Cariri revista 13

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Edição 13

OS CAMINHOS DO CEARÁ NOS ESCRITOS DE

GILMAR DE CARVALHO

CINEMA É PARA OS FORTES: REALIZADORES MOSTRAM COMO SE FAZ CARIRI REVISTA 1


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#edição 13 OUT/NOV 2013

CAPA DESTA EDIÇÃO Arte sobre xilogravura de: João Pedro do Juazeiro EXPEDIENTE DIRETORES Isabela Bezerra Renato Fernandes

CAPA

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EDITORA-GERAL Tuty Osório tuty@caririrevista.com.br EDIÇÃO DE TEXTOS E REDAÇÃO Claudia Albuquerque claus.albuquerque@gmail.com PROJETO GRÁFICO Fernando Brito DESIGN GRÁFICO Álvaro Beleza Lívia Beleza REPORTAGEM Sarah Coelho Lara Costa Lidiane Almeida Antonio Pinheiro João Gabriel de Abreu e Tréz FOTOGRAFIA Rafael Vilarouca REDES SOCIAIS Lara Costa www.twitter.com/caririrevista www.facebook.com/caririrevista DIREÇÃO DE ARTE EM PUBLICIDADE Pedro Grangeiro PRODUÇÃO Crys Alves PUBLICIDADE (88) 3085.1323 | (88) 8855.3013 comercial@caririrevista.com.br ASSINATURA (88) 3085.1323 minha@caririrevista.com.br www.caririrevista.com.br IMPRESSÃO Gráfica Halley Tiragem: 10.000 exemplares COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Kiko Bloc-Boris Sérgio Pires

FSC

EXPOSIÇÃO

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PICOTADO SAÚDE

HOBBY

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DESIGN

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CINEMA

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ESPAÇO CIDADES GASTRONOMIA ESPECIAL

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NEGÓCIOS

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#caririeditorial

CARÍSSIMOS LEITORES, Nesta edição temos o prazer muito especial de trazer em nossa capa o escritor e pesquisador Gilmar de Carvalho, profundo conhecedor do Cariri e um de seus mais aguerridos defensores. Nascido em Sobral e criado em Fortaleza, foi em Juazeiro do Norte que Gilmar encontrou inspiração para algumas de suas maiores obras, como “Madeira Matriz”, em que aborda a força da xilogravura e do cordel. Somando mais de 30 publicações, dentre peças, romances, crônicas, ensaios, reportagens, críticas e artigos, esse irrequieto estudioso já foi jornalista, publicitário e professor do curso de Comunicação da UFC, mas hoje se dedica com afinco à maior de suas paixões: mapear as expressões da cultura tradicional nordestina. Por isso mesmo, nada melhor do que retratá-lo numa xilogravura do exímio João Pedro de Juazeiro. Cinema, essa paixão que arrebata tantos realizadores, a despeito das muitas dificuldades e obstáculos, é outro de nossos temas, aqui destrinchado de maneira a mostrar o que se faz, o que se quer e o que se pode realizar a partir das políticas de editais e da busca criativa de financiamentos. Gente do Cariri, gente de Fortaleza, gente do Ceará: roteiristas, diretores, produtores, atores e batalhadores da sétima arte falam da dor e do prazer de levar adiante um projeto autoral.

Os vinhos acompanham cenas inesquecíveis de filmes que vamos saborear na coluna gastronômica do nosso intrépido Sérgio Pires. Refletindo sobre sustentabilidade, Isabela Bezerra une preocupação ambiental com o escurinho do cinema. Deixando as salas de projeção, vamos encontrar o escultor Sérvulo Esmeraldo, que exibe no palácio da Abolição, em Fortaleza, um pouco do talento que herdou do Crato e que espalhou pelo mundo. O Cariri inicia pesquisas com células-tronco, em parceria com centros avançados nessa área. A arte de cavalgar pode virar hobby – temos muitos criadores e cavaleiros para provar como. A empresa Arplast de reciclagem mostra que o lixo é um luxo, reaproveitando despejos, detritos e resíduos. No mais, é viajar, ler e descobrir. Boa leitura!

Tuty Osório, Editora-Geral.

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#caririconexão Por Lara Costa

Parece que a 1a revista saiu da gráfica ontem. Assim, como um folhear de páginas, chegamos a 12a edição. Nesses dois anos, multiplicamos leitores, seguidores e muitas histórias do nosso Cariri. Entre as tantas memórias que compõem a região, impossível não citar Padre Cícero. Daria para escrever uma edição inteira sobre ele! Foi o que fizemos. E a publicação de aniversário não podia ter sido mais especial. Enquanto isso, comentários e felicitações fizeram a festa nas redes sociais...

Facebook Adorando a 12° edição da Cariri Revista, como de costume tá um lindeza! Déborah de Alencar

Revista de qualidade, sempre com artigos interessantes, atuais, históricos, e que nos faz sempre esperar o próximo número ansiosamente. Uma boa leitura!! Zoia Ayres de Moura

Parabéns pelo dossiê de aniversário sobre o Padre Cícero e obrigada por citar meu trabalho nas indicações sobre a história do Juazeiro e do padre. Abraço, Ediane Nobre

Email

Tweets @liraneto_23 Lira Neto

Maravilha edição especial de aniversário da @caririrevista editada pelas queridas Tuty Osório e Claudia Albuquerque

@cthiago12 Carlos Thiago Alves

Terminando o dia com uma boa leitura. @caririrevista edição especial está ótima!! Parabéns a todos que fazem o sucesso desta edição.

