J. Carlos - Um Lápis Apontado para Todos

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j. carlos U M L Á P I S A P O N TA D O P A R A T O D O S

P E D R O G OD OY R E N A N G OUL A RT


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J.Carlos - um lรกpis apontado para todos


j. carlos U M L Á P I S A P O N TA D O P A R A T O D O S

trabalho de conclusão de curso

autores

Pedro Henrique Telles de Godoy Renan Pereira Goulart

orientação

Prof. Carlos Costa faculdade cásper líbero jornalismo/2012



“Mas, a quem não fará sonhar a rua? A sua influência é fatal na palheta dos pintores, na alma dos poetas, no cérebro das multidões. Quem criou o reclamo? A rua! Quem inventou a caricatura? A rua! Onde a expansão de todos os sentimentos da cidade? Na rua!” joão do rio a alma encantadora das ruas, 1908



dedicado a Eduardo Augusto de Brito e Cunha (in memoriam)

Agradecimentos Agradecemos a Cássio Loredano pelo grande entusiasmo em sua pesquisa da obra de J. Carlos, pelas informações valiosíssimas que nos passou, além de todo apoio dado para que o projeto seguisse em frente; Luiz Antônio Simas, José Brito Cunha, Julieta Sobral, Álvaro de Moya e Gilberto Maringoni pelas entrevistas concedidas e grande colaboração à nossa pesquisa; Prof. Carlos Costa, nosso orientador, pelas dicas e incentivo; Amanda, Fernanda, Henrique, Marcell, Petrus, Renata, Val e famílias por toda a paciência e ajuda que deram no processo.


Sumário

1. Muito prazer, J. Carlos

5. Um é pouco, dois é bom...

3. Paris Tropical O Rio que J. Carlos viu 22

jota quem? 12

4. O início 2. Informação pelo riso xis 16

certo por linhas tortas 38

três é o suficiente 54 raul 56 k.lixto 64


9. Do ticotico ao papagaio

7. Art Déco 6. Um cronista incansável e atento

a arte de encantar com pouco 112

8. Meio século de imprensa

Longe do lar 76

Na idade da pedra 123

Entre duas guerras 80

Um pouco de tudo 126

100 caricaturas em 5 horas 98

J. C 142

Melindrosas e Almofadinhas 102

Quem com malho fere... 144

um passarinho me contou 170 Zé Carioca e o convite para trabalhar na Disney 180

10. Para Poucos... lápis 190 dívida de gratidão 192 contracapa 194

ANEXOS 198

bibliografia 208


1.

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1. muito prazer, j. carlos

Muito Muitoprazer, prazer, J. J.Carlos Carlos 11


Jota quem?

a

simples menção do nome J. Carlos gera tamanha estranheza que, na maioria das vezes, é melhor evitar o assunto. Se o diálogo não puder ser evitado, prepare-se para as mais diversas

reações, que vão desde um simples arquear de sobrancelhas, até algumas indagações pouco perspicazes: “Jota quem?” J. Carlos é um desses personagens raros que intrigam a gente. Quando você pensa que descobriu quase tudo a respeito dele, aparece alguma novidade para por abaixo qualquer pretensão do tipo. A grande dificuldade é mergulhar numa obra farta, deixada por alguém que trabalhou 48 anos na imprensa, e voltar para a superfície são e salvo. Estimase que ele tenha feito cerca de 150 mil desenhos, uma produção que causa vertigem só de se imaginar. Mas apesar de ter produzido tanto, poucas pessoas o conhecem. Não é possível saber ao certo porque há tanta gente que sequer ouviu falar de J. Carlos. Ele publicou charges e ilustrações nas principais revistas brasileiras da primeira metade do século 20, num período que vai de 1902 a 1950. Os desenhos dele certamente chegaram às mãos de uma parcela significativa da população brasileira. Além disso,

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1. muito prazer, j. carlos

[1] J. Carlos posando para foto de jornal

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não faltam entusiastas de sua obra, que dedicaram – e ainda dedicam – artigos acadêmicos e livros ao resgate não apenas da graciosa Melindrosa ou das historinhas d’O

Tico-Tico, mas de um pouco da história do Brasil através de suas imagens. [2] A assinatura mais conhecida de J. Carlos ao lado de uma autocaricatura

Cada desenho feito por ele pode ser considerado um documento de valor inestimável. Ao olhar para as capas d’O Malho ou da Careta – publicações em que permaneceu por muitíssimo tempo – é possível viajar ao passado e quem sabe até conversar com aquelas figurinhas. De qualquer forma, isso é apenas para resaltar a importância

[3] J. Carlos trabalhando em sua prancheta

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de J. Carlos, que merece muito mais do que um livro. Ele merece o reconhecimento devido, que o colocaria ao lado das principais figuras da nossa história.


1. muito prazer, j. carlos

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2.

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2. a informação pelo riso

A informação pelo riso

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Xis

É

preciso que se tenha pelo menos uma noção das transformações ocorridas no Brasil, no mundo e, principalmente, no Rio de Janeiro no início do século 20, para compreender a importância e a

extensão da obra de J. Carlos. A caricatura naquele período era um meio de informação importantíssimo, não apenas pelo analfabetismo de boa parte da população que só conseguia decifrar os acontecimentos nas páginas dos jornais e revistas por meio das imagens, mas também pela incipiência dos registros fotográficos, ainda incapazes de captar a essência dos eventos ocorridos. Para que as fotos fossem realizadas, era necessário, primeiro, que as pessoas ou objetos estivessem parados. Nesse ponto, ironicamente, a caricatura se mostrava menos caricata que a própria fotografia, pois o lápis do artista conseguia captar mais do que a simples imagem, ele era capaz de transmitir os anseios e as emoções do povo, criando um registro histórico confiável. Por exemplo: seria difícil imaginar a campanha abolicionista do final do século 19 sem o apelo visual de Ângelo Agostini, ou a Revolta da Vacina e as reformas ocorridas no Rio de Janeiro no início do século passado sem a crítica mordaz de K.Lixto.

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2. a informação pelo riso

[4] "Os nossos caricaturistas" K.LIXTO

Nem é necessário ir tão longe. O Pasquim, hebdomadário1 criado há mais de 40 anos por Millôr, Jaguar, Ziraldo e companhia, publicou, em muitos momentos, informações

[5] O Pasquim número 1 26/6/1969

mais claras que as dadas por boa parte dos outros veículos de imprensa, massacrados pela censura imposta pelo AI-5, decretado em 1968. Isso numa época em que a televisão já tinha alcançado certa popularidade no Brasil. O que dizer então da fotografia? Em regimes ditatoriais é comum que esse tipo de coisa aconteça: que os caricaturistas tomem para si o papel dos jornalistas. Talvez isso ocorra porque os governantes não costumam levá-los tão a sério, ao contrário da população, que sabe que por trás de toda brincadeira há sempre um fundo de verdade. 1. Hebdomadário - Periódico de circulação semanal. Maneira como os integrantes d’O Pasquim se referiam a ele.

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ângelo agostini Nasceu no dia 8 de abril de 1843, na província de Vercelli, região do Piemonte, norte da Itália. Veio com a família para o Brasil em 1860. Morou em São Paulo, onde arrumou alguns desafetos desenhando para os jornais Diabo Coxo – de 1864 a 1865 – e

O Cabrião – de 1865 a 1867, ano em que deixou a cidade para viver no Rio de Janeiro. Alcançou grande prestígio na corte, sendo um dos críticos mais contundentes do imperador D. Pedro II. Trabalhou para o Arlequim e A Vida Fluminense, revista fundada por ele em 1868, fruto de uma sociedade estabelecida com o padrasto, Antônio Pedro Marques de Almeida e o jornalista Augusto de Castro. Tal como havia ocorrido em São Paulo, conquistou algumas inimizades, entre elas a do caricaturista alemão Henrique Fleiuss, fundador da revista Semana Illustrada, que criticava por ser condescendente demais com imperador. Publicou n’A Vida Fluminense, a partir de 1869, As Aventuras de Nhô-Quim, ou Impressões de uma Viagem à Corte, considerada a primeira história em quadrinhos produzida no Brasil. Após a guerra do Paraguai, alcançou papel de destaque, promovendo intensa campanha contra a escravidão. Em 1872, deixou A Vida Fluminense para assumir a direção artística d’O Mosquito, jornal criado por Cândido Aragonez de Faria, que seria contratado como seu substituto n’A Vida Fluminense. Anos depois, saiu d’O

Mosquito e deu início a sua mais ambiciosa e bem-sucedida empreitada: a Revista Illustrada, onde trabalhou por 12 anos – de 1876 a 1888. Fundou em 1895 o semanário Don Quixote e participou da criação da primeira publicação brasileira destinada às crianças: O Tico-Tico; desenhando o logotipo da revista, que seria substituído 20 anos depois por J. Carlos. Morreu no dia 23 de janeiro de 1910, aos 66 anos.

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2. a informação pelo riso

[7] revista illustrada número 450 1887 ÂNGELO AGOSTINI

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3.

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3. a paris tropical

A Paris Tropical

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O Rio que J. Carlos viu

O

s primeiros anos do século 20 marcaram o início de uma série de transformações que alteraram os hábitos da população do Rio de Janeiro para sempre. Essas mudanças

vêm acompanhadas por uma onda de otimismo gerada, especificamente, pela Segunda Revolução Industrial, também chamada de Revolução Científico-Tecnológica. O Brasil estava começando a sentir os efeitos da modernização que havia tomado o mundo de assalto nas últimas décadas do século 19. Nessa época, a eletricidade e o petróleo se tornaram matrizes energéticas importantes, substituindo o carvão. Foram inventados o automóvel, o avião, o cinema e o rádio e a iluminação elétrica livrou da penumbra as principais metrópoles do planeta. O ritmo acelerado das inovações deixava as pessoas boquiabertas. Os países industrializados se viram obrigados a procurar novos mercados para obter matérias-primas e escoar a produção. Era o início do chamado neocolonialismo. Enquanto a Europa e os Estados Unidos começavam a colher os primeiros frutos da Revolução Científico-Tecnológica na última década do século 19, o Brasil ainda discutia

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[8] [direita] Foto da enseada da Praia de Botafogo em 1928, publicada pela Ilustração Brazileira [9] [abaixo] Foto panorâmica da Baía de Guanabara no início do século 20


3. a paris tropical

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[10] As favelas foram romantizadas nas páginas da Para Todos..., que publicou a foto acima

qual regime político era melhor: o monárquico ou o republicano. O fim da escravidão, assegurado pela Lei Áurea em 1888, já era um pequeno indício de modernização – pequeno porque se deu tardiamente. A Proclamação da República veio na esteira disso, levando militares, políticos republicanos e cafeicultores paulistas ao poder. Uma das primeiras medidas foi abrir a economia do país, permitindo a entrada de capitais estrangeiros, principalmente vindos da Inglaterra e dos Estados Unidos. Os bancos privados foram autorizados a emitir moeda, com o intuito de promover a industrialização brasileira a qualquer custo. O resultado disso foi uma grave crise financeira: o Encilhamento. No início do século 20, o Rio de Janeiro tinha aproximadamente 1 milhão de habitantes. Mais da metade eram negros recém-libertos da escravidão ou vindos de fazen-

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3. a paris tropical

das decadentes de café do Vale do Paraíba. O governo havia proibido os rituais religiosos e outras manifestações da cultura afro-brasileira em 1891, entre elas a capoeira. Os negros, apesar de livres desde 1888, não gozavam dessa condição na prática e eram submetidos à mão pesada do Estado, que interferia constantemente em suas vidas. O plano de modernização do Rio de Janeiro, proposto pelo presidente Rodrigues Alves, foi uma dessas muitas interferências. Elaborado pelos engenheiros Lauro Müller e Pereira Passos e pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, o plano foi um marco na história da cidade. A população do centro, que havia aumentado consideravelmente no final do século 19, vivia num ambiente que contribuía muito com a disseminação de epidemias de todo tipo, principalmente varíola.

[11] Vista da Avenida Rio Branco em 1920

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[12] Charge de Leonidas publicada n'O Malho em 29 de outubro de 1904. O povo contra Oswaldo Cruz, o Napoleão da seringa Espetáculo para breve nas ruas desta cidade: Oswaldo Cruz, o Napoleão da seringa e lanceta, á frente das suas forças obrigatórias será recebido e manifestado com denodo pela população. O interessante dos combates deixará a perder de vista o das batalhas de frlores e o da guerra russo-japoneza. E veremos no fim da festa quem será o vaccinador á força!

As pessoas moravam amontoadas em casarões antigos do início do século 19, divididos em cubículos que abrigavam famílias inteiras em condições bastante precárias. Lauro Müller, o ministro dos transportes, foi o responsável pela reforma do porto, que precisava ser ampliado para receber grandes embarcações – na época alguns navios tinham que atracar longe da costa, dificultando o desembarque das cargas que traziam; o então prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, que havia acompanhado de perto a reforma urbana de Paris, assumiu a reurbanização do centro, e o ministro da saúde, Oswaldo Cruz, ficou com a árdua tarefa de erradicar os focos de doenças da cidade, promovendo ação ostensiva de saneamento, que culminou com a Revolta da Vacina, em 1904. O papel desastroso dos agentes de saúde que invadiam casas para obrigar as pessoas a se vacinarem – tudo com a

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[13] O MALHO nĂşmero 79 19/3/1904 k.lixto

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[14] Vista da Avenida Central, já rebatizada de Rio Branco, em 1920. Carruagens... homens de fraque..alalala

conivência do Estado – não foi o único motivo que levou à rebelião popular. O “bota abaixo” do prefeito Pereira Passos contribuiu muito com o aumento da insatisfação. O carioca passou a ver aquelas ações como uma interferência abusiva do governo. Várias famílias foram despejadas. Casas demolidas e gente desabrigada. Tudo isso para que fosse construída uma via com ares parisienses: a Avenida Central. A população que ficou desalojada passou a ocupar os morros, dando origem às primeiras favelas. Após 10 dias de confronto, a Revolta da Vacina foi controlada graças à intervenção do presidente Rodrigues Alves, que convocou tropas do exército e da marinha para ajudar a polícia no combate aos revoltosos. Com o fim da rebelião, muitas pessoas foram detidas, levadas para a Amazônia e abandonadas na floresta.

