é muito boa... Andrea: Mas, deve ser caro, né? João: Olha, é um investimento que vale a pena. Mas, tem que ser dessa marca...! Marcos: Verdade, até os fones dela são bons... Preferência a uma marca específica de aparelhos variados de sons. Mais uma semelhança entre mim e Caldas, além de O Homem de La 124
Mancha. O estúdio já estava completamente montado com um fundo infinito, luzes específicas – iguais as da sessão de fotos da temporada anterior – e as posições dos atores teriam de serem as mesmas no set. Cléo iria entrar no programa oficial da segunda temporada, então deveria posar como Ana Lúcia Torre posou para o primeiro programa. João: A gente sempre checa o programa anterior, quando acontecem essas substituições... Então, a roupa estar mais dobrada ou mais amassadinha na lapela direita, se tava usando anel ou não, posição dos atores, se os dois terão a mesma referência de olhar ou não... Tudo isso a gente tira da proposta do programa anterior, já que o diretor não tá aqui e deixou as ordens de manter a mesma coisa. Cléo entra no estúdio. Andrea: Pronto, a Cléo chegou, gente! Cléo: Já fui anunciada...! Marcos: Haha! Cléo sorri pra mim. João: Adoçante ou açúcar, Cléo? Cléo: Adoçante...! Ary termina de ajeitar sua gravata e avisa a diretora, na ocasião. Andrea: Já podemos tirar, tá, Ary? Podemos, João? João: Tudo pronto, dona Andrea! Haha! Andrea: Haha! Então, tá bom! Podemos fazer a primeira pose...! Ary e Cléo se posicionam no fundo infinito e fazem a pose, na qual estão abraçados. Ary, por 125
trás de Cléo, a abraça. João vai tirando as fotos e dirigindo reações dos atores, ao som da trilha da peça. Cléo: Pode encostar a cabecinha no ombro, eu acho meigo! Ary: Assim? Cléo: Isso! João dispara alguns cliques. João: Só tira essa mecha que tá atrapalhando o sorriso... Isso! João finaliza alguns disparos e os produtores checam no visor da câmera as fotografias! Ary: E agora? João: Agora, tem uma de vocês de mãos dadas, um do lado do outro...! João dispara alguns cliques. João: Isso...! Agora junta um pouquinho mais, com as cabeças se encostando...! João dispara alguns cliques. A pose muda em detalhes. João: Deixa eu limpar o seu blazer, Ary...! Pronto... (Faz alguns cliques) Querem ver como ficou? Cléo e Ary vêem suas fotos e sorriem satisfeitos. João: Agora, uma dando beijinho...! Cléo: Hahah! João: Haha... Ary mantém um beijo no rosto de Cléo que sorri encantada. Andrea: Faz uma deles olhando pro outro lado, aquela cena do lago... Produtor: Ah, sim! João: Então, bora...! 126
Os atores se reposicionaram e olhavam para o lado oposto, tendo uma referência que passava a ideia de que eles estavam olhando pro horizonte. Andrea: Faz a cena pra ajudar vocês...! Ary de pronto começou a improvisar no fundo: Ah, olha, meu bem... O lago... Cléo: Ah, que lindo o lago... E olha, tem até gansos... Neste momento os produtores saltaram pra detrás da pilastra e com as mãos faziam a mímica de ganso, enquanto também imitavam o som de um... Cléo começou a rir e Ary entrou no jogo! Ary: Ah, olha os gansos... Que lindo, os gansos... Cléo tentando se conter: Sim, meu amor... Os gansos... Ary: Sim...! Estão acasalando os gansos...! Olha... Os gansos...! Cléo: Hahah... Para, Ary! Haha... Terminadas as fotos de casal, foi a hora das fotos individuais. Primeiro, Ary, numa cadeira e posando de algumas maneiras. Cléo ainda posou segurando o encosto da cadeira onde estava Fontoura, ao mesmo tempo em que apoiava em seus ombros. Depois, Ary terminou suas fotos individuais. Cléo esperou sua vez, encostada na pilastra e em seguida, posou individualmente. Ao final, foi feita uma foto geral da equipe com João, Andreia (assistente de João) e adivinhem... João: Vai lá, Marcos! Ganhei uma foto, ganhei uma família – ainda que somente durante alguns cliques. 127
