REVISTA VOZES

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VOZES + + GUERREIROS ANDAM SÓ ENTREVISTA COM MARCELLO GUGU: UM DOS MAIORES REPRESENTANTES DO RAP NACIONAL PRISIONEIRO 84.901 A HISTÓRIA DE MAURICIO MONTEIRO, SOBREVIVENTE DO MASSACRE DO CARANDIRU UMA REVISTA ESCRITA E PENSADA PARA QUEM E POR QUEM NÃO SE CALA VEOZES FEMINISMO EM RIMA MC, DJ E PRODUTORA MUSICAL, LUANA HANSEN CONTA SUA HISTÓRIA DENTRO DA CENA HIP HOP HIP-HOP: FERRAMENTA DE INSPIRAÇÃO ANDERSON HEBREU E ANA ROSA: DOIS JOVENS EM BUSCA DE SEU LUGAR NO MOVIMENTO HIP HOP

Fernanda Souza

Fernanda Souza, Joyce Nayra e Leonardo Bettanim

Fotografia

Diagramação e revisão Fernanda Souza

Fernanda Souza

Vozes Vol 1ª Edição 1 Dezembro de 2021

Editores Colaboradores

Redação

Publicada pela Universidade Cruzeiro do Sul Todos os Direitos Reservados

VEOZES

Prof Dr Nivaldo Ferraz

Imagem da Capa

Editor Fernanda Souza

Editor chefe Fernanda Souza

Joyce Nayra e Leonardo Bettanim

Orientação

As narrativas criadas direcionam o pensamento do leitor para uma ação de “desmanipulação” midiática, ressaltando que todos os seres possuem direitos de defesa e enfatizando que se todos possuem direitos aos olhos da constituição, esses direitos devem ser respeitados

AOS LEITORES

Mostrando um outro ângulo da população pobre, periférica e carcerária, trazemos a importância do verbo "ser ouvido" A Revista Vozes é um ataque direto aos meios de comunicação tradicionais Assim, daremos visibilidade àqueles que não possuem uma voz tão grande como a televisiva, como “resposta” para os ataques midiáticos referentes a essa população.

Muito prazer, somos o grupo Vozes

Frisamos que a pedido e respeito de alguns protagonistas, nomes reais foram alterados, como a matéria "O preço da inocência". O medo, a insegurança e a ansiedade são reais.

Por fim, deixamos aqui o alerta de cuidado: esta revista promove a inclusão

Fernanda Souza, editora

Nosso objetivo principal é apenas um: dar voz aos silenciados.

GUERREIROS ANDAM SÓ...05 ÍNDICE O PREÇO DA INOCÊNCIA...10 PRISIONEIRO 84.901..........15 FILHAS DA RESISTÊNCIA......22 FEMINISMO EM RIMAS.......27 HIP-HOP FERRAMENTA DE INSPIRAÇÃO.........................32 RACIONAIS MC'S: O PONTO DE INFLEXÃO............................37

Cárcere Cultura Feminismo Força PROTAGONISMO MINORITÁRIO

GUERREIROSANDAMSÓ ANTES DE QUALQUER RELATO, GOSTARÍAMOS DE INFORMAR QUE NOSSOS GUERREIROS SÃO NOBRES. SÃO HOMENS E MULHERES; NEGROS E PERIFÉRICOS, QUE OLHAM PARA O SISTEMA E VISAM MUITO MAIS QUE SIMPLES MUDANÇAS, VISAM DESCONSTRUÇÃO. DO MESMO MODO QUE MARCELLO GUGU RESSIGNIFICOU A POESIA "WARRIORS WALK ALONE”, NÓS TAMBÉM CRIAMOS O NOSSO PRÓPRIO SIGNIFICADO. ASSIM, ESPERAMOS QUE CADA HISTÓRIA, EXPERIÊNCIA E ENTREVISTA QUE AS PRÓXIMAS PÁGINAS PROPORCIONARÃO, INSTIGUEM, TRANSFORMEM E CUMPRAM O SEU VERDADEIRO PAPEL: DÊ VOZ. QUE SEJAMOS SEMPRE RESISTÊNCIA. FERNANDA SOUZA.

Nascido no Ipiranga, com sóis majestosos iguais Don King, Marcello Gugu foi treinado em seu bairro para ser o melhor do ringue. Entendendo ideais de quem não teve nada de bandeja, aprendeu desde cedo que quem não reage rasteja Crescendo em meio à desordem, caos e confusão dos anos 90 vivendo o intenso momento a rua o ensinou cedo que o único rei é o tempo. Com o swing da rua e o conhecimento das esquinas, conseguiu entender que os sonhos são nossa melhor companhia. De tentativas na dança, no grafite e várias rimas, conheceu o Freestyle e as portas que ele abria. Em 28 de Outubro (2004) após se apresentar para a multidão, Marcello teve a certeza que o Hip Hop era a visão. Hoje se descrevendo, entre risadas e incertezas, o MC Paulista não somente ensina, mas conscientiza em várias deixas Do Miguel de Cervantes até colar na Fundação, sonhos jovens são metas, pensando em revolução E aí, conquistamos o famoso “Drop the MIC”? Rimas à parte, essa foi um pouco da essência e infância de Marcello Gugu, “MC, Arte Educador e curioso”, como o próprio se apresenta.

FOTO: FERNANDA SOUZA

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ÍNDIGO LETRASSITEFOTO:

POR FERNANDA SOUZA

INÍCIO CRUZSANTABATALHACANALFOTO:

OPORTUNIDADES A QUEM PRECISA

O verão de 2006 trouxe aos jovens periféricos sonhos que estavam à flor da pele. Com muitas ideias na cabeça, histórias que a rua fez e força de vontade, um grupo de garotos se reuniram para criar o que se tornaria, depois de anos, uma das batalhas de rimas mais importantes da história do Hip Hop no Brasil, a Batalha do Santa Cruz Entre os criadores: Marcello Gugu, Rashid, Emicida, Bitrinho e Flow MC

Após o colégio de elite, começa a trilhar sua jornada rumo à revolução. Passando por muitas escolas, Gugu não imaginava que provocar mudanças seria tão difícil. “Eu ganhei um ProAC (Programa de Ação Cultural) e sempre me pergunta

Mas para o arte educador, chegar em um Colégio de elite, dizendo que Colombo descobriu a América, não era uma opção Substituindo descobrimento por “genocídio”, entrou no colégio achando que seria sua primeira e última vez lá.

Após mostrar aos alunos os recortes raciais que deram início ao movimento Hip Hop, falar sobre a Ku Klux Klan e demais acontecimentos, ao término da aula, todos estavam em choque. “Falei ‘já era, fodeu, não volto mais’. Eu fiz 6 anos desse trampo. Da primeira vez que eu fui, a molecada ficou em choque, da última vez que eu fui tinha um grupo de Rap lá dentro. A gente começa a perceber que o Rap chegou em lugares que a gente achou que nunca chegaria”

Com a alma revolucionária, como um bom índigo, a Santa Cruz foi o primeiro passo para que Marcello se abrisse ao mundo. A convite do Professor Fábio Abdul, Marcello Gugu recebeu a oportunidade de dar uma palestra em um dos Colégios mais caros de São Paulo, Miguel de Cervantes

O

Sua percepção ao se deparar palestrando para uma escola 99% branca, mexeu com suas percepções, “cheguei no Miguel de Cervantes e foi legal pra caralho, mas eu preciso fazer esse caminho inverso, a base é o que precisa disso aqui”

Para Marcello, “a Santa Cruz trouxe para o rap nacional a receita do ‘faça você mesmo’ na prática”. Além disso, para quem não tinha pilares, a Batalha do Santa Cruz não foi apenas um acontecimento, foi mãe, pai e abrigo, mas não fosse só isso, foi lágrimas de alegria e conforto, sonhos irreais e inalcançáveis, ao mesmo tempo em que foi promissora e revolucionária.