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3. a paris tropical

A imprensa carioca fervilhava nesse tempo. Não paravam de surgir novas publicações. A modernização dos métodos de impressão, que havia ocorrido na virada do século 19 para o século 20, fez com que ficasse mais fácil produzir jornais e revistas em larga escala. Enquanto isso, a população começava a se alfabetizar, tornando o hábito da leitura algo mais comum. A inauguração da Avenida Central ocorreu em 1904. Certamente, um dos eventos mais importantes da história do Rio de Janeiro, pois deu início a mudanças significativas na cidade, alterando a paisagem e promovendo novos hábitos entre a população carioca. Herman Lima, em A História da Caricatura

no Brasil, compara a Avenida Central a J. Carlos, ressaltando a importância de ambos:

J. Carlos está assim para a vida carioca deste meio século, como a Avenida ficou para a vida arquitetônica da cidade. Os dois marcaram o ponto de partida duma série de transformações sensacionais nos moldes da velha cidade de D. João VI, com um relevo que não poderá, por frívolo na aparência, ser desprezado pelos futuros historiadores da nossa evolução social nesse período. (LIMA, 1963:1087)

[15] Fotografias das demolições provocadas pela construção da Avenida Central, publicadas pelo O Malho no dia 16 de julho de 1904

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[16] Construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro

O que se vê daí em diante é uma cidade ávida por modernização, buscando referências em grandes centros europeus, principalmente Paris. Era o espírito da Belle Épo-

que que chegava ao Brasil com certo atraso – diga-se de passagem – e que permaneceria por aqui até as vésperas da década de 1920. O historiador Luiz Antônio Simas traça um panorama desse tempo:

É interessante a gente lembrar que a construção da Avenida Central foi um dos elementos – talvez o mais simbólico – do “bota abaixo” do Pereira Passos. Naquele contexto, não só a Avenida Central estava sendo aberta, mas também outra avenida muito importante, que hoje é a artéria fundamental da Lapa: a Avenida Mem de Sá. Era uma tentativa de construir um novo Rio de Janeiro, que seria uma espécie de maquete de Paris. Por exemplo, junto com a construção da Avenida Central, estava começando a ser construído o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que é uma cópia do Opéra de Paris. Isso afetava até a maneira do carioca se comportar. Há relatos do período indicando que a fala do carioca incorporou algumas expressões francesas: mon coeur, mon amour... (SIMAS, 2012)

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3. a paris tropical

[17] Cartão-postal da época: o Teatro Municipal do Rio de Janeiro já construído

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A década de 1920 foi marcada pela incerteza. Houve inúmeras ameaças de golpe de Estado que colocaram a população em alerta. Para que se tenha uma ideia, o presidente Artur Bernardes governou quase o tempo todo sob Estado de Sítio. A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922, foi o estopim do movimento Tenentista. Logo após, vieram a Revolução de 1924, em São Paulo, que foi reprimida com bombardeios à cidade, e a Coluna Prestes. [18] O MALHO número 20 31/1/1903 k.lixto

Washington Luís, sucessor de Artur Bernardes, seria o último presidente da chamada República Velha, que durou de 1889 a 1930, ano em que Getúlio Vargas chegou ao poder.


3. a paris tropical

[19] Imagens da inauguração da Avenida Central. Acima, a vista geral. Embaixo, figuras presentes no evento, como o então presidente Rodrigues Alves. Essas fotos foram publicadas n'O Malho no dia 17 de setembro de 1904

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[20] Corcovado ainda sem o Cristo Redentor

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3. a paris tropical

[21] Surgimento das favelas no Rio de Janeiro [22] Obras da Avenida Central [23] Demolições provocadas pela construção da Avenida Central

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4.

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2. o início

O início

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Certo por linhas tortas

J

osé Carlos de Brito e Cunha nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 18 de junho de 1884, na casa dos avós maternos: Pedro Justiniano de Carvalho e Melo e Maria de Loreto. O avô era viscon-

de e morava com a esposa na Praia de Botafogo. A filha do casal – também Maria de Loreto – havia se casado com um fidalgo português de ascendência irlandesa, chamado Eduardo Augusto O’Neill de Brito e Cunha, com quem teve cinco filhos: Eduardo Augusto de Brito e Cunha, o primogênito, almirante de esquadra; Janot, morto ainda na adolescência; Henrique Waldemar de Brito e Cunha, médico oftalmologista; a musicista Sílvia de Brito e Cunha Morais, professora do Instituto Nacional de Música; e J. Carlos – o tal José Carlos do início. J. Carlos perdeu o pai, vítima de tuberculose, quando tinha apenas quatro anos de idade. A mãe, que estava grávida de Sílvia quando o marido morreu, passou a arcar com as despesas da família, composta por ela e mais cinco crianças. Não foi fácil. Tiveram que deixar a Praia de Botafogo, onde moravam, e ir viver num bairro mais afastado do centro: a Gávea.

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2. o início

[24] tagarela número 26 23/8/1902 J. CARLOS

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[25] tagarella número 1 1/3/1902 k.lixto

Antes de se tornar um dos principais nomes da imprensa brasileira no início do século 20, J. Carlos era chamado pelos familiares de Bibita, um apelido carinhoso que ganhou na infância por não conseguir pronunciar o próprio sobrenome. O Bibita ingressou no Ginásio de São Bento, uma das instituições de ensino mais tradicionais do Rio de Janeiro, aos 12 anos. Lá estudou português, latim e francês. O trajeto que fazia de bonde da Gávea até a escola demorava pouco mais de uma hora para ser percorrido. Talvez daí

Tagarela Dirigido por Peres Júnior, o jornalzinho surgiu em 1º de março de 1902, sob o rótulo de “Semanário crítico, humorístico, ilustrado e de propaganda comercial”. Contava com desenhos de Raul, Falstaff, Puisseguir, Malagutti, além de K. Lixto e outros conhecidos artistas. Sua redação ficava na Rua de Gonçalves Dias, número 42, no Rio de Janeiro. Custava 100 réis.

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venha a predileção pelo transporte público, que conservou até o fim da vida. Tinha o bonde como seu ateliê e dele extraiu boa parte da enxurrada de imagens que inundou as páginas das principais revistas de sua época. Passou a maior parte da vida na Gávea, onde morou por mais de 40 anos. Lá, ainda na juventude, fez parte de um grupo de teatro amador, exercendo várias funções – atuando como uma espécie de quebra-galho. Era o responsável pela cenografia, pela elaboração dos convites e, eventualmente, escrevia e atuava nas peças. Apesar do desejo da mãe, não chegou a completar o curso ginasial. Largou a escola para se dedicar ao ofício que o tornaria famoso. Costumava brincar, dizendo que dos quatro irmãos era o único que não havia estudado desenho.


2. o início

[26] Primeira capa assinada por J. Carlos TAGARELA número 58 2/4/1903 j. carlos Tem dito a opinião. Mas os malaquias estão com as costas quentes graças à magia branca de S. Ex. em favor do chefe da máfia...

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[27] tagarela número 26 23/8/1902 J. CARLOS I - Traga-me um bife á cavallo.

II - Prompto, patrão. Desenho de J. Carlos

A pouca vocação que tinha para os estudos seria admitida por ele numa carta publicada no semanário D. Quixote, no natal de 1918, intitulada Meus Segredos. Num dos trechos narra:

As primeiras páginas de meus livros de preparatórios, quando não havia guerra nem crise de papel, eram brancas como o sonho de um anjo. Essa alvura excitava a ponta ociosa de meu lápis, e muitas vezes eu cometi o feio crime de estampar nas páginas de minha Estrada Suave a careca redonda do meu professor. A semelhança era tão flagrante que se podia atribuir, sem temor, a todos os professores do colégio. (COTRIM, 1985:38) Em 1902, aos dezoito anos, publicou o primeiro desenho n’O Tagarela, sob a ressalva de que fora feito por um artista principiante. Muitos podem supor que J. Carlos, desde o início, já apresentasse o traço elegante que o caracterizaria. Porém, seus primeiros desenhos, de linhas pouco firmes, nem mesmo parecem ter sido feitos por ele, como indica o trecho a seguir retirado de um ensaio publicado no Jornal do Brasil pelo escritor e crítico de arte Sebastião de Souza:

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2. o início

Não conheço até hoje em arte quem em tão pouco tempo houvesse feito o progresso que fez J. Carlos, nem quem com tal mestria se firmasse num traço que nenhum ponto de contato tem com o traço incerto, acanha-

[28] o malho número 159 11/9/1905 J. CARLOS

do e infantil com que o artista começou ilustrando as páginas do extinto O Tagarela. Vi certa vez, em casa de Raul Pederneiras, a coleção do primeiro

ano dessa acatada revista, e se, por baixo dos bonecos que saíam do lápis de J. Carlos, não encontrasse sua assinatura, tomaria por mais uma blague do nosso popular trocadilhista – que aqueles rabiscos de feitio indeciso, mal atacados e mal acabados, que fazem lembrar os desenhos que alguns meninos prodígios de sete anos de idade enviam para O Tico-Tico, fossem de fato traçados pela mão adestrada e aristocrática do J. Carlos de hoje, mestre de moldes finos e inconfundíveis, cuja maneira artística já conta com um número avultado e promissor de adeptos. (COTRIM, 1985:47)

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[29] tagarela nĂşmero 62 30/04/1903 j. carlos

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2. o início

A primeira charge, de traço “incerto, acanhado e infantil”, foi publicada no dia 23 de agosto de 1902, sob o título Interesse Curioso. Nela aparece de perfil o então presidente do Brasil, Campos Sales, conversando com o Tio Sam – figura usada corriqueiramente para representar o governo norte-americano. A legenda do desenho faz um trocadilho com a palavra “estado”. Em certo ponto Tio Sam pergunta em qual estado está a capital. Campos Sales, após hesitar um instante, responde que a capital fica em Niterói. Tio Sam então retruca: “Oh!... Como é que muita gente diz que a capital está em ‘estado lastimável’”? Pouco mais de um ano após sua estreia, J. Carlos já havia publicado inúmeros desenhos n’O Tagarela. Conseguiu a primeira capa nessa época, em 2 de abril de 1903 (Renan). Depois disso trabalhou para as revistas A Avenida,

[30] o malho número 187 14/4/1906 J. CARLOS

O Malho, O Tico-Tico e Fon-Fon!, até se tornar diretor de arte da Careta, em 1908. A evolução de seu traço era nítida e com isso passou a ser ainda mais requisitado, alcançando o status de grande artista que ostentaria por quase cinco décadas, ao lado dos mestres Raul Pederneiras e K.Lixto.

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[31] tagarela nĂşmero 62 30/04/1903 j. carlos

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2. o inĂ­cio

[32] Primeira capa de J. Carlos n'O Malho o malho nĂşmero 73 6/2/1904 j. carlos

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Partidários da alta: - Ó seu Custodio! Que é isso? O senhor cahiu?!... Lá se vai tudo quanto Martha fiou! Custódio Coelho: - Ela bem quiz aguentar o repuxo, mas o inglez fez jogo novo e eu cahi! O inglez: - Mim não faz joga! Mim aproveita vento p'ta sobe, quando você desce Gangorra é isso mesmo! Barristas: - Oh! ferro! Vamos tirar o ventro de miserias! Emquanto os dous turunas batem bocca, nós batemos o cobre dos enforcados...!

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[33] o malho número 160 7/10/1905 j. carlos


2. o início

[34] o malho número 174 13/1/1906 J. CARLOS

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[35] o malho nĂşmero 187 14/4/1906 J. CARLOS

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2. o início

[36] J. Carlos gostava de edições comemorativas. A capa ao lado celebra os 5 anos de existência d'O Malho o malho número 210 22/9/1906

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2.

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5. um é pouco, dois é bom...

Um é pouco, dois é bom...

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Três é o suficiente

D

urante o período da República Velha, que vai de 1889 a 1930, a trinca mais famosa da caricatura brasileira era composta por J. Carlos, K.Lixto e Raul Pederneiras. Os três, dando

continuidade ao legado deixado por Ângelo Agostini, crítico feroz do Imperador D. Pedro II, consolidaram e desenvolveram a caricatura, não apenas utilizando-a como arma contra os políticos da época, mas elevando-a ao patamar de relato histórico, capaz de trazer aos dias de hoje um belo retrato do Brasil no início do século 20. Preencheram as páginas de algumas das principais publicações do país, fazendo do humor e do desenho ferramentas capazes de alcançar uma população em grande parte semianalfabeta, criticando desafetos e apontando as mazelas de um país agrário, recém-liberto das amarras da escravidão. Raul e K.Lixto mantiveram uma longa e prolífica parceria. Foram eles, na época diretores d’O Tagarela, os responsáveis por incentivar J. Carlos nos primeiros passos na imprensa. Só não esperavam que o garoto em pouco tempo fosse capaz de superá-los.

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5. um é pouco, dois é bom...

[37] K.Lixto e seu amigo Raul na capa interna d'O Malho, sem ideias após o Carnaval O MALHO número 75 20/2/1904 K.LIXTO

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Raul Pederneiras

I

ntelectual prestigiado, Raul Pederneiras desempenhou várias funções ao longo da vida: pintor, escultor, compositor, poeta, teatrólogo, figurinista, cenógrafo e ilustrador – ocupação em que obteve

maior destaque. Foi também professor de anatomia e fisiologia na Escola Nacional de Belas Artes – entre 1918 e 1938 – e de direito internacional – de 1938 a 1948. Em quase meio século de atuação, manteve uma extensa participação em diversos periódicos, retratando a vida carioca – uma característica marcante de seu trabalho –, tornando-se muito conhecido na então Capital da República. Nasceu em 1874, no Rio de Janeiro, e começou a trabalhar na imprensa aos 24 anos, n’O Mercúrio, folha diária de oito páginas ilustradas. A primeira charge, publicada em 20 de julho de 1898, representou uma façanha para a época: foi [23] Raul, por J. Carlos

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impressa colorida. Dois dias depois, novamente, lá estava ele com outra charge, um pouco parecida com a primeira.


