Cariri revista - Edição 11

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Edição 11

O grande jogo de

NASA

A SAGA DE UM MUSEU SECA É DESTINO?

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#caririeditorial

CARÍSSIMOS LEITORES, Chegamos ao número 11 da nossa CARIRI graças à adesão de vocês ao prazer da leitura e do conhecimento. O desafio de mobilizar informação e condensá-la em textos compreensíveis, agradáveis, por vezes mais aprofundados ou rebuscados, sempre meticulosamente pesquisados, revisados, trabalhados com minúcia e atenção. Cada palavra é para nós uma missão que tem os leitores como destino certo. A fotografia, as ilustrações e a direção de arte – que embalam, primorosamente, todo o conteúdo – revestem de beleza o burilar dos escribas. Aos leitores, os nossos e os do mundo inteiro, a nossa especial homenagem e agradecimento. A leitura permite o exercício do cérebro, a incitação da fantasia, a mágica viagem num transporte a distâncias e tempos ilimitados. A nossa homenagem e agradecimento, também, aos nossos patrocinadores, parceiros e colaboradores que apostam na CARIRI a cada edição e contribuem de maneira decisiva para a qualidade que temos conseguido alcançar. De projeto a publicação consolidada, a CARIRI tem contado com um grupo amplo de investidores que desejam que a cultura cresça e prospere no nosso país. Cada a qual a seu modo, facultam-nos as condições para crescer cada vez mais. Esta edição traz para a capa a história encantadora do jogador de futebol Nasa, radicado em Juazeiro do Norte. Numa manhã de domingo, NASA recebeu-nos na sua casa para contar sua trajetória de trabalho, dedicação e talento. Revelou-nos uma madura rela-

ção com o sucesso, o orgulho sem vaidade do que conquistou e o grande amor que tem pela vida, pela família e pelo esporte. Guiados por especialistas, visitamos alguns diagnósticos e soluções para a seca no Nordeste, flagelo antes tido como secular e atualmente identificado como milenar. Gilmar de Carvalho, mais uma vez, presenteia-nos com uma crônica de intensa reflexão sobre o tema, que visitou de perto em viagens recentes pelo sertão dos Inhanmuns. O Museu do Crato, em processo de revitalização, na verdade, renascimento, recebe destaque para que possamos acompanhar e compreender que passos percorre e quando voltará ao seu verdadeiro lugar – o público e a fruição da arte ao alcance de todos. Na mesma intenção, recebemos Fortaleza pela porta de seu encantador Centro e de seus espaços culturais. Maio deixou-nos com a partida melancólica de Dona Assunção, cidadã caririense que caminhava para o centenário. Artista plástica de talento, foi contemporânea do Padre Cícero e contribuiu muito para o resgate da memória de outros tempos. Muitas casas do Cariri possuem reproduções de seus quadros, retratos do cotidiano que viveu. Na próxima edição contaremos a sua história, lamentando não a termos mais alcançado com condições para a ouvirmos por suas palavras. E assim caminhamos. Tenham todos bons momentos de leitura! Um abraço,

Tuty Osório, Editora-Geral.

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#caririconexão Por Lara Costa

Site de cara nova, aplicativo na Apple Store... A web veio mesmo para revolucionar nossa relação com as pessoas e com a informação. Ninguém melhor para ilustrar esse momento do que um jornalista nascido no Cariri e conectado com o mundo. Xico Sá foi protagonista da última edição, junto com você, que, com a revista ou o tablet na mão, está sempre com a gente. Obrigada!

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Tweets @tiago_alencar Tiago C. Alencar

Acabo de ler a edição atual da @caririrevista e mais uma vez impressionado com o bom gosto e a qualidade da revista! Orgulho e gosto de ler!

Até que enfim o best of the best Xico Sá na capa. Red Carpet para a Cariri Revista! Emiliana Fernandes

@flavio_francca Cariri Revista sempre inovadora e surpreendente! Monike Feitosa

Parabéns a Cariri Revista pelo aplicativo para iPad, assim teremos mais uma fonte de acesso as páginas de qualidade das atuais e antigas publicações. Douglas Feitosa

Adorei a matéria sobre essa fera da literatura brasileira! Parabéns a Cláudia Albuquerque e todo pessoal da revista! Bravíssimo!! Célia Dias

Muito louvável a Cariri Revista colocar em pauta o cinema local, temos muitos amantes e profissionais produzindo na região, quase sem incentivo, quem sabe em breve os apoiadores se sensibilizem e possamos ter mais produções, lutar por um curso de audiovisual e mais profissionais e realizadores vivendo da sétima belíssima arte! Parabéns!!! Manu Mattos

Flavio França

A @caririrevista tá show de bola! Destaco a reportagem sobre a Cajuina, a abordagem do problema das calçadas em Jua e o caririense Xico Sá.

@DaaniLt Daniele A. L.

Descobri pela @caririrevista que o @xicosa é meu “conterrâneo”. /o

@Kingbuh Bruno

Encantado com uma pequena reportagem de um amigo meu na revista @caririrevista !

@KellvynAtary Kellvyn Atary

Envie sua mensagem para Cariri Revista pelo e-mail: tutyosorio@gmail.com, Twitter: www.twitter.com/caririrevista ou Facebook: www.facebook.com/CaririRevista.

Gostaria de parabenizar a @caririrevista pelo excelente trabalho expondo o Cariri para o mundo, como leitor e parceiro. Leio todas.

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#edição 11 JUN/JUL 2013

CAPA DESTA EDIÇÃO

Foto: Rafael Vilarouca EXPEDIENTE DIRETORES Isabela Bezerra Renato Fernandes EDITORA-GERAL Tuty Osório tuty@caririrevista.com.br EDIÇÃO DE TEXTOS E REDAÇÃO Claudia Albuquerque claus.albuquerque@gmail.com PROJETO GRÁFICO Fernando Brito DESIGN GRÁFICO Álvaro Beleza Lívia Beleza REPORTAGEM Raquel Arraes Sarah Coelho Lara Costa FOTOGRAFIA Rafael Vilarouca REDES SOCIAIS Lara Costa www.twitter.com/caririrevista www.facebook.com/caririrevista DIREÇÃO DE ARTE EM PUBLICIDADE Rubênio Lima PUBLICIDADE (88) 3085.1323 | (88) 8855.3013 comercial@caririrevista.com.br ASSINATURA (88) 3085.1323 minha@caririrevista.com.br www.caririrevista.com.br COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Fernanda Meireles Gilmar de Carvalho Nívia Uchôa Ramon Cavalcante Sérgio Pires

FSC

CAPA

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PICOTADO IMAGINÁRIO

12 18

TRADIÇÃO

24

FORTALEZA

47

NÍVIA UCHÔA

DEBATE

54

ESPAÇO CIDADES GASTRONOMIA ESPECIAL

69 72 78

PATRIMÔNIO

38


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#cariripicotado

DOCES DE MADEILTON É na Rua Santa Luzia que se pode provar os doces mais gostosos da cidade de Juazeiro do Norte, mais precisamente na Casa de Doces de Madeilton. Uma variedade impressionante de sabores colorem o balcão: coco, banana, goiaba, mamão, gergelim, leite, amendoim, caju, batata. A história da doceria começou em 1965, quando seu João Martins, verdadeiro proprietário, cansado da vida que levava como carpinteiro, resolveu mudar de profissão. Acompanhado pela mãe, irmã e cunhado, apostou no talento de adoçar o paladar alheio. O cunhado, chamado Madeilton, na época era responsável por acompanhar o placar dos jogos e repassar para uma rádio local. Frequentador de estádios, era amigo de jogadores que acabaram tornando-se habitués e batizando o local com o seu nome. Lugar essencialmente familiar, quem por lá chega é recepcionado pelas filhas e netos

de seu João. Além dos doces – servidos com um copo de água gratuito – há sucos, salgados e a muito procurada vitamina de macaúba. Para adoçar o dia é baratinho: uma porção de doce sai por R$ 2,00 e uma lata tipo “ninho” pode ser adquirida por R$ 15,00. FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

Todas as cores e sabores para alegrar o freguês.

UM CAMARÃO DE 110 MILHÕES DE ANOS Em uma cerimônia com muita pompa na sede do Geopark Araripe, no Crato, foi apresentado um achado único em todo o mundo: o fóssil de um camarão com tempo estimado de 110 milhões de anos, encontrado em Jamacaru, distrito de Missão Velha. Pesquisadores da Universidade Regional do Cariri (Urca) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) levaram oito meses de estudos para comprovar que o fóssil era mesmo de um camarão pré-histórico. O achado vai constar na revista Zootaxa, uma publicação neozelandesa especializada ALLAN BASTOS

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em trabalhos que provem a existência de espécies inéditas no mundo. O fóssil tem 1,8 cm de comprimento. Foi encontrado depois de 11 dias e 9,5 metros de escavação, numa concreção calcária conhecida como “pedra de peixe”. O camarão teve a aparência preservada de forma tridimensional, o que é mais raro e torna a descoberta mais valiosa. Com esse feito, os pesquisadores informam que há evidências de que o semiárido nordestino já foi banhado pelo mar, provavelmente na Era Cretácea (entre 140 milhões e 65 milhões de anos). Segundo o paleontólogo do Geopark Araripe, Álamo Feitosa, os estudos da Urca e da UFRJ indicam ainda que a região do Araripe pode ter tido lagoas com alto nível de salinidade na Pré-História. “Essa descoberta inédita do fóssil do camarão prova que na Formação Romualdo, em Missão Velha, havia água com algum nível de salinidade. Ali era uma região isolada do mar, que deveria invadi-la esporadicamente”, explica o paleontólogo.


LIÇÕES CIBERNÉTICAS Na encadernação, nada demais: uma capa de plástico fininha, uma espiral e páginas impressas na impressora de casa. Mas o manual “Minhas Lições” contém um mundo, e não é qualquer um: o universo intrincado de pixels e bytes da internet. Criado por Almina Arraes, “Minhas Lições” é um manual prático que ajuda o aprendiz a não passar sufoco em frente ao computador. Tudo começou quando Dona Almina, na época com 83 anos, viu o neto brincando com um jogo virtual e achou conveniente buscar um professor para ajudá-la a desvendar aquilo. Já apta na arte de navegar pelo ciberespaço, resolveu ajudar uma amiga, repassando através do livreto todas as lições tomadas. Contendo 30 páginas, o manual de Almina é completo: demonstra as partes do computador e suas funções; ensina a manusear programas como o Word, Paint e Excel; explica o acesso à internet e o e-mail. Também dá todo o passo a passo para o uso do Facebook, MSN e Skype. Com 2.100 exemplares, “Minhas Lições” é um sucesso. Só o Banco Central, em Brasília, encomendou 1.500 exemplares para serem distribuídos entre os funcionários pouco dados ao PC. O apresentador Jô Soares, sabendo de tal maravilha, convidou Almina para uma demonstração no seu

programa de tevê, mas ela não aceitou. Diz que fez isso para ajudar uma amiga e não para se exibir. Hoje, aos 88 anos, Dona Almina passa em média cinco horas em frente ao computador: lê jornais, responde e envia mensagens, faz conferências via Skype com as filhas e amigos para matar a saudade. Admite que a internet está virando um vício, mas que todo dia encontra mais novidades. “A gente tem que se atualizar. Não é porque eu tenho 88 anos que vou ficar pra trás”.

Dona almina em ação no mundo virtual.

MEMORIAL PATATIVA DO ASSARÉ Fundado em 04 de maio de 1999, o Memorial Patativa do Assaré resguarda todo o legado de Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré. O prédio, um casarão dos fins do século XIX, foi escolhido para acomodar as 1.200 peças que compõem o acervo. A família do poeta doou os objetos de uso pessoal, títulos e troféus, manuscritos e itens da casa onde ele nasceu – tudo para se montar o espaço museográfico. No entanto, o Memorial Patativa do Assaré não se limita às paredes do museu, e com a ajuda do Ministério da Cultura vem desenvolvendo atividades em bairros carentes, com ações culturais e de inclusão digital. O Memorial do Poeta Patativa do Assaré funciona de segunda a sábado das 8h às 16h e aos domingos das 8h às 12h, em Assaré. Maiores informações: (88) 3535 1742. CARIRI REVISTA 13


BRINCADEIRA, BRIGA E CONFUSÃO! É nos fundos do Hotel Vila Real, Rua Nelson Alencar, Centro do Crato, que os parceiros inveterados se encontram. Todo dia é compromisso sem falta: munidos de suas apostas, os sócios do Clube Lampião, único clube de gamão da região, disputam acirradamente o título de valete do tabuleiro. “O gamão exige muita matemática, psicologia”, explica seu Plínio, o fundador do Clube. Há 40 anos, quando o Clube foi fundado, o gamão concorria com o xadrez e a dama. Valente, resistiu ao tempo e imperou sobre os outros. Seu Plínio, que já foi campeão nas três modalidades, teve o prazer de disputar uma partida com René Prah, enxadrista campeão de sua época. “Desse daí eu perdi. Era uma simultânea onde ele disputava com vinte jogadores ao mesmo tempo. Mas o irmão

de Alceu Valença veio aqui no Clube e dele eu venci!”. No Clube, todos os contendores possuem apelidos pertinentes à sua astúcia no joguinho. “Me chamam de Filho de Lampião, Major Bento e Galo Ruim”, informa seu Plínio, orgulhoso. Já Paulo Freitas, jogador de longa data, é mais conhecido entre os parceiros como Burro Lino, e explica que a única coisa que o gamão tem de ruim é o peru. “O peru é aquele camarada que fica em volta da mesa, dando palpite no jogo alheio, atrapalhando tudo”. Seu Plinio não esconde a paixão e explica qual é, para ele, a melhor aventurança do gamão. “O gamão é brincadeira, briga e confusão! Dois senhores de 70 anos, jogando gamão, se transformam em duas crianças, talvez, seja por isso que é tão bom!”. FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

A rapaziada do Clube Lampião em partida animada.

GRUTA DO BOQUEIRÃO A 5 km da cidade de Lavras da Mangabeira, uma imensa fenda divide a Serra do Boqueirão, escoando por ali todas as águas do sul do Ceará em direção ao Rio Salgado. É a Gruta ou Caverna do Boqueirão, lugar paradisíaco, com uma altura de 93 metros e uma largura de 40, com poço permanente à época da estação seca. Local de muitas histórias: no século XIX, como parte do projeto de combate à seca, o governo Imperial de D. Pedro II projetou a construção de um enorme reservatório no local. Os estudos foram confiados ao engenheiro inglês Jules Jean Revy, que chegou à conclusão de que o empreendimento era inviável. Muitas lendas marcam o Boqueirão: é comum ouvir conversas sobre fenômenos estranhos que ocorrem no local. Fala-se que no interior da gruta podem ser encontradas salas ricamente atapetadas, mesas e altares com lindíssimas toalhas, baixelas de metal e um carneiro de ouro, visto em determinadas circunstâncias. 14 CARIRI REVISTA


CARETAS DE SANTANA A pacata cidade de Santana do Cariri acorda na quarta-feira da Semana Santa ouvindo um barulho que mais parece a passagem de uma boiada. Muitos chocalhos fazem uma balbúrdia ensurdecedora. Curiosos, ao saírem às calçadas para averiguar do que se trata, os moradores se deparam com figuras assustadoras. Mascarados e de chicotes nas mãos, os caretas passam de casa em casa pedindo donativos para o seu “pai véi”. As crianças correm deles como se corressem do “coisa ruim”, amedrontadas. No domingo de Páscoa, a comunidade se reúne no Centro, para ver o pai dos caretas suspenso por

uma corda e todas as prendas arrecadadas ao seu redor. Neste dia, o que chama a atenção são alguns corajosos que enfrentam os chicotes raivosos e ávidos a defender os donativos. E haja lapadas, gritos, algazarra. Até que a quinta do Judas se esvazia e todos fazem silêncio para escutar a leitura do testamento. Este, em forma de cordel e cheio de humor, brinca com as personalidades mais conhecidas da cidade. Por último, o momento mais esperado. Todos os caretas ficam em volta de seu “pai véi” e ateiam fogo ao seu corpo. Despedem-se da comunidade e prometem votar no próximo ano. RAFAEL VILAROUCA

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#caririimaginário

ALGUÉM ME CONTOU... Lendas, mitos, histórias fantásticas, “causos” de arrepiar. Ou apenas fabulações de infância em torno de personagens que parecem irreais de tão excêntricos! O Cariri é cheio de graça e mistério... Conheça alguns deles através do relato de caririenses ilustres, como o músico Abdoral Jamacaru, que desvenda os segredos de Miguel dos Porcos, e o escritor José Flávio Vieira, que nos conta sobre a terrível vingança dos índios. Difícil não se comover com as figuras humanas descritas por Luís Carlos Salatiel, ou ficar indiferente à triste história de Maria Caboré, brilhantemente escrita por Josenir Alves de Lacerda. Saudosista, João do Crato encerra com a biografia de Sorriso, uma figura memorável para muitos meninos cratenses. E você, leitor, qual a sua história preferida?