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Através da música, gerou se a troca de ideias que o movimento Hip Hop tanto prega, e com isso, a pauta dentro das Casas se tornou uma: o que irá ser vivido daquele acontecimento para frente? Hoje, para Marcello de Souza Dolme, a ideia não é salvar alguém, mas sim promover um momento lúdico, já que isso é o que falta dentro das UIPs (Unidades de Internação Provisória).

"A SOCIEDADE NÃO ESTÁ PARA ESSA CONVERSA. AINDA MAIS NO GOVERNO ATUAL, QUE O LEMADA SOCIEDADE É BANDIDO BOM BANDIDO MORTO”

O início da jornada de Marcello na Fundação começou através de um amigo grafiteiro que conhecia um coordenador pedagógico de uma das Casas. E foi aí que Gugu entendeu onde deveria estar.

É

“Uma vez, conversando com um dos coordenadores, eles disseram 'cara, a gente não gosta desse tipo de regime, mas a gente usa pra ver se choca os moleques, para que eles não queiram voltar pra lá’, eu perguntei, funciona? ‘não’, então tem alguma coisa errada”.

Marcello sempre foi atrás do que acreditava e fez os planos acontecerem, “Eu nunca dependi do aval de ninguém, mas se dependesse da própria Fundação eu não entrava até hoje, é muito ruim”

“É COMO SE FOSSE UMA CAIXA: VOCÊ TIRA O MENOR DA RUA POR UM TEMPO E PÕE DE VOLTA. VOCÊ NÃO TEM UM TRABALHO, UM PÓS, VOCÊ NÃO TEM UMA CORREÇÃO, É MAIS OU MENOS UM PALIATIVO E É MUITA GENTE GIRANDO”

PREPARADA

Quando pensamos em “casa”, são inúmeros os sentimentos que surgem atrelados à palavra Para muitos, casa tem a ver com conforto, amor e fraternidade, mas em nenhuma das definições está o tratamento que os menores infratores recebem dentro da Fundação.

FUNDAÇÃO "CASA"

Lá dentro, o pensamento de Marcello Gugu é apenas um: mudança. Em busca de uma comunicação assertiva, foi através do Hip Hop que Marcello ganhou a confiança dos menores.

Como diz o próprio MC, a Fundação Casa é uma questão problemática, pois se tem uma estrutura que não funciona. Em uma sociedade onde o jovem é destinado ao cárcere em situações onde não se tem nem 15 anos, dialogar sobre soluções parecessem ideologias distantes, “como eu vou abrir um diálogo de prisão, com um governo que a vontade era trancar todo mundo lá dentro e jogar veneno, saca?”.

Por trabalhar com seres humanos plurais e, a partir disso, lidar com sonhos, objetivos e ideologias diferentes, a forma de comunicação do MC precisava ser diferenciada. Para chegar onde queria, foram necessárias muitas metodologias, trocas de ideias e esperança em quem dá o aval para que o projeto fosse para frente.

ram nas escolas ‘mas isso está na grade? Vai cair no vestibular? O que vai acrescentar de fato para a vida do aluno?’ Falei, mano, fala aí Fórmula de Bhaskara, ‘ah, também não sei’, acrescentou na sua vida uma porra dessa? Não? Então, parece que tem que rever essa grade, não é?”

Segundo o MC, o Hip Hop pode propor ideias que vão te direcionar a tomar atitudes que, de fato, modifiquem sua realidade Assim, o interesse em questões que não estão ligadas à criminalidade, pode abrir visões, provocar estalos criativos e alterar rumos de pensamento, fazendo com que cada um tenha visões diferentes para cada saída. “EU NÃO POSSO SER HIPÓCRITA E DIZER QUE O HIPHOP SALVA VIDAS SE VOCÊ ESTÁ PREOCUPADO EM COMER. DE FATO O HIP-HOP SALVA, MAS ELE PRECISA DE UMA BASE” PÁGINA 12 RANKING DOS PRINCIPAIS CRIMES COMETIDOS POR MENORES INFRATORES NA FUNDAÇÃO CASA. F O N T E : D A D O S D E 1 5 / 1 1 / 2 0 2 1 D E A I O A S S E S S O R I A D E I N T E L I G Ê N C I A O R G A N I Z A C I O N A L TRÁFICO DE DROGAS ROUBO QUALIFICADO ROUBO SIMPLES FURTO QUALIFICADO HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO 50,66% 31,88% 02,74% 02,14% 01,40% P Á G I N A 9 | R E V I S T A V O Z E S

POR RESPEITO À NOSSAS FONTES, TODOS OS NOMES DESTA MATÉRIA FORAM ALTERADOS OPREÇODAINOCÊNCIA

epois desse dia, foram inúmeras as frases que ficaram marcadas na memória de dona Teresa. Com a voz embargada e lágrimas nos olhos, ela conta como foi recebida pelos agentes penitenciários após ver seu filho pela primeira vez, depois da audiência, “Você chega ali e encontra policiais em todos os can

A descrição do parágrafo anterior trata se da vida de dona Teresa, uma residente da cidade de Curitiba, praticamente obrigada por seu instinto materno, a visitar em Santa Catarina, seu filho que fora preso injustamente, Pedro

á mais de 400 Km de distância, em um tribunal do Rio Grande do Sul, Pedro, homem negro, por volta de seus 30 anos, era condenado e julgado por uma juíza branca à uma pena de 4 anos de prisão por uma queixa sem provas. Apesar da vítima ir até o tribunal, afirmando que o culpado era outro, o caso foi dado por encerrado e não teve direito a protestos

A vida de Pedro começou a mudar depois que saiu do trabalho, foi jogar bola e teve uma discussão boba no campo, levando 7 facadas. Como dona Teresa não conseguia largar o emprego para se dedicar a recuperação de Pedro, ele foi para a casa da tia, em Santa Catarina, para se recuperar, já que a mesma tinha tempo para supervisioná lo durante este período.

"VOCÊ NÃO É DIGNO DE FICAR NO MEIO DE PESSOAS"

LUGAR ERRADO, HORA ERRADA

Infelizmente, o testemunho da vítima, afirmando a inocência de Pedro, não era o suficiente para quebrar o racismo estrutural que estava presente no tribunal Na cabeça de Teresa, as palavras da juíza jamais seriam esquecidas “Daqui eu te mando mais para frente. Curitiba eu não mando você, porque você não é digno de ficar no meio de pessoas”

Em um dia rotineiro qualquer, dona Teresa recebeu uma das piores ligações de sua vida. Nela, um funcionário do departamento policial conta a história mais sem sentido que ela escutará em anos de vivência: seu filho mais velho estava na cadeia.

Lá, percebendo sua melhora crescente, decidiu ir a uma festa, onde foi testemunha de uma tentativa de abuso Com a chegada da polícia, após a vítima ter denunciado, Pedro foi preso erroneamente como abusador e foi aí que dias inimagináveis estavam por vir.

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Imagine que do dia para a noite você seja “obrigado” a visitar frequentemente um presídio. Dentro deste cenário, imagine que todas às quintas você tenha que se preocupar com passagens para outra cidade, passar 3 horas dentro de um ônibus em direção ao “nada”, gastos de viagens e, não fosse ainda todos esses fatores, agora você precisa passar por revistas policiais, a humilhação de ficar nu para ser averiguado e enfrentar o frio e o calor em filas quase intermináveis, para conseguir visitar um dos maiores amores de sua vida, seu filho

POR FERNANDA SOUZA

"NINGUÉM E NEM O O FILHO PERDE A E A MÃE

Agora, imaginemos um cenário onde foi condenada apropriadamente uma pessoa Após frases como essas, cuspidas pelos agentes penitenciários, se pararmos para analisar questões de ressocialização, o questionamento é: como ressocializar alguém que, dentro do presídio, é privado de qualquer tipo de sentimento?

