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FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
FOTOS: ACERVO EM
NA PRAÇA DA ESTAÇÃO (BH) OU NO RIO, O ATLETA MOSTRAVA O ESTILO ELEGANTE E SE DESTACAVA TANTO NO BOTAFOGO QUANTO NA VIDA SOCIAL
A SOBRINHA HELENIZE BRILHOU NO VÔLEI; A CLÍNICA VIROU HOTEL; O TÚMULO É DIVIDIDO COM OS PAIS E O IRMÃO; A ESTÁTUA A SER INAUGURADA
ATAQUE DOS SONHOS ● Heleno foi convocado pela
DIAGNÓSTICO
primeira vez para a Seleção Brasileira em 1944. Com a camisa verde-amarela, foi campeão da Copa Roca contra a Argentina (1945) e da Copa Rio Branco contra o Uruguai (1946). Nessa época, formou aquele por muitos apontado como o melhor quinteto ofensivo da história da Seleção: Tesourinha, Zizinho, Heleno, Jair e Ademir Menezes.
● Heleno deu entrada na
Casa de Saúde em 19/12/1954, conforme documentos do prontuário 220, uma pasta com cerca de 120 cartas trocadas entre o dr. José Theobaldo Tollendal e Heraldo de Freitas, que custeou as despesas do irmão. Foi o médico que, um mês antes, havia descoberto, em exame na Casa de Saúde Santa Clara, em BH, a doença que mataria Heleno: paralisia geral progressiva (PPG).
209
20
gols Heleno marcou no Botafogo em 235 jogos, atrás apenas de Quarentinha (307), Carvalho Leite (261) e Garrincha (243). Na Seleção, foram 18 partidas e 13 gols
anos depois de contrair a sífilis, a PPG começa a se manifestar
GILDA! GILDA!
POUCOS JOGADORES NA HISTÓRIA TIVERAM TANTA INTIMIDADE COM A BOLA, E COM O GOL, QUANTO O GENIAL E GENIOSO CAMISA 9 DO ALVINEGRO DE GENERAL SEVERIANO
A GLÓRIA
● Em meados de 1947,
estreava nos cinemas brasileiros Gilda, dirigido por Charles Vidor e estrelado por Rita Hayworth. “Nunca houve uma mulher como Gilda”, frase promocional do filme, resumia a personalidade da femme fatale geniosa e temperamental, que fazia de tudo para conseguir seus objetivos. Os rivais não perdoavam: por onde Heleno passava, o grito de “Gilda! Gilda!” o tirava do sério.
ELDORADO ● Em 1948, o governo
colombiano apostou que o futebol poderia acalmar os ânimos do povo, revoltado com o assassinato do líder liberal Jorge Gaitán. Foi criada a Dymaior, liga não reconhecida pela Fifa, sem contratos e oferecendo salários milionários. Desembarcaram no Eldorado os astros argentinos Di Stéfano, Nestor Rossi e Adolfo Pedernera e brasileiros como Heleno de Freitas, Tim e Gérson dos Santos. A Liga Pirata durou até 1954.
Desde cedo, Heleno de Freitas recebia tratamento de príncipe. Quarto filho de uma família de seis irmãos – Marina, Rômulo, Heraldo, Oscar, ele e a caçula, Vera –, nasceu em 12 de fevereiro de 1920. O pai, Oscar de Freitas, negociava café e era um dos donos da Casa Americana, bazar de secos e molhados no Centro de São João Nepomuceno. A mãe, Maria Rita de Freitas, a dona Miquinha, professora, cuidava para que as vontades dos os filhos fossem prontamente atendidas. Para segurar o ímpeto do mais novo dos homens, Heraldo o levava aos treinos do Mangueira, clube local. Para o menino de apenas 7 anos, cada pelada era final de campeonato. “Fizemos o terceiro ano de grupo juntos em 1928, no Coronel José Braz. Jogávamos bola no pátio e o Heleno de vez em quando perdia as estribeiras se o companheiro errasse”, lembra Isautino Alves, o Tininho, de 94 anos. A infância tranquila, porém, só durou 11 anos. Em 1931 Oscar morreu, de pneumonia, e dois anos depois dona Miquinha decidiu levar a família para o Rio. Os Freitas se instalaram no Edifício Serrano, à Rua Lafayette, 29, em Copacabana, de onde Heleno seguia a pé até o Posto 4 para ver os treinos do Posto 4 F.C., do técnico Neném Prancha. Em pouco tempo, tornou-se destaque do time. Levado por Neném Prancha a General Severiano com 15 anos, Heleno passou a ver de perto astros como Carvalho Leite – a quem sucederia – e Leônidas da Silva – de quem herdaria vaga no ataque da Seleção. No ano seguinte, com o fim do departamento de menores do Botafogo, foi treinar no Fluminense, mas desentendimentos com treinadores o impediram de continuar nas Laranjeiras.