@hersonbarreto23 Herson Barreto

Lendo a edição especial de 2 anos da @caririrevista no conforto do iPad. Parabéns pela edição digital!

@dhyll Adriano Soares

Sou, digamos, suspeito para falar da revista Cariri. Primeiro, pelos laços familiares e memórias afetivas que tenho pela região, ornamentada pela exuberância da Flona do Araripe; segundo, pelo respeito profissional que tenho pelas amigas, jornalistas Tuty Osório e Cláudia Albuquerque. A proposta da Cariri é fascinante porque abre caminhos e revela diferenciais despercebidos da gente do Cariri, do mundo e para o mundo. Bem produzida, fotos e tratamento jornalísticos bem cuidados, com recortes culturais indispensáveis. Que continuem a produzir este excelente trabalho. Miguel Macedo

Envie sua mensagem para Cariri Revista pelo e-mail: tutyosorio@gmail.com, Twitter: www.twitter.com/caririrevista ou Facebook: www.facebook.com/CaririRevista.

Parabéns, @caririrevista! Também disponível no iPhone e iPad / iOS #ExcelenteTrabalho

ERRAMOS Na edição 12, no espaço da entrevista com Pe. Cícero, o nome de Maria do Carmo Forti foi incorretamente grafado como Fortin.

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#cariripicotado

BALADA CULTURAL Em uma debulha de feijão, antigo costume da Comunidade Chico Gomes, no Crato, surgiu a Balada Coco, que acontece desde 2011 nas noites de lua cheia. Ao todo, já foram sete baladas no terreiro da casa de Dona Iraci. Com a presença de grupos musicais como os Irmãos Aniceto e o Maneiro Pau de Mestre Cirilo, recitais poéticos e muita alegria, o evento promove um festivo diálogo entre os jovens e as pessoas mais velhas da comunidade. Daí o nome: “balada”, por ser um termo atual, e “coco” por estar ligado à tradição do local. De acordo com Manoel Leandro, um dos líderes comunitários da Chico Gomes, a Balada foi idealizada como uma celebração local, mas chamou a atenção do público e se expandiu. Os baladeiros chegaram até a receber um convite dos estudantes do curso de Agronomia da UFCA para uma apresentação no campus da universidade. Para Lívio

Diego, Técnico em Meio Ambiente, a importância desse tipo de projeto está na possibilidade de interagir com outras realidades e vivências. “É lindo ver os mais novos aprendendo sua cultura através da oralidade e costumes dos mais velhos”, comenta. RAFAEL VILAROUCA

MÚSICA AO PÔR DO SOL Quem mora no Cariri tem como cenário cotidiano a Chapada do Araripe. Esse belo visual que se descortina no horizonte não condiz, muitas vezes, com o barulho da vida urbana. Mas é possível mudar a trilha sonora e criar uma combinação harmoniosa entre as belezas naturais e o som ao redor. Essa é a proposta do Música ao Pôr do Sol, projeto desenvolvido pelo Sesc Crato. Para quem chega à Praça do Cruzeiro, no bairro do Seminário, onde acontecem as apresentações, o cenário é esse: o Crato com suas inúmeras casas ao fundo; sol se pondo por trás da Chapada;

brisa leve batendo no rosto e músicos se apresentando no palco. O resultado tem sido positivo. Segundo Janaína Guedes, Supervisora de Cultura do Sesc e responsável pela coordenação do projeto, “sempre aparece gente nova nas apresentações”, cuja média de público é de 500 pessoas. O evento acontece sempre no segundo sábado do mês, contemplando apresentações de músicos da região do Cariri e também de outros Estados. Mas é bom ficar atento, pois durante o período de férias ou da Mostra Sesc pode haver mais de uma edição. LINO FLY


À DIREITA DE QUEM VAI, À ESQUERDA DE QUEM VEM GUSTAVO RIVIERA

“Quando fui morar no Rio de Janeiro, em abril de 2012, tinha acabado de gravar um disco no Cariri e lançado virtualmente. Através desse disco recebi a proposta de um produtor musical de São Paulo, para regravar tudo e começar do zero”. Esse foi o ponto de partida para que o músico e compositor caririense Dudé Casado rumasse até o bairro da Lapa – onde mora há pouco mais de um ano – e lançasse seu novo trabalho, intitulado “À Esquerda de Quem Vem”. O disco, produzido no estúdio Casa da Árvore, por enquanto foi lançado apenas na internet. Nas 11 canções gravadas por Dudé Casado, é possível fazer um percurso musical por estilos como o folk, o psicodelismo, o repente. Mas, como ele mesmo diz, “a base é o rock, o resto vem junto”. Trilhando seu caminho artístico na capital paulista, Dudé conheceu os músicos Pedro Penna (guitarra), responsável pela produção de “À Esquerda de Quem Vem”, Hurso Ambrifi (contrabaixo) e Pedro Falcão (bateria), que o acompanham nos shows pelo Sudeste do Brasil. “É bom ter uma produção musical, nesse caso o Pedro Penna caiu como uma luva. Além disso, passei a ter outras opiniões e informações”, acrescenta. O resultado desse trabalho pode ser conferido no portal dudecasado.tnb.art.br .