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VISITA

FOTO: FREEPICK

SOUZAFERNANDAFOTO:

FRASEDOAGENTEPENITENCIÁRIODAPRISÃODEPEDRO

tos dizendo, 'ninguém pode se emocionar, nem a mãe e nem o filho, se emocionar o filho perde a visita e a mãe sai', é desse jeito”

Assim, infelizmente com seu filho julgado e condenado, não havia muito o que pudesse ser feito, apesar da ajuda de alguns advogados, Pedro passou dois anos encarcerado

Afinal, se o sentimentalismo é julgado como errado e a falta dele se torna um castigo aos apenados, como tornar essas pessoas mais sociáveis para conviver entre os demais?

PODE SE EMOCIONAR, NEM A MÃE

Nas idas e vindas das visitas, o que dona Teresa achou que seriam dias, se tornaram meses inacabáveis

NA IMAGEM:

FILHO, SE EMOCIONAR

DONA TERESA SEGURA SUA BÍBLIA EM QUANTO RELEMBRA QUE A FÉ FOI SUA FORTALEZA

SAI”

Quanto mais conhecia as faces do Sistema Penitenciário brasileiro, mais seu temor e nojo por ele se destacavam Em meio aos relatos, ela conta quando se deparou com o caso de dois irmãos presos que sofreram agressões lá dentro, “Eles saíram para a visita com o braço todo machucado, quando perguntei o que havia acontecido, eles disseram que o policial soltou um cachorro (propositalmente), que mordeu todo o braço dele, ficou com o braço todo mordido”.

Durante a entrevista, ela deixa claro que é a favor da prisão de criminosos que merecem pagar por seus crimes. Entretanto, é impossível se desligar do fato de que seu filho, inocente, foi preso pelo simples fatos de ser negro, “eu não sou de passar a mão na cabeça de sujeira de filho nenhum, mas se eu tiver que defender ele, eu dou minha última gota de sangue".

Teresa sabia que seu filho era inocente e agora, situações que nem sabia que temia, aos poucos se tornavam reais.

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"MÃE NÃO PEDIU PARA O FILHO FAZER COISA ERRADA NÃO E NINGUÉM TEM COMO ESCAPAR DISSO”

Com um olhar intenso e claramente carregado pelas dores que a privação da liberdade de seu filho proporcionou, Teresa conta que não se arrepende das coisas que viveu e fez por Pedro, mas o que mais lhe partiu o coração foi a forma como foi tratada dentro das dependências e fora delas, “Vejo pessoas falando ‘porque bandido tem que morrer’, gente, por trás disso tem uma mãe, um pai, uma família Mãe não pediu para o filho fazer coisa errada e ninguém tem como escapar disso”.

Na jornada de dois anos, a mãe do inocente foi barrada em uma das visitas por estar menstruada, impedida de usar meias em dias de frio e constantemente recebia palavras duras de muitos funcionários do presídio e intensifica, “ali você só vê racismo”.

"EU NÃO SOU DE PASSAR A MÃO NA CABEÇA DE SUJEIRA DE FILHO NENHUM, MAS SE EU TIVER QUE DEFENDER ELE, EU DOU MINHA ÚLTIMA GOTA DE SANGUE"

É correto mencionar a liberdade quando alguém se torna refém do medo? Os dois anos de cárcere que Pedro e dona Teresa enfrentaram juntos, refletem uma vida pela frente. “O Pedro quando saiu de lá, teve que ficar uns dias fazendo tratamento com psicólogo porque ele estava deitado e daqui a pouco levantava assustado, por conta das ‘bateções’ de grade que ocorriam” diz a mãe do inocente

"A corda sempre arrebenta no lado mais fraco”, foi pensando nisso que Teresa e Pedro desistiram de ir atrás de reparação pelos dias que Pedro perdeu na cadeia. Até porque, a própria juíza que tem função de avaliar as provas apresentadas e solucionar o conflito sob a luz do Direito de forma totalmente imparcial, não cumpriu com seu papel.

"HOJE QUANDO UMA PESSOA VAI PRESA, EU ENTRO EM DESESPERO"

LIBERDADE?

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Hoje, com a guia do psicólogo no bolso, não existe sossego Sirenes policiais assustam, roupas claras e barulhos de ferro remetem aos dias frios do presídio e as fardas são um terror constante que, dentro da atual realidade, um terror que parece incurável.

PRISIONEIRO84.901

Hoje, os certificados expostos na parede de seu escritório, os cinturões de boxe e um cartaz da ONG que grita “Black Lives Matter”, da qual é diretor, demonstram que, apesar dos meios de segregação da sociedade, Mauricio Monteiro é mais que um ex presidiário.

BANDIDOBOMÉBANDIDOMORTO?

bandido bom não é bandido morto.

Ninguém nasce na vida do crime Apesar de preto, pobre e periférico, inicialmente Mauricio não era ligado a criminalidade. Como relata o próprio, apesar das condições financeiras e sociais, o que o o levou a cair nas garras do sistema prisional, foi a revolta

Quem desconhece sua história, não imagina que o egresso é um sobrevivente do massacre do pavilhão 9, da antiga Casa de Detenção de São Paulo, conhecida também como Carandiru, em 2 de Outubro de 1992.

POR FERNANDA SOUZA

Quais as características físicas que a palavra "ex presidiário" traz quando vem a sua mente? Além delas, qual o estilo de vida que, indiretamente e automaticamente, vem associado?

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Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção. Contudo, e quando falarmos da população submetida ao cárcere?

Buscando investigar qual seria o posicionamento da sociedade, através de uma pesquisa realizada pelo Grupo Vozes, através do Google Forms, podemos verificar que para os respondentes:

Como oportunidade de ataque e um choque para quem compactua com esse tipo de ideal midiático sensacionalista, hoje daremos voz e visibilidade a verdadeira face dessa população, conhecendo assim Mauricio Monteiro, um sobrevivente e egresso do cárcere.

ANTES DE RÓTULOS, HUMANO

Muitas águas rolaram até que Mauricio pudesse desfrutar de vez o preço da liberdade. Como conta, dois fatores foram primordiais para que ele largasse a criminalidade: entender o motivo que estava preso e sua mulher, que apesar de não ser ligada a criminalidade, não desistiu dele.

A história de Mauricio no crime começa no início da década de 80, quando seu irmão é brutalmente assassinado pela Polícia Militar, “As pessoas falam que ele cometeu um crime, mas não ficou comprovado Independente de cometer um crime ou não, ele deveria ser preso”, defende Mauricio, contando que entrou no crime para provar que poderia ser preso e sair com vida.

Infelizmente, vivemos em um país onde suas falhas definem o seu valor, e com isso, adjetivos como “ladrão”, “drogado”, “preguiçoso” e “vagabundo”, expostos pelo jornalismo policial, são alguns dos pensamentos odiosos implementados pela mídia, na população

bandido bom é bandido morto. a morte do apenado depende do crime.

is Agora, se eu falo sobre o cárcere no colégio nobre e mostro o certificado na favela, aí as coisas mudam” e completa, “Eu não quero falar para quem concorda comigo, eu quero falar para quem discorda”.

TRÊS MESES ANTES DO MASSACRE: O INÍCIO DE TUDO

Para entender a verdadeira história do massacre da Casa de Detenção, é necessário voltar três meses antes do fato, quando o presídio recebia um novo guarda prisional

FOTO: FERNANDA SOUZAMAURICIO MONTEIRO, EGRESSO DO CÁRCERE E ATUAL DIRETOR DO IREC

Aos que duvidaram da capacidade do sobrevivente, suas ações foram mais que suficientes para provar seu valor. Hoje, Mauricio realiza múltiplas funções para sobreviver e seus certificados não negam sua competência: técnico em meio ambiente pela ETEC Guaracy Silveira, Gestor Ambiental pela FMU e pós graduado do em Gestão de Projetos Sociais pelo SENAC, Mauricio também é diretor do IREC (Instituto Resgata Cidadão), palestrante voluntário do Museu Penitenciário Paulista e instrutor de boxe pelo CNB (Conselho Nacional de Boxe), além de militante na RPPG (Rede de Proteção (Resistência ao Genocídio)

Para Mauricio, os certificados são muito mais que especializações, são formas de comunicação que podem impactar o pré conceito já definido de uma sociedade. “Se eu mostro meus certificados para quem estuda em colégio nobre, para eles, isso não é nada Se eu falo que já fui preso na favela, para eles também não é nada dema

Tratando os presos de forma inferior, aos poucos o novo agente enfurecia mais os de

Como todo lugar onde exista sociedade, uma lei segue clara: respeito é dado, para que seja recebido Porém, infelizmente, esse ideal era uma linha de pensamento com o qual o novo agente penitenciário não concordava.