5. um é pouco, dois é bom...

[38] o mercúrio 20/7/1898 RAUL P.

“A senhora quer tomar alguma coisa?” “Quero, sim. O bonde.”

“Vancê sabe porká?” “Uê, gentes! Se eu subesse porká, porkaria.”

[39] o mercúrio 22/7/1898 RAUL P.

Raul teve papel decisivo na carreira de J. Carlos, pois abriu as portas d’O Tagarela para o então aspirante a caricaturista. O próprio J. Carlos nunca escondeu a admiração que tinha por ele:

Falar com Raul, que era uma das grandes figuras da época, era uma grande honra. Mas receber das mãos do mestre uma folha de papel e tinta para fazer um desenho, era um desses acontecimentos que do dia para a noite transtornam a vida da gente. Meus amigos passaram a cochichar e a me apontar na rua: “Aquele é o rapaz que falou com Raul”. (LOREDANO, 2002:26) Não à toa, sua obra é considerada um verdadeiro documento da saga humana e social do Rio de Janeiro, em especial a série Scenas da Vida Carioca, uma sátira aos costumes da classe média, publicada por muito tempo na

Revista da Semana.

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[40] Letreiro fon-fon! 22/7/1898 RAUL P.

Criou o primeiro letreiro da revista Fon-Fon!, que tinha como destaque o mascote: um chofer guiando um carro em alta velocidade – referência à suposta rapidez com que os repórteres da publicação chegavam a qualquer parte do Rio de Janeiro para cobrir os acontecimentos da cidade. Os pneus do automóvel ajudavam a compor o título da revista, substituindo as letras “O” da onomatopeia. Dono de um traço leve e elegante, Raul tinha um bom humor notável. Não utilizava balões em seus desenhos – preferia as legendas. Ao parodiar a vida carioca, usava rimas, trocadilhos e frases curtas. Costumava transitar com competência por linguagens distintas, sempre conseguindo se adaptar às demandas editoriais – era um desenhista por encomenda. Dependendo das necessidades do veículo para o qual desenhava, lá estava ele, pronto a atendê-las.

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5. um é pouco, dois é bom...

[41] Uma das primeiras capas que Raul fez para O Malho. A primeira letra “O” do nome da revista é o pandeiro da moça, que celebra o Carnaval o malho número 23 21/2/1903 RAUL P.

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[42] o malho nĂşmero 26 14/3/1903 RAUL P.

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5. um é pouco, dois é bom...

Fez, em parceria com J. Carlos, as ilustrações do livro de educação infantil Locuções, Prolóquios e Pensamen-

tos, de João Kopke, publicado em 1915. Na mesma época atuou no D. Quixote e na Revista da Semana, publicações que possuíam posições diferentes sobre o uso da caricatura naquele período marcado pela Primeira Guerra Mundial. Para o D. Quixote o humor não podia ser abolido, já a Revista da

Semana, mais conservadora, preferia não publicar caricatu-

[43] Zé Povo questionava as promessas iniciais da República o malho número 23 22/7/1898 RAUL P.

ras e textos humorísticos. Raul, em sua coluna na Revista da Semana, estampava apenas imagens lamentando o conflito. Por meio da linguagem cômica, tentava transmitir a situação política em que o Brasil se encontrava no início do século 20. Seu personagem, Zé Povo, questionava as promessas iniciais da República, fazendo comparações com a

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[44] o malho número 831 17/8/1918 RAUL P.

realidade estabelecida. A República era representada por uma mulher branca, portando um barrete frígio – espécie de touca vermelha, adotada pelos republicanos franceses no final do século 18. Mais tarde, a personagem passou a ser desenhada como uma velha cansada, devido ao destino que as lideranças políticas brasileiras deram a ela. O pessimismo marcava a visão de Raul Pederneiras. Apesar das duras críticas que caracterizaram seu trabalho, era querido por todos. Morreu em 1953, aos 78 anos, cinco depois de ter abandonado o ofício que o tornara famoso: a caricatura.

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5. um é pouco, dois é bom...

[45] Rodrigues Alves e a República o malho número 866 19/4/1919 RAUL P.

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K.Lixto

N

atural de Niterói, Calixto Cordeiro nasceu em 1877 e iniciou a carreira n’O Mercúrio, dez dias depois de Raul Pederneiras, seu grande amigo, com o desenho de um bêbado balan-

çando o corpo, com olhinhos apertados e pernas bambas, publicado na capa. Nada que indicasse o futuro brilhante que aquele iniciante teria pela frente. Em pouco tempo seu traço evoluiu, tornando-se mais vivo e firme, o que permitiu que assinasse regularmente uma página d’O Mercúrio.

Apesar de se mostrar um tanto cru no início, possuía enorme paixão pela atividade de desenhista. Muitas vezes teve [46] K.Lixto por Raul

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que ceder às pressões do patrão – e mestre – Julião Machado, mas aos poucos foi conquistando independência.


5. um é pouco, dois é bom...

[47] o mercúrio número 12 30/7/1898 K.LIXTO Dizem que um copo de vinho dá força e conforto... Já tomei quinzes e nem me posso ter de pé!!...

Em 1902, alguns anos após a estreia, K.Lixto ajudou a fundar O Tagarela ao lado de Raul e outros colegas de imprensa. Ali seu estilo foi rapidamente se aperfeiçoando. Ao mesmo tempo, seguiu brilhante trajetória por outras revistas cariocas: Kosmos, na qual ilustrou textos de João do Rio e Olavo Bilac, e Figuras & Figurões. Também trabalhou n’O Malho, revista que, assim como O Tagarela, foi fundada em 1902 e teve entre seus colaboradores J. Carlos.

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Capas que K.Lixto produziu em parceira com Raul n'O Malho [48] o MALHO número 60 7/11/1903 K.LIXTO e RAUL [49] o MALHO número 49 22/8/1903 K.LIXTO e RAUL

Assumiu com Raul Pederneiras, em 1907, a direção artística da revista Fon-Fon!, de Jorge Schmidt, onde passou a produzir charges políticas tão boas quanto as sátiras de costumes, que já eram sua especialidade. Em agosto de 1908 lançou a revista O Degas, que tinha um projeto gráfico considerado sofisticado para a época, elaborado por ele e Oscar Rosas. Apesar da curta existência – menos de um ano –, foi lá que K.Lixto publicou alguns de seus melhores desenhos, entre eles o personagem símbolo da revista, uma espécie de malandro trajando chapéu, sapatos e calças brancas, agasalhado com uma jaqueta azul curta. Naquele momento, K.Lixto já era um grande artista, dono de uma técnica bastante apurada. Além das vigorosas aquarelas claro escuras, produzia sombreados em traços paralelos – verticais ou inclinados – como poucos.

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5. um é pouco, dois é bom...

julião félix machado Nasceu em Angola, na capital Luanda, no dia 19 de junho de 1863. Estudou em Coimbra, graças à boa condição financeira do pai, comerciante nascido nos Açores. Não demonstrava muito interesse pelos estudos, preferindo a vida boêmia. Retornou ao lar, por imposição do próprio pai, como repreensão pelo péssimo desempenho acadêmico. Trabalhou num banco, onde ganhou notoriedade pelos desenhos que fazia. Graças a isso, foi morar em Lisboa – novamente com o auxílio da família. Com a morte do pai e o recebimento da herança deixada por ele, lançou em 1889 a revista Comédia Portuguesa. Estudou em Paris, gastou tudo o que havia herdado e pegou um navio para Buenos Aires. Acabou acidentalmente no Rio de Janeiro, onde desembarcou durante uma escala. No Brasil, conheceu Olavo Bilac, com quem criou os jornais A Cigarra (1895) e A Bruxa (1896). É considerado o grande responsável pela evolução técnica ocorrida na imprensa brasileira entre o final do século XIX e o início do século XX, tendo sido um dos primeiros a recorrer à zincografia em substituição à litografia, o que possibilitou, entre outras coisas, o uso da cor e a impressão de imagem e texto numa única página.

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Um mestre no jogo de luz e sombra. Por isso era bastante requisitado pelas principais publicações do início do século 20. K.Lixto desenhou, sem qualquer exagero, para quase todas as revistas e jornais de sua época. Além dos já citados:

O Diabo, O Tico-Tico, Ilustração Brasileira, O Cruzeiro, O Riso, A Lanterna, A Maçã e a Gazeta de Notícias. Suas criações eram cheias de dinamismo e ação intensa. O movimento das cenas que desenhava era perfeito e traduzia com o máximo de objetividade o que estava acontecendo. Fosse o bamboleio de uma mulata ou a queda de um gordo no chão. Também era especialista no retrato das belas paisagens cariocas. Com a chegada da zincografia ao Brasil, pelas mãos de Julião Machado, os anúncios adquiriram grande destaque dentro das publicações, passando a ter cores. K.Lixto, tal como seus colegas de imprensa, enveredou pelo mundo da propaganda, criando peças publicitárias para as mais diversas empresas: Bayer, Light, Caixa Econômica Federal, conhaque Macieira e Loteria Federal. Foram quase cinquenta anos de trabalho dedicados à publicidade. Dentre os anúncios, o mais conhecido é o da Loteria Federal, criado na década de 1940 e [50] Caricatura de Raul e K.Lixto, feita por Álvaro Cotrim, mais conhecido pelo seu pseudônimo Alvarus

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que tinha o slogan: “insista, não desista”. De aprendiz na Casa da Moeda a mestre da caricatura, produziu cerca de 150 mil desenhos. Incansável, não dormia mais do que quatro horas por noite. Estava sempre curvado sobre sua prancheta. Genial, esse caricaturista carioca conseguiu atingir diversos níveis da sociedade, satirizando elites econômicas e políticas, até morrer em 1957, aos 80 anos, contemplando a esposa.


5. um é pouco, dois é bom...

[51] d.quixote 17/12/1919 K.LIXTO

Partidários da alta: - Ó seu Custodio! Que é isso? O senhor cahiu?!... Lá se vai tudo quanto Martha fiou! Custódio Coelho: - Ela bem quiz aguentar o repuxo, mas o inglez fez jogo novo e eu cahi! O inglez: - Mim não faz joga! Mim aproveita vento p'ta sobe, quando você desce Gangorra é isso mesmo! Barristas: - Oh! ferro! Vamos tirar o ventro de miserias! Emquanto os dous turunas batem bocca, nós batemos o cobre dos enforcados...!

INFERNO DE D'ANTES - CÍRCULO DE NOSSOS AMIGOS Dos trocapecadilhos por castigo, Ficou Raul na "estica" como espargo, E Calixto achatado como um figo.

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[52] o malho nĂşmero 38 6/6/1903 K.LIXTO

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[53] A capa ao lado nos ajuda a entender o prestígio de que K.Lixto gozava a maçã número 190 26/9/1925 K.LIXTO

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[54] DEGAS número 11 17/10/1908 K.LIXTO

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[55] o malho número 61 14/11/1903 K.LIXTO

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6.

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6. um cronista incansรกvel e atento

Um cronista incansรกvel e atento

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Longe do Lar

A

relação estreita estabelecida entre J. Carlos e a cidade onde nasceu, o Rio de Janeiro, explica muito da temática de seus desenhos. Ele, que também foi um excelente chargista político,

preferia retratar as pessoas comuns e o cotidiano delas. Dizia que o bonde era seu ateliê. Encontrava inspiração para suas criações nas ruas, observando cada gesto, cada expressão, cada cena que seria, ou não, transferida para o papel. Mais do que caricaturista, J. Carlos foi um cronista atento, que soube registrar como ninguém o Rio de seu tempo. Foram poucas as vezes que saiu da cidade. Em 1914, por causa de problemas políticos enfrentados pelo Marechal Hermes da Fonseca, foi declarado Estado de Sítio. Vários jornalistas foram presos, entre eles o diretor da revista Ca-

reta, Jorge Schmidt. Para piorar a situação, J. Carlos havia feito uma série de charges ridicularizando o presidente por

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6. um cronista incansável e atento

seu relacionamento amoroso com a caricaturista Rian, pseudônimo de Nair de Tefé. A Careta deixou de circular por um período e J. Carlos, temendo ser perseguido pela polícia, fugiu para São Paulo, com a ajuda do irmão, Eduardo Augusto. Chegando a São Paulo, hospedou-se no centro da cidade, num hotelzinho acanhado da Rua Brigadeiro Tobias chama-

[56] J. Carlos (o sétimo da esquerda para a direita) durante a abertura da exposição de seus desenhos em São Paulo. Foto publicada na Careta no dia 19 de dezembro de 1914

do Albion. Ele, que havia se casado com Lavínia Taylor Neves apenas três meses antes, em 24 de janeiro de 1914, precisou abandonar a esposa quase em plena lua-de-mel. Pouco tempo depois, passados os problemas políticos, retornou ao Rio. Em dezembro de 1914, esteve novamente em São Paulo, dessa vez para acompanhar uma exposição de seus desenhos [figs.XX e XX]. J. Carlos nunca apreciou a ideia de ter que viver longe de sua terra natal. Durante o pequeno exílio, escreveu carta à esposa relatando a angústia que sentia por ter sido obrigado a se afastar dela e da cidade que tanto amava.