RAFAEL VILAROUCA

Josenir Alves de Lacerda

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Era essa mesma Maria Caboré que fazia a higiene da cadeia pública e que transportou, em pesadas latas, os dejetos das vítimas de uma epidemia ocorrida na cidade. Comenta-se que fora contaminada e morreu em consequência da doença adquirida nesse fétido e sofrido labor. Foram muitas as histórias que ouvi ao longo da vida sobre essa figura de forte presença no nosso pensar, feito arado aprofundando os rastros da história. Dizem que ela tinha verdadeiro pavor da figura masculina, a ponto de um dia – ao ver a calça de um padre sob a batina que ele suspendeu para montar num cavalo –, fugir apavorada gritando: ‘O padre é homem!’. Por outro lado ouvi também que ela sonhava casar com o Rei do Congo e vivia a esperar por ele, fazendo UMA VELA PARA MARIA CABORÉ “A história, semelhante à medalha e à moeda, tem duas mirabolantes e fantásticos planos. faces: verso e reverso, cara e coroa. Essa espera fazia com que ela se esmerasse no Existe a história oficial, registrada nos livros, visual, usando as velhas bijuterias que ‘herdava’ dos repassada nas escolas, e a história real, escrita nas ruas, habitantes da cidade, tingindo as faces morenas com no cotidiano das cidades, revestida com as nuances o carmim de restos de ruges e batons. coloridas do imaginário popular. Por razões próprias e indecifráveis, protegeu a todo Nas cidades interioranas, onde o progresso custo sua honra e integridade. caminha em passadas mais lentas, torna-se mais A rotina de Maria Caboré oscilava entre os devaneios evidente a presença desses fatos e figurantes. oferecidos pela mente que se dividia entre o sonho, Em Crato não é diferente, inúmeros são os para ela tão real, e a realidade, que não compreendia personagens que povoaram a infância dos que fazem de forma plena, mas simplesmente obedecia. Seus sonhos eram povoados de imagens geradas parte da minha geração, fixando-se na memória e nos oferecendo a oportunidade de repassar por uma mente forjada num material fictício. para filhos e netos. Só as suas ações proveitosas interessavam, sua Um desses personagens é Maria Caboré, que voz não alcançava os tímpanos dos ‘sensatos’... apesar de ‘fraca do juízo’, como diziam os mais antigos, Hoje, ela escuta pedidos, recebe flores e promessas era eficiente prestadora de serviço na cidade. lhes são feitas. Fazia mandados e era de extrema confiança na Seu túmulo é o mais visitado e recebe o maior realização dos mesmos. Podiam lhe entregar ouro número de velas. em pó, que ela guardava e prestava conta sem faltar Sua alma iluminada certamente sorri ao um grão. Ouvi esse relato num proveitoso diálogo vislumbrar os semblantes angustiados dos que com a saudosa Sarah Cabral, cuja casa Maria Caboré fogem das sombras”. frequentou, fazendo mandados para sua mãe. [Josenir Alves de Lacerda, cordelista]


UM DILÚVIO CARIRIENSE “Esta história aconteceu antes do ‘Tempo do Onça’ e do de ‘Calor de Figo’. Aqui nessa nossa terrinha só existiam os índios Cariris, que eram meio calados e valentes como o diabo. Um dia chegaram os primeiros homens brancos. Tinham subido lá da Bahia, procurando terras para plantar e criar gado. Acharam o Cariri muito bonito, com água brotando nas beiradas da Serra e muitos baixios. Procuraram o Cacique Araripe, que era o Chefe da Tribo, e se fizeram de amigos. O cacique foi muito amistoso e recebeu os visitantes como se fossem membros da tribo. No início se fizeram de bonzinhos, trouxeram presentes para os índios e esconderam suas reais intenções. Queriam era se apossar das terras, tomar conta de tudo e expulsar dali os donos verdadeiros do Cariri, mesmo que fosse preciso perseguir e matar um por um, como terminou acontecendo nos anos seguintes. Mas chegaram de mansinho: quem quer pegar galinha não diz ‘Xô’. Um dia Araripe contou pra eles o segredo mais sagrado do Cariri. Mostrou aos forasteiros o local das muitas fontes que rolavam do sopé da Serra. Eles se foram e voltaram muitas vezes sempre com mais e mais homens armados. Foram tomando conta das melhores terras e das fontes e, pouco a pouco, fazendo os índios de escravos. Finalmente, o Cacique descobriu as reais intenções dos forasteiros. Reuniu os muitos índios Cariris e começaram um grande movimento contra os invasores. Lutaram por muitos e muitos anos, sempre em maior número de Guerreiros do que os Brancos,

RAFAEL VILAROUCA

Abdoral Jamacaru

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mas bem menos armados que os invasores das suas terras. Após anos de guerra, percebendo que não ganhariam aquela luta desigual, os Cariris tiveram uma ideia genial. Resolveram tapar com pedras todas as fontes do Vale, assim os rios secariam, as levadas deixariam de correr e os Brancos não mais teriam condições de aqui permanecer. Desde então as águas começaram a se acumular debaixo de uma grande Pedra na Nascente do Rio Batateira. Lá já existem milhões e milhões de litros acumulados. E, quando as águas foram represadas, uma grande Baleia ficou presa e não mais pôde sair. Está acorrentada logo abaixo do Altar da Padroeira da Cidade, Nossa Senhora da Penha. Os Índios foram todos assassinados e expulsos pelos Brancos, mas a guerra continua, viu? Qualquer dia desses vai acontecer a vingança dos Cariris: o Grande Pipoco da Pedra da Batateira, e o Vale vai ser todo inundado por um grande dilúvio e a Baleia vai sair da prisão, no meio do aguaral, para comer meio mundo de gente. Eu vou é lá prá cima do Horto que naquelas alturas tenho a proteção do Meu Padim e a Baleia num me pega não!”

José Flávio Vieira

“Entrou na perna do pinto Saiu na perna do pato Quando a Pedra pipocar Num sobra ninguém nesse Crato” [José Flávio Vieira, médico e escritor]

LÁ VEM ELE! “Eu me lembro que eram mais ou menos quatro horas da tarde e o local era um bosque, lugar aprazível, com muitas árvores e sem calçamento. Algum tempo depois esse lugar viria a ser chamado de Praça Alexandre Arraes ou Quadra Bicentenário. Estávamos eu e outras crianças brincando de bila, peão, triângulo, bola, peteca, macaca... De repente, uma das crianças deu um grito de alarme: ‘Lá vem ele!’. Sim, era ele, um homem alto e esguio, de pele morena escura, aparentando uns 50 anos e guiando uma vara de porcos até o matadouro público da cidade do Crato. Nenhuma outra pessoa tinha tanta habilidade na condução dos suínos como o seu Miguel. Esse era seu nome de batismo, mas também era chamado pela população de ‘Miguel dos Porcos’. Conduzir os porcos até o local de abate era um estimável serviço prestado

à população da cidade. Porém nós, crianças, não enxergávamos dessa forma. O que de fato sabíamos era que nas noites de lua cheia o seu Miguel se transformava em lobisomem. Rolava na boca do povo que esse senhor tomava uns pileques e, chegando em casa embriagado, batia na própria mãe. Portanto, fora amaldiçoado por sua genitora a virar lobisomem. Nunca chegamos a saber a pura verdade. Hoje eu sei que existe essa lenda, oriunda do leste europeu, que fala sobre o lobisomem. Também é sabido que essa lenda se espalhou por todo o ocidente, virando um mito. Era muito comum as mães tirarem proveito desse fenômeno, dizendo em voz alta a seguinte frase: “Menino, vem dormir, senão o lobisomem te pega!”. [Abdoral Jamacaru, poeta e compositor]

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RAFAEL VILAROUCA

DE BEATOS, CANGACEIROS E LOUCOS, TODOS TEMOS UM POUCO “A loucura tem razões que a insensatez desconhece”. millôr fernandes

Luís Carlos Salatiel

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Das assombrações que povoaram a minha infância, delas eu lembro bem a que mais temia: as histórias de Lampião e seu bando de cangaceiros, que matavam criancinhas com os seus punhais afiados sob o olhar aterrorizado das mães chorosas. Histórias estas tão terrificantes quanto aquelas que de tamanho igual me assustavam nos ensinamentos do catecismo católico onde demônios e anjos disputavam as nossas almas maculadas até então somente pelo pecado original. Era ainda no Araripe, cidade onde nasci. Quando a minha família mudou-se para o Juazeiro do Norte – seis anos eu tinha – deparei-me com outras figuras que me metiam medo e, ao mesmo tempo, exerciam sobre mim um fascínio insuperável. Eram os ditos ‘loucos’, como João Remexe Bucho, um negro taludo, com expressão facial vigorosa e uma fala incompreensível, que durante todo o dia vagava pelas ruas comerciais da cidade a coletar papelões. De pés descalços, uma calça amarrada com uma corda ou cordão de São Francisco, João enfeixava a carga enorme que jogava sobre seus ombros bem largos e desapareceria na noite. Já Bilinha era uma pobre e frágil senhora que perambulava apressada com um pedaço de papelão na mão para se proteger do sol e, quem sabe, não ver aqueles que a aperreavam quando gritavam seu nome: Bilinha! Ela se danava e respondia com tudo que era de ‘nome feio’. para a sádica diversão de todos. Elegância, finura e delicadeza é que marcavam a personalidade daquele que se autoproclamava Príncipe Ribamar da Beira Fresca: inegável que descendesse de reis africanos trazidos como escravos para o Brasil colonial português. Com sua calça preta vincada pela goma e ferro quente – o que ressaltava ainda mais as duas listras laterais de cores azuis ou vermelhas, o Príncipe desfilava altivo – algumas vezes até em carro aberto! – pelas ruas da capital da fé. Numa maletinha de madeira que trazia sempre a mão é que

guardava suas ferramentas de excelente marceneiro e folhas de papel almaço com os rabiscos dos seus projetos mirabolantes, dentre eles a ‘fábrica para desentortar bananas’ – o que facilitaria a sua ingestão sem engasgo - ou outro de ‘engarrafar fumaça para exportação’, sobretudo para os States! Que fértil imaginação e espírito empreendedor! Outra dessas figuras mitológicas era Já Morreu. Quieto, chegava perto da gente pra pedir uma esmola e quase não nos fitava. Olhava por cima para um nada que somente ele via. Era enorme! E parecia maior ainda porque o avistávamos debaixo, com os nossos olhinhos infantis. Já Morreu era pálido, lívido como um defunto e, por isso mesmo, o apelido que o maltratava. Tetê, ou Incha Tetê! era o doido preferido de toda a molecada, porque quando zombado saía numa disparada performática, com braços e pernas mamolengando em busca dos trilhos do trem, estrada/ caminho que o levava até o Crato e o trazia de volta. Isso mesmo: era seguindo os trilhos do trem que Tetê chegava ao Crato e lá ficava até sua sandice ser provocada. Outra estória, que soube mais tarde e que não sei se verdadeira, é que muito jovem Tetê se viciara em maconha, e se desesperava quando faltava o fuminho que era o bálsamo para o seu sofrimento. Já no Crato, terra de Noventa, Vicente Finim, Antonio Cornim, Chupetinha e outros tantos, Capela era a mais exótica das figuras: era um varapau, pobre, negro, homossexual assumido e valente que só o cão. Desfilava na feira do Crato de calça assungada pegando marreca, miniblusa de cor vistosa e passos cuidadosos sobre tamancos plataforma que ressaltavam ainda mais sua altura e magreza. Capela era elegante, no que se propunha. De dia era Sansão e de noite era Dalila. Suas brigas eram homéricas e sempre estava a desafiar mais de cinco machos metidos a valentes. Só a Polícia, um batalhão inteiro, é que o acalmava. Se destemido não fosse, sobreviveria a tantos preconceitos? Todos estes anti-heróis, hoje compreendo, são as emblemáticas matrizes dos nossos mais verdadeiros mitos. Que vivam para sempre dentro de nós! [Luiz Carlos Salatiel, ator, músico, compositor, cinéfilo e produtor cultural]


RAFAEL VILAROUCA

João do Crato

SORRISO “Sorriso atravessava as ruas do Crato, desfilando sua pequena e raquítica figura de cabelos lisos cor de ‘mel com terra’ e aparentando mais ou menos 40 anos – maltratados pela epilepsia e pelas frequentes gestações. Falava e andava com dificuldade, pois segundo os que a conheciam de longas datas, tivera desde mocinha uma agitada vida pelos cabarés do gesso, onde galgara fama de fogosa. Vítima de uma “congestão” que a deixara com ‘uma banda morta’ e fala tropa, me era comum vê-la passando pela velha ‘rua da cruz’, respondendo com um palavreado picante as mangofas da meninada, enquanto dirigia-se para o seu ‘muquifo’ de taipa próximo ao Palmeiral. Lá, segundo ela mesma relatava, recebia jovens adolescentes, ‘filhinhos de papai’, para se iniciarem na vida sexual. Parideira por natureza, Sorriso engravidava de nove em nove meses, e ao nascerem os rebentos, era comum se ver damas da sociedade levarem os bebês, sempre belos, brancos e saudáveis, para adoção. Ninfomaníaca, Sorriso dava de conta de quantos se pusessem na fila, mesmo estando em adiantado estado de gravidez.

Segundo ela: ‘É bom, ajuda na hora do menino nascer...”. Para mim, adolescente curioso, me era muito excitante ver Sorriso passar e lançar-me olhares libidinosos, mas confesso que sentia um certo temor daquela mulher esquálida e voluptuosa. Vê-la então tendo seus frequentes ataques de epilepsia, mexia profundamente comigo, pois não sabia que atitude tomar para ajudá-la a sair daquela crise convulsiva. Lembro como se fosse hoje o nascimento do seu último filho, num barraco miserável, aqui próximo de minha casa. Sorriso se negava terminantemente a dar o bebê, mesmo sendo assediada pelas dondocas, que piravam com a beleza do menino. ‘Esse eu vou criar’, dizia ela enternecida. Um dia, quando preparava a refeição do bebê, sofreu uma crise epilética e derramou por sobre o garoto a papa quente. A vizinhança acudiu. Uma elegante mulher, que já rondava seu barraco há dias, levou consigo o garoto. Pouco tempo depois, Sorriso foi atropelada e morta, acredita-se que em mais uma crise”. [João do Crato, cantor e educador popular]

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#cariritradição

PARA ADOÇAR A VIDA Por Raquel Arraes

Q

uem a meu filho agrada, a minha boca adoça”. Ou: “A rapadura é doce, mas não é mole”. E ainda: “Vou adoçar a boca”. Na língua portuguesa o que não faltam são referências e analogias aos doces zelosamente feitos por nossas mães e avós. Das panelas fumegantes, do quente do fogão e das receitas escritas à mão se originaram uma infinidade de expressões que referendam o doce em nosso cotidiano. A relação do Brasil com o açúcar vem de longa data: a sociedade canavieira, com sua casa-grande, sua senzala, seus engenhos e toda uma organização, fez com que muitos estudiosos, a exemplo do sociólogo Gilberto Freyre, considerassem impossível entender a formação social e econômica do Nordeste sem estudar a presença do açúcar na região. Falar sobre nossa culinária é falar de identidade cultural. O Cariri, antigo polo de engenhos, agregou à sua história a tradição advinda de uma nova e peculiar cultura, organizada a partir da produção açucareira. Por isso não é estranho encontrarmos famílias reproduzindo hábitos e fazeres de seus avós, devidamente registrados em velhos cadernos de receitas.