12 de fevereiro Nasce em São João Nepomuceno É levado pelo irmão Heraldo para treinar no infantil do Mangueira, time da cidade
1933
Junho Com a morte do pai, Oscar, muda-se com a família para o Rio. Ela se fixa em Copacabana
O DRAMA
ELE NÃO DAVA SOSSEGO AOS ADVERSÁRIOS. NEM AOS COMPANHEIROS
1920 1927
O QUARTO Nº 25 DA CASA DE SAÚDE SÃO SEBASTIÃO, EM BARBACENA, FOI O CENÁRIO DO CAPÍTULO DERRADEIRO DE UMA EXISTÊNCIA TRANSTORNADA
1935
Abril Jogador do Posto 4 FC, de Neném Prancha, é levado para treinar no Botafogo
1936
Dezembro - Com o fechamento do departamento de menores do alvinegro, vai para o Fluminense
Em 1939, convencido pelo ex-companheiro de Posto 4 João Saldanha, retornou ao alvinegro. Não tardou a se tornar o centro das atenções, ainda mais depois de comprar um Chrysler último tipo. Mesmo se o treino fosse às 7h, chegava com cabelos penteados e ternos impecáveis. Tudo isso numa época em que a maioria dos jogadores vivia na penúria e o futebol engatinhava no profissionalismo. Logo na estreia do Carioca de 1940, marcou os gols da vitória por 2 a 0 sobre o São Cristóvão. Com o mineiro Geninho, contratado ao Palestra Itália (futuro Cruzeiro), formaria afinada dupla. Na temporada seguinte fez 30 gols em 37 jogos e no Carioca de 1942 foi artilheiro com 28. No auge da forma, em 1944, ao chegar à Seleção na vaga deixada por Leônidas, recebeu o apelido de Diamante Branco. “Era um artista jogando: driblava com esmero, corria em gestos perfeitos. Enriquecia o futebol com melodias corporais de raro efeito. Poucos craques na história do futebol conseguiram ou conseguirão jogar tão bem de cabeça quanto ele”, escreveu o jornalista Armando Nogueira. Por sete anos, Heleno foi a estrela do Botafogo, em carreira marcada por excessos. À medida que se descontrolava, dentro e fora de campo, o jejum de títulos se prolongava. Ao assumir a presidência em 1948, Carlito Rocha recebeu um aviso do técnico uruguaio Ondino Vieira, de saída do clube e substituído pelo estreante Zezé Moreira: o time não era campeão por causa de Heleno. O dirigente não hesitou em apressar a saída do craque-galã.