Dudé Casado: disco novo no portal

FRAGRÂNCIAS PREMIADAS ARQUIVO JUVÊNCIO GONDIM

Quando começou a vender perfumes de porta em porta, no início dos anos 80, Juvêncio Gondim nem imaginava o sucesso que um dia alcançaria. Hoje, aos 60 anos, Gondim possui uma das mais antigas franquias da marca O Boticário da região do Cariri. Completando 33 anos de gestão, o empresário lembra que teve a ideia de vender perfumes quando ganhou de presente um Acqua Fresca, uma das fragrâncias mais conhecidas de O Boticário. “A colônia era desconhecida aqui no interior do Ceará, vi o telefone de Curitiba no rótulo e liguei. Comecei a comprar via

reembolso postal. Só não imaginava que seria o sucesso que foi”, recorda. Juvêncio conta que, todos os dias, saía com o carro cheio de frascos e voltava pra casa com ele vazio. O estoque precisava ser renovado rapidamente. A primeira loja foi aberta na Rua Conceição e, com a ajuda da esposa de Gondim, a marca se consolidou no Cariri. Até hoje o casal é conhecido como “Juvêncio e Isabel do Boticário”. Já são 17 lojas na região, cinco delas apenas em Juazeiro do Norte. A intenção é abrir mais dois pontos em Araripe e Milagres, além de mais uma loja em Juazeiro. CARIRI REVISTA 13


A REINVENÇÃO DO NORDESTE Múltiplos olhares sobre a territorialidade onírica do Cariri. Inexistência de amarras físicas ou demarcação regional. É no contra-senso que emerge o Coletivo Café com Gelo, abrindo frestas em meio a identidades engessadas, propondo caminhos sem manual de instruções. Durante os meses de julho e agosto, o coletivo de fotógrafos caririenses teve a oportunidade de expor suas narrativas imagéticas em importantes espaços de discussão sobre fotografia no país. Primeiro, na exposição FotoRio, no Rio de Janeiro, com o trabalho “Desmame”. Em agosto, 44 imagens do grupo integraram a exposição “Café com Gelo”, no Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Esta mesma instituição, aliás, tem realizado estudos antropológicos sobre a arte conceitual dos artistas cafecomgelenses, através do projeto “Nordestes Emergentes”. Trata-se da reinvenção do Nordeste ou, como alguns preferem, da desconstrução identitária. Para José Afonso Jr., curador da exposição em Recife, “perceber o trabalho do Coletivo Café com Gelo é, entre outras possibilidades, pressionar os botões que acionam o processo de reinvenção visual deste e de outros Nordestes, reais ou imaginários, de hoje e de outrora, globais ou próximos”.

COLETIVO CAFÉ COM GELO

Café com Gelo: pressionando os botões da reivenção visual

DE SÃO PAULO PARA JUAZEIRO A exposição PONTE, promovida pelo Eduqativo - Instituto Choque Cultural de São Paulo, chegou a Juazeiro do Norte no dia 31 de junho. Os artistas Daniel Melim, Stephan Doitschinoff, Coletivo SHN, Mariana Martins, Presto e Znort ficaram até o dia 05 de agosto, onde exibiram seus trabalhos mais recentes no Centro Cultural Banco do Nordeste, além de fazerem intervenções urbanas por vários pontos, como a Praça Padre Cícero e a Universidade Federal do Cariri. O projeto, que tem como objetivo promover o intercâmbio cultural entre artistas e públicos diferentes, aconteceu pela primeira vez na cidade que, segundo Baixo Ribeiro, curador, foi escolhida pela afinidade que os membros da galeria sempre tiveram com a cultura ligada ao cordel, à xilogravura e à escultura. Andréa Sobreira, mediadora, diz que o público é bastante variado – de jovens a idosos, além de alunos e professores. “Na maioria das visitas, as são pessoas receptivas, mas existe 14 CARIRI REVISTA

uma certa timidez, então, com a mediação, tentamos superar isso, fazendo da exposição um espaço de descobertas e de conversas prazerosas, de forma contextualizada.” A estudante de jornalismo Vamille Furtado comenta que as obras, feitas com materiais simples, se mostram acessíveis. “Pra mim é democratização da arte: poder levá-la pra qualquer lugar e mostrar em qualquer parede.” As produções, exibidas até o dia 30 de setembro, passeiam do grafite às pinturas em latões de tinta. DANIEL VON ATZIGEN