Ary, João e eu ficamos conversando durante o momento do café. O ator mora no Rio de Janeiro, em maior parte do tempo, por conta das gravações de novela da emissora que lá se localiza. João: E como tá lá, no Rio, Ary? Ary: O Rio está impraticável... Copacabana, Ipanema, em todo lugar...! Quem vai visitar, talvez não sinta isso. Mas, a gente que mora lá, sabe de tudo que tá acontecendo. É terrível, é um estado terrível de andar... É atemorizador viver no Rio. É uma cidade turística, como você mantém uma cidade turística, na qual as pessoas não podem tirar uma câmera pra tirar foto porque vão ser assaltadas? Não tem de onde tirar dinheiro mais pro Rio, o governo do Cabral secou tudo! Tudo o que eles podiam, eles secaram! Gente que é funcionário público que não recebe décimo terceiro de 2015! Eu tenho uma casa aqui na Batatais, no Jardins... Eu adoro porque eu ando! Eu gosto de andar, poder andar pela rua. E agora, o seguinte... Quem nunca roubou, vai começar a roubar agora...! Em conversas sobre o cenário eleitoral, no qual, um candidato com perfil autoritário, da extrema direita, influenciando ações violentas no país, estava ganhando nas pesquisas de intenção de voto, Ary respirou fundo... Ary: As pessoas vêm falar pra mim que na ditadura tivemos as melhores músicas, as melhores peças... Sim, realmente. Foi um período de criatividade muito grande, excepcional, a criatividade e a produção aumentou muito... Mas, você não podia se expressar. Então, tentava se 128
expressar por todos os meios, todas as vias e isso aumentou a inteligência artística. Mas, mesmo assim, não é o ideal! O ideal é que se tenha a permissão para se comunicar e isso foi calado pela ditadura. Olha, eu sinto o seguinte... Ou vai continuar a mesma coisa, ou vai vir algo novo e esse novo pode não ser algo tão bom.
129
130
131
CENA 4 – Galeria dos Caldas Bread Boulevard Marcado o café com Alda Caldas, a irmã de João. A caminho da Galeria dos Pães, na Rua Estados Unidos (perto da Rua Augusta), estava no metrô quando recebo uma ligação de Alda. Iria se atrasar um pouco. Eu disse que tudo bem, não tinha problema...! Estava eu na Avenida Paulista esperando um Uber, que assim que chegou, parou em frente ao café combinado e logo saiu acelerando. Eu corri tanto que parei na frente da FIESP. Um aviso no aplicativo: Seu motorista precisou cancelar a corrida. Quer dizer, corri da Starbucks até a FIESP, tive que engolir esse Sapo e agora teria que pagar o Pato também, chamando outro Uber. Chamei outro Uber, foi ligeiro. Contei que ele era o salvador do meu dia e expliquei que foi por conta do vexame que passei às onze horas da manhã na Paulista. Ele riu, aliás, não é todo mundo que faz questão de acordar cedo pra passar vergonha. Chegamos à Galeria dos Pães. Entrei e sabendo de duas coisas e tendo uma fé: Estava adiantado. As opções de produtos são maravilhosas. Tenho fé que terei dinheiro o suficiente para o que eu consumir. Eu nunca havia visto Alda antes. Então, me localizei atrás de uma cesta de pães que fica ao lado da catraca de entrada. Quem fosse que entrasse sendo mulher e procurando alguém para 132
um café, já dispararia: Olá, a senhora é Alda? Aí, um desespero. Depois de um tempinho, mesmo com sinal de rede telefônica, eu não estava conseguindo completar a minha ligação. Fiquei mais agoniado de perguntar a quem entrasse na loja: A senhora é Alda? Me encostei na escada que dá acesso ao piso em que servem o almoço. Essas escadas rolantes – quando você rola, vai até lá embaixo, não tem segredo. Eis que entra uma senhora de óculos escuros, elegante, uma pose que me lembrava a da personagem Norma Desmond entrando em cena pela primeira vez no musical Sunset Boulevard. Já que boulevard é um termo pra denominar vias de tráfego elegantemente amplas, geralmente com alguma preocupação paisagística, posso dizer que os arvoredos eram os muffins e a clorofila do ambiente natural era a cafeína... Ela tira da bolsa o seu celular, em pé entra as mesas da área de café e vendo que procurava alguém, tive certeza. Me aproximei até ela. Marcos: Alda? Alda sorri por entre os óculos. Breakfast At Alda Pedimos um café. Cada qual na sua comanda e começamos a conversar. Alda: Então, o negócio da câmera... Eu tinha máquina fotográfica e eu sou ciumenta com as
