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APRESENTAÇÃO

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Assim, o receptor da mensagem passa a ser mais ativo na recepção e não mais passivo, o que também aconteceu com a Revista Claudia, que percebeu de forma rápida às reivindicações das leitoras e suas possíveis atribuições, críticas e questionamentos, e pode criar um canal direto com elas.

Em relação à análise de estudo, utilizaremos como principal autora Eni Orlandi (2009). A autora discorre sobre como o discurso possui significados e interpretações que vão além da mensagem escrita de forma linguística, pois o discurso tem relação direta com os acontecimentos e significados da sociedade. Como explica Orlandi (2009, p.14): “a Análise de Discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo.” As contribuições dos autores permitem que as matérias analisadas neste trabalho estabeleçam relação com os acontecimentos que permeiam o jornalismo e a sociedade e como um reflete no outro, uma vez que a negação do racismo gerou impactos severos na saúde mental de mulheres negras, assim como retratar a saúde mental destas mulheres em matérias jornalísticas garante maior possibilidade de escuta, conhecimento sobre o tema e repara minimamente a negligência do jornalismo como um todo - como o de revista femininas para matérias voltadas para este público leitor. E também para ter um maior aprofundamento sobre saúde mental de mulheres negras tratado pelo jornalismo de revistas femininas, aplicamos uma pesquisa qualitativa com um recorte de 100 mulheres pretas do Estado de São Paulo, para ser possível compreender o perfil de mulher negra que lê este tipo de veículo, se há interesse de assinatura, além de ter sido verificado a identificação e representatividade junto com as matérias lidas.

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As três matérias analisadas que compõem objeto de estudo desta pesquisa estão publicadas no site da Revista Claudia (on-line). Todas foram escritas em um intervalo de cerca de três meses de uma matéria para outra por uma mesma jornalista, Ana Carolina Pinheiro uma mulher preta. A primeira matéria intitulada “Autocuidado é o maior ato de resistência no ativismo”4 , foi publicada em contexto de manifestações mundiais que iniciaram nos Estados Unidos por conta da morte de um homem negro norte-americano - George Floyd, que teve sua vida ceifada

4 Conteúdo disponível em: https://claudia.abril.com.br/sua-vida/autocuidado-e-o-maior-ato-de-resistenciano-ativismo/. Acesso realizado em 18 nov. 2021.

por um agente policial. O assassinato dele trouxe à tona em todo mundo, e especialmente no Brasil, as diferentes formas de violência que a população negra sofre diariamente. Dito isso, o título da matéria corresponde a critérios que vão além dos fatores técnicos exigidos pelo jornalismo, como uma frase curta que englobe a temática trazida no texto e que caiba no tamanho dos caracteres disponíveis do veículo. O título remete a uma ação individual que beneficia o coletivo - o ativismo contra o racismo começa por um cuidado singular e subjetivo. A este fator, Eni Orlandi (2009, p.40) argumenta: “Consequentemente, podemos dizer que o sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas.” Em seguida, no início da reportagem, a jornalista narra em primeira pessoa os sentimentos que lhe foram causados após lidar com a morte de George Floyd. Este recurso tratase nitidamente de uma demanda interna da Ana Carolina Pinheiro que utiliza o veículo para expressar suas dores - e consequentemente estimula a Revista a tratar não só da temática de saúde mental, mas de outras que interferem e cerquem a população negra feminina. O jornalismo negro desempenha a função de pautar as discussões eminentes para e com a população preta, não a deixando desamparada, além de conquistar um espaço para que o povo preto possa criar laços de afetividade, amor-próprio, autoamor, e acima de tudo, criar estratégias de sobrevivência dentro de um sistema racista. Sobre este fato, Miliane Martins (2016, p.8) aponta: “A vivência que uma minoria social tem e a visibilidade que daria a determinados assuntos em relação a quem não vive a mesma realidade poderia democratizar e humanizar o jornalismo.” A abertura do primeiro parágrafo em que a jornalista usa o discurso em primeira pessoa possivelmente aproxima uma leitora preta em se sentir acolhida, tomada por um sentimento de dor coletiva. Quanto a esta estratégia, Eni Orlandi comenta: No funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de informação. São processos de identificação do sujeito, de argumentação, subjetivação, de construção da realidade. (ORLANDI, 2009, p.19)