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[57] Alguns dos desenhos de J. Carlos na exposiçõo em São Paulo. Foto publicada pela Careta no dia 19 de dezembro de 1914

[58] O hotel Albion

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6. um cronista incansável e atento

[59] Na edição do dia 7 de novembro de 1914, a Careta publicou uma página com as fotos dos militares, jornalistas e outros presos durante o Estado de Sítio do Marechal Hermes da Fonseca. Entre eles, seu editor Jorge Schmidt, o terceiro na última fileira, da esquerda para a direita

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Entre Duas Guerras

D

urante os 48 anos dedicados à imprensa, J. Carlos pôde acompanhar alguns dos principais fatos históricos do século 20. No Brasil, viu de perto a Revolta da Vacina, o Tenentismo

e a Revolução de 1930. Pelos jornais, conheceu os horrores da Guerra Civil Espanhola e dos dois maiores confrontos já ocorridos na história da humanidade: a Primeira e a Segunda Guerra Mundial [fig.60]. Durante a Primeira Guerra, criou para a revista Careta a série de desenhos intitulada Gregos e Troianos [fig.61], que trazia caricaturas dos principais líderes políticos da época: o imperador Guilherme II, da Alemanha; o imperador austrohúngaro Francisco José I; o rei George V, da Inglaterra; o czar Nicolau II e o presidente francês Raymond Poincaré. Outra coletânea de imagens sobre política internacional desenhada por J. Carlos que obteve bastante sucesso foi a

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[60] CARETA número 1475 26/9/1936 J. CARLOS

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[61] Nesta página, o GrãoPríncipe Frederico Guilherme, o Kronprinz, herdeiro da coroa real da Prússia e do "cetro imperial" da Alemanha. Na página oposta, os principais líderes políticos do período.

7/8/1915

Arca de Noé. Esta última imortalizou o rei Afonso XIII da Espanha como o “augusto senhor das castanholas”. Entre os muitos trabalhos, é possível encontrar críticas 15/7/1918

duríssimas. J. Carlos, como bom pacifista que era, costumava expor em suas charges a estupidez e a loucura da guerra. Uma, em especial, foi publicada na Primeira Guerra Mundial e reeditada durante a Segunda. No desenho original, Papai Noel vê uma criança morta e pergunta: “O que teria feito esse pequeno?” [fig. 62]. Na segunda versão, J. Carlos faz referência à Pietá2: Papai Noel aparece na imagem segurando uma criança morta em seus braços e, irritado, cerra e ergue o punho direito aos céus, confrontando Deus com o semblante fechado. Sob o desenho, a legenda: “... e Papai Noel, pela primeira vez, deixou de sorrir...” [fig.63].

24/4/1915

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2. Pietá - Uma das mais conhecidas esculturas feitas por Michelangelo. Representa Jesus morto nos braços da Virgem Maria.


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Pedro da Sérvia 1/1/1916

Joseph Joffre 31/7/1915

Jorge V 5/2/1916

Aberto da Bélgica 4/9/1915

Alexandre da Sérvia 30/10/1915

Paul von Hindenburg 21/8/1915

Francisco José 11/3/1916

Woodrow Wilson 4/10/1913

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[62] CARETA número 445 30/12/1916 J. CARLOS

Uma das charges mais comoventes foi publicada já no final da Segunda Guerra. Um menino é amparado pela paz que diz: “Agora não dormirás mais no subterrâneo úmido. A luz voltará ao lampião. Terás carvão na lareira e pão à mesa.” E a criança pergunta: “E papai, voltará também?” [fig.XX] Mesmo sendo absolutamente contra a guerra, J. Carlos não ficou neutro frente aqueles conflitos. Em ambos tomou partido contrário à Alemanha e seus aliados. Porém, esse tipo de posicionamento, claramente alinhado a um determinado lado, pouco afetava seu senso crítico. Ele sabia discernir bem as coisas e, muitas vezes, foi capaz de antever

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[63] CARETA número 1695 21/12/1940 J. CARLOS

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INDOMESTICÁVEL A ALMA GERMÂNICA Dentro de quinze anos teremos a revanche!

[64] CARETA número 573 14/6/1919 J. CARLOS

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[65] CARETA número 1928 9/6/1945 J. CARLOS

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[66] 23/10/1944 J. CARLOS

fatos de maneira quase sobrenatural. Prova disso é a capa que fez para a revista Careta, em 14 de junho de 1919, após a assinatura do Tratado de Versalhes3. No desenho aparece uma mulher representando o Estado Alemão, amarrada a um tronco, sendo deixada por um espírito que a possuía – a alma germânica. “Dentro de quinze anos teremos a revanche!”, proclama o espírito em tom ameaçador [fig.64]. J. Carlos só não acertou a data. A Segunda Guerra Mundial demoraria pouco mais de 20 anos para ocorrer. Em 21 de setembro de 1940, J. Carlos publicou outro desenho emblemático na capa da Careta. Nele John Bull – que é, mal comparando, um equivalente britânico do Tio Sam norte-americano – aparece sentado numa pequena ilha, sob uma enorme esquadrilha que cobre os céus [fig.67].

Nas montanhas italianas O EXPEDICIONARIO - Que <negóço> é este?... Tu é <Vasco>?

Na época, sua filha mais velha, Elza, casada com o diplomata Miguel do Rio Branco, estava em Cardiff, Inglaterra. Ela, grávida do primeiro filho, daria a luz na cidade já destruída pelos bombardeios. J. Carlos, apreensivo pela iminência de um ataque à Grã-Bretanha, fez a capa sabendo dos riscos que a filha, o genro e o neto, ainda na barriga da mãe, corriam. A frase atribuída a John Bull no desenho, mais do que um desejo, era o último fio de esperança que tinha.

3. Tratado de Versalhes - Acordo de paz entre potências europeias que encerrou a Primeira Guerra Mundial e culpou a Alemanha pelo seu acontecimento, além de impor sanções ao país. O Tratado causou choque na população alemã e contribuiu para a ascensão do Nazismo em 1933.

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[67] CARETA número 1682 21/9/1940 J. CARLOS

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[68] CARETA número 223 21/11/1914 J. CARLOS

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[69] Na capa ao lado, as nações lamentam juntas as perdas da Guerra. J.Carlos sempre demonstrou a consciência de que os soldados eram apenas marionetes de generais e estadistas. CARETA número 1682 21/9/1940 J. CARLOS

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[70] CARETA número 1473 12/9/1936 J. CARLOS

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[71] CARETA número 1840 2/10/1943 J. CARLOS

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[72] CARETA número 1862 4/3/1944 J. CARLOS

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[73] CARETA número 1881 15/7/1944 J. CARLOS

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[74] "Como a humanidade é estúpida", afirma J. Carlos ao falar sobre a bomba atômica lançada sobre o Japão em 1945 CARETA número 1944 29/9/1945 J. CARLOS

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[75] CARETA número 1992 31/8/1945 J. CARLOS

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100 caricaturas em 5 horas

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arece óbvio dizer que J. Carlos foi um artista singular. Mas por mais que possa saltar aos olhos de boa parte de seus apreciadores a perfeição das linhas sinuosas e precisas que desenhava,

nunca é fácil apontar com argumentos consistentes os motivos que tornam um determinado artista superior aos demais. Ainda que se tente ser cauteloso, há sempre o risco de cair num profundo mar de subjetividade. J. Carlos era conhecido pela facilidade que tinha para desenhar. Mais do que ter facilidade, ele era capaz de criar imagens numa velocidade invejada até mesmo por artistas experientes. Calcula-se que tenha feito mais de cem mil desenhos – um número praticamente inatingível. Essa estimativa, apesar de parecer absurda, torna-se plausível se levarmos em conta o período que abrange sua carreira como desenhista – de 1902 a 1950 – e a quantidade de desenhos que fez em média para cada uma das revistas em que trabalhou – mais ou menos sete por semana. Isso sem contar as criações publicitárias e as ilustrações feitas para capas de livros e discos.

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Há uma história curiosa, que teria status de lenda, não fosse o cuidado do próprio J. Carlos de registrá-la, que dá a real dimensão da rapidez com que desenhava. Certo dia, na época em que era diretor de arte da editora O Malho, resolveu testar a própria capacidade: desenhou cem caricaturas em cinco horas ininterruptas de trabalho [fig.76]. Aos desenhos, dispostos de par em par numa folha, formando 50 conjuntos de imagens, acrescentou o seguinte texto:

Estes desenhos, que são 100 figuras em 50 grupos, foram executados em 5 horas de trabalho no dia 21 de maio de 1926, na redação do “O Malho”. Fi-los apenas com a intenção de conhecer a minha própria resistência e senti que poderia continuar até a noite. Rio, 21 de maio de 1926 – J. Carlos (COTRIM, 1985:69)

Ainda, para comprovar a veracidade do desafio, pediu que dois de seus colegas de redação assinassem como testemunhas do feito.

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[76] 100 caricaturas em 5 horas 2/5/1926 J. CARLOS

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Melindrosas e Almofadinhas

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om uma capacidade de observação privilegiada, J. Carlos conseguiu registrar em seus desenhos muito do estilo de vida carioca no início do século 20. Não há exagero algum em classificar

seus desenhos como documentos valiosíssimos. Através deles é possível conhecer um pouco da moda, dos hábitos e da cultura de um Rio de Janeiro que, apesar de sua feição aparentemente moderna, marcada pela influência francesa, ainda se esforçava para escapar das amarras do provincianismo herdado dos tempos da corte. Esse vínculo estreito da obra de J. Carlos com o Rio deve ser ressaltado, pois poucos conseguiram produzir um registro tão detalhado da cidade. Ele, que nunca teve inclinação para a vida boêmia, ao contrário de boa parte dos artistas e intelectuais de seu tempo, buscava inspiração para seus desenhos nas ruas, observando o cotidiano dos trabalhadores apinhados nos bondes, dos funcionários nas repartições públicas e das moças que embelezavam as ruas e praias cariocas com seus corpos esguios.

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[77] A praia era um dos temas favoritos de J. Carlos

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[78] MISSES 2/5/1926 J. CARLOS

Dentre suas inúmeras criações, a Melindrosa é, sem dúvida, a mais famosa. Ela, dotada de traços delicados, olhos vivos e arredondados e um ar ligeiramente displicente, tornou-se frequentadora assídua das páginas da revista Para Todos..., aparecendo constantemente nas capas da publicação. Essas capas representam o auge da criação gráfica de J. Carlos. Herman Lima, na coleção A História da

Caricatura no Brasil, se derrete: Toda a adolescência do meu tempo foi povoada por essas figurinhas de cabelos erguidos em altos bandós, boca em talhe de coração, olhos redondos dum grande pasmo brejeiro ou distendidos numa simples fenda horizontal de intensa expressão amorosa, como a das gatas, aquelas mãos duma finura e duma languidez que eu iria ver de novo um quarto de século depois, nos retratos de Van Dyck dos museus da Europa, e a ondulante, a também felina graça, aquele quebro anestesiante que Jean-Gabriel Domergue poria nas suas parisienses dos últimos dias da França livre da invasão nazista. (LIMA, 1963:1088)

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[79] MISSES 2/5/1926 J. CARLOS

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[80] para todos... número 447 9/7/1927 J. CARLOS

[81] para todos... número 393 2/5/1926 J. CARLOS

A Melindrosa foi, durante toda a década de 1920, um símbolo da beleza feminina. Exibia um padrão estético almejado por boa parte das moças cariocas. Ao mesmo tempo, era a representação da mulher idealizada pelos rapazes da época. O escritor Álvaro Moreira, que foi colega de redação de J. Carlos n’O Malho, afirma num trecho da crônica

O Inventor da Melindrosa: Um dia, decerto, no começo do próximo século, o Rio de Janeiro não possuirá mais a carioca; as raparigas das margens da Guanabara não se distinguirão das raparigas do resto do planeta; idênticas preocupações, atitudes iguais, o mesmo modo de vestir, gravidade, pessimismo... Nesse dia, um curioso das coisas do passado encontrará, nas páginas de uma revista, as figurinhas de J. Carlos; encontrará a Melindrosa, que ele inventou e que constituiu o lindo modelo das nossas lindas contemporâneas. (LIMA, 1963:1084)

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Álvaro moreira Álvaro Maria da Soledade da Fonseca Vellinho Rodrigues Moreira da Silva nasceu em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), no dia 23 de novembro de 1888. Antes de se tornar um dos nomes mais conhecidos da imprensa carioca na primeira metade do século 20, se formou, ainda no Rio Grande do Sul, Bacharel em Ciências e Letras, no Colégio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo. Foi para o Rio de Janeiro em 1910, com o intuito de estudar. Na capital, obteve grande êxito como escritor, jornalista, cronista e diretor de algumas das principais publicações da época: Dom Casmurro, Para Todos..., O Malho e Ilustração Brasileira. Fundou com a primeira mulher, Eugênia Moreira, a Companhia de Arte Dramática Álvaro Moreira. Foi preso por motivos políticos em 1939, vítima da censura imposta aos veículos de imprensa pelo governo Getúlio Vargas. Trabalhou no rádio como apresentador de crônicas e foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1959. Publicou o primeiro livro de poesia, Degenerada, em 1909. Seu trabalho literário é bem variado e extenso e inclui as obras: Casa Desmoronada (1909), Legenda da Luz e da Vida (1911), Lenda das Rosas (1916) e Circo (1929). Morreu no dia 12 de setembro de 1964, no Rio de Janeiro.

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Tirando proveito de seu olhar aguçado, J. Carlos também criou o Almofadinha, uma representação bem humorada e ao mesmo tempo crítica do homem de seu tempo. Mais caricato, contrapunha a sutileza da Melindrosa com seus trejeitos exagerados. Era caracterizado usando chapéu de feltro, óculos redondos, paletó e calças justas, sempre com as bainhas dobradas. “Em meus desenhos, trato com a maior simpatia as Melindrosas e as crianças, mas sou implacável com os Almofadinhas”, teria dito J. Carlos em uma entrevista concedida em 1926 (COTRIM, 1985:30).