minhas coisas, ainda mais máquina fotográfica... E na época, era aquela manual, analógica. Então, tinha que tomar o maior cuidado com as lentes, trocar as lentes, guardar direitinho... E ele era meio garoto, meio criança... Né? Marcos: Haha! Alda: Mas, aí... Ele era cuidadoso, sempre foi cuidadoso... Aí ele “Não, me empresta sua máquina porque eu vou fazer uma viagem...”. Aí eu falei “Olha lá, hein! Eu empresto, mas tem que voltar exatamente igual...”. Daí, ele levou, cuidou direito, super cuidadoso. A câmera subutilizada, na verdade era superprotegida e a viagem para Campos do Jordão teve sucesso com a câmera da irmã de João. Alda: E ganhou um prêmio com essa foto que ele mandou pra um concurso do Banco do Brasil que era do calendário... Não me lembro exatamente o quê que era... E ganhou! Daí, então, eu já relaxei, já deixei usar a máquina à vontade... Mas, aí quando a gente ia viajar, eu fotografava, ele fotografava... E as minhas fotos – eu não tenho nenhum compromisso né – a gente fazia tudo em slide... Mandava revelar lá com os profissionais que ele já trabalhava no jornal, aí ficava montando... Eu gostava dessa coisa! Mas, eu não tinha nenhum problema de mostrar as minhas fotos, então, todo mundo via as minhas fotos e as dele, não! “Porque não, porque eu tenho que ver... Porque eu vou fazer uma seleção...”, ai... (Revira os olhos pra cima). Marcos: Haha... Alda: Claro que as dele eram muito melhores que as minhas, óbvio! Mas enfim... Foi assim... 133
Marcos: E ele sempre foi muito tímido? Desde sempre? Alda: Sempre... Não é uma questão de ser muito fechado, ele é uma pessoa... Elegante, eu acho... (E levanta um gesto simbólico de etiqueta com a mão). Eu tenho dois irmãos. Um é todo descolado, pimenta, já vai falando, é animado, conta piada (Renato Caldas) e ele é todo sério, quase formal... Então, todas as minhas amigas acham ele super cavalheiro, elegante, chique! E outro é mais despojado! Marcos: O Renato é mais aberto? Alda: Uhum... E eles são super diferentes nesse ponto! Não é uma timidez, assim, de ter vergonha, é uma timidez de ser mais quieto... Eu acho que às vezes, eu sou até mais tímida que ele. Agora um pouco menos, mas já fui mais... Primeiro ficar vendo o que tá rolando e depois, eu vou me manifestar. E ele era um pouco assim. Por isso que ele tem esse olhar... De observar. Um olhar diferente pra foto que é super importante. Marcos: Você começou fazendo Publicidade. Você ganhou a câmera ou a comprou? Alda: Eu ganhei do meu pai que tinha uma câmera ou ele tinha de alguém, eu não sei... Não me lembro direito, mas ele me deu. Era uma câmera já usada, super boa, uma Canon... Marcos: Pra fazer o curso de publicidade... Alda: Não. O curso que eu fazia, que era na FAAP, tinha as câmeras lá...! A escola disponibilizava as câmeras e a gente podia pegar – era um máximo, na época porque tinha até grua pra fazer cinema! Todas as câmeras, laboratório, tudo à disposição. Era só assinar o livro e depois 134