A partir da rapadura e do melaço, um vasto arsenal de guloseimas foi sistematicamente alimentado pelas donas de casa, que faziam dessa arte um verdadeiro regalo para filhos e maridos. Ou fonte de renda para a família. E foi justamente assim que começou a história do doce mais famoso do Crato. Nome oficial ele não tem. Doce de Iracema quando muito, mas a verdade é que no Cariri as iguarias feitas pelas irmãs Iara, Iracema e Irenice Duarte dispensam apresentações. “Tem uns vinte e cinco anos que a gente faz esse doce. Tudo começou com nossa mãe. Aqui em casa somos quinze filhos, então a renda tinha que ser complementada de alguma forma. Um dia, um genro trouxe uns litros de leite aqui pra casa. Minha mãe fez um doce CARIRI REVISTA 25


de leite e ofereceu, o povo gostou e a partir desse dia ela não parou mais”, explica Iara. Da memória e dos cadernos de Dona Luanyr saíram outras receitas e uma infinidade de sabores: doce de laranja, gergelim, mamão, goiaba, banana, caju, buriti. “Minha mãe era quem mexia o doce de leite e Iracema saía vendendo nos bancos, nas lojas, por isso que ficou com o nome dela. Com a procura, a gente não precisou mais sair pra vender e vieram os outros, tudo passado da mãe e da avó”, continua Iara. TRÊS PRESIDENTES, UMA RECEITA De boca em boca, o famoso doce de leite foi parar no Palácio da Alvorada, em Brasília. Primeiro foi o presi-

dente Fernando Henrique Cardoso, depois Lula e agora até a presidente Dilma andou saboreando a delícia produzida no Crato. “Dona Violeta Arraes era muito amiga de Fernando Henrique. Era ela quem mandava doce pra ele, que sempre cobrava. Toda vez que ela viajava, o presidente dizia: ‘Traga meu doce’. Depois foi pra Lula e Dilma. Uma pessoa do Juazeiro que levou. Todos os dois gostaram muito, mas quem sempre elogiava era Fernando Henrique”, conta Iara, adicionando outras celebridades à lista de fãs: “Regina Casé já veio comprar doce aqui; Bia Lessa, a diretora de teatro; Guel Arraes, tudim já provaram do nosso doce de leite”. O doce de leite também já deu a volta ao mundo:

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Iara Duarte em sua casa, de onde saem os doces mais famosos do Crato. 26 CARIRI REVISTA


Estados Unidos, Europa, Arábia Saudita. Por onde há um caririense ou um amigo deste, por lá também estão as iguarias das irmãs Duarte. “Bem, as pessoas que costumam comprar dizem que esse doce é diferente, que os outros não são puros porque são muito moles. O daqui é só o leite e o açúcar, e só vai pra lata quando dá o ponto”, explicam. Em média as irmãs vendem trezentas latas de doce por mês. Feito diariamente, o produto não possui conservantes ou qualquer adicional além dos ingredientes frescos. Afora a ciência de “dar o ponto” – refinada durante os anos –, as doceiras profissionais necessitam de uma forma física invejável. São três horas em pé, mexendo o enorme tacho. “No momento em que se coloca o leite e o açúcar no tacho, pronto! Não pode deixar de mexer”, reassalta Iracema. E em se tratando de doce, não faltam conselhos e “causos”. Desde o pires colocado no fundo do tacho

para não pregar até a proteção necessária contra pessoas de “sangue ruim”. Como recorda Iara: “Uma vez eu tava fazendo um doce de banana em calda e uma pessoa de sangue ruim entrou e a banana baixou todinha, não tinha como ajeitar. Aí uma amiga deu a dica de fazer banana com abacaxi para não perder o doce”. Assim foi criado mais um sabor. Indagadas se os doces que fazem já viraram patrimônio cultural do Crato, as irmãs Duarte desconversam: “Bem, quem compra o daqui diz que é o melhor. Então se o povo gosta...”.

SERVIÇO Doce de Iracema Praça da Sé, 51, Crato – Ceará Telefone: (88) 3521-0694

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#cariricapa

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NASA ANTES E DEPOIS DO GOL Por Claudia Albuquerque

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bola tem um instinto clarividente e infalível que a faz encontrar e acompanhar o verdadeiro craque”, graceja o escritor Nelson Rodrigues em uma de suas muitas crônicas sobre futebol. Para ele, o verdadeiro craque é aquele que “cultiva a bola como uma orquídea de luxo”. Morto em 1980, Nelson (que aliás torcia pelo Fluminense) não viu o Vasco vencer o Campeonato Brasileiro de 1997, numa das campanhas mais empolgantes da história do time carioca. Naquele certame — que o velho cronista teria definido como “épico” — o atacante Edmundo, ídolo vascaíno, fez 29 gols em 33 jogos, seis deles numa única partida. A seu lado estavam feras como Mauro Galvão, Juninho Pernambucano, Luisinho Quintanilha e Nasa. Nasa vinha a ser o apelido de Gesiel José de Lima, um volante seguro e audacioso, capaz de anular completamente o acossado adversário sob sua marcação. Por causa dessa habilidade, era o homem de confiança do técnico Antônio Lopes. Hoje aposentado das pelejas no campo, depois de duas décadas defendendo times do Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão, Pernambuco, Ceará e Japão, o ex-jogador, nascido em 1968 na periferia de Olinda, tem o jeito tranquilo de quem driblou as dificuldades sem pisar na bola. Fomos encontrá-lo numa casa confortável da Lagoa Seca, em Juazeiro do Norte, cidade que ele escolheu para viver, montar uma academia, criar as filhas, curtir o neto, dedilhar o violão e – como ninguém é de ferro – bater uma bolinha.

“Cresci jogando futebol de várzea, como todo moleque do bairro”, diz ele, que queria ser goleiro quando foi chamado para integrar um time da segunda divisão de Pernambuco, fundado por Rui Araújo, tesoureiro da Federação Pernambucana de Futebol. O nome da equipe iniciante não poderia ser mais apropriado: Nós Ainda Somos Amadores. Abreviando: NASA. Daí foi um pulo para o Santa Cruz. “Quando cheguei, em 1989, o lateral Fernando Lima, achando difícil falar meu nome, gritava: ‘Ei, do Nasa!’. Depois tiraram o ‘do’ e ficou só Nasa, meu apelido até hoje”, recorda Gesiel, que viveria sua grande fase no Vasco da Gama, com a conquista do Campeonato Brasileiro de 1997 e 2000, a Libertadores de 1998, o Torneio Rio-São Paulo de 1999 e a Copa Mercosul de 2000. Logo depois da Mercosul, passaria dois anos jogando no Yokhoma do Japão. Atuou também no Icasa, Guarani, Ferroviário, União São João (SP), Comercial (SP), Moto Clube (MA) e Madureira (RJ). Casado com uma caririense, Nasa escolheu Juazeiro para se estabelecer. Investiu o dinheiro em imóveis – tem propriedades em Fortaleza, Juazeiro e Recife. Hoje vive de aluguéis, além da academia Nasa Global Fitness, que mantém com Cícera, sua mulher. Ainda em ótima forma, recebeu a CARIRI de bermuda Adidas branca, sandálias Havaianas e camiseta preta, numa silenciosa manhã de domingo. Voz pausada e fala mansa, recordou os velhos tempos com paixão, mas sem saudade. E só interrompeu a conversa para colocar no colo o neto Davi, que ainda é pequeno demais para jogar futebol. CARIRI REVISTA 31


FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

Todos os dias, a malhação é na própria academia. 32 CARIRI REVISTA


Nasa em casa, exercitando a veia musical.

SEIS DE NOVE “Eu sou o sexto filho de nove irmãos. Minha família era muito humilde. Meu pai era funcionário público e minha mãe, dona de casa, mas ela também costurava, vendia caldo de cana, fazia picolé. A gente se virava, pintava a casa dos outros, transportava lixo, pegava frete das madames na freira, vendia as coisas... Consegui cursar até o sexto ano. Tenho só uma irmã formada, mas minha mãe botou todos os filhos pra estudar, com muito sacrifício. Eu não dei valor ao estudo, mas Deus me deu outro dom”. SEMPRE DA PAZ “Eu jogava, mas nunca gostei de discutir futebol. Meu irmão mais velho parava na esquina e debatia futebol com os amigos. Aquilo era o fim para mim. Eu só gosto da ação”. PRIMEIRO DESLUMBRE “Quando fui vendido pelo Santa Cruz para o América de Pernambuco, recebi uma boa bagatela. Nunca tinha visto tanto dinheiro na minha vida. Botei tudo na mão da minha mãe. Quer dizer, fiquei só com um pouquinho, mas comprei tanta roupa... (risos)”. PÉ NO CHÃO “Depois da primeira bolada de dinheiro eu vi que aquilo era bom, mas sempre fui pé no chão, nunca me empolguei e nunca baixei a cabeça. Sempre fui estável. No início, saía de casa tendo comido um pão com ovo ou um pão com manteiga. Pra pegar o ônibus, pedia dinheiro pra um pra outro”.

GOLEIRO INICIANTE “No América, eu entrei como goleiro. Mas um dia um jogador amigo meu faltou ao treino e o técnico Caiçara perguntou se eu aceitava entrar como lateral. Eu disse: ‘Se é pra ficar entre os 10 ou 11, eu topo’. Treinei como lateral, mas entrei no jogo como centroavante, numa partida em que fiz seis gols. Foi uma sensação. A rede Globo de Recife noticiou, as pessoas falavam... Daí já não voltei mais pra antiga posição de goleiro”. A VERDADEIRA VOCAÇÃO “Além de goleiro, lateral e centroavante, também fui meia-esquerda e meia-direita, mas me achei mesmo como volante, porque o Vasco precisava de alguém para ajudar o Luisinho Quintanilha. Me encaixei ali e terminei a carreira nessa função. O volante marca e destrói, para que os outros possam criar. É essa a função dele. Mas tem volante que rouba a bola e quer brincar, quer fazer um passe bonitinho. Não concordo com isso”. ICASA E GUARANI “Vim para Juazeiro do Norte emprestado para o Icasa em 1991, junto com mais cinco jogadores. Desses seis, três assinaram contrato: eu, Severo e Sérgio Fernandes. Depois de um ano fui para o Guarani. Nessa época eu conheci a Cícera, minha mulher, e depois eu já estava sendo emprestado para o Ferroviário de Fortaleza”. FERRIM CAMPEÃO “Cheguei no Ferroviário em 1993. Fomos campeões em 1994 e 1995 do Campeonato Cearense, porque conseCARIRI REVISTA 33


ACERVO PESSOAL

Nos tempos áureos do Vasco: prêmios e reconhecimento.

guimos montar um time bom. Mas eu decidi dizer ao presidente Clóvis Dias que não queria ficar mais. No meu pensamento, em time pequeno a gente acaba se acomodando. O Clóvis queria que eu permanecesse mais um ano, para tentarmos ser campeões novamente. Seria bom pro clube, mas não pra mim”. “Quando voltei das férias, em 1995, fui para o União de São João de Araras (SP). Passei seis meses e voltei para o Ferroviário, que detinha o meu passe. Depois joguei no Comercial de Ribeirão Preto (SP), Moto Clube do Maranhão e Madureira (RJ)”. VASCO DA GAMA “Em 1997 eu tinha perspectivas de ir pro Vasco – como de fato fui, junto com mais nove jogadores. Fui sem contrato assinado. Se desse um chute errado, acabava-se o sonho. Eu morava em Madureira, em cima do mercadão. Saí de lá e fui morar no Centro. Imagina, de Madureira para o Vasco, time de ídolos como o Roberto Dinamite! Foi fantástico! Simplesmente a glória! Tudo melhorou, era hotel com ar-condicionado, era comida boa... (risos). Mas o contrato era de gaveta”. COMENDO A BOLA “Cheguei ali querendo fazer o melhor. O Antônio Lopes, meu treinador, um dos maiores do Brasil, me abriu mui34 CARIRI REVISTA

tas portas. Um dia ele me disse: ‘Nasa, você vai ser o meu volante, ao lado de Luizinho Quintanilha’. Eu fui o menino dos olhos dele, e o que ele mandava eu fazia. Dos nove que chegaram no Vasco para teste, ficaram três: eu, Cafezinho e Acácio, mas Acácio acabou saindo. A relação com os outros jogadores era normal, fomos bem recebidos. Você tem que saber se impor pelo trabalho e não se chatear com as brincadeiras”. ESTREIA NO PACAEMBU “Então lá fomos nós, eu como volante e Cafezinho como lateral direito, jogar contra o Corinthians no Pacaembu, pelo Campeonato Brasileiro de 1997. Eu já tinha jogado em muitos estádios, mas nenhum como aquele. O jogo era à noite. No dia anterior foi difícil dormir, mas na hora da partida você tem que encarar. Só tinha fera, jogador profissional, e a gente lá, comendo a grama, comendo a bola, dando o máximo. Ganhamos aquela partida por 2 a 1. Foi um time que o Vasco fez e não faz mais. Infelizmente”. SUCESSO SEM MÁSCARA “Eu não me empolguei, eu não me mascarei. Continuei fazendo o meu trabalho, devagarzinho. Claro que eu tive as minhas ‘baixas’, mas meus pontos positivos foram fundamentais para a permanência de quatro anos e meio no Vasco”.


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Com os companheiros do Yokohama, no Japão.

CONCENTRAÇÃO TOTAL “Num grande time, você acorda e dorme com a bola no pé. Você respira futebol, treina todos os dias, joga no final de semana. E quando é uma decisão?!? Aí é que o bicho pega. Você tem que estar centrado só naquilo. Eu procurava fazer o que o treinador me pedia, não podia errar. Sempre fui jogador de marcação. Quando o técnico me dizia: ‘Nasa, pegue o Fulano’, eu ia lá e anulava o Fulano. De 1997 a 2001 nós só tivemos alegrias no Vasco. Algumas derrotas, mas muitos títulos”.

TEMPORADA JAPONESA “Morei numa província japonesa perto de Tóquio. Meu treinador foi o Sebastião Lazaroni. Quando cheguei, o time estava prestes a cair para a segunda divisão. Aí Lazaroni chamou a gente lá para tentar movimentar as coisas. Fomos três brasileiros: eu, Dutra e Marco Brito. Morávamos no mesmo hotel, mas tínhamos um intérprete, Hiro, que ficava muito tempo conosco. Falava quadrado, né?, com sotaque, mas era gente boa. Os japoneses são muito atenciosos e cumpridores dos horários. São uns operários. Quem vai lá para trabalhar, é respeitado”.

BAIXINHO ESPERTO “Trabalhei dois anos com Romário e era ele quem decidia. Um verdadeiro goleador. Com Romário não tinha bola quadrada. Era só bola redonda. E o baixinho não era um individualista, como alguns diziam. Era um jogador que assumia os riscos, puxava a responsabilidade pra ele”.

FEIJOADA DE LATA “Gostei do Japão, é um país de cultura belíssima. Se ficasse mais tempo, teria aprendido a língua. Já entendia muita coisa... Só não me adaptei com a comida. A gente é guerreiro, mas não a esse ponto (risos). Quem come uma costelinha assada e uma boa buchada vai lá gostar de peixe cru? Não desmerecendo a cultura deles, que é brilhante, mas eu comi foi muito McDonald´s (risos). Depois descobri uma lojinha em Kawasaki que só vendia produtos brasileiros, e aí passei pra feijoada de lata (risos)”.

SAÍDA DO VASCO “Eu podia ficar mais, porém sabia que o meu tempo no Vasco estava chegando ao fim. Através do empresário Reinaldo Pitta, que foi empresário do Ronaldo Fenômeno, eu consegui ir para o Japão, jogar no Yokohama. Aí foi mais alegria ainda. Foi a cartada final.