EXÍLIO AO SOM DE TANGO Heleno foi vendido ao Boca Juniors no início de 1948, até então na maior transação do
1939
Outubro - Retorna ao Botafogo a convite de João Saldanha para o lugar do veterano Carvalho Leite 21 de dezembro - Primeira partida como profissional: derrota por 5 a 1 para o San Lorenzo-ARG
1940
28 de abril - Em sua estreia no Carioca, marca os dois gols da vitória por 2 a 0 sobre o São Cristóvão
futebol sul-americano: 600 mil cruzeiros (hoje o equivalente a R$ 197 mil). Desembarcou em Buenos Aires como esperança de um time em crise. Mas se no Brasil os delizes eram perdoados, os argentinos reagiram duramente. Em pouco tempo o craque já estava brigado com o grupo, inclusive o atacante brasileiro Yeso Amalfi, de quem havia ficado amigo, e a estrela do futebol nacional, Mario Boyé. Ainda em 1948, casou-se no Rio com Ilma. Com ela, desembarcou em Buenos Aires para tentar reconquistar a torcida do Boca, mas, 17 jogos e apenas sete gols depois, retornou ao Brasil e foi desdenhado pelo Botafogo, que voltou a ser campeão. Em 1949, pelo Vasco, conquistou seu único Carioca. Expulso logo na estreia, não deixou saudades. Indignado com a reserva, invadiu um treino armado para tirar satisfação com Flávio Costa, técnico também da Seleção. Pagou caro: ficou fora da Copa de 1950. Heleno partiu para o Eldorado colombiano. No Atlético de Barranquilla, encantou jovem jornalista que havia tentado em vão ser goleiro: Gabriel García Márquez, repórter do El Heraldo, que 30 anos mais tarde ganharia o Nobel de Literatura. Torrou tudo o que recebeu, voltou ao Rio decadente, com os nervos minados, e acertou com o América-RJ. Em 4 de março de 1951, atuou pela única vez no Maracanã. Ao receber passe errado, irritou-se e não se esforçou mais. “Papai foi ao Maracanã e quando viu tio Heleno parado no meio-campo, olhando para a arquibancada, completamente fora de si, viu que não dava mais para ele”, conta Helenize de Freitas, filha de Heraldo. O camisa 9 foi expulso aos 25min de jogo. O palco era grande demais, profissional demais para sua alma amadora.
1942
Artilheiro do Estadual pela primeira vez: 28 gols
Dezembro - Campeão da Copa Roca, com duas vitórias sobre a Argentina (6 a 2 e 3 a 1). Na foto, entre Zizinho e Ademir
1944
Janeiro - Chamado para o lugar de Leônidas, é vice-campeão do Sul-Americano, no Chile.
1948
1946
21 de dezembro - Forma-se em direito pela Faculdade Nacional de Niterói
Em 1954, Barbacena respirava o nefasto ar da loucura. Inauguradoem12demarçode1903,oAzyloCentraldeBarbacena, mais tarde chamado de Hospital Colônia, recebia cerca de 3.500 pacientes por ano, registrando média de óbitos acima de 700. O terror, que o psiquiatra italiano Franco Basaglia compararia a um campo de concentração nazista, durou cerca de 80 anos. Série de reportagens “Os porões da Loucura”, publicada pelo Estado de Minas de 18 a 27 de setembro de 1979, revelou atrocidades como experiências e venda de cadáveres, abalando a opinião pública. AlémdoHospitalColônia,queatendiaindigentes,acidade tinha quatro clínicas particulares, para pacientes de melhor condição financeira, entre elas a Casa de Saúde São Sebastião, inaugurada em 1948 pelos médicos José Theobaldo Tollendal e Hermont do Nascimento. Depois de internação fracassada no Rio e em Matias Barbosa, a família optou por tratar Heleno no hospital de um amigo de infância, o dr. Tollendal, falecido em maio de 2010. Ele funcionou até 1995, quandodeulugarahoteldemesmonome,arrendadopeloempresárioSílvioPires,de60ano,quesópintoucorredoreseinstalouvasosdeplantasparamudaroambiente.Aconstruçãopermaneceintacta:2.400mdeáreaconstruída,capacidadepara130 pessoase80quartosparahóspedes,entreelesodenº25,onde Heleno passou os últimos anos em devaneios: um espaço de 4mx3m,sembanheiro,comumacamaeumguarda-roupa. O pátio onde tomava sol, cercado pela base de pedras e paredes de 5m de altura, silencioso e carregado de clima pesado, já afastou hóspedes que nem sabiam que ali havia sido um hospital. Os quartos 42 e 43, ao lado da sala dos prontuários médicos, não recebem pessoas há anos.