[82] Montagens com melindrosas em fotos de praia feitas por J. Carlos na Careta

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[83] PARA TODOS... número 2/5/1926 J. CARLOS

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7.

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7. art déco

Art Déco 111


A arte de encantar com pouco

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opularmente chamada de “estilo dos anos 20”, a art déco tem origem francesa e é uma abreviação de arts décoratifs – artes decorativas, em português. Seu marco inicial é a

Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, realizada em Paris, no ano de 1925. Derivada da art nouveau, estilo característico das duas

primeiras décadas do século 20, a art déco privilegia as linhas retas ou circulares estilizadas, apresentando influência das vanguardas modernas, principalmente do cubismo, do construtivismo, do futurismo e da abstração geométrica. Os motivos, em geral, exploram formas femininas ou de animais e indicam clara inspiração em culturas antigas – hindu, asteca, egípcia e oriental –, contrapondo os padrões encontrados na art nouveau, normalmente apoiados nas formas vegetais e nas linhas sinuosas e assimétricas. A art déco pode ser definida como um estilo limpo, caracterizado pela síntese de elementos, pelo minimalismo. Muitos atribuem seu surgimento ao enriquecimento de alguns setores da burguesia após a Primeira Guerra Mundial, especialmente na Europa e nos Estados Unidos.

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7. art dĂŠco

[84] Capa da revista norteamericana Harper's Barzar, feita pelo artista russo ErtĂŠ, um dos grandes nomes da art-dĂŠco

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[85] The Wave, por Erté

[86] Art déco também está nas tipografias, como o tipo usado nos títulos deste livro

Essa classe emergente passou a consumir principalmente produtos da chamada cultura de massa: cinema, joias e roupas. Isso alavancou também a publicidade. Daí vem a visão estereotipada que classifica a art déco como

erté Nasceu na Rússia, em São Petersburgo, no dia 23 de novembro de 1892. É considerado um dos principais nomes da art déco. Em 1910 foi morar em Paris, onde adotou o apelido Erté – pronúncia francesa das iniciais de Romain de Tirtoff, seu nome verdadeiro. Ficou famoso pelas capas desenhadas para a Harper’s Bazaar, onde trabalhou por 22 anos – de 1915 a 1937 –, e pelos cenários criados para produções cinematográficas de Hollywood. Morreu no dia 21 de abril de 1990, aos 97 anos, em Paris.

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um estilo frívolo, livre de qualquer ideal, afastando-a, conceitualmente, das vanguardas do início do século 20. A maior parte da produção – pelo menos a mais significativa – se dá entre 1925 e 1935. Até o início da década de 1920 o estilo fica restrito à França. A partir daí, com a popularização do cinema e das revistas de moda – especialmente a Harper’s Bazaar –, a art déco ganha força e se populariza também nos Estados Unidos, alcançando o ápice em 1934, com a exposição Art Déco no The Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Curiosamente, na década de 1960, o estilo foi resgatado, mas não com a mesma força que tinha no período entre guerras. Esse resgate possibilitou que alguns críticos revissem a definição do termo art déco, criando uma classificação mais precisa para a produção artística englobada por ele: da arquitetura à moda, passando pelo design de interiores, o design gráfico, a publicidade e o cinema.


7. art déco

[87] A cúpula do edifício Chrysler, em Nova York (EUA), é um exemplo clássico de arquitetura art-déco

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J.Carlos - um lรกpis apontado para todos


7. art déco

[88] (página oposta) Mais capas da Harper's Bazar elaboradas por Erté

[89] (ao lado) Bride, serigrafia de Erté 117


J.Carlos - um lĂĄpis apontado para todos

[90] A art-dĂŠco fez influĂŞncia na moda, como os vestidos elaborados pela artista francoucraniana Sonia Delaunay

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7. art déco

[91] O Cristo Redentor, símbolo da cidade que J. Carlos tanto amava, também é art-déco

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8.

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J.Carlos - um lรกpis apontado para todos


8. meio sĂŠculo de imprensa

Meio sĂŠculo de imprensa

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asprenmi de culoés oiem .8

edadi aN ardep ad ejoh eS .licáf iof acnun asnerpmi an rahlabar -sagsed omtir od mamalcer satsilanroj snugla -enumer ad e essertse od ,seõçader sad etnat -rofse o moc etnezidnoc erpmes men – oãçar

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8. meio século de imprensa

Na idade da pedra

T

rabalhar na imprensa nunca foi fácil. Se hoje alguns jornalistas reclamam do ritmo desgastante das redações, do estresse e da remuneração – nem sempre condizente com o esforço

empregado –, no início do século 20 teriam tido muito mais motivos para queixas. Naquela época não havia leis trabalhistas. Era comum que as jornadas ultrapassassem 8 horas diárias, sem que fosse oferecida qualquer compensação pelo tempo excedido de trabalho. Fora isso, a tecnologia disponível tornava a criação e a impressão dos periódicos uma tarefa árdua. Para que se tenha uma ideia, os veículos de imprensa brasileiros, até o final do século 19, faziam uso da litografia. A esse respeito, o jornalista Gilberto Maringoni esclarece:

Entre o fim da carreira do [Ângelo] Agostini e o início da carreira do J. Carlos houve uma mudança técnica tremenda na imprensa. O uso da máquina rotativa aumentou a tiragem dos jornais, que girava em torno de dois, três, quatro mil exemplares, para cinquenta, sessenta mil. Então o público leitor aumentou muito. A alfabetização melhorou e a imprensa deixou de ser uma atividade artesanal, tornando-se industrial. (MARINGONI, 2012)

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J.Carlos - um lápis apontado para todos aspren mi de culo és o iem .8

saroh satium aigixe acfiárgotil oãsserpmi ed acincét A mun es-avaesaB .laicapse oãçon aob amu e ohlabart ed -er a arap odasu etropus ,ardep a :selpmis meb oipícnirp -roP .obmirac mu omoc avanoicnuf snegami sad oãçudorp arap ,oirártnoc oa sotief res euq mahnit sohnesed so ,otnat o moc airroco omsem O .odajesed otiefe o messaçnacla euq -nauQ .etnerf arap sárt ed ,oditrevni otircse are euq ,otxet -us odis aivah áj afiargotil a ,2091 me ,uoçemoc solraC .J od .afiargocniz alep adarep ed sohlabart so ,asnerpmi ad acincét oãçulove a meS erpmes ,roc A .seõçief sartuo odiriuqda mairet solraC .J -ároda sA .airitsixe oãn ,sohnesed sues me etnadnuba açarg amsem a mairet oãn ociT-ociT O’d sahnirotsih siev airacfi ...sodoT araP ad sapac sad etnetal azeleb aleuqa e so rebas licífid É .oãn uO .atsitra od oãçanigami an sanepa rartnocne ed zapac essof ele zevlaT .oinêg mu ed setimil ordauq etse rop satsopmi seõçatimil sa rarepus ed samrof .sasolubaf sasioc rairc ,missa adnia ,e ocitétopih aivah adnia solraC .J ed acopé an euq oralc raxied mob É -mi an snegami ed oãçudorper à otnauq seõçirtser satium -ra O .adacidni roc ad a are mumoc meb acincét amU .asnerp edno acfiárg a arap avazilanis sanepa e ohnesed o avairc atsit ,sadamac me atief are oãsserpmi A .seroc sa sadacoloc maires ,oterp me esab a mavacilpa oriemirP .4sêhcilc ed oiem rop sortuo so mavatnecserca sioped e ,sonrotnoc so odnamrof sod etrap aob solraC .J zef missA .zev adac ed mu ,sotnemgip -abart euq me satsiver san sodacilbup marof euq sohnesed .lanroj ed sacnab san sanepa adazilanfi etra a aiV .uohl amu ed oãçudorper a oveler me adavarg zart euq acilátem apahC - êhcilC .4 .oãsserpmi à adanitsed megami amu ed uo acfiárgopit oãçisopmoc

124 521


8. meio século de imprensa

A técnica de impressão litográfica exigia muitas horas de trabalho e uma boa noção espacial. Baseava-se num princípio bem simples: a pedra, suporte usado para a reprodução das imagens funcionava como um carimbo. Portanto, os desenhos tinham que ser feitos ao contrário, para que alcançassem o efeito desejado. O mesmo ocorria com o texto, que era escrito invertido, de trás para frente. Quando J. Carlos começou, em 1902, a litografia já havia sido superada pela zincografia. Sem a evolução técnica da imprensa, os trabalhos de J. Carlos teriam adquirido outras feições. A cor, sempre abundante em seus desenhos, não existiria. As adoráveis historinhas d’O Tico-Tico não teriam a mesma graça e aquela beleza latente das capas da Para Todos... ficaria apenas na imaginação do artista. Ou não. É difícil saber os limites de um gênio. Talvez ele fosse capaz de encontrar formas de superar as limitações impostas por este quadro hipotético e, ainda assim, criar coisas fabulosas. É bom deixar claro que na época de J. Carlos ainda havia muitas restrições quanto à reprodução de imagens na imprensa. Uma técnica bem comum era a da cor indicada. O artista criava o desenho e apenas sinalizava para a gráfica onde seriam colocadas as cores. A impressão era feita em camadas, por meio de clichês4. Primeiro aplicavam a base em preto, formando os contornos, e depois acrescentavam os outros pigmentos, um de cada vez. Assim fez J. Carlos boa parte dos desenhos que foram publicados nas revistas em que trabalhou. Via a arte finalizada apenas nas bancas de jornal. 4. Clichê - Chapa metálica que traz gravada em relevo a reprodução de uma composição tipográfica ou de uma imagem destinada à impressão.

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Um pouco de tudo

M

ais do que um artista singular, J. Carlos foi, definitivamente, um homem de imprensa. Sua vocação primeira era a crônica, não na forma textual, mas desenhada com traços

firmes e colorida com aquarela. Ele, além de ter ilustrado as inúmeras capas e páginas das publicações por onde passou, foi diretor de arte, por quase dez anos, da editora O

Malho. Desse período, é possível apreciar outra vertente do seu trabalho: o design gráfico. Sem qualquer exagero, o J. Carlos designer é quase tão genial quanto o J. Carlos ilustrador. Os projetos gráficos desenvolvidos por ele para as revistas O Malho, Ilustração Bra-

sileira e, principalmente, Para Todos... merecem destaque. Apesar de pouco ter saído do Rio de Janeiro, seu trabalho passa longe de ser antiquado. É possível ver em cada uma das páginas elaboradas por ele, muito do frescor das principais publicações estrangeiras da época, como o periódico francês L'Assiette au Beurre ou o alemão Lustige Blätter.

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8. meio século de imprensa

[92] Como designer, J. Carlos valorizava o branco em suas páginas para criar e intensificar contrastes, além de fortalecer as conexões entre os elementos

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[93] Capas da alemã Lustige Blätter e da francesa L'Assiete au Beurre

O uso de molduras, um tanto rebuscadas, contornando as fotos, não é algo que pode ser classificado como inovador hoje. Mas para a época, tendo em vista o material disponível para a elaboração de um projeto gráfico – nada além de lápis, tesoura ou estilete –, era uma ousadia e tanto. J. Carlos usava um recurso bastante original: ele costumava tracejar as fotos com linhas finas, passando a moldura por dentro da imagem. Essas linhas, interrompidas pelo objeto central da cena, dão a falsa impressão de tridimensionalidade. O corte irregular das fotografias acabou se tornando uma marca característica do trabalho dele como diagramador. Poucas vezes utilizava o formato retangular tradicional. Preferia ousar, encaixando uma foto na outra como um quebra-cabeça, criando murais muitíssimo elaborados, formando verdadeiros mosaicos fotográficos.

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8. meio sĂŠculo de imprensa

[94] A pĂĄgina, publicada na Para Todos..., nos mostra um recurso que J. Carlos muito usava. Ele recortava as fotografias e produzia colagens cheias de movimento, criando dinamismo em suas pĂĄginas

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[96] Elementos semelhantes próximos uns dos outros parecem estar agrupados e não são vistos como partes separadas. Ao lado, J. Carlos aplicou o mesmo tipo de recorte às imagens, fortalecendo a unidade visual da página

O recorte, a montagem e a distribuição dos caracteres e das imagens nas páginas diagramadas também são destaques no trabalho de J. Carlos, pois apresentam padrões que ainda são mantidos atualmente nas publicações: a organização do texto em três colunas por página – no caso das revistas – e fotos que vazam, tomando duas colunas ou mais de texto, que se afasta para recebê-las. [95] A sensação de movimento na dupla acima é intensificada por J. Carlos ao recortar as pernas das moças, que parecem saltar das fotos e caminhar no meio do texto

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O trabalho chama a atenção não apenas pela originalidade, mas também pela complexidade. Lembrando que, além do design, ele era responsável pelas ilustrações de todas as publicações da editora:

O Malho, Para Todos..., Ilustração Brasileira, Leitura Para Todos, O Tico-Tico e, a partir de 1926, Cinearte.


8. meio sĂŠculo de imprensa

[97] Poemas eram ilustrados com desenhos mais finos e elaborados. Este ganha destaque com o contraste que o branco da pĂĄgina proporciona

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J.Carlos - um lĂĄpis apontado para todos

[98] De maneira brilhante, J. Carlos sequenciou as trĂŞs fotos como se formassem um filme que mostra o movimento das bailarinas

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[99] A "senhorinha Violeta Coelho Netto" teve sua foto publicada na Para Todos... com uma trabalhada moldura. J. Carlos muito utilizou este recurso durante sua carreira, mas, à medida que o tempo passou, ele tornou-as mais simples, limpando suas páginas, eliminando fios e ganhando ousadia

[100] Um desfile de moças no meio do texto acompanham o sentido de leitura, na diagonal descendente, da esquerda para a direita

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J.Carlos - um lรกpis apontado para todos

[101] Sempre que podia, J. Carlos fugia do formato tradicional das fotografias. Ele recortava as imagens da maneira que julgasse mais eficiente para que elas tivessem personalidade

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[102] Um dos milhares de ornamentos que J. Carlos criou para embelezar as páginas de suas revistas

[103] Nesta página, unindo desenho e fotografia, J. Carlos transforma as imagens superiores em verdadeiros balanços para suas melindrosas.