Uma ponte para a democratização da arte


UM CARIRI MAIS DOCE O mercado de doces refinados do Cariri está em expansão. Prova disso é o aparecimento de produções que, mesmo caseiras, têm ingredientes que se diferenciam dos tradicionais docinhos de padaria. Andrezza Bringel teve a ideia de produzir bem-casados para o casamento de sua amiga e sócia Tassiana Arrais. O projeto deu tão certo que acabou originando, em 2010, a Binnos BemCasados, pioneira na região. “Começamos realmente por gostar, o intuito não era o comércio. E com a procura, isso nos encantou, porque cada cliente novo, cada feedback positivo, só traz benefícios e dá mais força pra continuar”, comenta Andrezza. As irmãs Iliana e Keinha Barreto, por sua vez, largaram os antigos trabalhos para criar a Personalité, que segue as grandes “brigaderias”, inspirando-se nos chefes mais criativos. “A gente vai mudando, aperfeiçoando, até chegar àquele sabor”, conta a dupla. Para ganhar um dinheiro extra, Mariana Alves, estudante de psicologia, deu início à produção de cupcakes. Há pouco mais de um ano no mercado, a Mariana Cupcakes, conhecida pelos sabores diversos e preços que não pesam no bolso, já caiu na boca do povo. Já Laís Borges, enfermeira, inspirada pelo sonho de abrir uma doceria, criou a La Vita Doces Gourmet. Ela diz que esse é um campo com grande probabilidade de crescimento. “Antiga-

mente, os doces eram mais básicos; hoje são mais sofisticados, buscam ingredientes diferenciados para trazer novidades ao mercado”. A semelhança entre as moças é o amor pelos doces. Fazendo grandes ou pequenas produções, apostam na divulgação on-line, principalmente pelo Instagram. É comum ganhar novos clientes através dessa ferramenta virtual, que exibe fotos das delícias e gera uma interação maior entre quem produz e quem consome. CRYS ALVES

Andrezza e Tassiana: pioneirismo na produção de doces refinados

MEMÓRIA EM PEQUENOS CONTOS Seria muito bom para os registros das cotidianas exisSávia Ferraz, em seu livro “Rascunhos de um Tempo”, tências que cada família contasse a sua história em livros conta a história da sua geração, vivida a partir de suas domésticos, escritos por um membro mais inclinado às le- reflexões interiores. Lançado em junho de 2013, o relato tras. Encomendar a um bom escriba também vale, confiar da escritora, nascida em Juazeiro do Norte em 1952, traz a um hábil redator a tarefa de conferir estilo ao sentido pequenos contos que revelam olhares de Sávia em difeespontâneo das sagas familiares. É uma maneira muito rentes períodos da sua vida, desde a infância à maturidade. interessante de eternizar um tempo, dar a conhecer cos- Através de histórias próprias e de histórias de outros, a tumes e culturas através das vivências de pessoas comuns, autora conta sobre aprender, rir, chorar, surpreender-se, que fizeram sua vida longe de holofotes, de exuberantes revoltar-se, conformar-se, amadurecer e renascer. É a feitos ou datas. Apenas viveram de modo mais ou menos partilha com o outro dos seus sentimentos sobre o que intenso, porém, deixando a sua marca junto aos seus, na há ao redor a partir da leitura do que lhe é íntimo. Um paspassagem. O Cariri é prodigioso produtor desses registros, seio por experiências, mergulhos, saltos, viagens, sonhos e racionalidades que, ali gravadas, jamais serão perdidas. sob forma de prosas e poesias diversas. CARIRI REVISTA 15


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#caririsaúde

VIDA NOVA QUE SE ANUNCIA Por Lidiane Almeida

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Cariri foi escolhido para fazer uma parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), através do Hospital São Raimundo, com o objetivo de uma cooperação técnico-científica em direção ao desenvolvimento das pesquisas com células-tronco na região. Pesquisadores do Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia desenvolveram um tratamento contra doenças nos ossos com a aplicação de células-tronco, com enfoque nas lesões e alterações ósseas, principalmente a osteonecrose e as feridas por trauma. É esse conhecimento que trazem para a região, numa articulação que beneficia a investigação da cura e os doentes diretamente impactados pelos resultados. O Cariri possui estrutura para atender à demanda de aplicação de células- tronco, pela prática já consolidada de transplantes de rins e cirurgias de alta complexidade. Na Bahia, a pesquisa foi desenvolvida devido ao grande número de pessoas com anemia falciforme - doença que causa lesões na pele e nos ossos, além de outros sintomas - comum na população negra. Passando de pai para filho, a anemia falciforme é provocada por uma alteração nas hemácias, que perdem o seu formato arredondado e elástico e adquirem a forma de uma foice

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(“falciforme”). Na sequência, endurecem, dificultando a passagem do sangue pelos capilares sanguíneos, que são vasos de pequeno calibre, comprometendo a oxigenação dos tecidos. O ortopedista e coordenador da pesquisa, Gildásio Daltro, comenta que, apesar do método ser minimamente invasivo, é necessário que o paciente possua determinadas características e atenda a critérios rigorosos. Se um indivíduo tem uma infecção, ele precisa, primeiramente, curá-la para poder sujeitar-se ao tratamento. “Você utiliza células do próprio paciente, ou seja, o risco de rejeição, de reação alérgica, é praticamente zero porque você está tirando célula da própria pessoa”, explica o médico. Todo o processo é realizado dentro do centro cirúrgico, onde o paciente faz os exames pré-operatórios,