TERREMOTO NA CAMA Nos dois anos que fiquei no Japão, passei por uns seis terremotos. Teve um dia que acordei com a cama CARIRI REVISTA 35


balançando. Minha mulher foi morar comigo. Só não ficamos mais porque eu queria parar de jogar futebol. Achei que já tinha dinheiro suficiente para me manter. Poderia estar lá até agora”. SAUDADE DA GRAMA “Quando eu parei, senti saudades de novo. Voltei para o Madureira, passei quatro meses e comecei a me arrebentar. Foi logo no primeiro jogo contra o Fluminense. Fui marcar meu ex-companheiro de Vasco, Felipe, e me machuquei. No futebol é assim: ou você para ou alguém para você”. PERNAS PRA CORRER “Hoje existe musculação, mas naquela época existia halterofilismo. Eu fazia quando tinha 17 anos, por vaidade, pra mostrar as pernas na praia (risos). Nem sabia que isso seria bom no futuro. Durante minha carreira inteira, só tive duas contusões: uma no São João de Araras, em 1995, que não me deixou sequelas, e outra no Vasco, que me rendeu três pinos na mão. Somente isso, em quase 20 anos de futebol!”. BAIÃO DE DOIS “Foi bom ter vindo para o Ceará. O futebol daqui não era diferente do futebol de Recife. Diferente era a comida. Foi aqui que conheci o baião de dois, e gostei demais (risos)”. CIGANOS DA BOLA “Vida de jogador de futebol é uma vida cigana, itinerante, sofrida. Mas também é compensadora e satisfatória. Quando o atleta gosta de jogar, as adversidades ficam pra trás. O foco dele é só um: jogar futebol. E quando o cara é campeão, as portas se abrem. A maioria dos jogadores – digamos que 95% 36 CARIRI REVISTA

– precisa muito do futebol. É uma carreira brilhante, bonita, embora com muitos espinhos pela frente.”. SAPOS NO CAMPO “Para jogar futebol, você enfrenta muitas privações, passa fome, engole sapo, mas não pode se engasgar. Quando eu falo engolir sapo, estou falando em dormir de rede, em ser desprezado pelo supervisor, em enfrentar picuinha dentro do campo. Dinheiro pouco, salário atrasado, viagens difíceis. Tem que ter cabeça fria”. FIQUE ESPERTO! “Quando eu converso com os meninos mais novos, falo sempre que é preciso ter humildade. Humildade vem do coração, é de berço. E tem que respeitar para ser respeitado. Cumprir os horários é importante, ter disciplina também. Se levou um puxão de orelha, fique esperto!” SEM RIVELINOS “Hoje a safra de bons jogadores é grande, e há mais facilidades. O jogador de futebol não precisa jogar esse absurdo todo, não! Precisa ter força e determinação, mais do que talento. Hoje você não vê mais um Pelé, um Maradona, um Rivelino. Acabou-se aquele futebol. Até o treinamento mudou, é muita musculação, muita correria, muita resistência. Antes um jogador fininho, como o Sócrates, jogava num grande time. Hoje não. O Neymar tem aquele biotipo, mas se você pega na musculatura dele, sente a divisão”. POLÍTICA VERSUS BOLA “Gosto do Juninho Pernambucano, do Felipe, do Romário... Desses que estão em atividade tem o Neymar, o Cacá, o Hulk... Mas a Seleção brasileira perdeu um pouco do brilho. Tem política demais. Alguns jogadores nem querem mais jogar na Seleção”.


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PELADEIRO PROFISSIONAL “As pessoas perguntam por que eu não vou ser técnico de futebol. Não quero, não! Futebol pra mim, só se for pelada. Adoro um racha. Jogo às terças e sextas, sem falar nos finais de semana. Minha mulher já foi jogadora num time de várzea daqui, mas hoje não gosta das minhas peladas. Vou fazer o quê? Eu amo futebol (risos)”. “Eu hoje eu não tenho time. Torço pro time que jogar melhor, mas não acompanho os campeonatos. Gosto de um jogo bem jogado. Gosto de ver os jogadores se matando dentro de campo. Quando chego na frente da televisão e vejo aquele marasmo, não dá! É perda de tempo. Mas ainda se veem jogos bons, graças a Deus”. PRATA DA CASA “O que falta ao futebol cearense – e nordestino em geral – é profissionalismo. Tem clube, tem jogadores, tem tudo, mas a prata da casa não é valorizada, só dão atenção aos jogadores de fora. Nesse ponto, não mudou quase nada em relação à minha época. E a Copa não vai transformar essa mentalidade, só vai trazer mais recursos”. CICLOS DA VIDA “Hoje vou malhar todos os dias, almoço, resolvo algumas coisas no banco, volto pra casa, me sento ali e vou tocar meu violão. Tenho um cavaquinho também. Gosto de MPB, de rock, sou muito eclético em matéria de música, meu repertório tem do brega ao romântico. Eu ‘arranho’ desde 1992, é meu hobby. No mais, sempre que posso vou para Recife visitar a minha mãe. Sou muito caseiro. Tomo uma cervejinha, mas nada de balada. Somos de fases, né? É isso mesmo, são os ciclos da vida”.

Com o neto Davi: sossego familiar.

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#cariripatrimônio

UMA CIDADE SEM PASSADO Por raquel arraes

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garotada corre ligeira pela Praça da Sé, marco central da cidade do Crato. A aula ao ar livre é sobre patrimônio histórico. A esperança é que, aprendendo agora sobre a importância da matéria, elas possam ajudar depois na preservação da cidade. De todos os lados, casarões narram a odisseia do município mais antigo do Cariri. No Centro, um prédio branco e amarelo repousa impávido. Tombado como Patrimônio Estadual, o Museu do Crato é o único museu de arte do interior cearense, mas nem por isso recebe o zelo e o cuidado devidos. Ocupa um dos poucos prédios de Câmara e Cadeia que nos restam e guarda uma coleção valiosíssima, sendo o prédio em si uma joia rara. Fechado há quatro anos, em abandono de obra, ele se tornou a mancha indelével que todos fingem não ver.

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Pr茅dio que abriga o Museu Hist贸rico do Crato e o Museu de Arte Vicente Leite.

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O NASCIMENTO DE UMA IDEIA Em um final de tarde do ano de 1969, Bruno Pedrosa e Edilma Saraiva displicentemente tomam café sentados na varanda da casa da moça. Conversa vai, conversa vem, quando, de repente, Pedrosa lança a sugestão: “Edilma, vamos criar um museu do Crato?”. Para ela, que tinha 16 anos e ele, aos 19 anos, a ideia parecia extraordinária. “E pra começar esse museu, o que nós temos?”, ela teria perguntado ao amigo, que de pronto respondeu: “Nós já temos coisas importantíssimas que eu acredito que venham a ser as obras mais valiosas do acervo”. Quem recorda é a própria Edilma, hoje restauradora e uma das fundadoras da Associação dos Amigos do Museu do Crato. E era verdade: já havia um início. Em suas mãos, o rapaz possuía obras de valor inestimável de José dos Reis Carvalho, artista do século XIX considerado um dos maiores pintores e gravuristas do Brasil. As obras haviam sido doadas à tia-avó de Pedrosa pelo próprio Reis Carvalho, quando este visitou o Cariri, em 1859, numa comitiva de estudiosos enviada por D. Pedro II do Rio de Janeiro e conhecida como Comissão Científica de Exploração. Em agradecimento por ter sido tão bem recepcionado, o pintor presenteou a dona da casa com oito aquarelas e dois esboços de Pedro Américo. Dessas, três aquarelas foram doadas ao futuro Museu: uma primeira panorâmica da vista do Crato; um vista de Fortaleza feita de dentro do vapor atracado ao cais e um esboço da praia de Cabedelo, na Paraíba. Também os esboços de Pedro Américo, um estudo e um autorretrato, foram para o acervo. Hoje artista renomado, Bruno Pedrosa naquela época cursava a Escola Fluminense de Belas Artes, no 40 CARIRI REVISTA

Rio de Janeiro. O apego à cidade do Crato surgiu quando criança, ao ser mandado pela família que morava em Lavras da Mangabeira, para estudar no Cariri. “A verdade é que Bruno tinha o desejo de que a população do Crato também compartilhasse das obras dos artistas célebres com os quais agora ele tinha contato, que essas maravilhas não fossem um privilégio só dele”, recorda Edilma. Decidido a fundar um museu, Pedrosa voltou ao Rio e começou a angariar obras com artistas como a pintora cearence Sinhá D’Amora e a escultora carioca Celita Vacanni. “Depois disso, faltava o lugar onde nós colocaríamos o acervo. Foi quando, numa tarde, sentados em um dos bancos da Praça da Sé, Pedrosa viu o antigo prédio de Câmara e Cadeia, apontou pra sala de cima e perguntou: ‘E ali Edilma, o que funciona?’. E eu respondi: nada. E corremos pra lá!”. O MUSEU SE APRUMA O antigo prédio de Câmara e Cadeia, construído em 1877, que já abrigara a Câmara de Vereadores, Prefeitura, delegacia, cadeia, Fórum e Junta Militar, naquela época acolhia em seu primeiro pavimento o Museu Histórico J. de Figueiredo Filho, criado por J. de Figueiredo Filho e um grupo de intelectuais do Instituto Cultural do Cariri. No acervo, uma coleção de objetos antigos e peças indígenas. “Subimos as escadas e, quando chegamos, só vimos uma mesa enorme do primeiro prefeito do Crato, uns cacarecos jogados e umas teias de aranha, então Pedrosa disse: ‘Achamos o espaço provisório!’. Fomos até a Prefeitura e o prefeito falou: ‘O espaço é de vocês, façam o que quiser’. Aí caímos de vassoura, de espanador e limpamos tudo. O prefeito mandou pintar, encerar e fazer os expositores que Pedrosa havia desenhado. Marcamos a data e inauguramos o Museu de Arte Vicente Leite em 1971”.


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A restauradora Edilma Saraiva participou da fundação do museu.

O nome, sugerido por Sinhá D’Amora, é uma homenagem ao pintor cratense Vicente Leite, artista impressionista de talento precoce, que estudou na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, tendo como colegas de turma Cândido Portinari e Orlando Teruz. Dono de uma sensibilidade cromática espantosa, ele hoje ocupa a seleta galeria dos maiores artistas já produzidos pelo Ceará, ao lado de Antônio Bandeira e Raimundo Cela, Sinhá D’Amora e Celita Vaccani, primeiras benfeitoras do Museu do Crato, ganharam duas salas com seus nomes. Celita doou oito esculturas e Sinhá D’amora nada menos que 23 telas, além de uma pintura de Vicente Leite. Já Bruno Pedrosa, que também estampa uma sala com seu nome, doou 20 pinturas. Ao todo foram ofertadas 65 obras: óleos sobre tela, esculturas em gesso, aquarelas e desenhos de pintores que vão desde a Escola Imperial, passando pela Escola Nacional até a Sociedade Brasileira de Belas Artes. Um acervo de valor incalculável.

A RUÍNA DOS 40 Foi um inverno rigoroso aquele de 2009. Com índices pluviométricos que chegavam a 120 mm em uma noite, o Cariri explodia em contentamento. A chuva que irrigava a lavoura também lavava a alma de homens e mulheres. Prestes a completar 40 anos, o Museu de Arte seguia um curso muito diferente dos velhos tempos. Se no início foi erguido pelo idealismo de jovens audaciosos, quatro décadas depois envelhecia sem manutenção ou atividades que lhe concedessem vida. Claudicava e se mantinha de pé por puro capricho. Até que em abril daquele ano, George Macário, então presidente da Fundação J. de Figueiredo Filho, subiu a escada até o Museu de Arte e tomou um susto: a água da chuva escorria pelas paredes banhando tudo em seu caminho. “As folhas dos oitis da Praça da Sé entupiram as calhas e a água caía para o Museu. Quando eu vi as obras de Sinhá D’Amora sendo molhadas, eu disse: tira tudo”, conta George. CARIRI REVISTA 41


FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

Jorge Ishimaru, responsável por reiniciar a obra do museu.

Retiradas das paredes úmidas, as obras foram empacotadas e deixadas em uma das salas do prédio. Depois seriam levadas em sigilo a uma sala do prédio Cícero Araripe – edifício que fica em frente ao Museu –, e por último abrigadas em casa de D. Telma Saraiva, mãe de Edilma. Para entender o tamanho do estrago, George solicitou a um técnico que vistoriasse o teto do Museu. “Nós não conhecíamos a situação entre o forro e o teto antiquíssimo. Então quando as fotografias foram retiradas e todos puderam ver o tamanho do destroço, não pensamos duas vezes, interditamos”, conta. Na manhã do dia 23 de abril, parte do teto desabou, abrindo um buraco de três metros quadrados no forro de gesso. Àquela altura, preservadas na casa de D. Telma, as pinturas de óleo sobre tela seriam restauradas por Edilma, em um processo minucioso que duraria dois anos. QUANDO TUDO SE COMPLICA Em 2010, dois projetos de modernização do Museu foram elaborados, mas segundo George Macário, devido a contas não pagas, a Fundação J. de Figueiredo Filho estava impedida de captar recursos para a reforma. Sem dinheiro do Estado ou da iniciativa privada, sobravam recursos municipais. “Nós conseguimos fazer o teto novo, telha nova, madeira nova. O calhamento, que é a descida da água, também foi refeito. Quando chegou o momento de fazer o forro fomos atrás de dinheiro do Governo do Estado. 42 CARIRI REVISTA

O arquiteto Waldemar Arraes doou o projeto arquitetônico para o Crato.

Havia uma verba para restauro de prédios tombados, mas foi quando surgiu o problema do CNPJ da Fundação”, conta Macário. Com recursos escassos, as obras caminhavam lentamente. “Aí o tempo passou, veio a época da eleição e o que nós conseguimos fazer foi isso: reformamos o teto, protegemos o acervo, realizamos a conservação técnica. A verdade é que o Museu nunca foi prioridade, porque nada justifica quatro anos sem terminar uma obra importantíssima para o Crato. E quando não há prioridade, a vontade política não impera, nada é feito”, desabafa. Responsável pela doação do projeto de restauro do Museu à cidade do Crato, o arquiteto Waldemar Arraes explica que entre os empecilhos estão a falta de mão de obra especializada e de material compatível ao utilizado na época. “Por se tratar de um prédio tombado, tudo o que é feito tem que ter a permissão do Governo Estadual e da Secretaria da Cultura – que é o órgão responsável por esses equipamentos. Eu doei um projeto à cidade para que as coisas se agilizassem. Uma licitação foi feita, começaram a reforma, mas as obras ficaram paradas e nada foi concluído”, esclarece Waldemar. Já Jorge Ishimaru, assessor da Secretaria de Infraestrutura da Prefeitura do Crato, aponta uma outra questão: por não ser uma obra usual, a exemplo de postos de saúde e escolas, o Museu requer um alto orçamento em seu restauro– o que, se não for bem licitado, pode


incorrer em superfaturamento de contas públicas. Afora isso, a falta de “ambiente político” impediu durante muito tempo a liberação de recursos estaduais. “Houve solicitação por parte do prefeito da época de que essa obra não observasse um prazo normal, fosse o mais dilatada possível, porque seria feita com recursos próprios. Nós tentamos uma verbazinha junto ao Governo do Estado, algo em torno de R$ 100 mil, que não contemplava a obra toda, mas que já seria um bom presente para o Crato. Depois de um ano, nós vimos uma certa dificuldade na liberação desse recurso. Aí o prefeito já estava se aproximando de seu último ano de mandato e determinou que a obra seria feita com recursos próprios”. Com verba escassa, a medida fez aumentar o tempo da reforma, para que as parcelas de pagamento da construtora licitada coubessem no orçamento municipal. “De cara eu percebi que a construtora não tinha experiência em restauro. E uma coisa que deveria durar

quinze dias, como raspar a tinta dos ligamentos do assoalho para voltar à madeira natural, eles passaram quase dois meses fazendo”, diz o assessor Jorge Ishimaru. Somado à demora da construtora, os pagamentos por parte da Prefeitura atrasaram. “Eu acredito que quem deve realizar essa obra é o Estado, porque é lá que vão dizer o que pode ou não fazer. Na Prefeitura nós não vamos ter condições técnicas para que isso fique a contento. Há um risco grande da Secretaria de Cultura reprovar”. Jorge Ishimaru pontua o inicio de uma gestão como o momento certo para as escolhas das prioridades. “O nosso problema é que o cobertor é curto. No momento é complicado atendermos todas as nossas necessidades. Eu sei que a coisa não se limita só a comida, como diz a música, mas se a escola do seu filho está atrasada, você vai deixar a apresentação artística para depois e pagar a escola do menino. Eu não estou querendo desmerecer a cultura, nem a arte, mas é complicado retirar de onde há tantas necessidades”.

O interior do prédio como se encontra hoje.