devolvia! Marcos: Então, essa câmera, você pediu pro seu pai? Alda: Não, não pedi não! Não sei se ele ganhou, comprou... Aí, eu vi que tava joga lá e “posso usar a câmera?” e ele “pode, pode usar pra você”. Eu gostava de fotografar e ainda gosto. Marcos: Como começou o seu gosto pela fotografia? Alda: Eu sou muito observadora, também! Então, eu gosto de registrar coisas diferentes, coisas cotidianas, assim... Por exemplo, numa viagem, eu gosto de fotografar as pessoas, o jeito, as roupas, algumas comidas, alguns tipos de costumes como o jeito em que se põe a comida, entendeu? Detalhes, assim... Mais até do que paisagem, porque paisagem é a coisa mais fácil! Todo mundo tá vendo! Então, eu gosto dos detalhes... Quando eu fazia propaganda, eu gostava também das coisas pequenas assim, foco no detalhe. Mas, eu sou amadora, né... É que eu importante o detalhe. É o que faz a diferença. Marcos: Em teatro você ia desde pequena com seu pai...? Alda: Ia. Meu pai levava, nós três, assim, no teatro direto. Todo domingo, a gente ia ou no cinema, ou no teatro, filme infantil, peça infantil... Muitas! Todas! Quando eu fui a teatro de adulto, eu tinha onze, doze anos... Eu fui ver My Fair Lady e eu achei um máximo, me senti super importante, que era com a Bibi Ferreira. Eu fiquei encantada porque o teatro era lindo, as pessoas arrumadas, teatro de gente grande... Me sentindo o máximo. 135
Marcos: Foram os três pro My Fair Lady? Alda: Não, eles eram muito pequenos...! Eu tenho quatro anos de diferença do João. Eu tinha onze, eles tinham oito, nove. Muito pequenos pra mandar pro teatro adulto. Mas, a gente sempre ia, assim... Meu pai tinha essa coisa de levar as crianças todas em programa de adulto pra gente aprender. Levava em museu, levava em teatro, recomendava peça, estimulava a gente a ver peça. Marcos: Seu pai trabalhava com quê? Alda: Meu pai? Era advogado, trabalhava com comércio exterior. Nada a ver com a área. Mas, ele sempre gostou muito de teatro. Minha mãe era dona de casa. Ele gostava tanto de teatro que ele colecionava os programas, ele tinha uma pilha de programas de teatro que a gente doou... Não sei se o João que doou pro Museu do Teatro, Casa de Cultura... Que tem um acervo de teatro! Coisas raras, assim... Eu não vou jogar fora isso, né? Não sei nem se ele já doou, só sei que ficou com ele (João). E queria encaminhar pra algum lugar que desce valor; pra não jogar fora e nem vender por papel...! Então, meu pai, gostava muito e a gente aprendeu a gostar de teatro. Marcos: Então, nunca teve nenhuma resistência do seu pai pro Renato virar ator...? Alda: Imagina! Nada... Marcos: Seu pai devia ser bem cabeça aberta, tranquilão... Alda: Ele era! Super! Super moderno! Muito moderno... Marcos: Você são de família católica... E ele casou-se com uma judia... Você sabe como ele conheceu a esposa dele...? 136
Alda: Hmm... Não sei exatamente... Mas, eu lembro que eu fui numa festa de uma amiga em comum e ela tava lá! Aí ele falou “Tá vendo aquela moça ali?”, aí eu “Tô”... “Tô um pouco afim dela...”. Aí eu “Ah, é?!”,aí eu “Não, mas... Não sei quem ela é...”, aí ele “Ah, ela amiga da fulana da amiga da dona da casa...” e eu “Ah, tá! Boa sorte, lá...”. Marcos: O João chegou a ser meio namorador? Alda: Ah, mas é tudo nas discrição, assim... Marcos: Sempre muito reservado... Alda: Sempre uma de cada vez... Era uma coisa normal, assim...! Marcos: No colégio também, sempre muito aplicado? Alda: Ele era muito estudioso, estudava no São Luís... Depois, a gente começou a ver que ele não gostava muito (risos) de estudar lá e sempre achava muito careta... O colégio era só de menino, então, não absorvia nada... Colégio de padre ele tem um pouco de restrições... Mas, era bom aluno. Nunca deu problema pra minha mãe. Marcos: Uma criança muito tranquila... Era mais de ficar dentro de casa ou de brincar na rua? Alda: Olha, naquelaépoca, a gente brincava muito na rua, era muito bom! Não era que nem hoje. A gente morava numa casa perto de uma vila, então, todas as crianças da vila brincavam do lado, assim... Então, a gente tava sempre brincando, assim... Não tinha muita preocupação; era uma coisa da mãe fica na ponta do pé e chamar pra almoçar e a gente pulava o muro, a janela...