Maio - Depois de quatro vezes vice carioca, Botafogo vende Heleno ao Boca Juniors 6 de junho - Na estreia no Boca, marca duas vezes na vitória por 3 a 0 sobre o Banfield
17 de maio - Estreia na Seleção Brasileira marcando um gol na vitória por 4 a 0 sobre o Uruguai
1945
O ILUSTRE E DELIRANTE PACIENTE DOS ‘PORÕES DA LOUCURA’
8 de julho - Casa-se no Rio com Ilma Miranda Corrêa Lisboa, única esposa
DECADÊNCIA
1949
30 de abril - Reserva no Boca e rejeitado pelo Botafogo, assina com o Vasco 25 de maio - Expulso na estreia no cruz-maltino, no triunfo por 1 a 0 sobre o Arsenal-ING 18 de junho - Nasce Luiz Eduardo de Freitas, único filho Dezembro - Pelo "Expresso da Vitória", conquista o único título carioca
Entre 1952 e 1953, Heleno viveu entre o Rio e São João Nepomuceno, onde era atração: ia ao restaurante do Bar Central, aos bailes do clube Democráticos e jogava sinuca no Bar do Cida, mas já apresentava sinais da doença. O vício ainda o corroía e as receitas médicas que chegavam à Farmácia Oswaldo Cruz eram sempre acompanhadas de um P.S. cifrado: “Dê a Heleno o que o Heleno precisa”. Era éter. Em maio de 1953, jogou a última partida antes da internação. Com a camisa verde do Guarani, da cidade de mesmo nome, enfrentou um combinado de Rochedo de Minas. “Eu era o ponta-direita e Heleno o centroavante. Não ria para ninguém, era grande e glamuroso. Num lance, matou a bola no peito e fuzilou o canto do goleiro. No outro, chutou de fora da área, marcando outro golaço”, recorda Sebastião Mattos, aos 76 anos.
CORROENDOOSNERVOS ParaamédicaLucinéiaCarvalhaes,
diretoraclínicadoHospitalEduardodeMenezes,emBH,épossívelqueHelenotenhacontraídosífilisnosprimeirosanosda vida sexual, pois era comum então ter as primeiras relações com prostitutas. Conhecedor das preferências do velho amigo,dr.TollendaloacompanhavaaocampodoSantaTerezapara ver treinos do Olympic. Raras vezes Heleno jogou, mas era chamadoparadaropontapéinicialempartidasfestivas.“Ficavasentadoassistindo.Masaoverumerro,começavaaseexaltar e a xingar os jogadores do outro lado da grade. Falava coisassemsentidoejáestavacomafeiçãotranstornada”,lembra Danton,de79anos,ex-goleirodoOlympicedoMadureira. Na inauguração da iluminação do estádio, no fim de 1956, o Olympic enfrentou o Botafogo. Heleno foi visitado
22 de dezembro - Fica fora da lista de pré-convocados de Flávio Costa para a Copa do Mundo de 1950
1950
Fevereiro - Vai para o Atlético de Barranquilla-COL, onde é recebido como estrela
1951
Setembro - Depois de novo fracasso na Colômbia, tem chance que dura apenas um treino no Santos
pelo ex-time, então treinado pelo ex-parceiro de ataque Geninho. Foi o único encontro com outro gênio atormentado do alvinegro: Garrincha. Sempre ao lado do médico, tomava refrigerante no Bar Colonial e buscava charutos na Tabacaria Minas Gerais, no Centro. “Meu pai falava que ele passava, pegava o fumo, dizia ‘Eu sou o Heleno’ e saía sem pagar”, contam os irmãos Luiz Galvão e Sebastião Pereira, herdeiros da loja. Com mania de grandeza, falava coisas sem nexo.Ostemposdeglóriaaindaoatormentavam.Diziaque a cada gol pelo Boca era obrigado a dar um abraço em Evita Perón, a primeira-dama argentina. Nofimde1957,TollendalescreveuaHeraldo:asaúdeea sanidade pioravam rapidamente. Ele havia perdido muito peso,osdentesestavamenfraquecidoseocabelocaía.Havia passadoaouvirvozes,agirdeformaviolentaeinfantil,comer papel e rasgar roupas com os dentes. Pele enrugada, cabelos ralos e brancos, aos 38 anos, o homem de 1,80m pesava pouco mais de 40kg. Na manhã de 8 de novembro de 1959, ao abrir a porta do quarto com o café da manhã, um enfermeiro encontrou Heleno morto. A ida do corpo para São João Nepomuceno foi tão conturbada quando a vida do mito. Caía verdadeiro dilúvio. Às 15h, perto de Juiz de Fora, o caixão teve de ser trocado de carro, que meia hora depois atolou. Só chegou à cidade às 9h da manhã seguinte. “No velório, um senhor de cerca de 50 anos ficou o tempo todo ao lado do caixão. Devia ser alguém que conviveu com o astro. Depois ninguém nunca mais o viu”, lembra Helenize. O comércio fechou e uma fila seguiu o caixão da casa da família, na Rua Capitão Braz, até o cemitério São João Batista, onde Heleno foi enterrado às 15h, ao lado dos pais e de Heraldo.