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J.Carlos - um lรกpis apontado para todos


8. meio século de imprensa

[104] Na edição do Natal de 1925, a Para Todos... apresentou o Conselho Fiscal do Governo aos seus leitores. Em um trabalho primordioso, J. Carlos nos mostra o grandioso designer que era ao usar ornamentos e ramificações entre as fotografias, dispondo-as de forma organizada, alinhada e harmoniosa.

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[105] É clara a diferença da diagramação da Para Todos... antes (esq.) e depois (dir.) de J. Carlos. Suas páginas eram menos poluídas, mais organizadas e valorizavam o branco do papel. Ele adotou um grid com 3 colunas

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8. meio século de imprensa

[106] Colagens fotográficas e o característico movimento também estavam presentes nas páginas que J. Carlos produzia para O Malho. Ao lado, as fotografias tentam reproduzir o salto do atleta

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[107] A tipografia é parte essencial da elaboração de um projeto gráfico, afinal, sua escolha afeta o caráter e a personalidade da publicação. J. Carlos criou um mundo tipográfico por onde passou: dos tipos leves aos mais pesados, dos enfeitados aos minimalistas. Tudo feito à mão

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8. meio sĂŠculo de imprensa

[108] Letras ornamentadas que iniciam obras, capĂ­tulos ou parĂĄgrafos, as capitulares de J. Carlos eram ricas de detalhes, beleza e movimento

[109] J. Carlos inovou ao compor as palavras-cruzadas das revistas, inserindo-as dentro de desenhos. Muitas vezes visto como complicado ou desafiador, agora esse passatempo passava a atrair os leitores

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J.C

a

s assinaturas são um capítulo a parte na obra de J. Carlos. Ao longo de toda a carreira ele usou duas. A mais conhecida é uma formada por retas entrelaçadas. Essa, em especial, possui uma

particularidade: é possível ler a palavra Rio escondida no emaranhado de linhas. J. Carlos gostava de colocá-la nos desenhos mais elaborados, naqueles que certamente seriam publicados na capa ou teriam algum destaque. Com o passar do tempo, essa assinatura sofreu algumas modificações. No início, o nome J. Carlos podia ser lido com facilidade, mas depois ele foi desaparecendo, dando origem a algo que podemos chamar de logomarca. Já a outra assinatura nem pode ser classificada como tal. Na verdade é apenas uma rubrica, destinada a desenhos de menor importância, formada pelas iniciais J e C. Porém, a sua

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8. meio século de imprensa

[110] A clássica assinatura de J. Carlos

utilização era vantajosa. Na hora de diagramar as páginas, as imagens podiam ser invertidas ou espelhadas sem que a assinatura ficasse ilegível. Isso era possível graças à forma

[111] "J.C" que ele espelhava

como as letras eram grafadas, lembrando dois parêntesis posicionados um de costas para o outro. Durante os 48 anos que atuou como ilustrador, J. Carlos também publicou desenhos usando pseudônimos. No Fi-

lhote da Careta era Hirondelli. Depois, quando foi contratado como diretor artístico d’O Malho, passou a assinar Leo. Na mesma época, n’O Tico-Tico, ilustrou histórias em quadrinhos como Nicolao. Cássio Loredano ainda acrescenta:

Há um desenho evidentemente seu na Careta, em 1920, assinado como Maria Alda e outro n’O Tico-Tico, em 1923, como Jackie Coogan... (LOREDANO, 2002:46)

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Quem com Malho fere...

E

m 1922, J. Carlos deixou a Careta para assumir a

direção artística d’O Malho. Sua chegada foi bastante festejada. Álvaro Moreira o recepcionou com uma crônica – O Inventor da Melindrosa –, publi-

cada em março daquele ano, na revista Ilustração Brasileira. Naquele tempo era comum que os homens de imprensa tivessem mais de uma atividade. J. Carlos não era diferente. Ao ingressar n’O Malho, se deparou com um trabalho hercúleo. Não havia sido contratado somente para desenhar. Também teria que cuidar dos projetos gráficos de todas as revistas da editora: cinco, no total – esse número ainda aumentaria para seis, em 1926. O período que vai de 1922 a 1930 pode ser considerado o mais produtivo de J. Carlos, mesmo com o acúmulo de funções. O trabalho excessivo nunca foi problema para ele. Pelo contrário. Quanto mais rabiscava, melhor ficava. Na Careta já tinha uma produção bem volumosa: chegava a fazer seis, sete ilustrações por edição semanal. N’O Malho atingiu a marca assombrosa de mais de 20 desenhos em uma semana.

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8. meio século de imprensa

O Dr. Getulio Vargas entrando na capital da República pela mão do seu introductor diplomatico

[112] Getúlio e "seu introdutor diplomático", que lhe tirou a vida 24 anos depois dessa capa O MALHO número 1425 11/1/1930 J. CARLOS

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[114] O imponente logotipo de Ilustração Brasileira

[113] O MALHO número 123 21/1/1905 A. AGOSTINI

Criava capas, charges, histórias em quadrinhos para

O Tico-Tico e ainda elaborava os famosos desenhos de página inteira da Ilustração Brasileira, onde foi imortalizada, entre outras imagens, A Senhora das Rosas, um dos poucos originais que manteve guardado por toda a vida [fig.XX] (LIMA, 1963:1088). Dentre as publicações que ficaram sob sua responsabilidade, a mais importante era O Malho. A revista, fundada em 1902 por Crispim do Amaral, foi um dos principais semanários políticos brasileiros da primeira metade do século 20. Parte de sua fama foi conquistada graças às contribuições de Ângelo Agostini, que nela reeditou As Aventuras de Zé Cai-

pora e publicou alguns dos seus raros desenhos coloridos, e K.Lixto, um dos críticos mais contundentes das reformas promovidas por Pereira Passos. Seu símbolo era um malho – marreta – erguido, prestes a desferir um golpe. Já a Ilustração Brasileira tinha uma concepção mais austera. O logotipo, que raramente era alterado, emprestava um ar imponente à capa feita em papel cartão [fig.XX]. Em suas páginas não havia charges nem críticas políticas. Era, basicamente, uma publicação direcionada a leitores mais conservadores: homens da elite carioca ou vinculados ao poder. J. Carlos quase não modificou o design da revista ao longo dos anos. Tinha apenas o cuidado de manter o tom sóbrio, investindo com esmero nos ornamentos sempre discretos.

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[115] "Senhora das Rosas" J. CARLOS

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[116] ilustração brasileira Setembro/1922 J. CARLOS

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[117] ilustração brasileira Dezembro/1922 J. CARLOS

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[118] Capas da Para Todos... antes de J. Carlos

A Para Todos..., a mais frívola das publicações d’O Ma-

lho, não era nada além uma revista de variedades direcionada ao público fã da sétima arte. Suas capas traziam retratos de artistas de Hollywood. e, no início, J. Carlos quase não interferia no projeto gráfico. Ele só passou a se dedicar mais à revista em 1926, quando a linha editorial foi mudada. Com a criação da Cinearte, já não havia sentido em manter a Para Todos... como uma revista de cinema. Ela acabou sendo transformada numa publicação mais voltada ao público feminino. A partir de então, J. Carlos passou a exaltar a mulher nas capas do semanário, quase sempre desenhando belas jovens rodeadas por seres fantásticos: faunos, bufões, budas, arlequins, diabos e outros personagens usados para representar o universo masculino. J. Carlos trabalhava no mesmo prédio em que ficava as instalações do parque gráfico da editora, o que facilitava na hora de fazer as provas dos desenhos. Supõe-se que por motivo de economia, eram rodadas quatro capas por vez,

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8. meio sĂŠculo de imprensa

[119] para todos nĂşmero 431 19/3/1927 j. carlos

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[120] PARA TODOS número 426 12/2/1927 J. CARLOS [121] PARA TODOS número 427 19/2/1927 J. CARLOS

para que as cores disponíveis fossem usadas sem que houvesse desperdício. Fica fácil notar isso quando comparadas algumas edições da Para Todos... publicadas em sequência. Mas o mais curioso é que J. Carlos se permitia brincar com tal situação. Se aproveitando do fato de ter que desenhar quatro capas por vez, criou uma historinha oculta no carnaval de 1927. É o que conta Julieta Sobral:

O fato de pensar as quatro capas simultaneamente permitiu ainda que J. Carlos soltasse sua imaginação para além das combinações cromáticas, criando, no carnaval de 1927, quatro capas que juntas contam uma história: Na primeira, sob os auspícios da lua, Colombina se deixa seduzir por

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8. meio século de imprensa

Arlequim, enquanto Pierrot, desolado, assiste a tudo. Na segunda, o dia está raiando. Pierrot olha perplexo para Arlequim

[122] PARA TODOS número 428 26/2/1927 J. CARLOS

morto em sua frente. Podemos perceber que, ao lado de sua mão direita aberta, a fumaça ainda sai do revólver caído no chão... Terceira capa: Terça-feira gorda, sol a pino. No centro deste a cabeça de Arlequim é carregada em uma bandeja, como um São João Batista, pela amante Colombina, que dança alegremente nos ombros de seu Pierrot.

[123] PARA TODOS número 429 5/3/1927 J. CARLOS

Quarta-feira, quarta capa. Nela, um diabo gigantesco varre, entre serpentinas e confetes, os tolos Pierrot e Arlequim. A Colombina pela qual se disputaram a esta altura já está em casa, sonhando com os anjos. Ao lado, sem nenhum medo de ser varrida por aquele diabo que conhece bem, uma cabrocha faceira assiste à cena com ar de desdém (SOBRAL, 2007:68)

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Ângelo Agostini já havia feito algo semelhante como o letreiro da revista D. Quixote, que a cada edição sofria uma modificação. Quando visto em sequência, o conjunto também formava uma história. Outra curiosidade a respeito da

Para Todos...: possuía 60 páginas. Dessas, as oito primeiras e as oito últimas eram impressas em papel jornal. As demais em papel couché. Não há motivo que explique esta composição mista. Talvez fosse assim para que o produto final não ficasse [124] Em grande forma, J. Carlos surpreende com a repetição do nome da revista, que também pode ser lido na diagonal, da esquerda para a direita PARA TODOS... número 427 19/2/1927 J. CARLOS

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tão caro. A revista custava 1$000 em 1927, mesmo preço d’O Malho. Apesar do trabalho fantástico realizado por J. Carlos nesse período, a passagem dele pelo O Malho acabaria de forma melancólica. Em 1930, o Brasil passaria por mais um episódio importante de sua história: o fim da República Velha. A empresa assumiu durante todo o processo uma postura claramente favorável ao governo do então presidente Washington Luís.


8. meio século de imprensa

a empatia do batrachio o sapo: - ...Sáe de cima de mim pedra, senão eu te esborracho.

[125] o malho número 1436 22/3/1930 j. carlos

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o insucesso do cantador GETÚLIO: - ...Nunca mais toco viola, na minha vida!

[126] PARA TODOS número 427 19/2/1927 J. CARLOS

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[127] o malho número 1332 24/3/1920 J. CARLOS

[128] FON FON s.d. J. CARLOS

Obviamente, Getúlio Vargas era retratado da pior maneira possível. Há uma charge feita por J. Carlos em que ele aparece como um sapo sendo esmagado pela vontade popular – referência à eleição de Júlio Prestes, que não chegou a assumir a presidência por causa do golpe de Estado imposto pelos aliados de Getúlio. Ainda se tivesse sido apenas uma... Mas O Malho estampou inúmeras capas satirizando Vargas. O resultado não poderia ter sido diferente. Os partidários da Aliança Liberal destruíram a redação da revista, tal como havia feito com outros órgãos de imprensa contrários ao golpe. J. Carlos continuou por um tempo na editora, mas acabou se afastando no final de 1930. Após esse episódio, passou a contribuir esporadicamente com as revistas Fon-Fon! e

O Cruzeiro até 1936, quando retornou à Careta.

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[129] PARA TODOS número 427 19/2/1927 J. CARLOS

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[130] PARA TODOS número 427 19/2/1927 J. CARLOS

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[131] PARA TODOS... número 427 19/2/1927 J. CARLOS

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[132] PARA TODOS... número 420 1/1/1927 J. CARLOS

[133] PARA TODOS... número 406 25/9/1926 J. CARLOS

[134] PARA TODOS... número 427 19/2/1927 J. CARLOS

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[135] A capa da edição comemorativa de Independência é uma amostra da versatilidade de J. Carlos no uso das técnicas de desenho e pintura o malho número 1043 7/9/1922 J. CARLOS

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8. meio século de imprensa

FAVELLA! - É o "tá" de Marinetti. - Policia? - Não, "Gaforinha". Elle vem "zaminá" os caminho p'ra "bolá" "atomoves", estrada de ferro, bonde electrico; "porguersos", "porguersos".

[136] o malho número 1237 29/5/1926 J. CARLOS

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J.Carlos - um lĂĄpis apontado para todos

et cricencis... Enquanto elles gosam a polychromia festiva, o Fisco bate as carteiras.

[137] o malho nĂşmero 1314 19/11/1927 J. CARLOS

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8. meio século de imprensa

SÊDE DE SANGUE MINAS GERAIS: Para que esse copo tão grande, cheio de sangue? ANTONIO CARLOS: - É para matar a minha sêde!

[138] Referência às mortes de eleitores de Julio Prestes em confrontos em Montes Claros (MG) em janeiro de 1930 o malho número 1314 19/11/1927 J. CARLOS

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

a descendencia de job CARDOSO - O' Jeca, porque é que você não muda de refeição? Sempre a mesma coisa. JECA - O' xentes! Mudá como? Não tem carioca...