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LUZ NO FIM DO TÚNEL Nascido em Washington, Estados Unidos, criado no Brasil, designer de formação e urbanista por natureza, Rick Seabra tem um desafio: transformar uma peça antiga e mal conservada em um museu vivo. Trabalho hercúleo que ele encara com extremo idealismo. Há muitos anos o Crato lhe despertou uma paixão pelas platibandas, adornos que escondem as telhas das casas, feitos por pedreiros bastante habilidosos ou “designers de concreto”, como enfatiza Rick. Agora diretor do Museu do Crato, ele transforma paixão em políticas de patrimônio histórico para a cidade. “Eu quero abrir o espaço para artistas contemporâneos locais utilizando uma sala – ou pelo menos uma parede – do Museu Vicente Leite. Já o Museu Histórico, podemos desengessá-lo através da prospecção de tesouros e objetos em coleções particulares, renovando o acervo. Depois vamos ver que tipo de narrativas a gente pode colher sobre a história do Cariri, através de coisas que achamos nas residências das pessoas. O visitante vai poder olhar e ficar pasmo: Uau! Olha o que eles têm e a gente não tem em São Paulo, nem no Rio”, projeta Seabra. Para o diretor, um museu pode ser ponta de lança para um programa de turismo e, consequentemente, gerar desenvolvimento econômico para uma região. “Olha o caso de Bilbao. Tudo bem, nós não somos um Guggenheim, mas ninguém falava de Bilbao antes do Museu se instalar por lá”, provoca Rick Seabra, referindo-se ao Museu Guggenheim, aberto em 1997, que foi projetado por Frank Gehry e é um ponto central da revitalização da cidade basca de Bilbao, na Espanha. Para Rick Seabra, sua segunda grande empreitada é criar novos focos para o Museu, e a oralidade é um deles. “Queremos gravar as histórias das gerações da cidade. O cratense é muito jocoso e seria muito divertido 44 CARIRI REVISTA

entrar no Museu e ouvir essas histórias”. O terceiro foco são as fachadas da cidade. “O que são as fachadas? São o legado arquitetônico das outras gerações. O Crato está esteticamente dilapidado. Se olharmos as fotos do Crato antigo, vemos que o Crato não era uma cidade bela, era uma cidade belíssima! Estava muito acima da média das cidades coloniais e do Império. Aqui havia uma arquitetura especial que não existe em outro lugar. Então a ideia é fazermos uma sala sobre a arquitetura da cidade”. Por fim, chegamos aos planos de expansão do Museu, incorporando sítios históricos como o Caldeirão e a casa onde nasceu o pintor Vicente Leite, com visitas orientadas por guias aos três espaços. “Agora nós estamos escrevendo diversos tipos de projetos, desde o mais modesto, inaugurando apenas duas salas e restaurando aos poucos, até o projeto mais arrojado, que custa milhões. Estamos nos articulando politicamente e tenho certeza de que o carinho que as pessoas têm por esse Museu vai se materializar”. Com a perspicácia que um olhar estrangeiro pode trazer, Rick desnaturaliza o estado precário do Museu, revelando muito mais que inoperância administrativa, mas um sentimento de impotência que percorre toda a população. “É muito fácil a gente apontar e acusar uma pessoa ou outra sobre o que aconteceu com o Museu. A parte difícil é a cidade avaliar o que aconteceu com o Museu e o que está acontecendo com ela. Isso integra um processo maior. O Museu é apenas uma metáfora sobre o que aconteceu com o patrimônio do Crato. Outro dia eu falei na Câmara Municipal: se nós tivéssemos 20 ou 30 heróis e heroínas, poderíamos até derrubar uma ou outra casa, mas nós já derrubamos a casa de Bárbara de Alencar, a casa de Pe. Cícero... É como se em Amsterdam derrubassem a casa de Anne Frank. O que vai sobrar para contarmos dessa história?”.


RAFAEL VILAROUCA

Rick Seabra, no centro da garotada: “O museu é uma metáfora sobre o nosso patrimônio”.

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PLANO PAS

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JOSÉ WAGNER

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#caririfortaleza

EXCURSÃO PELO CENTRO DE FORTALEZA Por Sarah Coelho

B

eleza, caos, construção, confusão, memória e esquecimento. Cabe tudo no centro de uma cidade. A CARIRI foi dar uma volta no coração de Fortaleza e selecionou sete pontos que não podem deixar de ser visitados. Entre calçadas apinhadas, veículos em fluxo caótico e o barulho do entorno, o velho bairro – onde a cidade viveu a sua infância – ainda guarda delicadezas únicas. Basta abrir os olhos para ver: um teatro tão bonito que emudece o visitante, um gabinete de leitura que se oferece ao desfrute, um passeio ensombrado com vista pro mar, um antigo casarão que acolhe as artes e um museu que guarda um bode, além de duas praças que testemunharam o crescimento da cidade...

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ANDRÉ CYRINO

AS SOMBRAS DO PASSEIO É quase como se o portão simples que dá para a Rua Dr. João Moreira sussurrasse: “venham à minha sombra”. O Passeio Público de Fortaleza, antigo Campo da Pólvora, local de padecimento de mártires, encontra-se revitalizado após sucessivos períodos de abandono. As árvores frondosas e a brisa que vem do mar em frente convidam à permanência nesta que foi a primeira praça da cidade. O Passeio Público – cujo nome oficial é Praça dos Mártires, em homenagem aos líderes da Confederação do Equador – já foi também o Largo da Fortaleza e o Campo da Pólvora, dentre outras denominações. Começou a ser construído em 1864, tendo inaugurado oficialmente o seu primeiro plano em 1880. Durante muito tempo, foi o principal centro de lazer da cidade. Hoje oferece internet gratuita e uma animada programação, que inclui música instrumental e feijoada aos sábados, prosseguindo nas manhãs de domingo com piquenique e atrações infantis. O gigante baobá plantado em 1910 continua altaneiro. Há um charmoso café para os bate-papos de final de tarde, além de uma fileira convidativa de banquinhos verdes. Curiosidade: Inicialmente formado por três diferentes planos, o Passeio Público acabou por dividir seu espaço entre as três classes sociais. Frequentando alamedas distintas, ricos, remediados e pobres se apartavam espacialmente. Tal segmentação foi eliminada com reformas posteriores. Onde: Rua Doutor João Moreira, s/n, ao lado da Santa Casa de Misericórdia Quando: Aberto diariamente para visitação pública. CARIRI REVISTA 49


JOSÉ WAGNER

ARTE NO SOBRADO DR. JOSÉ LOURENÇO A edificação é do tempo em que a Rua Major Facundo chamava-se Rua da Palma, em meados do século XIX. Primeira construção de três andares do Ceará, o sobrado foi recentemente transformado em centro cultural de artes visuais. Carrega no nome as memórias de seu primeiro proprietário, o médico e sanitarista Dr. José Lourenço de Castro Silva (1803-1874). À época, o casarão era residência e consultório, tendo sido posteriormente utilizado como oficina de marcenaria, repartição pública e bordel. O restauro veio no ano de 2006, com auxílio dos alunos da Escola de Artes e Ofícios Thomas Pompeu Sobrinho, e preservou a linguagem arquitetônica neoclássica. Inaugurado em 31 de julho de 2007, o Sobrado Dr. José Lourenço oferece salas de exposição, auditório e café, consolidando-se como local de convivência e difusão das artes visuais. Entre os projetos mais tradicionais estão o “Encontro com Educadores”, no qual os educadores do sobrado realizam oficinas com os alunos a partir de técnicas artísticas afins às obras expostas; e o “Café do Zé”, evento mensal, em que o artista convidado apresenta um trabalho sobre sua obra. Toda a programação é gratuita.

HISTÓRIA DE TODOS É na Praça dos Leões, famosa por abrigar o troca-troca de livros usados, no início do ano letivo, que está localizado o Museu do Ceará. O prédio que hoje abriga a primeira instituição museológica do Estado chama-se Palacete Senador Alencar. Foi construído entre 1851 e 1870 para ser a Assembleia Provincial do Ceará, em pleno Brasil Império. A construção guarda os restos e registros da história. Funcionaram ali o Liceu do Ceará, o Fórum, a Faculdade de Direito, o Tribunal Regional Eleitoral, o Instituto do Ceará, a Biblioteca Pública e a Academia Cearense de Letras. ANDRÉ CYRINO

Curiosidade: Com curadoria de Dodora Guimarães, o “Cariri Aqui!” foi a exposição inaugural do Sobrado Dr. José Lourenço. A Mostra trouxe a rica produção artística do Cariri cearense e ficou em cartaz até fevereiro de 2008. ONDE: Rua Major Facundo, 154. Tel: 85 3101.8826 / 3101.8827. QUANDO: Terça a sexta-feira, das 09h às 18h/ Sábado das 10h às 19h / Segunda-feira das 10h às 14h. Não funciona aos domingos. Entrada Gratuita.

O Museu do Ceará trilhou um longo caminho até chegar à sede atual, nos anos 90. Foi criado em 1932 e passou por diferentes administradores durante sete décadas. O acervo é bastante variado. Entre moedas e medalhas, há quadros, móveis, peças arqueológicas, artefatos indígenas, bandeiras e armas. Os visitantes têm acesso a 10 exposições permanentes, que abordam desde a arte popular até relíquias que remetem a fatos históricos, como a escravidão, o movimento abolicionista e os grêmios literários, como a famosa “Padaria Espiritual”. Curiosidade: Uma das peças mais pitorescas do Museu do Ceará é um bode empalhado, que entrou para a história de Fortaleza com o nome de Ioiô. Durante anos ele perambulou pela cidade, conquistando a simpatia dos boêmios e crianças. Em 1931, quando morreu, Ioiô teve o seu corpo empalhado e doado ao acervo do Museu. ONDE: Rua São Paulo, 51. Tel: (85) 3101.2611 QUANDO: Terça a sábado, das 8h30 às 17h. PREÇOS: R$ 2,00 (inteira) e R$ 1,00 (meia). OBS: Nas terças e feriados a entrada é gratuita.

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JACQUES ANTUNES

MUITOS PRAZERES NO TJA Artistas de diversas linguagens, famosos ou não, de épocas remotas e modernas, desfraldando bandeiras, vivendo amores, tramando intrigas, travando guerras – de mentira ou de verdade. Entrar no Theatro José de Alencar é ser transportado e se encantar! Com mais de 100 anos de existência em pleno Centro da cidade, não faltam histórias ao local. E o TJA quer dividi-las com o público, em fartas doses de espetáculos grandiosos ou em pequenas gotas de visitas guiadas. Essas visitas contemplam áreas pouco conhecidas do prédio: o foyer, o porão, os bastidores... Curioso exemplar da arquitetura eclética no Brasil, inaugurado em 1910, o Theatro José de Alencar é muito mais que os jardins de Burle Max e a sala de espetáculo em estilo art noveau. Inclui anexos com espaços cênicos menores, galeria e biblioteca. Adentrá-lo é só o começo. Curiosidade: Na Cantina do Muriçoca, que funciona no Theatro, as lembranças são revividas e os sonhos renovados entre as diferentes gerações de artistas. Histórias de fantasmas que assombram os palcos e bastidores circulam entre os antigos funcionários. ONDE: Rua Liberato Barroso, 525. Tel: (85) 3101.2583 VISITA GUIADA AO THEATRO: 40 opções de horário por semana – sempre de terça a domingo. A Visita Guiada ao Theatro José de Alencar é um

percurso que varia de acordo com a programação do teatro centenário. Acontece sempre de terça a domingo. São 40 horários para percorrer o TJA com um guia que destaca detalhes da história e dos múltiplos espaços em mais de 12 mil metros quadrados. A visita passa pelo teatro-monumento, inaugurado em 1910; os jardins de Burle Marx (o primeiro projeto de jardim foi inaugurado em 1975; o segundo, em 1991. Ambos são de Burle Marx); e o Cena, anexo à edificação histórica, inaugurado no começo dos anos 90. • terça, quarta, quinta e sexta: 9h, 10h, 11h, 12h + 14h, 15h, 16h, 17h - R$ 2 e 4 • sábados, domingos e feriados: 14h, 15h, 16h, 17h - R$ 2 e 4 Grátis para todos: dias 17 e todo último domingo do mês Grátis sob prévio agendamento para escolas públicas e projetos sociais: (85) 3101.2567 – 3101.2568 VISITA GUIADA AO JARDIM: 04 opções de horários aos domingos e feriados. São mais de 50 tipos de plantas dos cinco continentes. A advogada Vilani Moreira Barbosa guia as visitas ao jardim de Burle Marx (14h, 15h, 16h, 17h aos domingos e feriados). A visita passa pelo teatro-monumento, mas a ênfase é no jardim. A visita ao jardim também pode ser agendada por grupos escolares no âmbito da educação ambiental. CARIRI REVISTA 51


LEITURAS PLEBEIAS Como dizia Jorge Luis Borges, a leitura é uma forma de felicidade. No dia 01 de maio de 2012, Fortaleza amanheceu com mais razões para sorrir. No número 735 da Rua Floriano Peixoto, no velho prédio da ACI, foi aberto o Plebeu Gabinete de Leitura, um espaço formado por duas salas, 12 mil livros e a aspiração da professora Adelaide Gonçalves, do departamento de História da UFC. Foi dela a ideia e o acervo, colocado à disposição dos leitores de forma gratuita e em local acessível. Espaço de ações conjuntas, leituras compartilha-

COMO JOGAR CONVERSA FORA Considerada por muitos o maior símbolo do Centro de Fortaleza, a Praça do Ferreira pulsa. O corre-corre é constante e a maioria das pessoas tem pressa. A maioria. Há sempre um grupo de senhores nos bancos que querem apenas em desacelerar. Alguns jogam dominó, e outros, conversa fora. Emoldurada por grandes prédios comerciais, a praça testemunhou o crescimento da cidade. Viu muitos negócios florescerem e esmorecerem. De reforma, ela própria precisou várias vezes. A mais marcante foi aquela encabeçada pelo então presidente da Câmara Municipal, Boticário Ferreira, que urbanizou o espaço.

das e troca de experiências, o Plebeu está aberto aos que amam os livros e as permutas felizes que eles proporcionam. Curiosidade: O nome Plebeu Gabinete de Leitura é uma alusão bem humorada ao Real Gabinete de Leitura, do Rio de Janeiro. O acervo do Plebeu é riquíssimo e inclui: história do Brasil e do Ceará, arquitetura, movimentos sociais, anarquismo, gastronomia, história do livro etc. ONDE: Rua Floriano Peixoto, 735, 3º andar, no prédio da Associação Cearense de Imprensa. QUANDO: Sempre que a prof. Adelaide estiver por lá.

Muitos são os ícones da velha praça. Em 1934 foi inaugurada a Coluna da Hora, com 13 metros de altura e um relógio que servia de orientação a toda cidade. A Coluna foi demolida em 1968 e reerguida nos anos 1990, a partir de um projeto dos arquitetos Fausto Nilo e Delberg Ponce de Leon. Curiosidade: Um episódio que entrou para o anedotário local foi a vaia que o sol levou na Praça do Ferreira. Isso aconteceu no dia 30 de janeiro de 1942, quando todos esperavam por uma chuva e, apesar das nuvens carregadas, o astro-rei insistiu em aparecer. ONDE: Limitada pelas ruas Major Facundo, Floriano Peixoto, Dr. Pedro Borges e Travessa Pará. ANDRÉ CYRINO

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SARAH COELHO

O INSTITUTO E O BARÃO Fundado no ano de 1887, o Instituto do Ceará é mais um ponto cultural do Centro de Fortaleza. A instituição, de caráter científico e cultural, sem fins lucrativos, tem sede em uma edificação imponente cheia de detalhes arquitetônicos, na Rua Barão do Rio Branco, 1594. Ao todo, é composta por 40 sócios, sendo todos os cargos vitalícios. A biblioteca tem 35.900 títulos catalogados, dos quais 17.797 já foram informatizados, no programa Biblivre. Sua hemeroteca foi recentemente organizada e catalogada, estando à disposição dos consulentes, sob prévia autorização. Dispõe de jornais do século XIX e século XX. Além disso, o Museu Barão Studart, inaugurado em 2007, presta homenagem a um dos principais benfeitores do Instituto. Curiosidade: Historiador, historiógrafo, arquivista, memorialista, pesquisador e colecionador, o Barão de Studart foi um intelectual de destaque. Nasceu em Fortaleza em 1865, filho de pai inglês. O título de barão lhe foi ofertado pelo Papa Leão 13, em 1900, como forma de reconhecimento aos seus trabalhos sociais.