LONELY/ISTOCK

submete-se a uma anestesia e fica internado por 24 ou 48 horas. É preciso que exista uma equipe especializada, constituída por um cirurgião, um anestesista, um bioquímico e um biólogo. O professor e cirurgião plástico, José Valber Meneses, também integrante do projeto, destaca que o objetivo maior seria cicatrizar uma lesão, regenerando-a sem provocar os processos normais que uma cicatriz causa nas pessoas, deixando marcas no corpo. Ele ainda ressalta a importância do projeto para a saúde da população do Cariri, para a pesquisa universitária e para a sociedade em geral, uma vez que engrandece as possibilidades de solução de graves problemas trazendo as soluções para dentro do cenário. A equipe responsável pelo tratamento no Hospital São Raimundo já está praticamente completa. O hospital vai receber os dados da região e, a partir disso, será desenCARIRI REVISTA 19


ISABELA BEZERRA

Dr. Gildásio Daltro, ortopedista e coordenador de pesquisa, e Dr. José Valber Meneses, professor e cirurgião plástico. (da esquerda para direita)

volvido um protocolo específico para o Cariri, adequando-se ao protocolo já existente na UFBA. Além disso, ocorreu no mês de outubro um simpósio nessa área da medicina regenerativa e da nanobiotecnologia aplicada à saúde, realizado em parceria com a Faculdade Leão Sampaio, a Universidade Federal da Bahia e a Fundação Educacional Leandro Bezerra de Menezes. O cirurgião geral e deputado federal caririense Arnon Bezerra, que teve a sua formação acadêmica

em medicina na Universidade Federal da Bahia, foi o articulador da parceria, um sonho acalentado há anos e que agora vê concretizado. Além dos detalhes técnicos e científicos e dos óbvios benefícios para a população, Arnon ressalta a importância da formação local de especialistas nesses processos relativos às células-tronco. “Um conhecimento de sofisticada especialização que será facultado aos nossos profissionais de medicina”, sublinha.

PEQUENO HISTÓRICO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO A França é o país pioneiro nesse procedimento, devido à grande quantidade de afro-descendentes residentes no país, como consequência da colonização. Em 1988, uma médica fez a coleta de células-tronco originárias do sangue de cordão umbilical. Foi então que o país fez o primeiro transplante de medula óssea para leucemia, na cidade de Saint Louis. Até então, esse tratamento era utilizado apenas para doenças no sangue e somente

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no final dos anos de 1990 iniciou-se a pesquisa para a aplicação dessas células em outras enfermidades. Nessa mesma época, ocorreu a descoberta das células-tronco embrionárias – em 1988 foram descobertas em camundongos e em 1990 soube-se da existência em humanos. Em maio de 2009, o Brasil tornou-se o primeiro país da América Latina a permitir esse tipo de pesquisa, após aprovação do Superior Tribunal Federal.


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DIVULGAÇÃO

#caririexposição

A LUZ QUE ILUMINA

SÉRVULO

A exposição “LUZ”, em cartaz no Palácio da Abolição, em Fortaleza, apresenta obras inéditas e alguns dos melhores momentos de Sérvulo Esmeraldo, artista do Crato que ganhou o mundo como escultor, gravador e desenhista.

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ou convidá-los para ir até o Mausoléu Castelo Branco, porque a exposição começa lá, quase na rua. Quem passa por aquele quarteirão da Tenente Benévolo, consegue ver do lado de fora”, sorri Dodora Guimarães, companheira de vida e curadora da mostra de Sérvulo Esmeraldo, autor das 60 obras exibidas, que se espalham pelos jardins, pelo pátio interno e pela galeria do Palácio da Abolição. Articulada, Dodora rege com tranquila desenvoltura a peregrinação dos jornalistas – todos de bloquinhos e gravadores em punho – durante uma visita guiada ao mundo geométrico-construtivo de Sérvulo Esmeraldo. A luz das três horas da tarde banha um impactante conjunto de obras que descansa a céu aberto. Projetado pelo célebre arquiteto Sérgio Bernardes, todo o espaço do Palácio da Abolição parece conduzir os olhares para as criações de Sérvulo. Três chapas de ferro dispostas em paralelo, com as pontas suavemente inclinadas, compõem a escultura “Rio”, dividindo o gramado com visitantes inesperadas, que carregam terra de um lado para o outro. “As formigas insistem em trabalhar nessa obra. Sérvulo sempre diz que a escultura é algo que dinamiza o espaço”, prossegue Dodora, bem humorada. “Ele trabalha com um repertório muito econômico, mas está sempre movimentando esse repertório. E surpreendendo”. Entramos na galeria de arte, onde é possível conferir a leveza de volumes, formas e cores, agora em ambiente fechado. Soluções plásticas sofisticadas mostram a sensibilidade ótica, o raciocínio lógico, as reflexões imagéticas, a coerência visual e a rara elegância de um artista que sabe ser intuitivo, mas que tem largo conhecimento das técnicas e materiais utilizados. Não há legenda ou título ao lado das obras. “Foi um pedido do Sérvulo. Ele quer que o público contemple os trabalhos sem qualquer interferência”, explica a curadora, antes da chegada do artista, que aparece na galeria com sorriso aberto e ar satisfeito.