Após a abertura, a jornalista introduz a fala de uma especialista, que neste caso é a figura de uma psicóloga preta. Essa fala garante o acesso à informação do que se fazer ao lidar com um turbilhão de sentimentos causados pelas dores coletivas dos assassinatos de corpos negros, o que pode ser essencial para quem não tem acesso a psicoterapia. Entretanto, de acordo com o Mídia Kit da Revista Claudia, mulheres pretas periféricas que geralmente não possuem o acesso

a psicoterapia, não estão dentro da conjuntura socioeconômica de leitoras e assinantes da Revista, que conforme o relatório de 2020 é composto por um público leitor formado por mulheres (81%), que residem no sudeste (56,4%), possuem entre 35 - 44 anos (25,4%) e que dentro de novos assinantes, fazem parte da elite brasileira, como donos de negócio e experientes urbanos de vida confortável. A revista não informa a raça no documento. Neste sentido, Sodré aponta:

A mídia funciona no nível macro como um gênero discursivo capaz de catalisar expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais, em geral, estruturadas por uma tradição intelectual elitista que, de uma maneira ou de outra, legitima a desigualdade social pela cor da pele. (SODRÉ, 2015, p.276)

Ao decorrer do texto, a reportagem traz outras quatro mulheres ativistas em suas respectivas causas. Aretha Soyombo é uma mulher preta que conta sua experiência com o ativismo. Aqui, além da jornalista que também ocupa o papel de personagem, vemos um outro ponto abordado, da cobrança em ser ativista em tempo integral na fala de Aretha. Ao trazer este lado, o jornalismo da Revista Claudia (on-line) coloca três mulheres pretas em locais de protagonismo em comparação às outras causas abordadas no texto. Essa ação é deliberadamente causada pelo modo abordado pela jornalista ao iniciar a matéria em primeira pessoa e usar seu local de comunicadora a favor da própria causa. Entretanto, em contexto geral vale salientar que a ação da jornalista - que ali está como agente solitária - não supre pautas que não são classificadas como identitárias, ou seja, em coberturas gerais, o jornalismo tende a colocar a mulher negra em local subalterno. Quanto este cenário, Wéber Oliveira comenta: O próprio Jornalismo contribui largamente para a constituição desse espaço subaltenizador quando o negro e a mulher são personagens diários das páginas policiais que os relacionam às situações socialmente “repudiadas”, como se eles e elas fossem personagens típicos dessas matérias. Com isso, a pesquisa evidenciou que apesar de construções como essas que estereotipam, no Jornalismo podem ser encontradas escritas que agem como ferramentas positivadoras da imagem da mulher negra. (OLIVEIRA, 2017, p. 26)

A segunda matéria intitulada “Aquilombando-se, pessoas negras potencializam existência com semelhantes”5 trata de maneira extensa como pessoas pretas junto com seus pares têm criado estratégias para viver além da sobrevivência. A publicação da reportagem também produzida pela jornalista Ana Carolina Pinheiro foi feita no mês de novembro, cinco dias após do Dia da Consciência Negra - que remete à importância da temática para além de

5 Conteúdo disponível em: https://claudia.abril.com.br/sua-vida/aquilombamento-coletivos-negros/. Acesso realizado em 18 nov. 2021

tratar de casos e crimes raciais como o jornalismo se planeja para o mês. Sobre a temática, Barbosa e Silva comentam:

Os meios de comunicação de massa influenciam na organização social e na construção da realidade na sociedade moderna. A mídia apresenta-se como elemento da comunicação de massa que influencia o pensamento social ao definir pautas e conteúdos do discurso público. O discurso é compreendido como uma forma de difusão de significados que exerce papel não somente para a elaboração, transmissão e reprodução de referências, ideias, valores, como também de preconceitos (BARBOSA; SILVA, 2009 p. 50)