ONDE: Rua Barão do Rio Branco, 1594. Tel: (85) 3231.6152/ (85) 3021.7559. QUANDO: Biblioteca, arquivo, hemeroteca e laboratório: De segunda a sexta, das 8h às 11h e das 13h às 17h.

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#cariridebate

VIDAS SEVERINAS Por tuty osório

Apontam os registros históricos que há mais de dois séculos o Nordeste brasileiro enfrenta estiagens periódicas, algumas delas assinaladas como momentos de intensa devastação de paisagens e de vidas. A política, a literatura e a construção da sociedade da região foram fortemente influenciadas pelas máculas das secas. A terra rachada sob o sol inclemente e febril erigiu sobre sua simbologia a estética desoladora da fome e do desespero. Marcados para morrer, os nordestinos protagonizaram levas de migrantes em direção ao Sudeste e por lá ergueram outras vidas, outras mortes e outras estéticas. Descobertas arqueológicas recentes ensinam que a seca existe milenarmente e que há como lidar com sua inexorabilidade e evidência, mobilizando maior sabedoria do a que temos demonstrado até hoje.

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DARKO SRECKOVIC/DREAMSTIME.COM

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O

professor Álamo Feitosa recebe-nos no laboratório de Paleontologia do Geopark Araripe, na cidade do Crato, numa tarde de clima ameno, tão comum em abril, aos pés da Chapada que ilumina com verde, flores e grata umidade as cidades que a sua floresta abraça. Rodeado de estudantes, mais uma vez divide conosco o seu conhecimento erudito e dedicado sobre a ancestralidade da terra e seus meandros. Queremos saber sobre a seca, há quantas eras nos atinge e o que fizemos para agravá-la. “Nós temos que se lembrar que seca é um fenômeno que ocorre em todas as áreas da terra, em eventos periódicos que podem ser agravados, mais ou menos em função da latitude. No Rio Grande do Sul existe seca porque se trata uma área de baixas latitudes. No norte dos Estados Unidos tem seca, na Europa tem seca. Nós temos desertos próximos ao Polo Norte, ali na Mongólia, na Ásia”, ensina o professor, esclarecendo que inexiste uma relação direta com o calor ou com a aridez da paisagem. A seca é influenciada por um regime de ventos que podem ou não trazer umidade. A situação se agrava quando há uma baixa incidência de chuvas numa área tropical próxima ao Equador, como é o caso da nossa região. “Qual a diferença entre a Amazônia e o Nordeste?”, questiona Álamo Feitosa. “A Amazônia tem um regime de ventos e de umidade que faz com que chova. Isso é facilitado pela evaporação que acontece lá por causa da vegetação”. O regime de ventos vindo do Atlântico passa por cima da região nordestina e encontra um bolsão de ar seco – o que faz com que esse vento se vá e a chuva só caia na Amazônia. “O ser humano tem agravado muito essa situação de formação de bolsões de ar seco, por exemplo, com o desmatamento”, enfatiza o professor, revelando que a condição da região é ancestral. Todavia, tornou-se mais dramática pela imprudência da ação humana. “Já havia seca no Cretáceo, há 100 milhões de anos, quando tivemos níveis do lago Araripe quase secar. É possível ver isso através das rochas, pelo aumento da salinidade, que é um indicativo de que nós estávamos sob regime de seca”, conta Álamo, detalhado que o Geopark desenvolve muitos estudos a respeito.

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“Vemos isso nas rochas da Formação Crato, por exemplo, e talvez esse fator tenha influenciado as mortandades que ocorreram aqui. Temos bancos de precipitação de calcário de até dois centímetros, o que indica que a região estava sob forte influência de fraco abastecimento de água e que a temperatura estava muito alta. Então a gente já tinha um problema de seca há 100 milhões de anos, há 110, 120, 130 milhões de anos atrás. E agora nós temos tratado de piorar”, sublinha. PROBLEMA GRAVE COM SOLUÇÃO POSSÍVEL Álamo Feitosa adverte que existem áreas na Bahia e no Piauí com bolsões de deserto devido ao desmatamento e à acidificação do solo. Situação semelhante já se instala no Ceará, em regiões próximas aos municípios de Aiuaba,Tauá e Catarina, onde há grandes manchas, ou áreas em que a densidade da vegetação é a mesma das regiões de deserto. A desertificação ocorreria em milhares de anos, porém foi acelerada terrivelmente pela ação humana. A ausência de chuvas não é, contudo, uma condição sem possibilidades de modificação. Cidades como Lima, capital do Peru, onde o índice de chuvas é praticamente inexistente, contam com sistemas de irrigação baseados em tecnologia que remonta aos

Álamo do Geopark Araripe: a ancestralidade das secas em estudo


FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

incas, o povo fundador da nação peruana, mais tarde colonizada pelos espanhóis. Outro exemplo é o Estado de Israel, que com menos de 100 anos de existência tem o problema do deserto debelado e transformado em pomar exportador para a Europa, absolutamente autônomo em hortifrutigranjeiros. Não há segredo na reversão da condição de deserto em Israel. Há a vontade de fazer, a capacidade de planejar e a determinação em agir com organização e criatividade. Talvez por contarem com um deserto verdadeiro, os israelenses não tiveram opção a não ser lutar contra a adversidade e colocá-la a seu favor. Nós, aqui no Nordeste, estamos produzindo um deserto e aniquilando vidas. Mesmo investindo tempo, energia e recursos financeiros gigantescos no futuro, corremos o risco de não conseguir consertar nossos voluntariosos erros. O professor Álamo conta-nos outra experiência bem sucedida e de uma simplicidade surpreendente. No deserto de Atacama, no Chile, as nuvens atravessam a região sem resultar em chuvas. Então o governo implantou um sistema que consiste em estender uma manta de juta sobre o solo, que retém a umidade na passagem do nevoeiro. Hoje já se pode plantar árvores nesse deserto à beira-mar, desencadeando a formação de um microclima, o que possibilita que a cerração acumulada se precipite e retorne em chuva, que será retida pelo solo, renovando o ciclo. “Imagine um varal com muitos sacos de juta pendurados: o fog passa, fica na juta e começa a pingar... Isso é uma política de apenas 10 anos. É viável. Estão plantando laranja. E era o deserto mais seco que se conhecia!”, observa Álamo, enfatizando a convicção em soluções que já existem em lugares mais complexos que o nosso semiárido. A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO Manoel Jorge Pinto, engenheiro agrônomo, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente e membro atuante da Associação Brasileira de Cooperação, está à frente de estudos e de projetos que visam a amenizar e transformar a situação no semiárido. Ele acredita que tudo começa com a transformação de conceitos, para que a cultura possa modificar-se a favor das populações hoje fustigadas pela desolação da estiagem.

Jorge Pinto: novos conceitos para o semiárido em ação

“O conjunto de ideias difundido por ONGs, pastorais sociais, sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, associações, cooperativas, grupos de mulheres e jovens, enfim os movimentos reunidos, principalmente através da Articulação do Semiárido Brasileiro - ASA, constrói um novo entendimento do semiárido”, argumenta Jorge, lembrando que “a primeira grande mudança foi o resgate da autoestima do homem e da mulher do semiárido, que historicamente são vistos como seres de um mundo de miseráveis.” Manoel Jorge destaca que quando se expôs claramente o debate sobre a convivência com o semiárido, em contraposição ao discurso oficial de combate à seca, percebeu-se que partir da compreensão da nossa própria realidade e do nosso ambiente – do cotidiano de uma região com características diferenciadas de clima, solo, vegetação –, seria a chave para uma vida digna para as populações. “A proposta da educação contextualizada vem ganhando corpo, e cada vez mais entram em pauta as temáticas do meio rural e do semiárido: a caatinga, nossa fauna e flora, nossa cultura, nossos saberes e sabores marcados fortemente na culinária”, especifica. O especialista defende que a melhoria de vida passa por um conjunto de ações que estão interligadas, formando um todo. São ações no campo da convivência com o semiárido e com o fenômeno das secas, que envolvem a orientação dos investimentos públicos e privados, considerando, principalmente, a realidade regional e a sustentabilidade. Jorge Pinto assinala também a necessidade do fortalecimento do controle social das políticas a partir da efetiva participação da sociedade. CARIRI REVISTA 57


AÇÕES CONCRETAS E TECNOLOGIA SOCIAL Do ponto de vista prático, Manoel Jorge Pinto considera que vem ocorrendo uma revolução silenciosa no semiárido brasileiro, com centenas de experiências bem sucedidas. No campo da captação de água da chuva, cita como exemplo o programa Um Milhão de Cinternas-P1PMC, experiência junto às comunidades mais carentes do semiárido, articulado por ONGs, cooperativas e agricultores integrantes do Movimento de Mobilização Articulação no Semiárido-ASA. O P1PMC viabiliza o acesso à chamada primeira água – a água da família, para beber e cozinhar. Na avaliação do engenheiro agrônomo, o programa tem transformado a vida das populações difusas, residentes em áreas isoladas, que nunca tiveram acesso a uma política governamental. “Recentemente estive na comunidade de Olho D’Água em Mauriti, região bastante pedregosa e de relevo irregular, onde um beneficiário do Projeto Cisternas, Dorgival Soares, durante a escavação da obra, teve que quebrar uma grande pedra manualmente”, conta Jorge, ilustrando a situação com o comentário do trabalhador rural: “A trabalhada foi grande, mas valeu a pena porque terei água na porta da minha casa”. Já ganham força, segundo o relato de Manoel Pinto, os programas ligados à segunda água – a água da produção. Programas como o P1+2, uma terra e duas águas, e o Projeto Quintais Produtivos, possibilitam o acesso das famílias a várias tecnologias sociais de apoio à produção, buscando a segurança alimentar e a comercialização do excedente. “São várias tecnologias sociais trocadas como barraginhas, barreiros trincheiras, barragens subterrâneas, cisternas-calçadão, cisternas de enxurradas, tanques de pedras”, descreve Pinto. “O tripé terra, água para a família e água para a produção vem modificando a paisagem do meio rural, sendo possível visualizar oásis verdes em pleno sertão” complementa. Outros exemplos são os processos baseados na agroecologia, destacados por Jorge Pinto como ações que “vêm contagiando positivamente milhares de agricultores”. Ele esclarece que “a agroecologia é um casamento perfeito com o semiárido por respeitar a realidade social, cultural e econômica da região, diminuindo o uso de insumos externos, priorizando os cultivos e a criação de forma consorciada, o uso racional da água e, principalmente, reconhecendo e valorizando o saber local”. 58 CARIRI REVISTA

No entendimento expresso pelo especialista que vivencia o saber mobilizado na prática real das comunidades, “a agroecologia busca aliar o saber acadêmico ao saber popular, na busca da construção de um novo saber, adaptado e construído coletivamente, considerando a realidade do lugar”. ORGANIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO USO DA ÁGUA Em novembro de 1993, o poder público criou a Cogerh Companhia de Gestão de dos Recursos Hídricos, órgão estadual cuja finalidade seria implantar um sistema de

Aquacultura no Kibutz Ketura, no Deserto do Negev: tecnologia a serviço da vida


gerenciamento e de oferta de água superficial e subterrânea, a partir do monitoramento dos reservatórios e poços. Além da manutenção, operação de obras hídricas e organização de usuários nas 12 bacias hidrográficas do Ceará. Segundo a definição institucional divulgada pelo órgão, hoje a Cogerh é responsável pelo gerenciamento e disciplinamento de mais de 90% das águas acumuladas no Estado, de forma descentralizada, integrada e participativa. Estão sob a administração da Companhia, 139 dos mais importantes açudes públicos estaduais e federais, além de reservatórios, canais e adutoras da bacia metropolitana de Fortaleza.

REMI JOUAN

A instituição expõe como missão, também, a organização e integração dos usuários de água bruta, um dos aspectos considerados fundamentais para o sucesso dessa nova política de recursos hídricos. Essa integração é realizada através da criação dos Comitês de Bacia. Pescadores, vazanteiros, irrigantes e indústrias se reúnem em assembleias para deliberarem sobre o uso e a distribuição da água, em busca de otimizar o uso dos recursos hídricos de acordo com as ofertas disponíveis e do tipo de utilização ao longo do ano. Participam também das assembleias, representantes da sociedade civil organizada: sindicatos, associações, prefeituras, que são, na definição dos idealizadores e gestores da Cogerh, os legítimos moderadores dos conflitos inerentes ao processo. Todavia, a existência de um órgão exclusivo para a gestão da água, integrado por profissionais capacitados e movidos por toda a vontade de realizar, não evitou o colapso que se instalou na região dos Inhanmuns, nas cercanias e na própria cidade de Crateús. Yarley Brito, gerente regional da Cogerh no Cariri, diz não ter dúvidas de que “essa é a pior seca dos últimos 50 anos e faz vergonha que isso ainda aconteça, apesar de todo o trabalho que órgãos como a Cogerh vêm desenvolvendo”. Referindo-se à ancestralidade da seca, em tempos mais próximos que os citados pelo paleontólogo Álamo Feitosa, contudo reforçando a ideia de que não há qualquer surpresa em mais uma estiagem na região, Yarley explica que “nosso solo não tem profundidade e não há regularidade de chuvas, mas sabemos que existem ciclos climáticos”. Fazendo uma incursão pela literatura, recorda que “a seca é um fenômeno natural, ligado à chamada zona de convergência intertropical. Autores como Rodolfo Teófilo já falavam dos ciclos de seca, que acontecem de 11 em 11 anos. Isso é fato. Basta olhar as estatísticas históricas”. Ele destaca alguns pontos em que já se consolidou uma solução: “Hoje nenhuma cidade da Bacia do Rio Salgado, que banha o sul do Ceará, tem problema de abastecimento de água, por causa do gerenciamento que tem sido feito. Grande parte da bacia é sedimentada, ou seja, possui água subterrânea”. Argumenta, também, que a falta de água acontece em algumas regiões por problemas de logística, entraves com as prefeituras e desentendimentos entre os gestores locais. “O Ceará, por sediar a Sudene e ter excelentes quadros acadêmicos, está bem avançado em relação CARIRI REVISTA 59


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Deserto de Atacama chileno perto de San Pedro de Atacama: onde o verde brotou da criatividade. 60 CARIRI REVISTA


a outros estados no que se refere ao gerenciamento das águas. Como 85% do nosso solo é cristalino - não é profundo - a saída é mesmo construir reservatórios, poços e adutoras, transpondo as águas de uma bacia a outra”, avalia Brito, complementando que a ocupação do Ceará aconteceu em torno da água, sendo o planejamento a nível local a saída mais segura para o problema da escassez. “Todos os municípios deveriam ter um plano de recursos hídricos, deveriam ter planejamento. Crateús está entrando em colapso.Os reservatórios não têm reposição de água há três anos, e a população cresceu! O aumento da população também causa um descompasso na hidrografia”, explica. AS DÁDIVAS ESPERADAS DO SÃO FRANCISCO Referindo ao projeto de Transposição das Águas do Rio Francisco, objeto de polêmica em todo o Brasil e com obras em curso, sem previsões precisas de conclusão, Brito afirma não ter dúvidas de que é um

grande projeto para o Nordeste. “A transposição do Rio São Francisco vai passar pelo Cariri através do Cinturão das Águas, projeto desenvolvido pelo Governo do Estado para trazer mais segurança hídrica ao Ceará. É uma obra fundamental!”. O Projeto Cinturão das Águas do Ceará consiste num grande sistema gravitário de canais para a condução das águas do São Francisco para 93% do território cearense, incluindo as regiões mais secas do Estado. A conclusão das obras está prevista para 2040. De acordo com o projeto, o Cinturão de Águas começa no município de Jati, por onde chegarão as águas do Rio São Francisco ao Ceará, e se estenderá por 160 quilômetros até Cariús, dentro de uma vazão pré-estimada entre 25 e 30 metros cúbicos por segundo, levando água para uma das regiões mais secas do Sertão dos Inhamuns. Os sertanejos, que já se exaurem de ser fortes, precisarão contar com mais medidas, mais ações e mais mobilizações, que modifiquem o penar ao qual periodicamente se veem submetidos.