4 de novembro Pelo América-RJ, em seu único jogo no Maracanã, é expulso aos 25min do primeiro tempo
1952
É internado pela primeira vez, em uma clínica na Tijuca. Volta para São João Nepomuceno, vivendo aos cuidados do irmão Heraldo
1954
Outubro - Exame na Casa de Saúde Santa Clara, em BH, constata sífilis em grau avançado 19 de dezembro - Internado na Casa de Saúde São Sebastião, em Barbacena
1959
8 de novembro - Encontrado morto em seu quarto, quatro anos, 10 meses e 25 dias depois da internação
A DOENÇA ● Também conhecida por
neurossífilis ou sífilis terciária, a PPG é uma manifestação tardia da doença. Não tem cura e o tratamento apenas impede o avanço, sem dar fim às sequelas. A sífilis é um mal silencioso. Na primeira fase, aparecem pequenas feridas, que somem em três semanas. Pouco tempo depois, a manifestação é uma alergia no corpo, que igualmente desaparece.
SINTOMAS ● O paciente perde peso,
apresenta fortes dores musculares e passa a caminhar como se estivesse perdendo o equilíbrio. As principais manifestações psiquiátricas são mania de grandeza, discurso sem nexo e confusão entre fantasia e realidade. Antes da descoberta e do aumento do uso da penicilina, nos anos 1940, a neurossífilis era a principal causa de internação entre os quadros psiquiátricos
FOTOS: ACERVO EM
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O ÚNICO FILHO SÓ SOUBE NA ESCOLA DE QUEM ERA HERDEIRO. ADOLESCENTE, CONHECEU A TERRA DO PAI E FICOU IMPRESSIONADO COM O QUANTO O ARTILHEIRO ERA QUERIDO NA CIDADE MINEIRA ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
Luiz Eduardo, torcedor do Fluminense e morador do Leblon, em dois tempos: ao colo de Heleno, de quem tem poucas recordações, e carregando o bisneto, Matheus, para quem prevê sucesso na área em que o trisavô se consagrou há mais de 60 anos: “Vai ser o camisa 9 da Copa de 2026. Pode anotar”
ACERVO EM
PASSADO E FUTURO
Luiz Eduardo de Freitas, de 62 anos, nunca soube o que é amor paterno. A mãe, Ilma, depois de se separar de Heleno com pouco mais de três anos de união, casou-se com João Emídio Resende da Costa, sobrinho do ex-governador mineiro Israel Pinheiro. O padrasto não permitia qualquer menção ao nome do ex-jogador e sempre matriculava Luiz Eduardo em escolas onde não se praticava o futebol. Quando tomou ciência de quem era filho, o garoto passou a perguntar aos outros se conheciam o centroavante do Botafogo. Teve um choque quando um taxista lhe respondeu: “Qual? Aquele que morreu maluco”? “Esse negócio de filho do Heleno sempre me machucou muito, pelo que eu passei, ser afastado do pai... Eu deixei de ser Luiz Eduardo para ser filho do Heleno. Os garotos na escola podiam falar ‘papai’ e eu nunca tive isso. Você sente saudade de uma coisa que nunca teve. É um sofrimento muito grande, não é legal, não”, comentou.