Ao chegar ao local, a briga já terminado. Segundo ele, os demais p ainda receberam um aviso das pró "famílias”, dizendo que naquele dia deveria haver mais nenhum conflito e quisesse resolver problemas, acabaria m

O estopim do massacre do dia 2 de outubro de 1992 foi uma briga de presos. O que muitas pessoas não sabem, é que a morte de um apenado dentro do presídio é mais comum do que parece, conta Mauricio, ainda mais por brigas e discussões entre os próprios e gangues, mas naquele dia, i diferente.

A partir do helicóptero, policiais começaram a descer na parte de cima de alguns pavilhões e foi possível escutar a metralhadora em ação, matando alguns presos que ali havia. Amedrontados e achando que os tiros eram de festim material apenas para efeito moral ao olhar pelas janelas, os detentos se deram conta de que se tratava da Rota, o que só intensificou o clima desesperador do local.

Apesar da situação ter se apaziguado, o agente agredido e seu superior, acharam que a transferência como punição foi algo muito fácil, fazendo com que continuassem remoendo o ressentimento e o ódio.

tentos Certa manhã, irritados com a situação, vendo a Casa de Detenção cegara se diante dos maus tratos, alguns deles se reuniram, cercaram o novo agente, jogaram um cobertor nele para que não fossem identificados, o agrediram e correram

Enfurecido com a situação, o superior do guarda prisional estava prestes a chamar a Tropa de Choque, quando foi impedido pelo diretor Mesmo sem a presença do choque, uma blitz foi acionada no presídio, onde os próprios culpados se entregaram e foram transferidos para outra penitenciária.

O DIA DO MASSACRE

“Aquele dia, era tudo o que aquele ag esperava Ele quis prender mais cedo mundo e os presos começaram a di dizendo que não iam entrar para a tra afirma Mauricio, que naquela situação s em sua cela fabricando facas e pinga, já essa era a vida dentro do presídio, qu foi informado da briga

Mauricio já se encontrava em sua cela quando todos os detentos começaram a sentir uma movimentação estranha. Narra que “existiam dois tipos de muralhas, uma em volta da cadeia e outra para cada pavilhão, os policiais até conseguiam andar entre elas, mas não é normal Foi aí que começamos a ver os policiais vindo e apareceu um helicóptero”.

Impedida de entrar no Pavilhão 8 pelos próprios funcionários, a Rota se dirigiu ao único acesso aberto aos presos, o Pavilhão 9 e assim, as rajadas de tiros foram o “olá” do batalhão ao pavilhão de Mauricio.

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FOTO: MÔNICA ZARATTINI

"AÍ O OUTRO POLICIAL QUE ESTAVA DO LADO DELE JÁ PUXOU (O PENTE), EU FALEI “NOSSA, VAI MATAR TODO MUNDO AQUI”

FOTO: MEMORIAL DA DEMOCRACIA

GRITOS, TIROS E MAIS GRITOS

Com trancas apenas pelo lado de fora, não existia muito que se pudesse fazer e, assim, a cela foi invadida pela Rota. Abrindo o lençol onde estava Mauricio com o revólver, o policial o olhou e engatilhou Nessa hora, "O outro policial que estava do lado dele já puxou (o pente), eu falei “Nossa, vai matar todo mundo aqui”.

Ainda sem se dar conta do que estava acontecendo, Mauricio que se encontrava na porta de sua cela esperando a tranca dos agentes viu entrar correndo em seu andar um dos detentos que cuidava da limpeza local, “ele gritava ‘os caras estão matando’, [...] falei que não, ‘estão sim, eles estão matando lá embaixo’ ele disse”.

Do terceiro andar, onde Mauricio se encontrava, só escutavam se tiros de metralhadora. Os detentos que portavam facas as jogavam pela janela fora com medo de serem pegos e punidos, até porque, o que é uma metralhadora contra uma faca improvisada no presídio?

ENTRE O DESESPERO E A ESPERANÇA

Estático, a próxima bala que seria para Mauricio bate na porta o empurrando para dentro Finalmente se dando conta do que estava havendo, ele se depara dentro de seu cubículo quadriculado, apenas com uma divisória de lençol para o banheiro, “Não tinha onde se esconder, eu entrei atrás do lençol. [...] Estava todo mundo escondido atrás da cama, então eu me escondi atrás desse lençol”

No final do corredor, onde havia outro detento esperando a tranca, agora era um corpo ensanguentado, cravado na parede ao fundo. Assim, as rajadas que passaram de andar em andar, enfim, chegaram ao terceiro

No caminho, cenas que nunca serão esquecidas pelo egresso, “Eu vi um cachorro arrancar os órgãos genitais de um cara. Quando o cara caiu, vi que os policiais vieram com a ponta da baioneta, que tem uma faca”, relata o sobrevivente e conclui, “O que é morte que eu vi nesse caminho, só Deus mesmo”.

111 MORTOS: MAS SÓ NA LISTA

No resto do dia, enquanto muitos detentos continuavam morrendo por dizerem que estavam cansados ou cometerem algum erro na frente dos policiais e outros eram forçados a carregar os corpos de seus companheiros, uma outra parte foi novamente levada às celas, como foi o caso do egresso.

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Após presenciar mortes a centímetros de distância quando um colega escorregou na escada e foi morto a facadas pelos policiais era claro: cair não era uma opção e parar muito menos.

Ao chegar ao pátio, quando tudo parecia minimamente mais contido, os policiais da Rota começaram a identificar e procurar pelos feridos. Os detentos que se apresentaram foram encaminhados para uma das salas abaixo do pavilhão, para que fossem tratados.

Mais tiros e gritos abafados Passos de volta ao pátio trouxeram mais tensão e desespero, enquanto a frase do policial sai em tom de indiferença, “Aqueles já foram curados, quem mais está ferido?”. Na frente de Mauricio, um colega baleado desmaiava com a mão ainda na cabeça, afinal, existem ações que apenas o medo e o desespero possibilitam.

A CURA

Se esquivando de cassetetes e facas, cada passo era uma tentativa de sobrevivência

Na mesma velocidade em que o caos foi alastrado, o “livramento”, foi tão rápido quanto a duração de um gatilho Entrando desesperadamente na cela, o tenente da Rota surgiu gritando “Aqui não”, levando os policiais a saírem a risadas.

"NÃO POSSO GENERALIZAR DIZENDO QUE TODO POLICIAL É RUIM, ESSE TENENTE SALVOU TODO MUNDO DA CELA"

“A ROTA LÁ DENTRO, FOI A MESMA COISA QUE COLOCAR UMA RAPOSA COM FOME DENTRO DE UM GALINHEIRO”

No dia posterior ao massacre, a lista com os nomes dos detentos assassinados foi liberada e até então, não se sabia quantas pessoas haviam sido mortas.

Vermelho, em desespero, com a mão no rosto e tom de pânico, o tenente orienta que todos levantem, tirem as roupas e coloquem a mão na cabeça, “não olha para a cara dos policiais, se vocês olharem, vocês vão morrer, eles estão matando".