Aos 84 anos, 63 deles dedicados ao ofício de criar, Sérvulo Esmeraldo é um dos mais importantes nomes da arte contemporânea. Ele mora em Fortaleza desde 1980, para onde retornou após décadas vivendo em Paris. A exposição “LUZ” é uma homenagem mais que merecida a esse cratense que produz “todos os dias, especialmente à noite”, como ele próprio revela aos jornalistas. “Estou sempre pensando num projeto, às vezes em vários ao mesmo tempo”. Paralelo à “LUZ”, Esmeraldo cumpre uma intensa agenda de exposições em 2013. Em Paris, ele foi um dos artistas da celebrada exposição “Dynamo – Um século de Luz e Movimento na Arte (1913-2013)”, no Grand Palais. Em cartaz de 09 de abril a 22 de julho, esta foi a maior e mais importante mostra de arte cinética já realizada, ocupando quatro mil metros quadrados do museu. Em São Paulo, ele é um dos 111 artistas da exposição 30 X Bienal, comemorativa da trigésima edição da Bienal Internacional de São Paulo, no parque Ibirapuera. Esmeraldo integrou ainda, na capital paulistana, a coletiva “Cinéticos e Construtivos”, na Carbono Galeria, de 30 de setembro a 01 de outubro. CARIRI REVISTA 23


SAMY GUIMARÃES

No Rio de Janeiro o público pode conferir uma das mostras mais abrangentes já montadas sobre Sérvulo. A exposição “Sérvulo Esmeraldo – Pinturas, Desenhos, Gravuras, Objetos, Esculturas e Excitáveis”, na Pinakotheke Cultural (Rua São Clemente 300 – Botafogo), reúne 70 obras do artista cearense, da década de 1950 aos dias atuais. A primorosa curadoria e montagem de Max Perlingeiro oferece ao expectador a oportunidade de conhecer e compreender a importância da obra de Sérvulo Esmeraldo para a arte brasileira e universal. “Gostaria muito de ter uma grande mostra no Cariri. Estou só esperando o espaço”, diz Esmeraldo, que já fez quatro exposições individuais em solo caririense, a primeira nos anos 50. “Todas as minhas obras têm a mesma linha de pensamento. Eu trabalho o volume e a forma”, reforça, recordando que em 1956 esteve na terra natal para fundar o Museu da Gravura. Entre 1963 e 1965, levou consigo o hoje notável nome de Mestre Noza ao circuito nacional e europeu, primeiro com o livro-ensaio “Via Sacra”, sobre gravura nordestina, e depois com a encomenda de matrizes em madeira para serem lançadas em uma edição especial na França.

Sérvulo e Dodora: amor à arte.

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A escultura “fonte” faz parte do conjunto exposto.

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UM ARTISTA DO MUNDO Nascido no Crato, ao pé da Chapada do Araripe, em 1929, Sérvulo Esmeraldo viveu no Cariri até a adolescência. “Fiz minhas primeiras ‘obras’ em metal observando os ciganos trabalharem no concerto de tachos do engenho, aproveitando os restos, as sobras de material. Outro professor foi o mestre José Macedo, fino marceneiro. Ficava horas atento a seus gestos, manipulando seus instrumentos, ora o martelo, ora os formões”, recordou o artista na edição 02 da Cariri Revista. Esmeraldo iniciou-se profissionalmente no final da década de 1940, frequentando o ateliê livre da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), em Fortaleza. Transferiu-se para São Paulo em 1951. O trabalho temporário na Empresa Brasileira de Engenharia (EBE) nutriu seu interesse pela matemática e repercutiu em seu futuro: em 1957, trabalhando como xilógrafo e ilustrador do Correio Paulistano, expôs individualmente no Museu de Arte Moderna de São Paulo uma coleção de gravuras de natureza geométrica construtiva. O refinamento do seu trabalho foi decisivo para a obtenção da bolsa de estudos do governo francês que o levou, no mesmo ano, para uma longa estada na França. Em Paris, frequentou o ateliê de litogravura da École Nationale des Beaux-Arts e estudou com

Johnny Friedlaender. Na década de 1960 dedicou-se a projetos movidos a motores, ímãs e eletroímãs. Utilizando-se apenas da magia da eletricidade estática, chegou à série de “Excitables”, trabalho que o particularizou na arte cinética internacional. Em 1977 iniciou o retorno à terra natal, trabalhando em projetos de arte pública que incluíam esculturas monumentais na paisagem urbana de Fortaleza, cidade para onde se mudou em 1980 e que hoje abriga cerca de quarenta obras de sua autoria. Em 2011, a Pinacoteca do Estado de São Paulo organizou importante retrospectiva do artista, seguida pela exposição “Simples como o Triângulo”. Em 2013, Esmeraldo ainda participa de várias mostras. Em seus planos, uma nova edição da Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras em Fortaleza, com artes de várias partes do mundo, mostra que idealizou e da qual foi curador em 1986 e 1991. Com diversas exposições realizadas e participação em importantes salões, bienais e outras mostras coletivas na Europa e nas Américas (Realité Nouvelle, Salon de Mai, Bienale de Paris, Trienal de Milão, Bienal Internacional de São Paulo, entre outras), a obra de Esmeraldo está representada nos principais museus do país e em coleções públicas e privadas do Brasil e exterior.