Pai de cinco filhas – Camila, Bianca, Joanna, Danuza e Mariah –, Luiz Eduardo mora no Leblon e torce pelo Fluminense. Separado da única mulher, trabalha como corretor de imóveis e gosta de passar o tempo com o bisneto mais novo, Matheus Amado Pimenta D’Aguiar, de 3 anos, o único homem depois de cinco filhas e três netas. O filho de Heleno se lembra pouco do pai. Nascido em 1949, ano em que Heleno voltava ao futebol brasileiro, teve o último contato com ele em Barranquilla, em 1951. “Minha mãe estava em Chicago, junto com meus avós maternos, e passamos pela Colômbia. Tinha pouco mais de 2 anos, e ainda estão na minha cabeça os gritos de ‘arriba, arriba’, talvez em algum jogo em que estava. Talvez seja minha única memória bem distante da glória do meu pai.” Luiz Eduardo conheceu São João Nepomuceno aos 14 anos e ficou impressionado com o quanto Heleno era querido ali. “Fui recebido na cidade e levado para jogar uma pelada. No primeiro passe
que recebi, eu me enrolei todo e perdi a bola. Alguns gritavam: ‘É mentira! Esse perna de pau aí não é filho do Heleno’.” Se não era bom das pernas como o pai, tem certeza de que o bisneto Matheus será. “Vai ser o camisa 9 da Copa de 2026, pode anotar”, brinca ao abraçar o menino em frente ao Posto 4 de Copacabana, onde Heleno começou. “Ele me dá um abraço tão gostoso! É como se fosse eu e eu fosse o Heleno.” Matheus ainda não sabe que o trisavô foi um dos maiores ídolos do futebol do país. Ao ser indagado sobre quem Heleno era, responde: “Campeão”.
A CAMPEÃ E O ESPELHO Revelada no vôlei do Mangueira, Helenize de Freitas, de 67 anos, não demorou para chamar a atenção dos clubes da capital. Chegou ao Minas em 1966, aos 20 anos, e no ano seguinte se transferiu para o Mackenzie, que defendeu por três anos. Nesse período, foi convocada para a Seleção Brasileira e disputou os Jogos
Pan-Americanos de Winnipeg’1967, Cali’1971 e Cidade do México’1975. Filha de Heraldo, Helenize conviveu com o tio Heleno entre 1951 e 1954, ainda criança. “Ele chegava com aqueles carros grandes, parava a cidade. Ia direto para o Bar Canarinho, do Esteves, para comer caçarola, doce de que gostava muito. Depois, já morando aqui em casa, lembro-me de uma mala dura, cheia de quinquilharias. Coleção de moeda, nota, caneta, foto, recortes com que a gente brincava... Mas não podia descuidar: uma vez ele pegou uma moto e desceu de braços abertos a ladeira da matriz.” No início da carreira, Helenize foi muito comparada no talento ao tio, de quem nunca escondeu paixão e admiração. Pouco depois de conquistar o título do Sul-Americano de Caracas’1969, parou em frente ao espelho, penteou o cabelo para trás bem rente e disse, com lágrima nos olhos: “Viu? Você não quis ser campeão com a Seleção Brasileira, mas eu fui”, como se estivesse repreendendo Heleno.
NASTELAS E NAS LIVRARIAS Está previsto para 23 de março o lançamento de Heleno, o príncipe maldito, filme do diretor José Henrique Fonseca (de O Homem do Ano e O Matador), exibido pela primeira vez no Festival de Toronto, em setembro do ano passado. O craque alvinegro é interpretado por Rodrigo Santoro, vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Cinema Latino-Americano de Havana, em dezembro. No filme, o diretor relembra a atmosfera dos anos 1940, usando fotografia em preto e branco que evoca os clássicos filmes de Hollywood. No elenco, além de Santoro, estão Alinne Moraes, no papel de Ilma, e Angie Cepeda,
que vive Diamantina, uma vedete amante do jogador no auge da carreira. Uma semana antes, as livrarias do país recebem a segunda edição do livro Nunca houve um homem como Heleno (Editora Jorge Zahar, R$ 44), do jornalista Marcos Eduardo Neves. A biografia, lançada em 2006, não terá adição de informações, mas conta com novo projeto gráfico e fotos inéditas.
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Veja no site o trailer do filme Heleno, o príncipe maldito