Logo atrás da Rota, a Tropa de Choque criava um corredor polonês, para que os presos que ainda estavam vivos seguissem em direção ao pátio principal

"ESTOU VENCENDO ESTOU LUTANDO, NÃO VENCI AINDA PORQUE ACHO QUE É UMA LUTA CONSTANTE, QUE SÓ VAI TERMINAR QUANDO EU MORRER"

SOUZAFERNANDAFOTOS: NAS IMAGENS: FACHADA DO IREC (INSTITUTO RESGATA CIDADADÃO) E CERTIFICADOS E CINTURÕES ESTÃO EXPOSTOS NAS PAREDES DE MAURICIO. P Á G I N A 2 1 | R E V I S T A V O Z E S

BANDIDO BOM É BANDIDO RESSOCIALIZADO

Presídio aberto para a visitação de parentes e amigos, Mauricio vê se aproximando uma conhecida, irmã de dois presos que haviam sido mortos durante o massacre, “ela chegou toda feliz e disse, ‘vim ver meus irmão, porque o nomes dele não está na lista’ Pera aí, já tem 111 na lista. Meu, essa contagem aí dava uns 248, 200 e pouco, vai”.

Seja no IREC, onde é diretor, em seu canal Prisioneiro 84.901 ou na rádio ressocializando, a cada trabalho, os frutos de uma vida fora da criminalidade batem à porta de Mauricio. Como conta, depoimentos sempre surgem pelas redes sociais “Um dia eu recebi um comentário de um pai, ‘estávamos assistindo seu programa, meu filho começou a chorar, me abraçou e disse que ia sair do crime, que não queria nos perder’, vou falar para você, não tem coisa mais satisfatória Esse é o objetivo”

É impossível dizer que Mauricio Monteiro teve uma vida fácil. Após 16 anos no cárcere, em 2021 completam se dez anos que o egresso está fora do sistema prisional e todos os dias, sua luta continua a mesma: ensinar que o crime não compensa e abrir os olhos de quem acredita que bandido bom é bandido morto. “As pessoas buscam resultados momentâneos,

elas não querem ver o processo e o trabalho até chegar em um resultado, para ela: roubou, matou!”

FILHASDARESISTÊNCIA POR LEONARDO BETTANIM

O berço dessa história foi a Escola Estadual Professor Antônio Viana de Souza e foi lá que o grupo foi batizado. As artistas se reuniam na secretaria, sentadas em roda no chão, cada uma com seu instrumento Foi quando a vice diretora da época apareceu e soltou a marcante frase, “por que vocês estão jogadas, estão parecendo umas despejadas”, nascia aí o grupo. Nataly conta que o nome também faz referência às pautas sociais, temas sempre abordados nas intervenções artísticas que fazem. Tudo começou com covers de Marisa Monte, Chico Buarque, Tribalistas e afins, sempre presentes em eventos culturais do colégio, debatendo pautas importantes em cada data marcante na história do calendário nacional, do Dia da Mulher ao Golpe de 1964, além do Dia da Consciência Negra

FOTO: CAMILA RHODES

Inspiradas pelas mulheres do cotidiano, com a força do Dia da Mulher (08 de março) e a espiritualidade que as uniu durante a Pastoral da Juventude, As Despejadas é um grupo musical independente que inspira e dá voz a todas as mulheres Nataly Vicente Ferreira, Vitória Nascimento Silva e Lidia Martiniano de Oliveira, diretamente do Pimentas, periferia de Guarulhos, fazem de suas vozes um ato político em forma de canções

Há um tempo, o trio era acompanhado por algum homem, seja ele um pai ou colega das cantoras, e todas sentem uma diferença no tratamento quando se tem uma presença masculina junto. O técnico de som sempre dirigia a palavra ao acompanhante masculino.

Como montar o palco ou como preparar tal instrumento, tudo era feito pelas mulheres do grupo, mas os técnicos seguiam tirando dúvidas e prestando assistência ao homem que estava sendo apenas um acompanhante.

Embora hoje se denominem feministas, no início de tudo não foi assim Mesmo com suas letras falando sobre a luta da mulher e criticando o patriarcado, o machismo presente na sociedade, como no caso de “Soufrida Luta”, sua letra mais feminista de todas, o grupo não aceitava o fato de serem chamadas de feministas. “A gente queria falar sobre uma coisa comum a nós que estava acontecendo e nos incomodava”. As artistas acreditam que isso se dê pelo fato de não terem acesso a essa pauta, da informação não estar disponível igualmente para todos

Eu digo basta, porque eu cansei de escolher minha roupa por medo, eu cansei do seu psiu agressivo, das encoxadas e eu cansei de ter medo só por ser mulher – verso de Soufrida Luta

MULHERES E INDEPENDENTES

O trio comenta que, por não se identificar completamente com as letras das músicas que escutavam, decidiram contar suas histórias e relatos de mulheres a sua volta em forma de música. “Soufrida Luta”, primeira composição do grupo, é um retrato das mulheres brasileiras, como a própria canção diz Um grito de guerra contra o machismo, a canção apresenta um poema descrevendo um caso de estupro, o descaso das autoridades e a sociedade culpando a vítima pela forma que estava vestida

“EU ACHO QUE A MÚSICA SEMPRE FOI ESSA FERRAMENTA DE DENÚNCIA”

PÁGINA 24

A sociedade em si desenha um modelo de música para as mulheres. O fato de o grupo cantar letras políticas e de questões sociais choca o ouvinte, que esperava ver um trio feminino falando de amor e término de relacionamentos. Vitoria reforça que, não importa a área em que a mulher esteja inserida, não importa a profissão, só pelo fato de ser mulher você precisa provar o tempo todo que você sabe do que está falando, que você entende a sua profissão. “É desgastante”.

As Despejadas não foi pioneira em grupos femininos de MPB, mas a falta de acessibilidade dificultou o acesso às informações, resultando em uma falta de representatividade. Seja no mainstream ou na cena alternativa, artistas masculinos são os maiores destaques, as músicas são produzidas e cantadas por homens, para homens, em ambientes com a presença masculina superior à feminina. Lidia, Nataly e Vitoria concordam que o fato de ser um grupo inteiramente feminino, além de artistas independentes, dificulta ainda mais o seu trabalho

A pauta feminina se tornou destaque entre o som do trio por se tratar de um tema universal, que abrangia a todas Embora sejam filhas de retirantes e racializadas, ou seja, colocadas em uma única “caixinha” de acordo com seus tons de pele, foi na luta das mulheres que elas se encontraram.

O que mais dava e segue dando força para as cantoras são os relatos recebidos ao final das apresentações. Em todo show do grupo, mulheres da plateia agradeciam às meninas pela força dada, através de suas músicas, para sair de um relacionamento abusivo e ir denunciar

O MACHISMO E SUAS MARCAS

Por fazerem um som político, as cantoras sofrem repressão até da família. Os parentes de Nataly n acham que o mais dançant pessoal, muit mas por que cantando so Vitoria e Lidia

Nataly relembrou o show de um ano do grupo e, novamente, uma situação constrangedora envolvendo o técnico de som. Lidia foi a pessoa responsável por tocar o violão, mas o profissional ignorou as artistas e foi perguntar para o acompanhante homem como que deveria ser ligado o instrumento. Após descobrir que as responsáveis pelo som eram artistas, o tratamento mudou para uma forma mais seca e direta.

O trio relembrou algumas situações incomodantes envolvendo homens, como no caso do show citado anteriormente, onde a expectativa era ouvirem músicas sobre amor e receberam uma apresentação política Para Vitoria, a sociedade não consegue enxergar a mulher como guerreira, forte, com poder e autonomia e sempre as relaciona com temáticas fofas e amorosas

FOTO: CAMILA RHODES

“DENTRO DO PRÓPRIO MOVIMENTO DE LUTA A GENTE ENFRENTA MACHISMO E A GENTE TEVE QUE DESROMANTIZAR ESSE LADO”

Suas composições evoluem à medida que vão aprendendo mais sobre determinada pauta social, como no caso do racismo. O que é o racismo? Como ele chega à periferia? A cada resposta um novo questionamento, um incômodo e uma denúncia em forma de música

As cantoras já tiveram que romper parcerias com outros artistas por conta de assédio, violência e nem sempre diretamente ligadas a elas e sim a outras mulheres.