Na abertura da matéria, a jornalista utiliza um resgate histórico para falar sobre os quilombos que mantiveram pessoas pretas escravizadas em um lugar seguro e de troca de afeto. Em seguida, ao também se colocar na matéria em um discurso de “nós”, a jornalista ingressa nos tempos atuais para explicar que aquilombar-se hoje mantém o mesmo significado, mas que acontece fora de demarcações territoriais. Aqui, abre para a fala de uma especialista, mulher negra psicoterapeuta, que explica como a psicoterapia é negada à população preta tanto pela questão financeira como a questão territorial. E para falarmos sobre o papel do jornalismo acerca da temática da saúde mental, utilizaremos os dados da pesquisa qualitativa aplicada em prol desta pesquisa - em que 100 mulheres negras foram ouvidas, 73% (73 pessoas) procuram matérias sobre saúde mental em sites na internet e somente 15% (15 pessoas) procuraram por este tipo de matéria em Revistas Femininas - considerando site, impresso e redes sociais. Outro número interessante é que 89% (89 pessoas) das entrevistadas não tiveram contato com esta matéria analisada. Graciela Natansonh explica sobre este processo: Considerando que as revistas são publicações destinadas a públicos segmentados, específicos, por mais generalistas que estas possam parecer, a focalização da audiência permite uma interação maior com o leitor/navegador, de maneira que conteúdo e design são fortemente determinados pelo públicoalvo desejado. (NATANSONH, 2013, p.12)

Por mais que haja tentativa da jornalista em pautar e trazer cerca de três meses depois uma nova matéria que trate sobre saúde mental e ainda voltada exclusivamente para pessoas pretas, o veículo em si tem de forma segmentada um outro público leitor. A informação que seria fundamental para despertar em mulheres pretas vulneráveis a busca do seu aquilombamento e cuidados com a saúde mental não chega em quem deveria chegar. A informação fica diluída em grupo restrito de acordo com a segmentação do público leitor da Revista.

Na terceira matéria analisada, intitulada “O combustível que mantém mulheres em suas lutas sociais e particulares”6, publicada em março deste ano, tocou mais uma vez na temática de saúde mental de mulheres pretas no mês referenciado como o das Mulheres devido à data do dia 8 de março. Entretanto, a reportagem é exclusiva para leitores assinantes. De acordo com os números da pesquisa qualitativa aplicada em prol desta pesquisa, de 100 mulheres pretas ouvidas, 97% (97 pessoas) não tiveram contato com a reportagem e quando questionadas sobre o valor mínimo de assinatura para o acesso a conteúdo exclusivos, 33% (33 pessoas) responderam que assinaria por um valor simbólico e não fixo, seguida de 27% (27 pessoas) que assinaria por um R$ 15 mensal. Este valor é menor do que o acesso ilimitado ao conteúdo da Revista, que é de R$19,90. Ao considerar este fator, a democratização do conteúdo jornalístico permite que mulheres pretas possam criar uma conexão maior com o jornalismo de Revista, de modo que se apropriem da notícia. A assinatura pode afastar um possível público leitor em potencial que vai procurar a informação em outros veículos. Ignácio Ramonet (2013), explica, “[...] a informação também deve ser democratizada e, em certa medida, a internet proporciona isso, uma vez que ter um veículo/meio de expressão próprio na rede é relativamente barato e fácil do ponto de vista tecnológico.” Esta democratização viabiliza que mulheres pretas possam ter maior entendimento de assuntos sobre saúde mental e procurem redes de apoio e psicoterapia. É possível perceber que apesar do veículo querer estar em consonância com as mudanças sociais e pautas racializadas trazidas a cargo de Ana Carolina, o esforço não é suficiente para ampliar este público leitor e fazer com que a informação chegue em quem se fala no texto. Sobre o cenário, Sodré explica: Fica mais ou menos evidente que a dificuldade dos setores mais conservadores da mídia em aceitar a existência premente do racismo no país, tanto em nível individual quanto institucional, induz as suas linhas editoriais - quase sempre consistentes e semelhantes no que concerne às cotas raciais - a condenarem iniciativas congêneres, optando mesmo por concessões ideológicas pontuais a fim de resguadar esta negação central. (SODRÉ, 2015, p. 319)

No texto, novamente a jornalista se coloca dentro da matéria com voz ativa. Em seguida, ela abre apresentando as personagens que compõem a matéria, e nela constam entrevistadas de diferentes perfis, grande maioria, mulheres negras. A estratégia linguística utilizada mostra uma linha de seguir das mais velhas - personagens ativistas há mais tempo para as mais novas, algo que dentro de coletivos de pessoas pretas é conhecido como respeito à sabedoria dos mais

6 Conteúdo disponível em: https://claudia.abril.com.br/feminismo/forca-mulheres-ativistas/ . Acessado em 18 de nov. 2021

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