[139] o malho número 1198 29/8/1925 J. CARLOS

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8. meio século de imprensa

as visitas de S. Ex. (Em um destroyer que partira da Ilha das Cobras, S. Ex. rumou para a Ilha Fiscal, onde desembarcou em visita." (Dos jornaes) Para a próxima visita será empregado o "Minas Geraes", que encostará as suas extremidades nas referidas ilhas, formando uma ponte que facilitará a passagem de S. Ex.

[140] o malho número 1364 3/11/1928 J. CARLOS

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9.

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J.Carlos - um lรกpis apontado para todos


9. do tico-tico ao papagaio

Do tico-tico ao papagaio

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Um passarinho me contou

N

ão há como falar da obra de J. Carlos sem citar

O Tico-Tico. Uma das primeiras publicações brasileiras

feitas

exclusivamente

para

crianças, a revistinha foi lançada pelo O Malho

em outubro de 1905. A primeira tiragem foi de 27 mil exemplares e, em menos de um ano, passou para 30 mil. Números bem expressivos para um produto praticamente inédito no mercado editorial brasileiro. No inicio, não havia no Brasil quem produzisse histórias em quadrinhos direcionadas ao público infantil. Os editores d’O Tico-Tico decalcavam material estrangeiro,

principalmente francês e norte-americano, para suprir a falta de conteúdo. O Chiquinho, que se tornaria símbolo da revista, era uma cópia do personagem Buster Brown, protagonista de uma famosa tirinha desenhada por Richard F. Outcault, também conhecido como pai do The Yellow Kid Sobre o Chiquinho, vale destacar a autonomia que o personagem ganhou no Brasil. No começo, apenas as legendas eram trocadas, sendo o desenho totalmente estrangeiro. Mas, com o passar dos anos, vários artistas brasileiros passaram a desenhá-lo. Casos de Alfredo e Osvaldo Storni, Miguel

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9. do tico-tico ao papagaio

[141] o tico-tico nĂşmero 41 18/7/1906 j. carlos

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[142] o tico-tico número 980 16/7/1924 j. carlos

[143] ALMANAQUE DO tico-tico 1935 j. carlos

Hochman, A. Rocha e aquele se tornaria o mais famoso entre seus ilustradores: Luís Gomes Loureiro. Somente em 1906 O Tico-Tico publicaria a primeira historinha produzida no Brasil: O Talento de Juquinha – desenhada por J. Carlos. O personagem foi apresentado como primo de Chiquinho, que nessa época já era uma espécie de mestre-de-cerimônias da publicação, papel que desempenharia por muito tempo. A obra de J. Carlos constitui uma parte importante da história d’O Tico-Tico. Além de ter dedicado mais de uma década à publicação e feito inúmeras capas para seu famoso almanaque, deixou inúmeros personagens que marcaram época. Além do Juquinha: Jujuba, Carrapicho e Lamparina. Também alterou, em 1923, o logotipo da revista, que havia sido desenhado por Ângelo Agostini. A mudança foi feita para a comemoração dos 18 anos da publicação

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[144] o tico-tico nĂşmero 21 28/2/1906 j. carlos

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[145] suplemento infantil a nação número 1 14/3/1934 j. carlos

suplemento juvenil No início, o Suplemento Juvenil era um encarte do jornal A Nação, que depois passou a ser veiculado três vezes por semana e vendido separadamente. Foi, por muitos anos, a base de sustentação da EBAL (Editora Brasil-América) que havia sido fundada pelo jornalista Adolfo Aizen, um dos grandes responsáveis pela chegada dos comics ao Brasil.

174

A década de 1920 foi um dos períodos mais importantes d’O Tico-Tico, quando começaram a ser publicadas histórias em quadrinhos de alguns dos personagens mais famosos do mundo. Entre eles o Ratinho Curioso (Mickey) e o Gato Felix. Mesmo após sua saída d’O Malho e, consequentemente, d’O Tico-Tico, J. Carlos continuou contribuindo com algumas

publicações

destinadas

às

crianças

e

aos

adolescentes. Em 14 de março de 1934, foi lançado o Suplemento Juvenil – na época Suplemento Infantil –, a mais importante publicação especializada em quadrinhos da história do mercado editorial brasileiro. Na capa da primeira edição há um desenho de J. Carlos.


9. do tico-tico ao papagaio

[146] o tico-tico nĂşmero 19 14/2/1906 j. carlos

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J.Carlos - um lรกpis apontado para todos

[147] Nesta e nas prรณximas pรกginas, calendรกrio de datas comemorativas feita por J. Carlos para o Almanaque do Tico-Tico

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Zé Carioca e o convite para trabalhar com Disney

w

alt Disney veio ao Brasil em 1941 para promover o filme Fantasia e trouxe com ele uma comitiva formada por desenhistas e técnicos de seus estúdios. Essa visita

era parte do roteiro de uma excursão realizada para colher informações sobre a cultura latino-americana. Atendendo à agenda da Política da Boa Vizinhança5, promovida pelo então presidente norte-americano, Franklin D. Roosevelt, seria lançado no ano seguinte o filme Alô, Amigos, uma ode aos personagens e costumes da América Latina. Álvaro de Moya conta alguns detalhes sobre essa viagem:

[148] [página oposta] Capa da Careta de 4 de outubro de 1941. Talvez uma queixa de J. Carlos contra Disney, que teria levado seu papagaio embora para fazer sucesso em Hollywood.

180

Walt Disney estava em crise nos EUA, porque seu estúdio tinha entrado em greve e os melhores funcionários estavam de fora, tirando sarro. Diretores, atores e roteiristas já tinham criado seus respectivos sindicatos – exceto os animadores. Walt não queria que os artistas de animação

5. Política de Boa Vizinhança - Uma iniciativa criada pelo governo dos Estados Unidos em 1933. Tal ação foi presidida por Franklin D. Roosevelt e tratava sobre as relações políticas entre norte-americanos e países da América Latina.


9. do tico-tico ao papagaio

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[149] Walt-Disney vê desenhos de artistas brasileiros em sua visita ao Rio de Janeiro

fossem sindicalizados. Ficou um impasse. Por outro lado, Fantasia e Dumbo não tinham alcançado o resultado esperado. Roy Disney, irmão

de Walt, viu que a situação era grave. Nelson Rockfeller, milionário que trabalhava para o governo norte-americano, propôs que Walt fizesse uma viagem pela América Latina. Uma viagem de boa vizinhança. E falou: “Todo desenho que você fizer durante esse período, o governo americano compra por 50 mil dólares”. (MOYA, 2012) Para recepcionar o ilustre visitante, foi preparada uma exposição no Rio de Janeiro. Foram preparados painéis com os desenhos de alguns dos principais artistas da época, entre eles J. Carlos. O evento havia sido organizado pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão responsável por manter a boa reputação do governo Getúlio Vargas. Um dos desenhos deixou os estrangeiros alvoroçados: um papagaio desenhado por J. Carlos. Eles se amontoaram em volta da peça e tiraram várias fotos. Depois do evento, foi

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[150] Noite de lanรงamento do filme Fantasia, no Rio de Janeiro

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[151] O desenhista Frank Thomas faz esboços de papagaios

servido um almoço aos convidados e participantes daquela exposição. Walt Disney fez questão de sentar-se ao lado de J. Carlos, que, tendo a filha Elza como interprete, recebeu do desenhista norte-americano uma proposta para trabalhar nos Estados Unidos. No fim das contas, o convite acabou sendo recusado. Um dos depoimentos mais esclarecedores sobre o episódio foi dado pelo caricaturista Nássara, em dezembro de 1983:

Fiquei no estúdio do J. Carlos e comecei a procurar – ele desenhava naquelas folhas de cartolina muito grandes –, quando fui surpreendido por um negócio que eu gostei imensamente. Eram estudos de um papagaio, feito para uma revista de humor, de vida efêmera, cujo título era Papagaio. Gostei muito daqueles croquis. Tenho uma boa lembrança disso: era um papagaio desenhado em sequência, de maneira que dava até

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ideia meio cinematográfica, de movimento. E desenhado naquele traço delicado que caracterizava J. Carlos. Separei então as duas folhas de cartolina que continham os papagaios. J. Carlos, que continuava trabalhando, não concordou com a seleção, explicando que eram apenas croquis. Ao que eu respondi: – “Mas eu estou gostando muito”. Esses originais, mesmo sem aquele apuro de arte-final, foram expostos junto com outros na mostra que organizamos na Escola de Belas Artes. Por ordem do doutor Assis Figueiredo, dediquei dois painéis grandes ao J. Carlos, que era a figura mais categorizada. E, se não me engano, o Walt Disney até tinha indicado que queria ver alguma coisa do J. Carlos. No dia da abertura da exposição, dois fotógrafos da equipe do Disney começaram a fotografar aqueles painéis com caricaturas. Mas nesses painéis do J. Carlos, eu pude observar que eles demoraram mais, principalmente nessas folhas onde estavam desenhados os papagaios (ARESTIZÁBAL, 1984:53)

[152] Desenhistas da equipe de Walt-Disney observam papagaio na visita ao Rio de Janeiro

185


J.Carlos - um lápis apontado para todos 186

Em 1942, finalmente, foi lançado o filme Alô, Amigos, que tinha Zé Carioca como um dos protagonistas. Era a primeira e uma das poucas aparições daquele papagaio nos cinemas. Depois ele seria esquecido pelos estúdios Disney, [153] Walt-Disney visita galeria de arte no Rio de Janeiro

fazendo sucesso apenas nas histórias em quadrinhos produzidas no Brasil pela Editora Abril. Coincidentemente, era nítida a semelhança entre Zé Carioca e o papagaio desenhado pelo outro Zé, o Carlos, que também era carioca.


9. do tico-tico ao papagaio

[154] Primeiros esboços do personagem ZÊ Carioca, feito por Jack Miller

187


10.

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J.Carlos - um lรกpis apontado para todos


10. para poucos...

Para Poucos...

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Lápis

T

udo o que J. Carlos desejou, conseguiu graças ao lápis. A afirmação, apesar de aparentemente banal, é mais significativa do que parece. Ele próprio fez questão de eternizar esse vínculo numa

das cenas mais belas de toda a sua vida. Quando se casou, em 1914, não tinha condições de oferecer à esposa, Lavínia, uma casa para morar. Precisou pagar aluguel por um bom tempo. Mas havia feito uma promessa. Prometera que em 10 anos, contados a partir da data do matrimônio, teria um lar próprio. Teve que se esforçar um bocado para conseguir cumprir este propósito. Trabalhar na imprensa não dava muito dinheiro. Apesar do reconhecimento, J. Carlos não ganhava tão bem na Careta. Passou a receber melhor n’O Malho, mas não chegava a ser uma fortuna. Fato é que, exatamente 10 anos após a promessa, J. Carlos realizaria o sonho de ter uma casa só sua. Melhor, o sonho de ter uma casa sua, da Lavínia, da Elza, do Luiz Carlos...

190


10. para poucos...

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, passou a ter outras preocupações: havia se tornado pai. A primeira filha a nascer foi Elza. Em seguida vieram: Laís, que morreu ainda bebê, e Luiz Carlos. Eduardo Augusto, o quarto filho, nasceu a tempo de presenciar a emoção do pai frente ao número 196 da Rua Jardim Botânico. Nesse endereço foi erguida a casa que Alvarus chamaria de a “única construída no mundo apoiada por um lápis (COTRIM, 1985:70)”. Reza que J. Carlos, para marcar a compra do terreno, ajuntou a família em frente ao lote, fez a ponta em um lápis e com ele escreveu num papel: “Deus nos Ajude”. Depois

[155] A casa que J. Carlos mandou construir na esquina da rua Jardim Botânico com a Sucupira. Atualmente, resta dela apenas o losango de ferro fundido fixado na parte superior direita da fachada. Está na casa de seu filho Eduardo Augusto, em Petrópolis (RJ)

o lápis e o papel foram enterrados e sobre eles foi posta a primeira pedra. J. Carlos viveria até o fim da vida nessa casa e teria mais duas filhas: Lourdes e Lúcia.

191


Dívida de gratidão

H

á poucos relatos que tratam da intimidade de J. Carlos. Parece que sua obra, por ser tão espetacular, põe em segundo plano o protagonista disso tudo: ele próprio. Quase todos que

o conheceram e escreveram a seu respeito afirmam que era uma pessoa bastante reservada, que não gostava da boemia e não aceitava um elogio sequer sem antes fazer alguma ressalva. Se alguém falasse bem de um desenho seu, tratava logo de diminuir a importância dele. Talvez essa modéstia excessiva tenha sido a grande responsável por aproximá-lo de Herman Lima, escritor cearense que foi seu amigo e um dos maiores entusiastas de sua obra. Herman, antes de se tornar escritor, sonhava ser desenhista. Quando garoto, costumava enviar ilustrações para

O Tico-Tico. Segundo ele, algumas até chegaram a ser publicadas, mas não eram muito boas. Ao atingir certa idade, foi para a Bahia, onde se formou em medicina. Lá escreveu seu primeiro livro de contos: Tigipió; que lhe rendeu elogios de Humberto de Campos. Quando estava prestes a lançar Mãe d’Água, seu segundo livro, redigiu carta àquele que era um de seus maiores ídolos: J. Carlos. Nela pedia que ilustrasse a capa de sua obra literária. Junto enviou uma cópia manuscrita. Porém

192


10. para poucos...

[156] Capa de "Mãe d'Água", feita por J. Carlos especialmente para seu amigo e admirador Herman Lima

passou muito tempo sem que recebesse qualquer resposta. Certo dia chegou uma correspondência vinda do Rio de Janeiro. A ousadia havia sido recompensada. Ao abrir o envelope, encontrou o tão sonhado desenho e um pedido de desculpas. J. Carlos se penitenciara pela demora no cumprimento da solicitação. Por causa desse gesto, Herman Lima prometeu a si mesmo que algum dia escreveria um livro em homenagem ao caricaturista. Em 1950, conseguiu cumprir a promessa, ao elaborar um álbum sobre J. Carlos. O trabalho foi publicado pelo Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Saúde. O homenageado ainda pôde folhear uma prévia do livro antes de morrer. Como não podia deixar de ser, J. Carlos ficou um pouco constrangido com aquilo. Para ele, tudo não passava de um grande exagero.