PÁGINA 25

O tipo de música que o trio produz também é uma barreira em algumas ocasiões. Elas já deixaram de se apresentar, pois o evento exigia que os artistas não fizessem críticas ao governo e pedia para o grupo apresentar uma playlist alternativa. Lidia conta que elas possuem música nesse estilo que o evento impunha, mas que a essência da banda é ser um ato político em forma de música e que qualquer música, mesmo implicitamente, já possui uma crítica política Durante as apresentações o grupo não fica calado e critica o que tem que ser criticado, mesmo que o contratante esteja pagando “Isso é democracia”, em cima do palco as cantoras não romantizam nada e expõem os problemas que muitas vezes não são visíveis.

"É HOBBIE, É DOM, É TALENTO, MAS NUNCA É COLOCADA COMO UMA Ã

FOTO: CAMILA RHODES

“A NOSSA ARTE É ATRAVESSADA POR RECORTES”

O grupo surgiu na região, cresceu na região, se fortaleceu e ganhou o público da região, mas fica muito complicado para que os mesmos acessem lugares mais distantes, pelos mesmos motivos citados anteriormente. Com isso, As Despejadas prioriza sua terra e seu povo, lançando seus trabalhos na cidade e realizando eventos em que seu público possa frequentar também, com mais facilidade

Mulheres, periféricas e independentes, a soma dos três fatores deixa clara a dificuldade enfrentada pelo grupo no meio artístico. Embora As Despejadas esteja na ativa há seis anos, com álbum lançado e com sua maioria formada em música, não conseguem tirar seu sustento da arte

Embora Guarulhos seja o segundo maior município do Estado em população, “é um berço que não comporta seus filhos, porque a cena musical e artística sempre se manteve na cidade por si”, sem incentivo a cultura e com ausência de aparelhos públicos. O grupo sobrevive por seis anos, lançando trabalhos e tudo mais graças ao apoio financeiro de escolas do bairro e amigos, ajuda de movimentos sociais e pessoas ligadas às lutas populares. Durante a pandemia da Covid 19, rifas e lojinhas foram a saída para ajudar nas despesas do trio.

FEMINISMOEMRIMA

Há vinte anos, quando Luana Hansen começou no movimento Hip Hop, mulheres tinham direito a um refrão na música A artista nunca aceitou muito bem essa condição e foi à luta brigar por mais visibilidade feminina no meio. Em meados dos anos 2000, ela criou o aclamado grupo ATAL, inspirado na ideia dos grupos internacionais Destiny’s Child e TLC, com o intuito de dar mais visibilidade e empoderar mulheres negras, que na época sofriam com a falta de representatividade. O grupo foi pioneiro no movimento, com três mulheres à frente e cantando. Venceram o Pprê or que Luana Hansen precisa se desdobrar em milhões de serviços e mesmo assim lançar

músicas atualmente que não recebem uma mínima divulgação, enquanto outros artistas conseguem essa visibilidade fazendo bem menos? Ela acredita que tenha a ver com os recortes em que está inserida, como sendo uma mulher, negra e lésbica, em uma sociedade machista, misógina e patriarcal. “É um problema social”, Luana não acredita que seja um problema exclusivamente do Brasil, já que o racismo está presente em qualquer lugar do mundo e o país não é educado a ter História.

A MC vive da música hoje em d dificuldades são grandes, “não da viver só da música achando que cantar, eu pelo menos não conse ganha pão também vem da sono realiza em teatros, palestras, sonoras que produz e do seu tra DJ “Tive que fazer milhões de coisas para viver de música e viver vinte anos dentro do segmento da música”.

POR LEONARDO

Mulher, negra, lésbica, ativista, movimento Hip Hop e com um disc direto. Foi cancelada por expor u que está diariamente presente no todas as mulheres, o machismo mas nunca calada! Fez e segu história no rap, brigou e lutou p aonde está, abriu portas pa mulheres, construiu sua independê não depende de ninguém para lan trabalhos

O parágrafo anterior foi um pequ de alguns pontos da carreira Hansen em vinte anos de Atualmente, atuando como D produtora musical, o rap de ativ casa e sua marca no meio do Hip letras falando sobre o cotidian mulher negra na sociedade, abort e outros temas considerados tabus de hoje, Luana já venceu divers incluindo um Hutúz, maior premiaçã do Hip Hop nos anos 2000.

“QUANDO VOCÊ NÃO ESTÁ NO MAINSTREAM AS PESSOAS IMAGINAM QUE VOCÊ É UM VAGABUNDO”

BETTANIM FRANCOWILDINERFOTO: PÁGINA 28

Entre inúmeras músicas lançadas pela MC, um dos seus maiores destaques nas plataformas digitais é justamente uma faixa masculina em que ela foi convidada para participar. Atualmente, a regravação de “Deise”, de Rico Dalasam com Luana e Enme, é a segunda faixa mais popular do perfil de Hansen

FOTO: WILDINER FRANCO

“EU NUNCA TIVE UMA PORTA MUITO BEM ABERTA”

Como não era levada a sério e cobrav mil reais por um beat, Luana apre produzir, mas se sentia insegura em seus trabalhos para as pessoas. descobriam que a produção foi feita uma mulher, a expectativa para ouv diminuía e o desinteresse ficava e Sempre havia a necessidade de ex grande nome masculino por trás de t músicas para elas seguirem sendo relev interessantes para o público. Luana participou de outro grupo, o Força, o composto por cinco homens e duas m Por ser uma maioria masculina, o trabalhos já eram mais aceitos pela rolando até uma parceria com o San Grupo RZO

PÁGINA 29

Mesmo após vinte anos, com a evol mundo, Hansen ainda enxerga esse m presente na música. Ela destaca qu coisa mudou, mulheres conseguira espaço, existem grandes produtoras peso de um nome masculino em um ainda é muito grande.

Pelo fato de as mulheres só poderem um refrão nas músicas, ela decidiu faz provar que as mulheres não se resume Luana brigou com todos os MCs que co e a resposta era sempre a mesma: “ ter um cara” “Chata” e “impositora” palavras usadas por eles para desc artista, que brigava pelos seus dire música.

mio Hutúz de 2005, na categoria Demo Feminina, participaram da série “Antônia”, na Rede Globo, além de serem premiadas com diversos outros prêmios.

Está na cultura do mundo colocar mulheres contra mulheres, criar as famosas rivalidades femininas, mas isso está presente no rap também? Existe uma coisa chamada empatia e, em um meio tão marginalizado como o Hip Hop, com tantas dificuldades que as mulheres já passaram e seguem passando no mundo, as pessoas do meio acabam se acolhendo e se ajudando, pois entendem e compartilham da mesma dor.

Pela falta de espaços para o rap, pela perda de visibilidade, falta de investimentos, se unirem acaba sendo a solução. Antigamente existiam eventos e mais eventos voltados inteiramente para o rap, coisa que hoje em dia não acontece mais. São quase inexistentes casas noturnas inteiramente voltadas para o rap, que contratem os quatro elementos do Hip hop (rap, grafite, DJ/MC e Street Dance). O máximo que acontece nos dias atuais são artistas que convidam rappers para seus shows, dando um pouco mais de visibilidade, e a Semana do Hip Hop ou Mês do Hip Hop, onde eles se apegam e se unem pela causa

PÁGINA 30

“QUANDO EU COMECEI EU TIVE QUE SAIR NO TAPA PARA SUBIR NO PALCO PORQUE OS CARAS NÃO QUERIAM DEIXAR EU SUBIR”

Além de tudo que já foi descrito, hoje em dia existem redes de apoio ao rap feminino, movimentos que estão do lado da mulher, onde artistas femininas podem trocar informações e conversarem entre si, como a Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop e o Hip Hop Mulher. Hansen chama isso de rede e acredita que essa rede pode fazer a diferença

O Hip Hop segue sendo marginalizado, sem seu devido valor, mas hoje as mulheres têm um pouco mais de voz, não é mais necessário sair no tapa para subir no palco e ainda ter caixas de som desligadas por homens na hora que ia começar a cantar, como aconteceu com Luana. “Tinham vinte ou trinta caras para duas ou três minas”

UMA HISTÓRIA JÁ TRAÇADA

Qual a diferença para quem vai começar no Hip Hop hoje? Representatividade! Como Luana falou, ela e outras mulheres foram pioneiras no movimento feminino dentro do segmento. Hoje em dia, uma história já foi traçada, as meninas têm em quem se inspirar, elas têm acesso a vários tipos de música para decidir qual o melhor caminho para seguir, “cabe a você continuar a história”

RIVALIDADE FEMININA

PÁGINA 31

Há um tempo, Luana Hansen se envolveu em uma grande polêmica por ter criticado uma faixa do rapper Emicida. A artista expôs que a música “Trepadeira”, uma parceria do rapper com Wilson das Neves, teria uma letra machista e misógina. Emicida negou as acusações e a MC foi duramente atacada por admiradores, fãs e militantes de oposição.