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#caririartigo

NOSSA REALIDADE É MAIOR QUE A CATÁSTROFE Por Gilmar de Carvalho [Escritor, pesquisador e jornalista. Especial para a CARIRI]

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s relatos das primeiras secas, datados do século XVII, são sempre carregados de dramaticidade e não poderia ser de outro modo. Pode-se tirar daí uma primeira lição: as condições da nossa terra podem ter-se agravado com o desmatamento, a poluição e o desequilíbrio ecológico, mas as questões são mais complexas e se inscrevem no nosso DNA. Não como castigo, karma ou destino, mas como uma confluência de fatores, uma resultante de localização geográfica, proximidade com o Equador, tipo de vegetação, correntes marítimas, aquecimento dos oceanos, regime dos rios. A outros, cabem tempestades de areias, furacões, terremotos, maremotos, nevascas, a nós coube a seca. Uma questão que leva em conta de como a Terra deve ter-se formado, de como se organizou e/ou desorganizou, ao longo

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do tempo. Tudo isso pode ser visto sem determinismos, sem que sejamos vítimas da sanha dos deuses ou artífices de nosso próprio sofrimento, mas essa é outra história. Foram tantos anos de casas abandonadas, êxodo por estradas poeirentas que não levavam a lugar nenhum, tanta gente faminta, tanta carcaça de rês, que isso tudo se incorporou ao que pode ser chamado de vidas secas. Nada disso é mentira. Tudo isso é verdade. Mas nossa realidade é maior que a catástrofe. A narrativa do menino Manoel Graciano, fugindo com a família, de Santana do Cariri para Juazeiro do Norte, na seca de 1932, dentro de um caçuá, no lombo de um jumento, poderia ser o capítulo de romance social ou um plano sequência do cinema novo. Poderia ser o motivo de uma canção de Luiz Gonzaga, um cordel politizado do Expedito Sebastião da Silva ou um álbum

de xilogravuras do Stênio Diniz e Mariza. No final do século XIX, a economia cearense ia bem, o algodão em alta sinalizava novos tempos. Entre 1846 e 1876, tivemos o maior período sem estiagens de que se tem notícias na história do Ceará. Elas recrudesceram, para valer, com a seca de 1877 a 1879, quando um quarto da população cearense teria morrido de fome, e voltaram entre 1888 e 1889. A seca rendeu gestos teatrais e promessas retóricas, como a da venda dos brilhantes da coroa, que permanece intacta no Museu Imperial, em Petrópolis. No início dos anos 1970, auge da ditadura militar, implantada em 1964, Emílio Médici veio a Crateús, em um ano de seca, e teria se comovido com o que viu. Uma das mais longas e deletérias estiagens foi a que nos afetou de 1979 a 1983, considerada como genocídio, pelo Cardeal Arcebispo de For-


OTÁVIO NOGUEIRA

taleza, Dom Aloísio Lorscheider. Provocou comoção a foto de uma criança, divulgada exaustivamente pela mídia, brincando com ossinhos de animais. Era a vitória de Tânatos. Não havia espaço para Eros. A seca foi responsável pelo apartheid social ao qual estamos condenados. A perda da importância política e econômica do Norte, que então englobava o Nordeste, foi percebida faz muito tempo. Franklin Távora, no prefácio de “O Cabeleira”, falava em “literatura feita no norte e literatura feita no sul”. Não como possibilidades criativas, mas como antagonismo, posições distintas no front da batalha pela expressão. Fizemos nossa parte, mas com demasiada insistência nos motivos, nas figuras da retórica e o tópico da vida seca se acentuava cada vez mais. A denúncia era importante, como um dos diversos registros, a possibilidade de ver e

dizer o que se sente, de denunciar e de sonhar com um futuro mais promissor. Não foi o que fizemos. A denúncia se tornou uma espécie de mão estendida. Partia das camadas médias e das elites, como uma compaixão pelo sofrimento dos outros. Os chamados intelectuais orgânicos talvez tenham sido melhor sucedidos, porque sofriam e não escreviam sobre o que ouviam contar. Patativa fez poemas como “A morte de Nanã”, outros cordelistas com seus folhetos de feira, chamavam a atenção para a seca do Ceará, cujo ápice foi em 1915, data limite, símbolo e título do romance de estreia de Rachel de Queiroz. Não se trata de negar a importância do romance social, mas não se pode ficar apenas na emoção, por mais legítima que seja, e a ideia de irmos em frente, independentemente do que se passara, e do que haveria de vir, era mais forte. Por mais que nos co-

mova, a morte da cadela Baleia é um pequeno drama diante de um drama maior. A fome das pessoas talvez não nos comova tanto e só passou a ser enfrentada, tempos depois, pelo Governo Lula, entre 2003 e 2010. O estigma de região problema criou e reforçou outros clichês, dando margem à permanência das oligarquias e ao império dos coronéis, tão desastrosos no Nordeste quanto políticos corruptos e populistas do Sudeste. Mas disso poucos falam. Passamos a ser cúmplices de nossa própria depreciação. Éramos vistos como território do banditismo, do fanatismo, do conservadorismo e do atraso. Mesmo assim, nossas elites ganharam depois o Banco do Nordeste e a Sudene, que seriam agências do desenvolvimento regional. O clientelismo ganhou força nesse contexto, com a apadrinhamento, a formação CARIRI REVISTA 63


dos colégios ou currais eleitorais, a importância de aprender a desenhar o nome para se ter o título de eleitor e poder votar. A democracia, o melhor e mais perfeito dos regimes, tem seu preço, e pode ser alto, dependendo das circunstâncias. A seca passou a ser tratada pelo jargão bélico. Falava-se do combate. Assim, foi criada, em 1909, a Inspetoria de Obras Contra as Secas, depois Departamento Nacional, hoje, absolutamente esvaziado de sua função. Foram construídos muitos açudes, mas é preciso se levar em conta a evaporação da água represada nos reservatórios, e estamos diante de um problema tão grave quanto a salinização das terras irrigadas. A transposição das águas do São Francisco, por mais bem intencionada que seja, esbarra na crise deste curso d’água maravilhoso, com nome de santo, chamado de rio da integração nacional. Alguns técnicos aconselham o desvio de parte da vazão do Tocantins, como uma alternativa confiável.

Os açudes existem, mas a irrigação é pequena, e o risco da salinização não é desprezível. No meio disso tudo, temos a redução dos investimentos na agricultura familiar e a aposta no agronegócio. Foi uma escolha política de quem tanto defendeu a reforma agrária, quando ainda aspirava o poder. A política é dinâmica, dizia um ex-governador do Ceará. Dinâmica demais, pode-se acrescentar. Para completar o quadro, a agricultura é responsável por uma parcela ínfima, cerca de 6% do PIB cearense. Não temos terras agricultáveis que interessem ao agronegócio, como o sul do Piauí onde é cultivada a soja. Cenário de terra devastada, o Ceará pode se reencontrar, nada está perdido, brilham luzes, tênues, no fim dos túneis. As secas foram períodos para grandes obras, como a construção de açudes, a abertura de estradas, os seringais do Norte, com os Soldados da Borracha, a edificação de Brasília ou a construção civil do Rio de Janeiro e de São Paulo. O povo que se deslocava, em busca de trabalho e de comida,

era levado para os chamados campos de concentração. Falavam, depreciativamente, nos cassacos, a mão-de-obra escravizada pelas cobranças dos fornecimentos. Depois, vieram as frentes de serviços. Hoje, a questão se diluiu, nos desvãos da mídia, e sumiu da retórica governamental. A ideia do combate foi substituída pela convivência com o semi-árido, em tempos mais recentes, a partir dos anos 1990. Não é uma questão apenas linguística, mas ideológica. Trata-se de propor uma relação amistosa e respeitosa entre o homem e a natureza. Tudo passa por aí, apesar da insensibilidade dos governos que elegem outras prioridades e esquecem o campo. Têm sido feitas experiências com algodão agroecológico, com acompanhamento do Esplar, escritório que completará 40 anos de atividades em 2014. Este algodão tem aceitação no mercado mais exigente e faz o caminho de volta das riquezas cearenses, depois da praga do bicudo, que acabou

RAFAEL VILAROUCA


por dizimar nossos cultivos, em sintonia com a rejeição deste modelo de geração de riquezas, também nos meados dos anos 1980. Esta experiência está sendo feito em dez municípios cearenses, sendo a safra adquirida por uma cooperativa francesa. Afinal de contas, nem todo mundo concorda com trabalho escravo, com defensivos agrícolas, com práticas que agridem o ambiente, e o mundo não se reduz às lojas chinesas de bugigangas. Teve início a era das cisternas. A água acumulada é benfazeja e pode render muito, se utilizada com parcimônia, planejamento e bom senso. Trata-se de uma ideia que melhora a qualidade de vida de muita gente. As cisternas de placa passaram a ser substituídas por outras de polietileno. Fala-se, com muita insistência, na desertificação de partes do nosso território. Solo pobre, anos de queimadas, falta d’água, plantios inadequados, tudo conduz a este quadro que parece irreversível. Uma visita ao nosso interior vai mostrar a

importância de uma instituição que sobrevive a duras penas, quando poderia servir de exemplo a outras iniciativas do mesmo porte: Escola Família Agrícola Dom Fragoso, de Independência. O Governo do Estado que, em boa hora, investe nas escolas profissionalizantes, bem que poderia se voltar para este modelo que prepara a juventude para continuar no campo. A informática é importante, o turismo também, mas a opção pela agricultura é algo que comove, quando a gente conhece as dificuldades que o Ceará rural enfrenta. Neste sentido, pode-se falar em seca, como um problema, não como o apocalipse, quando se tem um projeto sustentável de verdade e não como slogan de campanhas publicitárias. O novo agricultor recorre às mandalas, ao cultivo associado, ao gotejamento, evita os produtos tóxicos e estabelece uma relação harmoniosa com a Terra. Este futuro é promissor. Curioso que o contexto aponte para uma valorização dos produtos chamados

orgânicos, bem mais caros e ainda não tão presentes nas gôndolas e prateleiras. Muitas vezes, o comprador quer pagar mais caro pelo produto que não tem agrotóxico, mas esbarra nas dificuldades de abastecimento das redes de supermercados. Não daria para tornar compatíveis a nova agricultura, o pessoal que sai das Escolas Agrícolas e o desejo do consumidor consciente? Vale pensar que o Cariri continua a ser um oásis em meio a um Ceará alquebrado, a água ainda brota da Chapada do Araripe, ainda se cultiva cana-de-açúcar, numa deslocada zona da mata, e o fato destes problemas serem menores no sul do Ceará, não inibe uma reflexão mais consequente, envolvendo todo o Estado. Vale relembrar os mandamentos ecológicos do Padre Cícero, este homem visionário, cuja força se presentifica em todo este Vale. Nota do autor: “Agradeço a Eudoro Santana e Pedro Jorge Bezerra F. Lima, pelas informações para este texto”.

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#caririliteratura

A FOME DE RODOLFO Por claudia albuquerque

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anuel de Freitas é descendente de uma das mais antigas e influentes famílias do alto sertão. Herdou do pai uma pequena fortuna, que empregou inteiramente em terras e rebanhos, multiplicando aos poucos os dividendos familiares. Aos 30 anos casou-se com Josefa Maciel, uma moça pobre e bonita que lhe deu filhos e sossego. Tudo ia bem. Até que veio o ano de 1877. O ano da grande seca, o ano infelizmente inesquecível do flagelo que se estendeu até 1879, devastando o Ceará e reduzindo suas magras reservas a pó. Junto com uma terrível epidemia de varíola, a estiagem matou ou mandou para longe nada menos que um quarto da população. Dizem que 80% do gado morreu. Assim o escritor Rodolfo Teófilo começa o romance “A Fome” (1890), em que já nas primeiras páginas encontramos Manuel de Freitas confinado à condição de retirante, pedindo esmolas com a família debaixo de um pé de cajueiro, nos arrabaldes de Fortaleza. Triste sina a do laborioso sertanejo, que resiste até o último momento antes de abandonar a sua terra. Uma terra

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sem vida, e portanto, sem comida: “O fazendeiro entrou na mata, na esperança de encontrar alguma caça, carne de algum animal que lhe restaurasse as forças depauperadas pela alimentação de goma. Errou pela mata e nada encontrou para alimentar-se. Despovoada e solitária, tinha um aspecto desolador. Nem um inseto, uma revoada dos verdes papagaios, que cantarolavam outrora, pousados nas frondes das palmeiras. (...) O sol tostara tudo! A terra, coberta de uma floresta de esqueletos, com os tons da tristeza, vestia-se de uma expressão lutuosa e desoladora...” Rodolfo Teófilo, um caixeiro-viajante que se formou em farmácia e amava as ciências naturais, deu o subtítulo “Cenas da Seca do Ceará” ao seu primeiro livro de ficção. “A Fome” impressiona por fazer da própria fome o seu personagem principal. Implacável, moedora, sinistra, ela está em todos os recantos, inclusive na capital da província, onde “quase cem mil infelizes de todas as idades viviam miseravelmente nos abarracamentos do governo, nas praças públicas e nos passeios das casas”.


FOTOS: REPRODUÇÃO

Poucos escapam, mas para estes poucos a vida é farta. No capítulo VII o comendador Prisco da Trindade e sua mulher Faustina vão a um baile em que as luzes se refletem nos cristais, os trajes são luxuosos e os diálogos, fúteis. Os convidados veem “a champanha e a cerveja a espumar nas taças” e conversam sobre o figurino alheio, o preço da carne do sul, o câmbio do dia, a alta dos escravos, a política provinciana e suas eleições fajutas. Rodolfo Teófilo descreve assim o lauto jantar, contrastando a gula da elite com a penúria do povo: “A mesa estava esplêndida. De espaço a espaço, viam-se na toalha listras em caracteres góticos e, na língua de Hugo, inovação devida a João das Regras, um tipo que se dizia mestre-de-cerimônias e muito entendido em etiquetas. Um jantar que não tinha uma lista em francês, começando no alto por letras gordas - Menu du diner - dizia o Regras, não é de gente educada. À vista disso, foi ele convidado para dirigir o serviço da mesa. Pedanteou tudo. Não houve galinha, nem pato, nem peru que não fosse crismado. Dos convivas uma trigésima parte mal traduzia o francês, e no entanto o Regras anunciava assim: dindon à co-

mendador Prisco, poule à Simão de Arruda, mounton à Xenofonte da Silveira...” Se Rodolfo Teófilo imortalizou a seca de 1877, Raquel de Queiroz deu fama literária à de 1915. Da mesma forma, João Cabral de Melo Neto, em “Morte e Vida Severina”, Graciliano Ramos, em “Vidas Secas” e Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”, transformaram a dor profunda em boa literatura. Impossível evitar o protagonismo da estiagem em muitas das nossas páginas. Somente século XVIII, cinco grandes secas marcaram o território que vai da Bahia ao Piauí: 1721-1725, 1736-1737, 1745-1746, 1777-1778 e 17911793. No Ceará também não houve chuvas nos anos de 1711, 1754, 1760 e 1772. Escrito bem antes disso, o primeiro relato que conhecemos sobre a seca nordestina data do período compreendido entre 1583 e 1585. Nele, o padre Fernão Cardim, que atravessou o sertão da Bahia em direção a Pernambuco, afirma que “houve uma grande seca e esterilidade na provincia e desceram do sertão, ocorrendo-se aos brancos, cerca de quatro ou cinco mil indios”. Sim, esse papo é mesmo antigo. CARIRI REVISTA 67


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#caririespaçocidades

RECICLANDO ATITUDES Por Isabela Bezerra

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esde o final do século XIX, o plástico é o material reciclável mais utilizado no mundo pela indústria. Para se ter ideia, de todo o lixo produzido, 90% é à base de plástico. E este é o assunto da coluna #EspaçoCidades desta edição. O plástico tem como matérias-primas o petróleo e o gás natural. Isso o torna mais resistente, moldável, porém altamente poluente. Contudo, estamos diante de um problema simples de ser solucionado através da mudança de cultura e de hábitos que visam à preservação do nosso Planeta. O plástico devidamente destinado à reciclagem, quando adicionado a diferentes componentes, pode se transformar em fibras de roupas, eletrodomésticos, cartões de crédito, telhas e uma infinidade de outros produtos.