193


Contracapa

A

morte é um desses eventos cheios de significado, que marcam o fim de uma era. Não foi diferente com J. Carlos. Quando morreu, em 2 de outubro de 1950, deixou uma lacuna que

não foi preenchida até hoje. Isso não se deve apenas á destreza espetacular de seu lápis. O mundo após aquela data mudaria um bocado e talvez não houvesse mais espaço para pessoas como ele. Talvez... Faleceu às vésperas das eleições daquele ano. O resultado, obviamente, não chegou aos seus ouvidos. Foi melhor assim. Getúlio Vargas, um dos políticos que mais questionou durante toda a vida, acabou eleito presidente da república. Alguns dias antes, em 18 de setembro, a televisão havia dado os primeiros sinais de vida em São Paulo e aos poucos tomaria para si todas as atenções. As pessoas se esqueceriam da Melindrosa e começariam a dar atenção a artistas de novela

194


10. para poucos...

[157] O ainda menino J. Carlos

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J.Carlos - um lápis apontado para todos

[158] Última capa da carreira de J. Carlos CARETA número 2208 21/10/1950 J. CARLOS

Quando Braguinha, célebre autor dos versos da canção Carinhoso, entrou na redação da revista Careta para conversar com J. Carlos, não sabia que seria a última pessoa a vê-lo com vida. Os dois tinham combinado um encontro para aquela sexta-feira, dia 29 de setembro, em que seria discutido o desenho da capa de um disco que o compositor havia gravado para crianças. Nem houve tempo. J. Carlos desmaiou sobre a prancheta em que trabalhava e foi levado rapidamente para o hospital. Faleceu às 10 horas da manhã, três dias depois, vítima de um AVC – acidente vascular cerebral. Foi enterrado no cemitério São João Batista, no mesmo dia em que morreu. A família temia que pudesse haver alguma confusão no dia seguinte, quando seriam realizadas as eleições presidenciais, por isso correu com os preparativos do funeral. A revista Careta só noticiou a morte duas semanas depois. É possível que seus colegas de redação ainda não tivessem conseguido superar a dor daquela perda. O que dizer então dos familiares? Deixou quatro capas prontas para a Careta – publicadas, apesar de sua morte. Recebeu homenagens de vários jornalistas e cronistas de sua época, mas o maior reconhecimento só viria algum tempo depois, quando se tornou parte da cidade que tanto amava. A Rua Sucupira, onde morou até o fim da vida, deixou o antigo nome para se chamar Rua J. Carlos.

196


10. para poucos...

[159] Os amigos K.Lixto, Raul, Mendez, Theo e Alvarus presentes na inauguração da rua J. Carlos

197



ANEXOS


Carta de Drummond à família Brito e Cunha

Ao completar 80 anos, o poeta Carlos Drummond de Andrade recebeu inúmeros presentes. Um deles foi um desenho de J. Carlos, enviado pelos filhos do ilustrador. Drummond enviou a seguinte carta, em agradecimento:

Rio, 27 de dezembro de 1982. À família Brito e Cunha: Eu não poderia desejar melhor presente do Natal do que esse que vocês espontânea e generosamente me deram. Desde garoto sou admirador de J. Carlos. Aprendi a estimá-lo nas páginas da velha Careta, que eu pedia emprestado a umas moças da minha cidadezinha natal. Depois acompanhei sua passagem pelo Para Todos... e pela Ilustração Brasileira, além de inúmeras outras publicações

que ele ia ilustrando com seu extraordinário talento e não menor capacidade de trabalho. Vindo para o Rio em 1934, um dos meus sonhos era conhecer pessoalmente o Jota. Não o realizei; por timidez e também sabia de seu temperamento retraído. Não queria forçar a barra... e perdeu-se a ocasião. Conhecia Kalixto, Raul e Yantok, mas o meu ídolo jamais cruzou o meu caminho (ou eu o dele), num desses acasos felizes que aproximam os

200


anexos

tímidos e podem até gerar grandes amizades. Sabendo de meu culto a J. Carlos, Elcias Lopes, então redator de Fon-Fon, prontificou-se a obter dele uma ilustração para uma de minhas poesias publicadas nessa revista. Tolo que fui (ou mal-educado) perdendo a deixa para agradecer pessoalmente a gentileza. Possuo uma coleção da Careta, do primeiro número até 1915, e é nela que costumo mostrar aos que ignoram a história das artes no País o período de ouro da caricatura brasileira, através das charges de J. Carlos. Quanta gente fica admirada e espantada de ver essa multidão de caricaturas inconfundíveis. Por tudo isso, meus caros amigos, é fácil compreender que a lembrança de vocês tocou a minha sensibilidade. Fico gratíssimo a esse gesto fidalgo. E fico desejando as mais doces venturas ou sejam saúde, paz, alegria - aos dignos e amáveis descendentes do nosso maior artista do lápis. (a) C.D.A.

201


Reportagens íntimas SECÇÃO MASCULINA

J. Carlos é o caricaturista da imaginação e do espírito, cujas composições, ás vezes graciosas, e às vezes de uma ironia aguda, revelam sempre um artista original e expressivo. Esta página, que o amável humorista traçou respondendo ao questionário de Fon-Fon, deixa bem ver as múltiplas qualidades deste talento malicioso e brilhante.

1.

Traço predominantemente do meu caráter.

2.

A qualidade que prefiro na mulher.

3.

Tipo feminino que mais me agrada.

4.

A nacionalidade de mulher que mais me seduz.

5.

A minha principal qualidade.

6.

O meu defeito principal.

7.

O meu passatempo favorito.

8.

A minha verdadeira vocação.

9.

O que eu desejaria ser.

10. A época em que eu quisera ter vivido. 11. O divertimento que mais me atrai. 12. Os meus escritores e poetas prediletos. 13. O que meu paladar prefere. 14. O que mais me ataca os nervos. 15. Os únicos que merecem a minha indulgência. 16. O que penso do Flint. 17. A minha divisa.

202


anexos

1

2

4

3

5

6

8 7

9

10

11

14

12 13

15 16

17

203


Depoimento de Nássara para Noriko Ohta Publicado no livro J. Carlos: 100 Anos

Fiquei no estúdio do J. Carlos e comecei a procurar – ele desenhava naquelas folhas de cartolina muito grandes –, quando fui surpreendido por um negócio que eu gostei imensamente. Eram estudos de um papagaio, feito para uma revista de humor, de vida efêmera, cujo título era Papagaio. Gostei muito daqueles croquis. Tenho uma boa lembrança disso: era um papagaio desenhado em sequência,

de

maneira que

dava até

ideia

meio

cinematográfica, de movimento. E desenhado naquele traço delicado que caracterizava J. Carlos. Separei então as duas folhas de cartolina que continham os papagaios. J. Carlos, que continuava trabalhando, não concordou com a seleção, explicando que eram apenas croquis. Ao que eu respondi: – “Mas eu estou gostando muito”. Esses originais, mesmo sem aquele apuro de artefinal, foram expostos junto com outros na mostra que organizamos na Escola de Belas Artes. Por ordem do doutor Assis Figueiredo, dediquei dois painéis grandes ao J. Carlos, que era a figura mais categorizada. E, se não me engano, o Walt Disney até tinha indicado que queria ver alguma coisa do J. Carlos. No dia da abertura da exposição, dois fotógrafos da

204


anexos

equipe do Disney começaram a fotografar aqueles painéis com caricaturas. Mas nesses painéis do J. Carlos, eu pude observar que eles demoraram mais, principalmente nessas folhas onde estavam desenhados os papagaios. Bom. Passa-se o tempo e aí vem o filme Alô Alô Brasil (Alô, Amigos), onde aparece o Zé Carioca como um papagaio.

Então, pensando bem agora, cheguei à conclusão de que o papagaio do J. Carlos deve ter tido influência na criação do Zé Carioca. Não digo que o Disney plagiasse, mas tenho quase certeza de que deve ter influenciado. O que não é difícil constatar é que o papagaio desenhado pelo J. Carlos, a meu ver, é de qualidade artística superior ao do Walt Disney. O Zé Carioca é caricaturado demais, com um guarda-chuva e um chapéu de palha, mais parecendo um homem do interior. Em síntese, essa é uma dúvida que pode ser apurada. Tenho a impressão de que, se não foi plágio, foi assim... Por osmose! O Disney gostou muito do desenho do J. Carlos e, em vez de fazer um peixe ou um tico-tico, fez um papagaio. De qualquer jeito, ele imortalizou de uma forma, a meu ver, errada. Porque o carioca não tem nada de papagaio, o que ele tem muito agora é de um desses animais que apanham muito, não é?

205


O Inventor da Melindrosa Por Álvaro Moreira

Tanagra, grande cidade, famosa por uma chusma de acontecimentos citados em livros de história, por nenhum deles é lembrada; nem porque junto das suas muralhas se travaram combates; nem porque serviu de cenário à estreia das rinhas de galos; nem porque pertencia à Beócia, pátria extinta e sempre viva... Hoje, à nossa imaginação de criaturas afastadas, Tanagra aparece, deliciosamente, nas estatuetas que fixaram, dentro do tempo, os corpos das suas habitantes, de atitudes harmoniosas e sorrisos claros... Um dia, decerto, no começo do próximo século, o Rio de Janeiro não possuirá mais a carioca; as raparigas das margens da Guanabara não se distinguirão das raparigas do resto do planeta; idênticas preocupações, atitudes iguais, o mesmo modo de vestir, gravidade, pessimismo... Nesse dia, um curioso das coisas do passado encontrará, nas páginas de uma revista, as figurinhas de J. Carlos; encontrará a Melindrosa, que ele inventou e que constituiu o lindo modelo das nossas lindas contemporâneas.

206


anexos

O milagre das terracotas de Tanagra se reproduzirá. O Rio de Janeiro de antigamente há de ressuscitar na expressão ingênua e irônica dos olhos que viram os primeiros aeroplanos; nas bocas talhadas à feição de beijos; no ritmo ondulante da carne envolta em sedas leves, luminosas, fugidias. E o curioso sentirá saudades do velho tempo que não conheceu... Velho tempo! Bom tempo! E compreenderá o sentido das praias, povoando-as das imagens guardadas no traço sutil do artista e verá, tal qual não vira antes, a luz das manhãs, a sombra dos crepúsculos, o luar das noites altas. Lenta, a maravilha despercebida se revelará. A cidade romântica, erma das suas transeuntes, voltará à fascinação abandonada... Quantas vezes, diante de um quadro de Nattier, ou de Watteau, ou de Fragonnard, paramos a reconstruir, presentes, verdadeiros, Paris e Versalhes, aqueles salões, aqueles jardins, a ventura daquela vida que a revolução guilhotinou... O ente que olhar, daqui a cem anos, as obras-primas de J. Carlos, poderá viver a vida que andamos vivendo...

207



BIBLIOGRAFIA


Livros ARESTIZÁBAL, Irma. J. Carlos: 100 Anos. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1984. CIRNE, Moacy. História e Crítica dos Quadrinhos Brasileiros. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1990. COSTA, Carlos R.. A Revista no Brasil, o Século XIX. Tese de doutorado. São Paulo: ECA/USP, 2007 – mimeo. COTRIM, Álvaro. J. Carlos: Época, Vida, Obra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. DAPIEVE, Arthur; LOREDANO, Cássio. J. Carlos Contra a Guerra: as Grandes Tragédias do Século XX na Visão de um Caricaturista Brasileiro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2000. LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1963. LOREDANO, Cássio. O Bonde e a Linha: um Perfil de J. Carlos. São Paulo: Capivara, 2002. LOREDANO, Cássio; SIMAS, L. A.. O Vidente Míope: J. Carlos n’o Malho. Rio de Janeiro: Folha Seca, 2007. RIO, João do. A Alma Encantadora das Ruas. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1991. SEVCENKO, Nicolau (org.). República: da Belle Époque à Era do Rádio. História da Vida Privada no Brasil vol. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. SOBRAL, Julieta. O Desenhista Invisível. Rio de Janeiro: Folha Seca, 2007. MARINGONI, de Oliveira, Gilberto. Angelo Agostini ou Impressões de uma Viagem da Corte a Capital Federal (1864-1910). Tese de doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 2006 - mimeo. MELO, C. H. de; RAMOS, Elaine. Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2011.


MOYA, Álvaro de. Shazam! São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. CADENA, Nelson V. Brasil: 100 Anos de Propaganda. São Paulo: Edições Referência, 2001.

Artigos BATTISTONI FILHO, Duílio. A Caricatura no Brasil na Obra de J. Carlos. Comunicarte. Campinas, v. 2, n. 4, p. 54-62. Jul. 1984. VERGUEIRO, W. C. S.. O humor gráfico no Brasil pela obra de três artistas: Ângelo Agostini, J. Carlos e Henfil. Revista USP [online]. São Paulo, n.88, p. 38-49. Fev. 2011. Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0103-99892011000100005&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 23/05/2012

Entrevistas MARINGONI, de Oliveira, Gilberto. 04/06/2012 MOYA, Álvaro de. 06/06/2012 LOREDANO, Cássio. 01/09/2012 e 19/10/2012 SIMAS, Luiz Antônio 22/10/2012 SOBRAL, Julieta. 24/10/2012

Publicações A Cigarra

Fon-Fon!

O Tagarela

Almanaque d’O Tico-Tico

Ilustração Brasileira

O Tico-Tico

Careta

O Malho

Para Todos...

Vida Moderna


Os textos deste livro foram compostos com a fonte Merriweather, peso Light. As legendas com Quicksand, peso Book. Os tĂ­tulos com Limelight, peso Regular.


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