“HOJE O CARA É OVACIONADO E QUEM NÃO TEM SHOWS E NÃO TEM O MESMO ESPAÇO ÀS VEZES SOU EU”

O fato de Luana Hansen ser uma mulher negra e lésbica faz dela o lado mais fraco em toda essa história. Ela conta que existe uma pirâmide, onde a mulher negra é a base e ser homossexual a faz estar mais abaixo ainda do rapper, que é negro e heterossexual, “ele tem toda uma produção, eu não tenho”. Ela criticou na época, nada mudou, foi duramente atacada e segue trabalhando graças ao seu próprio estúdio, onde ela não depende de outras pessoas.

Se a DJ não pudesse produzir por conta própria o seu som, muita coisa seria diferente porque quando ela criticou “Trepadeira” muitas portas se fecharam, “você está atacando um império sozinha”. Essa situação não foi de todo mal, afinal a resposta à música bombou na época e elevou o nome de diversas mulheres do rap, incluindo Luana, mas ela comenta que não quer viver de polêmicas. Embora seu som não se destaque igual outro artista que lança uma música sobre o mesmo tema dias depois, ela quer seguir lançando seus trabalhos e cuidando da sua família. “Posso não ter a visibilidade que eu quero ter, mas eu vou continuar persistindo no meu trabalho até eu fazer aquilo que eu achar que é o suficiente para mim”

CANCELADA, MAS NUNCA CALADA!

A produtora musical acredita que é normal lançar músicas assim, mas a partir do momento que se é criticado e as pessoas falam que determinado som é preconceituoso, cabe ao artista se retratar e melhorar Ela usa o exemplo de Criolo, que lançou uma faixa acusada de transfobia e logo depois refez a música Não é necessário ninguém para apontar se certa música é ou não machista, “se você tem consciência de classe social tem músicas que você já não vai ouvir”

HIP-HOP:FERRAMENTA DEINSPIRAÇÃO

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Essa é a história de Anderson Hebreu e Ana Rosa que possuem suas vidas ligadas pelo surgimento do blog Noticiário Periférico.

O movimento cultural Hip Hop é composto por diversas expressões culturais. Seus quatro elementos iniciais são o Rap, o DJ, o Breakdance e o Grafite, que compõem esse movimento.

EM BUSCA DA INCLUSÃO

Para entender melhor essa cultura, vamos começar falando sobre o Rap, onde se tem a presença do MC (mestre de cerimônias) que, além de acompanhar o DJ, também cria e dá voz às rimas. O DJ (disc jockey), responsável pela arte de tocar discos, alternando diversas músicas, criando batidas e trazendo a nós o Breakdance (dança de rua), onde B Boys e B Girls (dançarinos e dançarinos que dançam ao som da batida do break) exibem seu talento nas ruas. No caso do grafite, que é composto por pinturas, há expressão de toda essa relação de cultura urbana, estando presente principalmente nos muros das periferias

Nascido e criado na periferia da Zona Sul de São Paulo, Anderson Hebreu ouve rap desde que se entende por gente. Ao buscar nas memórias de infância, sua primeira lembrança está ligada a música “Fim de semana no parque” dos Racionais Mc´s, devido ao fato do período em que seu pai fora ouvinte de rap.

Alguma vez na sua vida, você já se sentiu deslocado dentro de sua própria realidade? Se imagine vivenciando o dia a dia da periferia, se identificando e apoiando o movimento Hip Hop, mas por algum motivo, nunca se encontrou em nenhuma dessas expressões artísticas. Desmotivador, não é?

O movimento Hip Hop se trata de troca. Troca de comunicação, histórias e experiências. Porém, antes de entendermos a prática do Hip Hop, precisamos conhecer seus pilares básicos.

PÁGINA 33

“O RAP VIROU MINHA TRILHA SONORA, MEU POSICIONAMENTO POLÍTICO, MINHA ENQUANTO NEGRO E PERIFÉRICO E MUITAS OUTRAS FITAS QUE O RAP E

ANA ROSA: UMA VISÃO DIFERENTE DA QUEBRADA

UMA NOVA PERSPECTIVA

Como oportunidade de aproveitar uma das poucas boas coisas que o Estado cria, foi no projeto “Escola da Família” que Anderson teve contato com os outros elementos do Hip Hop. Com as escolas públicas periféricas abertas aos fins de semana, o jovem teve a possibilidade de entrar em contato com o Breakdance e com o Grafite

“NÃO SABIA GRAFITAR, NÃO ERA MUITO BOA

AFIRMAÇÃO

Apesar da falta da grana, o fato de ainda não se encontrar dentro do movimento não o impediu de ser voraz consumidor de rap, consum conteúdos por meios do rádio, telev e revista.

PÁGINA 34

passou a divulgar entrevistas autorais, de colaboradores e questões pertinentes à população e periférica.

O que antes era um blog inicial downloads de mix tapes e que noticiava sobre celebrida estadunidenses do rap, o redator encontrou mais focado como nu antes. Adotando um tom mais sério,

A CULTURA HIP HOP ME LEVOU”

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Entre coincidências quase inimagináveis, foi por meio da comunidade G Unit, no Orkut, que os caminhos entre Anderson e Ana Rosa se cruzaram.

Após conhecer e se instalar no mu dos blogs, no Portal Hip Hop, depoi um tempo Anderson visava algo ma Após abrir seu próprio Blog, o blogu sentiu o próprio movimento abr espaço para ele pela primeira vez, e através do quinto elemento Conhecimento que o garoto que a se sentia deslocado, encontrou forma ativa e efetiva de fazer parte rap e da cultura Hip Hop

Por ser um adolescente dedicado e com um sonho de fazer parte ativamente do movimento cultural, Anderson pensou em ser B Boy, mas infelizmente não levava jeito Além disso, sua questão financeira na época o impedia de delirar com quaisquer que fossem as oportunidades no meio, sendo elas com o Grafite, as rimas ou comandar as picapes dos shows.

Moradora de Araras, interior de São Paulo, apesar de possuir uma jornada diferente, sendo pós graduada em educação ambiental pela UFSCAR e sem contato direto com as periferias, Ana também se identificou com o movimento Hip Hop.

"ANA DEU UMA REPAGINADA NO SITE E PÁGINAS MUDANDO A FORMA DE COMO PASSAMOS A NOS COMUNICAR, TRAZENDO PAUTAS BEM PERTINENTES E TRAZENDO UMA VISÃO DE UMA MINA PRETA DO INTERIOR PAULISTA, SE FORMANDO EM BIOLOGIA E FÃ DE RAP”.

Assim como o grupo, Ana escreve porque gosta e não porque busca ser reconhecida. Acreditando no trabalho desenvolvido pelos Racionais Mc 's, conta que o grupo é o que mais influencia, quando o assunto é conhecimento e escrita.

Após a comunidade G unit migrar para outras redes sociais, Ana e Anderson se aproximaram O convite para que Ana colaborasse com o blog, veio de Anderson, após entrevistá la em seu quadro “Opinião Periférica", com foco nos fãs de Hip Hop Ao final da entrevista, surgiu o convite para que ela fizesse parte do Noticiário Periférico.