Janela não tinha grade... Teve uma vez, que os meus pais foram viajar e como eu gosto muito de cozinhar, naquela época, já cozinhava, então eu quis fazer uma comida pra todo mundo, assim... Fazer uma receita! Aí, tinham uns amigos deles, assim, tudo homem, garotão... Comeram a comida toda! Aí, depois, a gente ia sair... Eu já tinha carro e ia levar os dois pra alguma viagem, algum fim de semana que eles iam... Eu sei que iam viajar. Pra você ver como as coisas eram tranquilas, teve uma hora que eu falei “Vamo embora! Tá tarde! Vão chegar atrasado e não sei o quê...”. Aí, não saíram e eu “Vou esperar no carro, tá muita confusão!”. E meus pais tavam viajando, só nós três em casa. Eles saíram, pegaram as coisas, voltaram, enfiaram no carro, saí correndo de carro pra deixá-los pra pegar um ônibus que ia sair pra viagem, tinha uma coisa de hora marcada... Larguei eles lá, voltei pra casa e quando eu voltei, a porta estava aberta. E eu estava sozinha; meus pais não estavam, eles não estavam e não tinha celular na época. “Ai, Meu Deus, caramba!”. Isso tudo escuro e a porta aberta total... E a casa não tinha um jardim na frente, era quase que direto na rua e eu fiquei pensando se entrava ou não entrava... Será que tem alguém aí, será que alguém entrou... Como tava tudo escuro, eu entrei um pouco, acendi a luz, joguei a minha bolsa... Fiz um barulho, assim, pra ver se alguém se manifestava, NADA. Não aconteceu nada e eles esqueceram a porta aberta... Simples assim e não aconteceu nada. A porta aberta para a rua! Não é que era a lateral... Não! Era a porta da
frente! Escancarada e pronto. Eu fiquei quieta, não contei pra ninguém... Dei uma chamada neles e eles “Cara, mas como assim? Mas, esqueci? É? Não lembro...!”. Hahah... Marcos: Não lembro que eu esqueci...! Haha... Alda: Então, era muito tranquilo, a gente não tinha problema. Outros tempos...