GENTIL BARREIRA

SERVIÇO Exposição “LUZ”, de Sérvulo Esmeraldo. Visitação pública gratuita até dezembro de 2013. No Palácio da Abolição – entrada pela Rua Silva Paulet, 540 – Meireles – Fortaleza. Fones de contato (85) 3466 4981/ 3466 4932. Horários: de terça a sexta-feira, das 9h horas às 17h. Aos sábados e domingos das 13h às 17h. Sempre com serviço de monitoramento e guias. Para a visitação é necessário apresentação de RG e CPF. Acima de 10 pessoas, agendamentos devem ser feitos pelos fones acima, ou via email visitaaopalacio@casacivil.ce.gov.br ou através do site http://www.ceara.gov.br – tópico visita ao palácio. Mais Sérvulo Esmeraldo no facebook (www.facebook.com/ServuloEsmeraldo) CARIRI REVISTA 25


#cariridesign

ATELIER CRIATIVO Por Antônio Pinheiro

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omentar a parceria econômica e cultural entre as indústrias e o artesanato, além de unir o espírito inovador dos profissionais da indústria criativa – artesãos, designers e estudantes – à visão empreendedora das micro e pequenas empresas de moda do Ceará. Esses são os objetivos do Atelier Criativo, projeto desenvolvido pelo Sebrae, que chega à sua segunda edição, tendo como paisagem de inspiração a rica cultura caririense. O resultado desse processo de construção coletiva é a coleção Cariri, Moda & Paixão, criada a várias mãos, gestada ao longo de cinco meses. As peças serão apresentadas em dois momentos: primeiro no Ambiente Atelier Criativo Sebrae, montado na Mostra Casa Cor Ceará 2013. Em uma segunda oportunidade as produções serão conhecidas pelos apreciadores do mundo da moda por meio de um desfile no primeiro Forte Cariri, evento aberto ao público, que contará com a participação de todos os envolvidos no projeto. No total, quatro empresas (Cimmara Moda Íntima, Sagian, Eliene Lino e Dona Moça), três associações (Associação dos Artesãos do Crato – ACA, Associação de Artesanato do Município do Barro – ARTEMB, e Associação do Couro – Associcouro) e estudantes do curso de Design de Produtos da Universidade Federal do Cariri (UFCA) formam o grupo. A coleção produzida teve como matéria-prima os resíduos gerados pelas empresas participantes do projeto. Com a habilidade das mãos dos artesãos caririenses, esse material foi transformado, resultando em pequenas flores, fuxicos e aplicações. Desse modo, ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento econômico, o Atelier Criativo fomenta a consciência sustentável. Para Mark Greiner, estilista responsável, esse é “um espaço de ação e reflexão, onde nossas

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heranças e tradições culturais são inseridas nos diálogos da moda contemporânea brasileira. A partir da afetividade e do orgulho presentes no produto feito à mão, resignificamos nossa produção em prol de um consumo consciente e da valoração do ser humano”. Com as peças criadas pelo grupo foi realizado, também, um editorial de moda com os modelos Rafaela Scienza e Pedro Henrique (Dukke), fotografados por Rafael Vilarouca. As imagens estão na revista Casa Cor Ceará 2013. Além das fotografias, um vídeo com o editorial será apresentado no Ambiente Atelier Criativo SEBRAE, durante os dias em que estiverem acontecendo a Casa Cor Ceará. FICHA TÉCNICA Estilista: Mark Greiner Modelo: Rafaela Scienza e Pedro Henrique (Dukke) Fotógrafo: Rafael Vilarouca Produção: Editora 309 FIQUE POR DENTRO A Casa Cor Ceará chega a sua 15ª Edição, tendo como tema “Um olhar para o Ceará”. O local escolhido para o evento possui uma extensão de 7.200 m2, onde estão expostos 42 ambientes com decoração inspirados na cultura cearense. SERVIÇO Casa Cor Ceará 2013 – Acontece de 10 de Outubro a 19 de Novembro, na Avenida Rui Barbosa, 869 – Aldeota, Fortaleza. Visitação das 16h às 22h, de terça a domingo.


FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

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RECICLAR É UM EXCELENTE NEGÓCIO CARIRI REVISTA 29


O LUCRO DO LIXO Descendente de uma família que migrou ao Cariri por causa do Padre Cícero, Adson Peixoto movimenta a cadeia da reciclagem, indicando que os bons negócios se encontram onde antes só havia lixo. Por Kiko Bloc-Boris

arplast: vivendo do que os outros não querem mais.