PÁGINA 35

Com a nova perspectiva que o Rap trouxe, identificar se racialmente ao ver a diversidade de pretos, foi algo sem comparações. O povo preto é diverso até mesmo quando assunto é tom de pele, ser negro de pele clara não põe em duvida sua negritude e ver essa diversidade racial e a presença dos integrantes em programas de Rádio ou TV e o posicionamento que ambos tomam em relação a isso, ajudou na reafirmação e na identificação de Anderson

Por sempre ter tido a escrita como uma forma de expressão, onde se encontrava em um lugar de refúgio, fundo da ansiedade, começar a escrever não foi uma dificuldade para a redatora.

ANDERSON HEBREU.

“Não é exagero nenhum dizer que o Racionais é aquele irmão mais velho responsável, que te educa na ausência de um pai ou uma mãe”.

Com emoção, ambos os entrevistados contam

Apesar de estarem em lugares diferentes dentro de um mesmo Estado, Anderson e Ana sentiram o impacto do trabalho desenvolvido por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. Depois que conheceram o grupo, seus olhares se tornaram mais aguçados e expandiram se. “As obras do grupo me influenciaram no modo em que eu passei a olhar para a quebrada, para a política e também a forma como eu passei a me ver etnicamente falando”, conta o redator

que o disco Sobrevivendo no Inferno foi um marco na cultura Hip Hop. Como destaca Anderson, o rap já existia e diversos artistas vieram antes, mas a pesquisa que o envolve, serviu de inspiração para trabalhos que vieram depois desse álbum, onde os artistas passaram a tomar um tom mais agressivo e direto, assim como no álbum do grupo.

RACIONAIS É INFLUÊNCIA

NINGUÉM É MAIS QUE NINGUÉM, ABSOLUTAMENTE, AQUI QUEM FALA É MAIS UM SOBREVIVENTE"RACIONAIS MC`S CAPÍTULO4, VERSÍCULO3 Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Central Única das Favelas e Atlas da Violência 76,2% 50,3% DOS ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS ERAM NEGROS REPRESENTANDO 1,14 MILHÃO DE PESSOAS DOS ABORDADOS PELA POLÍCIA SÃO NEGROS 85% "60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial/ A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras/ Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros/ A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo " (RACIONAIS MC´S, 1997) OQUEMUDOU? DOS MORTOS PELA POLÍCIA NO BRASIL ENTRE 2015 E 2016 ERAM NEGROS A CADA QUATRO PESSOAS MORTAS PELA POLÍCIA, TRÊS SÃO NEGRAS A CADA QUATRO HORAS, UM NEGRO MORRE VIOLENTAMENTE DAS VITIMAS DE HOMICIDIO NO BRASIL SÃO NEGRAS 77% NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS, APENAS 2% DOS ALUNOS SÃO NEGROS 60% DOS JOVENS DE PERIFERIA SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS JÁ SOFRERAM VIOLÊNCIA POLICIAL Expressivamente o dado que mais mudou positivamente foi o de jovens negros na universidade,

POR JOYCE NAYRA

RACIONAISMC'S:OPONTO DEINFLEXÃO

“Raio X Do Brasil” chega aos ouvidos de Walter Garcia, professor da USP, músico e compositor que se impressiona com as faixas “Fim de Semana no Parque" e “Homem na Estrada”, criando a partir disso interesse, pela

Em meio a década de oitenta, em uma das maiores periferias de São Paulo surge no bairro Capão Redondo um dos principais grupos do Rap Nacional. Formado por Paulo Soares Pereira (Mano Brown), Paulo Eduardo Salvador (Ice Blue), Adivaldo Pereira Alves (Edi Rock) e Kléber Geraldo Lelis Simões (KL Jay), os quatro pretos mais perigosos do Brasil, formaram os Racionais Mc´s em 1980 e sem saber, ainda, seriam mais tarde os responsáveis pela ressurreição da fúria preta.

Tudo começa com a primeira aparição do grupo na coletânea “Consciência Black” no ano de 1989, mas foi no inverno de 1990 que ocorre o lançamento do álbum de estréia do grupo “Holocausto Urbano” responsável por chamar a tensão no cenário Hip Hop, representando nas letras a realidade da periferia de São Paulo de forma direta e agressiva

não somente pelas músicas, mas

mensagem e forma como as músicas foram produzidas e é dessa forma que Walter percebe que algo estava em transformação na música brasileira

Mc´s PÁGINA 38

Já no verão de 1993, “Raio X Do Brasil” é lançado expondo de forma direta a vida nas periferias. Neste disco, assuntos como racismo, drogas e violência policial, são expostos sem tarjas, com um efeito quase que automático as letras já são reconhecidas dentro das periferias

I C E B L U E , M A N O B R O W N , K L J A Y E E D R O C K F O T O : D I V U L G A Ç Ã O

"Os Racionais 's criaram narrativas ponto sujeito” Walter Garcia, estudioso Racionais

Mc

um

do

de vista do

da discografia dos

na música brasileira uma mudança, pois constroem

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

90,

A formação dos Racionais é um combate contra hegemônico Assim, a comunicação dos que representam o movimento Hip hop não ocorre por meio da Grande Mídia, pois esta é fruto de uma cultura hegemônica que vai na contramão do proposto

Para Walter “Sobrevivendo no Inferno” é um dos grandes lançamentos de disco que temos no Brasil “Não só da década de não de em é um dos grandes lançamentos do Brasil’ enfatiza Walter, o disco é ponto de que do

inflexão

faz uma mudança na história

"COMECEI

Atentando se ao fato de que este disco rompe não somente a ponte, Walter compreende que este trabalho também rompe a barreira construída pelas ideologias da indústria cultural brasileira, pois muito mais que um guia de sobrevivência dentro da periferia, Mano Brown, Ice Blue, KL Jay e Edi Rock apontam e dão voz às misturas de religiões, raças e ideologias existentes dentro da periferia Walter. assim, que pela primeira vez, em 1998, Walter Garcia lecionava sua primeira aula como professor de música popular brasileira, na qual um dos textos a serem estudados por seus alunos foi a letra de uma das músicas do disco "Diário de um Detento”. A ME INTERESSAR COM RAIO X BRASIL, MAS QUANDO VEIO ‘SOBREVIVENDO NO INFERNO’ FOI AQUELA COISA:PARA TUDO, ALGUMA COISA MUDOU A HISTÓRIA DA MÚSICA”

Considerado como “A bíblia do rap nacional”, diferente dos lançamentos anteriores, “Sobrevivendo no Inferno” foi totalmente produzido e lançado de forma independente no ano de 1997. Foi com o disco “Sobrevivendo no Inferno", terceiro álbum da discografia solo do grupo, que Walter percebeu que havia de fato algo ali, que a história da música brasileira tinha mudado e desde então, Walter passou a dedicar grande parte dos seus estudos acadêmicos para essa discografica

pelo movimento

“Desde 1997 eu estudo Sobrevivendo no inferno, porque já foi aquela escuta interessada”, conta

Algo jamais imaginado para um lançamento independente, aconteceu com este disco: o reconhecimento imediato da grande imprensa, alcançando o prêmio da MTV de melhor videoclipe e música do ano com a faixa “Diário de um Detento”.

Foi ainda nos anos 90 que Walter Garcia compreendeu que, devido ao sucesso estrondoso e orgânico do grupo, que os mesmos não necessitavam de apoio ou atenção midiática para que suas músicas fossem ouvidas por todos. Assim, compreendeu que o rap, fruto do movimento hip hop, vem de um lugar social, cujo qual representa a juventude preta de periferia.

PÁGINA 39

E foi

97, mas

“OS RACIONAIS MC´S NUNCA PRECISARAM DO RECONHECIMENTO DA GRANDE MÍDIA”

Brasil

PÁGINA 21 Consciência Black Vol.1 (1988) Raio-X do Brasil (1993) Escolha seu Caminho (1992) Sobrevivendo no Inferno (1997) Racionais Ao Vivo (2001) Nada Como Um Dia Após o Outro (2002) Coletânea 25 Anos (2013) DISCOGRAFIA RACIONAIS MC'S Holocausto Urbano (1990) Informações retiradas do site www.racionaisoficial.com.br

#Resistência!

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