137
Marcos: Você se lembra de mais histórias entre vocês? Alda: A gente viajou bastante, curtiu meus pais... Outro dia mesmo, a gente lembrou que fomos pro Egito e ele queria fotografar o camelo e eu falei que queria andar no camelo... E aí, eu subi no camelo e ele foi fotografando...! Os egípcios são muito chatos, eles atormentam a gente num grau... E o João nunca sai do sério, tá sempre “Não, tá tudo bem...!” e nesse dia ele ficou uma fera...! Ele ficava “SAI DAQUI!” e eu ficava olhando assim, “deve ser grave o negócio...!”. Porque os caras queriam dinheiro pela foto e pelo camelo... Então, eles não deixam tirar foto do camelo, a não ser que você pague mais! Então, caímos num golpe total... Aí, o cara não queria abaixar o camelo pra eu descer... E ele ficou mais bravo ainda, nossa... Nossa... Uma fera! A gente lembrou disso outro dia, rindo... Gente chata, sabe? Gente chata... Sei lá, eu ia pular do camelo – naquela época, eu até podia! Fazia acrobacias... No máximo torcer o pé! Se fosse hoje, eu morria...! Isso foi em 1980, a gente tinha uns trinta anos...! Agora, foi divertido; mas, na hora, foi chato, assim! Eles são muito chatos! Porque a gente sabe que se viaja, tem um monte de gente pedindo coisa, vendendo coisa nos países mais pobres – Aqui é assim, né? Compra isso, compra aquilo, dá um dinheiro, compra uma bala, compra um pano de prato... Aqui, a gente tá acostumado com isso, mas, lá... É num grau que o cara fica encostando em você, pegando em você até comprar...! Quando a gente tá quieto, então, irrita... 138
Ele gosta de quando a gente viaja, até hoje, tá todo mundo junto, todo mundo bem, ele vira e “vou dar uma volta!”. Ele quer ir sozinho! É um momento dele e tá tudo certo. Não é porque você falou alguma coisa, ou ele tá de saco cheio do lugar, não... É assim! A gente já sabe que tem um dia ou umas horas em que ele vai andar sozinho... Só olhar, pra fotografar, no tempo dele, no ritmo dele e isso sempre foi assim. A gente viajava com a família, sempre tinha isso. Meu pai era super tranquilo com isso e falava “Não, tudo bem... A gente não precisa ficar aqui o dia inteiro, todo mundo, viagem inteira.”. Então, “eu vou ali, você quer ir comigo? Vamos! Se não, a gente se encontra mais tarde ou pra almoçar, ou pra jantar, enfim...” No fim do dia, a gente se encontra e é bom! A gente conta coisas, né? Que você viu, que eu não vi...! Comentei que isso se reflete no trabalho, como quando comentou comigo, depois de fotografar o Perí (Carpigiani) na Cia da Revista. Alda: E quando ele tá no teatro fotografando, mesmo que você esteja do lado dele, fica na sua! Deixa ele! Porque ele não tá ali... Ainda que seja uma coisa sensacional e você que falar “você viu aquela parte?”... Não. Se você vai ao teatro com ele, no dia que ele tá fotografando, é como se você fosse ao teatro sozinho. Tudo bem, entendeu? Porque ele fica super concentrado ali... Aí, as pessoas pegam celular e falam e ele só fala bem depois, não tem comunicação na peça, nem durante, nem depois...! É um processo criativo, né? Não é técnica. É
processo. Porque fotografar coisas é mais técnico, você pode conversar e falar “Olha, o café...”, “Vamos colocar essa luz, o que você acha?”. É outra interação. Quando eu trabalhava, também, em Propaganda, a gente trabalhava em estúdio falando também, conversando, é outro processo. No teatro, quando tem pessoas interagindo, é uma história acontecendo, o clima... Tem que entrar naquilo, se não, não resulta! Entre goles de café quase esquecidos por conta do papo sobre o porquê Publicidade e Propaganda e Jornalismo sugam durante vinte e quatro horas a alma do profissional; Alda foi para a área de eventos para cuidar de sua filha, filha que criou sozinha. Marcos: Você é tia coruja? Alda: Ah, super...! Sempre que dá, eu corujo! Sempre fui tia coruja de todos os meus sobrinhos... Desde o primeiro sobrinho. O Renato teve o primeiro filho (de todos os irmãos), então primeiro neto, primeiro sobrinho, tudo é dele! Eu sou madrinha... Imagina, eu deixava de sair pra ficar com ele! Me convidavam e eu “Ah, tem um jantar na sua casa, tudo ok... Passa pra me pegar tal hora”, tava tudo combinado... Na hora que eu ia sair, ele “buábuá”... “Não creio... Oh, vou chegar mais tarde!”. Esperava ele dormir e aí, eu ia. Tranquilo, magina...! Com os do João, eu não fiquei muito de tomar conta porque a minha já era maior, já tinha outras coisas, outra cabeça... Mas, a gente sempre se deu super bem! Eles têm uma avó materna super presente, então, muito mais presente que a minha mãe era... Não tem uma passagem tão marcante com eles que eu me 139