Estudos e pesquisas estão sendo desenvolvidas para alcançar o máximo aproveitamento deste material que tem grande significância econômica na sua reutilização. O ponto inicial, para redução do impacto ambiental causado pelo plástico e o aproveitamento do seu potencial econômico, é a coleta seletiva do lixo. E enfrentamos problemas urgentes relativos à falta de gestão desse tipo de coleta por todo o Brasil, especialmente, tendo em vista o prazo determinado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, que entra em vigor na metade de 2014 1. Apenas 14% das cidades brasileiras têm coleta seletiva, sendo 86% delas do Sudeste 2. Segundo André Vilhena, diretor do Compromisso Empresarial pela Reciclagem (Cempre 3), “o envolvimento das prefeituras é o ponto de partida. Temos hoje poucos municípios fazendo a coleta seletiva e, principalmente, fazendo a coleta seletiva de forma abrangente. Para mudar isso, os gestores públicos necessitam de treinamento para que possam efetivamente implantar os programas em seus municípios”.

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O QUE PODE SER FEITO A PARTIR DA RECICLAGEM DO PLÁSTICO?

PRODUÇÃO MUNDIAL DE PLÁSTICO EM MILHÕES DE TONELADAS*

Resina

Produto produzido após reciclagem Fibra de carpete, roupa, embalagem de produtos de limpeza, PET telhas, acessórios diversos. embalagem de produtos de limpeza, óleo para motor, tubulação de PEAD esgoto, conduit. PVC Mangueira de jardim, tubulação de esgoto, cones de tráfego, cabos. PEBD/PELBD Envelopes, filmes, sacos, sacos para lixo, tubulação para irrigação. Caixas e cabos para bateria de carro, vassouras, escovas, PP funil para óleo. PPS Placa de isolamento térmico, acessórios para escritório. Outros Madeira plástica, asfalto, reciclagem energética.

Devido à coleta seletiva desordenada, as indústrias de reciclagem sofrem com a ausência de matéria prima. Segundo a Cempre, o setor funciona com ociosidade entre 20% e 30%. Por outro lado, empresas como a Companhia de Bebidas das Américas (AmBev) adotaram a iniciativa e produzem garrafas PET recicladas, economizando 70% de energia e reduzindo em 70% a emissão do gás carbono na atmosfera 4. O personagem determinante neste processo de mudança é o cidadão – eu e você, moradores deste Planeta. Devemos nos incomodar e agir. Um exemplo admirável foi a atitude de uma jovem estudante do Egito, Azza Adbel Hamid Falad. Com apenas

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16 anos e profundamente incomodada com a quantidade exagerada de plástico consumida pelos seus pais, Azza pesquisou uma forma de reutilizar o plástico. Resultado: transformou o plástico em biocombustível (etanol). Transformou o problema em solução. Estimular nossa capacidade de adaptação, renovação e preservação, através de iniciativas que surgem dentro de nossas casas, escolas e universidades, é fundamental. E a troca dessas experiências com os setores público e privado, tendo como objetivo comum manter uma relação sustentável com o meio ambiente, é a base para a mudança de cultura e hábitos que o Planeta exige.

Ano

Produção Mundial de Plástico

1950

1,7

1976

47

1989

99

2002

204

2009

250

2010

265

*Fonte: http://www.ppe.ufrj.br/ppe/production/ tesis/maria_deoliveira.pdf

1. Lei 12.305, assinada em 02/08/2010, que obriga os municípios brasileiros a acabar com os lixões, criando aterros sanitários até 1014, realizar a gestão dos resíduos sólidos, entre outras exigências. 2. Fonte: Agência Brasil, www.agenciabrasil.ebc.com.br/ noticia/2013-05-17/gargalosimpedem-avanco-da-reciclagem-edeixam-empresas-com-ate-30-decapacidade-ociosa 3. Fórum que reúne 38 grandes empresas nacionais e multinacionais desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. 4. Fonte: Agência Brasil.


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#caririgastronomia

TRATADO BÁSICO SOBRE A RESSACA: PARTE III Por Sérgio Pires [Ex-funcionário do Banco do Brasil, praticante de karatê e diretor responsável pela comunicação da ABS-DF, Associação Brasileira de Sommeliers. No momento elabora dois livros sobre vinho, devidamente engavetados ao lado da adega]

“Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu sou do tempo das grandes ressacas.” LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

N

as duas partes iniciais do nosso Tratado Básico sobre a Ressaca desvendamos o que é esse mal e tratamos de como preveni-lo, antes e durante o ato de beber. Agora, se você não se antecipou e a ressaca já se instalou, só resta correr para consertar o estrago. A seguir apresentamos algumas soluções, mas o tema é tão extenso que já está me dando ressaca. Pretendo encerrar o assunto nesta coluna, mesmo sem o ter esgotado, já que, semelhante à “ira da vinhas”, é impossível chegar ao final do tema.

O DIA SEGUINTE: PLANOS DE CONTINGÊNCIA Desintoxicação Para enfrentar o álcool ingerido, o aparelho digestivo teve muito trabalho extra. O estômago precisou fabricar mais suco gástrico; o fígado mais bile, além de ter que neutralizar as toxinas presentes pelo álcool. O intestino aumentou a produção de suco entérico e ainda ficou com o trânsito mais lento. Ago72 CARIRI REVISTA

ra temos de colaborar com o nosso corpo no processo de desintoxicação. Hidratação As bebidas alcoólicas são muito diuréticas e fazem com que o consumidor urine mais que o normal, provocando uma grande perda de água do organismo. Se esta água não estiver sendo reposta adequadamente, o corpo, na tentativa de se reidratar, “rouba” água do cérebro, que acaba ficando um pouco menor do que o normal. As membranas que ligam o cérebro ao crânio são esticadas e assim surge a dor. Para amenizar a situação, a receita é água, muita água. Ela repõe os líquidos perdidos, permitindo que o cérebro volte a funcionar normalmente, e facilita o trabalho do fígado e dos rins, auxiliando na remoção das toxinas acumuladas. Outras bebidas não alcoólicas também ajudam: • Água de coco (contém potássio); • Sucos de frutas frescas; • Isotônicos, assim como os sucos e a água de coco, vão repor não só a água, mas também os sais minerais e as vitaminas perdidas;

• Café (apenas se você for um consumidor habitual e a falta levar a uma crise de abstinência, pois a cafeína estreita os vasos sanguíneos e aumenta a pressão arterial, o que pode fazer a ressaca piorar); • Refrigerante normal (ajuda a repor a glicose eliminada pelo álcool, mas isso não vale para as versões light ou diet). Rebater a ressaca com mais bebida alcoólica até funciona, porque atrasa a desintoxicação do corpo, mas só faz adiar e potencializar a ressaca, além de ser um caminho seguro para o alcoolismo. Comer Urinar em excesso não acarreta apenas a perda de água, mas também a de diversos nutrientes do organismo. Portanto precisaremos ingerir alimentos que reponham as vitaminas, glicose, sais, potássio, aminoácidos, etc. Um problema adicional é que o paladar, por causa da desidratação, fica prejudicado. A boca fica seca e com o gosto ácido das substâncias que o estômago despeja para processar o álcool. Se o sal em excesso faz mal à saúde,


a sua falta é igualmente prejudicial. Ele é imprescindível para que o corpo consiga realizar algumas das principais reações químicas necessárias à manutenção dos estados normais. Isso acontece porque o sal é rico em sódio, eletrólito essencial para os seres humanos. Junto com o potássio, o sódio é eliminado em grandes quantidades pela urina. Para não estressar ainda mais o organismo, o melhor é comer alimentos de fácil digestão. • Frutas, para reidratar, repor as vitaminas e recuperar as reservas de energia por meio da frutose; • Pão, batata e massas, para obter glicose; • Vegetais, para repor as vitaminas que auxiliarão no funcionamento dos rins e do fígado, os principais órgãos responsáveis pela desintoxicação; • Fibras solúveis, como o farelo de aveia ou trigo, arroz integral ou pão integral; • Ovos, brócolis, pimenta, cebolas e gérmen de trigo, que contêm cisteína, aminoácido que é responsável pela eliminação de boa parte do acetaldeído, o grande vilão da ressaca; • Bananas e suco de laranja, para repor o potássio; Evite: carne vermelha (para não sobrecarregar o fígado), queijos, molhos e frituras. Elimine ainda os alimentos industrializados, embutidos e enlatados, como salsichas, presuntos, biscoitos, entre outros. Bacon e ovos não aliviam a ressaca, isto é apenas uma lenda urbana. Cansaço O glicogênio, nossa reserva de energia, é armazenada no fígado e nos músculos. Quando ingerimos álcool, o glicogênio é transformado em glicose e logo depois é eliminado do corpo pela urina. Por isso é muito comum a sensação de total cansaço nas manhãs “pós-bebedeira”. Repouse bastante, mantenha a luz apagada, as cortinas fechadas e fique dei-

tado. A ressaca aumenta a sensibilidade à luz, aos cheiros e ao barulho. A privação do sono não causa ressaca, mas contribui para piorar os sintomas, então procure dormir. Ginástica ou Sauna Malhar não é uma boa idéia. O corpo está cansado, e gastando todo o estoque de glicose na sua recuperação. Fazer sauna na esperança de “suar” todo o álcool e as demais toxinas consumidas é outro grande e perigoso engano. Se você já está um pouco desidratado, a transpiração excessiva pode ser prejudicial e até mortal. A sauna pode causar mudanças potencialmente perigosas nos vasos sanguíneos e no fluxo de sangue em seu corpo, acarretando quedas perigosas na pressão sanguínea e um ritmo cardíaco anormal. Remédios Para resumir, NÃO EXISTE remédio que impeça a intoxicação causada pela ingestão de álcool. Todos os remédios que anunciam a possibilidade de beber sem problemas, evitando a ressaca, são propaganda enganosa. Estes remédios não impedem a ressaca, apenas tratam dos seus sintomas. Normalmente são compostos de: analgésicos, como o ácido acetilsalicílico, a popular aspirina, para a dor de cabeça; antiácido: hidróxido de alumínio; anti-histamínico: mepiramina, que reduz enjôos e vômitos; e cafeína, estimulante do sistema nervoso central, que diminui o torpor. No final, o tratamento infalível para a ressaca é o tempo. Evitar Se estiver de ressaca não dirija. A ressaca piora os reflexos, a concentração e a capacidade visual, aumentando o risco de acidentes. O mesmo conselho serve para quem trabalha com máquinas ou instrumentos perigosos. E com isso chegamos ao final. Espero ter colaborado para que meus amigos leitores possam beber com prazer, sem a punição da ressaca.

A CACHAÇA É NOSSA, NINGUÉM TASCA, EU BEBI PRIMEIRO! Os decretos 3.062⁄01 e 3.072/02 reconheceram juridicamente a designação “cachaça” como produto exclusivo do destilado feito a partir do suco da cana-de-açúcar dentro do território brasileiro. A idéia é evitar que a cachaça vire um produto genérico, como o rum e a vodka, designações que podem constar no rótulo de produtos fabricados em qualquer parte do mundo. Esta medida irá potencializar os ganhos com a cachaça, dando-lhe o mesmo tipo de selo outros países já ganharam. A França conquistou o direito exclusivo de chamar de champanhe o vinho espumante que produz na região de Champagne. Portugal detém o mesmo privilégio em relação ao Porto e ao Madeira. E a tequila é só do México. Mas não basta querer. Tanto é que somente após mais de uma década de negociação, foi aprovada, nos Estados Unidos, pelo Alcohol and Tobacco Tax and Trade Bureau (TTB) – órgão do governo americano especializado no comércio de álcool e tabaco – a determinação de que o nome “cachaça” ou “cachaca” refere-se a uma marca com direitos de uso exclusivos para produtos fabricados no Brasil, e de acordo com os padrões de qualidade nacionais. Parabéns, acho realmente o máximo este reconhecimento. Agora só falta o resto do mundo. CACHAÇA RADIOATIVA “Cientistas da USP usam raios gama para ‘envelhecer’ a aguardente de maneira rápida e sem passar por barris de madeira; eles dizem que não há risco de contaminação da bebida durante o processo”. Depois que li a notícia no jornal Folha de S.P, procurei me informar sobre o assunto. Afinal, para mim, raios gama eram aqueles que transformaram um cientista no Hulk. CARIRI REVISTA 73


O objetivo da experiência é um ”envelhecimento” rápido da cachaça, dispensando o uso de barris de madeira, o que traria economia para os produtores, principalmente no tempo entre a elaboração e o lançamento do produto no mercado. Até agora o método está restrito aos laboratórios, o que me faz pensar que se você se interessa por cachaça num boteco é cachaceiro, mas se o mesmo interesse se manifestar num laboratório, você é um cientista. A equipe do projeto, em teste de degustação comparativa da cachaça com e sem irradiação de raios gama, realizado com 40 alunos da USP (na minha faculdade quem bebia cachaça não participava dos projetos), constatou não haver diferenças aparentes entre as duas. O jornal ainda convidou para uma degustação o sommelier Jairo Martins, especialista no assunto e criador do site “O Cachacista”, que considerou sua aciBEBIDA Garrafa de vinho, 750 ml Garrafa de espumante, 750 ml Garrafa de uísque, litro Cerveja, garrafa 600ml Refrigerante (2 litros). Lembre-se de ter também refrigerantes diet Água mineral, litro Coquetel de frutas, 750 ml Vodka para caipirinhas de frutas, litro

dez forte. A cachaça irradiada ainda teria muito o que melhorar. “Não substitui o envelhecimento em barril. Pode acelerar o processo, mas somem todas as peculiaridades que a madeira proporciona”, disse. Acredito que a experiência é válida, mas ainda temos um bom caminho pela frente. Você experimentaria a cachaça do Hulk? Eu fico com a sabedoria de um velho tio: “Não sou contra as novidades, só não quero ser o primeiro a experimentar”. ATUALIZANDO A CORRESPONDÊNCIA O Jorge do Crato pergunta: “Qual o vinho que você indica para ser servido num casamento?”. Jorge, em festas de casamento se reúnem pessoas diversas, com experiências diferentes em relação ao vinho, e ainda são servidos pratos que não combinam entre si. Portando sugiro um vinho tinto com pouco corpo, mas com boa

presença, como o Pinot Noir. Não haverá necessidade de um vinho branco se for servido espumante, de preferência Brut ou Demi-sec, bem gelado. Os garçons deverão ser orientados para não encher as taças em excesso, 2/3 é mais do que adequado. A Ana Cecília de Fortaleza tem uma questão que se complementa com a anterior: “Como calcular a quantidade de bebida a ser servida numa festa?”. Bem, Ana Cecília, alguns fatores têm de ser ponderados: é um coquetel, um jantar ou apenas um encontro para um brinde? Outras bebidas serão servidas? Qual a temperatura (verão ou inverno), o tipo de festa (dançante, em pé ou todo mundo sentado); o tempo de duração do evento, o perfil dos convidados? Mas para um cálculo aproximado da quantidade de bebidas pelo número de pessoas, corrigido pelas circunstâncias, indico:

EVENTO

QUANTIDADE DE PESSOAS POR GARRAFA

Almoço ou jantar Coquetel Bolo-com-champanhe Do começo ao fim da festa Apenas na hora do brinde Casamento Se não tiver outra bebida Havendo também vinho tinto e branco Havendo vinho tinto e branco, e uísque Quando houver outras bebidas Só refrigerante Qualquer evento Qualquer evento Qualquer evento

3 ou 4 2 2 2 8 10 1 4 6 5 3 5 25 12 a 15

Perguntas, sugestões, dúvidas? escreva para: sergiosvp@yahoo.com.br 74 CARIRI REVISTA


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LANÇAMENTO BRISTOL GOLDEN TOWERS

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#caririespecial

Coleção Cidades Internas Por Fernanda Meireles e Ramon Cavalcante

Ramon Cavalcante — www.facebook.com/quintaramon — é ilustrador, tatuador, um dos proprietários de um dos mais novos e legais espaços de Fortaleza que junta música, gastronomia, artes visuais e não visuais: o Mambembe. Fernanda Meireles — www.facebook.com/pages/Loja-sem-Paredes/380497008693933 — é escritora, zineira, fotógrafa, mestre em Comunicação e criadora da Loja sem Paredes, cujo estabelecimento é bastante ventilado e mutante.

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