lembre... É uma família que se dá bem, sabe? Os primos se dão bem, é legal. Minha mãe faleceu com 91 anos, há três anos. Marcos: Tinha uma afinidade dela maior com um de vocês do que com outro? Alda: Ah, eu sempre falava e ficava amolando ela assim “Seu filhinho querido falou, tudo bem...!”. Marcos: Era o João? Alda: É! Marcos: Hahah! Alda: Ela dizia que não, mas... Eu achava que sim! Por ele ser assim, elegante, comportado, conciliador...Era mais fácil dela lidar...! Porque comigo ela não tinha muita paciência e com o Renato menos ainda... Mas, com ele... Né...? Aí, eu ficava enchendo o saco... Não por nada, mas, só pra encher mesmo...! Marcos: Mas, porque que com vocês dois não tinha muita paciência? Alda: Porque a gente contestava...! “Você tá maluca que eu vou fazer isso... Não vou!”, aí o Renato “Quê? Não vou...!”. O João tinha mais tato. Sempre foi apaziguador. Nunca teve briga, briga! Eram aquelas implicâncias, sabe, de morar junto? Haha... A gente falava “Ah, eu não vou fazer isso” e ele “Tá, deixa que eu vou...!”. Tanto que ele foi o último a sair de casa. Nem sei quanto tempo que ele ficou lá, porque eu desencanei... Eu saí pra ter o meu espaço mesmo. Eu ia, almoçava, convivia, visitava, mas, do dia a dia da casa, eu não sabia nada...! Mas, ele ficou mais tempo morando lá com a minha mãe. Marcos: Ele só saiu quando casou...? 140
Alda: Eu acho que sim...! Ele morava um pouco no estúdio e tava sempre em casa. Marcos: É programa da família assistir o Renato, então? Alda: Ah, quando tem estreia da família, todo mundo vai...! Imagina... Meu pai sempre foi ver todas as peças! Era óbvio. Fazia parte da família ir nos eventos de neto, meu pai ia em tudo, era óbvio que ia...! Marcos: Qual era o nome dos seus pais? Alda: Meu pai era o mesmo nome do João – Caldas Filho. E o meu (risos) era o mesmo da minha mãe, Alda Caldas. Marcos: Olha... Alda: Família criativa. (Exibiu-me um sorriso de ironia) Hahah. Marcos: Hahah! O gosto de João pelo cinema veio de uma cultura incentivada pelo pai e da época, os desenhos animados se passavam no cinema. Já fazia parte do programa da família Caldas ir aos domingos de manhã, ao cinema. Até mesmo a novidade da época, o Cinerama. Alda diz que Cinerama seria o bisavô do IMAX, porém sem a cadeira se mexendo. Filmes feitos especialmente para uma tela enorme numa sala redonda para que tivessem a impressão de movimento junto com o personagem. Alda guarda momentos bons de sua família, a impressão melhor que seja, também de João. Alda: Tive muitos momentos cruciais, mas ele é uma pessoa que eu sei que eu posso contar! Se eu tiver num aperto, eu falo “meu, aconteceu isso. O que você acha que eu faço?”, ele conversa. 141
“Vamos ver o que podemos fazer pra resolver”. A gente sempre se dá muito bem, os três e sempre tem aquela coisa de que é difícil irmão, as pessoas são diferentes. Mas, a gente não tem esse problema, nem com as minhas cunhadas e elas são super diferentes. Então, tranquilo, assim! É uma coisa rara, assim... Acho raro. A gente consegue conversar, discordar, se entender, na boa...! Então, eu acho que se eu tiver um problema, ele não vai quebrar a casa; ele vai “pô, meu... Porque você fez isso? Porque não pensou nisso e naquilo...?”, mas, tranquilo. Vai tentar me ajudar de uma forma ou outra! Tomamos o café frio, fomos conversando até o caixa e de lá saímos satisfeitas com essa sabatina que reafirma o amor de uma família diferente e que poderia ser a norma de nossa sociedade distópica.
142
143
Finale Retratos de um Fotógrafo Rua Vanderlei 1340. A hora de terminarmos informalmente nossa série de encontros que foi durante esse tempo todo informal...! Fazer fotos de Caldas para este livro é um privilégio à parte. Nem todos ouviram: Faço isso só pra você! Nem todos veriam um estúdio montado especialmente para um projeto desse porte... A importância aos detalhes é o cerne disso ter dado certo. João não está na frente das lentes, está atrás, escondido. Alguns só conhecem seu nome em créditos de fotografias de espetáculo e nunca o espetáculo à parte de vê-lo ansioso ao me ver o fotografando... Tomamos muitas xícaras de café, contemplei suas prateleiras repletas de Jack Daniel’s em garrafas, fósforas, chocolates, isqueiro, placas que ganha de presente, garrafas especiais... Comemos bolachas maizena, chocolates e tudo isso – também – ao lado de Ary Fontoura...! Segura uma garrafa com o rótulo “Unaged”. Traduzido e sorrido por ele como “ Sem idade!”. João está escondido atrás de uma lente, mas, sua humildade em assumir esta hierarquia dentro do teatro, como alguém que abre mão da sua vaidade pela vaidade do outro, não deve apagar a importância deste trabalho. Até quem está no mercado comete erros com João e não enxerga esta delicadeza. Neste dia mesmo, fui já sabendo 144
de uma história que ouvi no dia anterior, por uma amiga nossa em comum que fora minha professora de legislação para o teatro: João não recebera seus direitos autorais. Após fotografar uma peça infantil no Teatro Eva Hertz, dentro da Livraria Cultura, João se depara com a mesa de exemplares de teatro que fica na saída da sala de espetáculo – dentro da livraria – e observa algo familiar... “Essa foto na capa é minha!”. E ele não havia liberado ou negociado o uso da foto. João: Ela não sabia de nada, a autora! Ela fez um biografia do Fagundes e aí ela disse que o próprio falou pra ela que as fotos eram dele. Ela ficou arrasada e aí falei “Okay, pelo menos, me manda um exemplar!”. Mas, eu vou escrever uma carta pra editora...! A autora mandara uma caixa com todos os seus títulos já produzidos, não somente uma caixa com a biografia, em questão. E João disse que não é a primeira vez que sofre esses desfalques.Geralmente faz vistas grossas como uma edição que homegeava Eva Wilma. Por que a vista grossa para os editores que não pagaram por suas fotos? Eva Wilma é sogra de seu irmão, vó de seus sobrinhos... Aí, decidiu por deixar tudo em família. Havia tentado falar com o Renato Caldas, irmão de João, mas, está em turnê com Denise
Fraga... Recriar a foto de Clara Crocodilo não será desta vez...! Ao terminarmos as fotos, João sofre mais uma vez com os telefonemas... O INSS liga por último para avisá-lo que o seu benefício já estava liberado. Por que por último? Porque antes todos os bancos já o haviam ligado para oferecer crédito e como João não lhes poderia oferecer uma banana, foi elegante e ácido. João é pai, marido, fotógrafo, amigo, profissional, vizinho, generoso... Uma edição limitada que Jack Daniel’s não faz mais e não poderá chegar a uma fórmula tão qualitativa do amadurecimento de seu conteúdo. Me despeço de João, acertamos as fotos que precisamos colocar no livro. Chovia. João me deu uma carona até o ponto de ônibus com o carro de Andreia. Chove lá fora. E acredito que consegui algo só por ter convivido com ele, algo que o próprio me desejou quando saí do carro. João: Marcos, sucesso!
145
146
147
148
149
150
151
152
FIM
153
154
155
156