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reaproveitamento de despejos, detritos e resíduos ainda não é sinônimo solidificado no reverter da limpeza planetária, mas práticas exemplares e prerrogativas dinâmicas já contribuem para a transformação de tal cenário. O empresário Adson Peixoto é presidente da Arplast, indústria que recicla todo tipo de plástico e papelão, já com três sedes, todas em Juazeiro do Norte. No crescimento expandido, a fábrica fez ajustes precisos, para, em apenas oito anos, já empregar diretamente 160 pessoas e atender quase todo Brasil. Os serviços ordenados à conscientização ecológica, geram, na mesma medida, recompensas gratificantes. Adson nem lembra o quanto injetou ao certo para criar a Arplast. “Entre R$ 10 e 13 mil”, calcula o administrador de empresas, que além da formação acadêmica se armou de uma aguda visão empírica com grande tino empresarial. Confirma que energia viva faz rodar o negócio da reciclagem com avançada organização, e para torná-lo o maior do gênero no Cariri, com pioneirismo nas frentes nacionais, Peixoto luxou com empenho até poder validar como “muito boa” a atual margem de lucro. Não esconde o orgulho em ser “a primeira empresa do Brasil nessa atividade a ter todas as certificações e licenças para qualificação e gestão diferenciadas, voltadas aos investimentos permanentes”, embora ressalte que este não é “um mar de rosas”.

Adiantando-se à concorrência, Adson Peixoto buscou consultores abalizados para ajudá-lo a tornar palpáveis a gerência e segurança de lucros na empresa, como a coordenação de ideias para evolucionar. Ele, que já tinha desenvoltura no mercado, impôs rigidez no rastreamento de cada atividade da Arplast, sem nunca subestimar competidores. Além de revogar a informalidade com a fidelização de catadores e fornecedores, renovou contatos e contratos, fazendo convênios até com redes de supermercados. Os mandamentos com que Adson Peixoto municia a Arplast não dispensam a crença nas ideias já banalizadas de alicerces saudáveis ao ecologicamente correto. “Acredito muito nisso, parte mais de um princípio de educação do que da empresa em si conseguir essas transformações. Porém, tenho que me voltar também ao lado econômico, de lucros”, assinala. “Não vale se permitir pensar, como muitos, que reciclar é serviço só de artesãos ou ONGs, que ajudam a reaproveitar entulhos. Tem que encarar as ações com eficiência para os negócios”. OBSERVAÇÕES CONVERTIDAS EM DISTINÇÕES EMPRESARIAIS Juazeirense de família comerciante e imigrantes romeiros, Adson Peixoto teve as concepções iniciais para formar a Arplast quando ainda trabalhava na Casa do Eletricista, loja do seu tio Cícero Peixoto. O olhar atento para conduzir relações de valias avultou sua imaginação ao avistar, em frente ao estabelecimento, a informal presteza de um senhor que “mexia com papelão num comércio ainda fraquinho”. Na época, em conversa amiga, soube também que uma fábrica na Bahia precisava do material favorecido para reuso. Após “muita peleja”, conseguiu comprar o papelão do velho e mandou uma “carrada” ao estado vizinho. O lucro ainda pouco, mas demandas maiores, o animaram a ver nas redondezas como o ambiente das reciclagens podia servir a prósperas fruições. Antigamente quando Peixoto falava de reciclagem, o pessoal abreviava o assunto à atividade básica de recompor jornais, garrafas PET e restos de utensílios em crias artesanais, como tapetes, móveis ou adornos. Ele, ao contrário, queria demudar de forma profissional e rentável a reutilização das matérias-primas, com fins CARIRI REVISTA 31


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Adson: “reciclar não é serviço só de artesãos”.

dilatados na oferta a setores industriais. Reviu o trabalho com papelão, pois sabia pelos exemplos que colhera que o produto era o mais fácil de começar a reciclar, em oportuna celeridade. Ao mesmo tempo, observou nos diagnósticos da área que, apesar de muitos já reciclarem o material na região, a maioria desanimava por não conseguir revender a contento. Sem profissionalismo e sem capacitação, o mercado era movido por intrigas, falsas promessas de compras e pouco volume de vendas. O que “valia era a ‘lei’ do mais sabido”, sentencia Adson, que no histórico preliminar do negócio, em pouco tempo já comprava bastante papelão, e não só daquele senhor que o motivara à iniciativa. Tanto que em quatro meses de experimentos, já entregava 20 vezes mais do que conseguira enviar na primeira leva. Um ano depois, o empresário negociava também com catadores de plástico e, ao incluir esse artigo no empreendimento, avançou nas revendas. O novo segmento fez a então fabriqueta ascender, aditivada por renovações nas normativas contábeis. 32 CARIRI REVISTA

Quando a Arplast nem tinha ainda os primeiros dois ou três funcionários, Peixoto era o faz-tudo. Para carregamentos maiores, contratava fortes chapeados e estivadores. Terceirizava o transporte com caminhões para entregas, assim como, além dele próprio, ia chamando condutores confiáveis para checar que tudo chegasse devidamente aos locais de recompra. SALTOS E SALDOS REMODELADOS Os obstáculos não foram poucos para ampliar a cadeia produtiva da reciclagem, que a Arplast engrenava. Tanto no especializar da mão-de-obra, quanto dos maquinários, Peixoto teve que adaptar serventias e analisar modelos, a partir da infraestrutura experimentada por outras indústrias, como a calçadista. A novidade do ramo não detinha referências para equipar os processamentos de papelão e plástico, e o empresário foi copiando protótipos de setores mais desenvolvidos até estudar novas descobertas e apetrechos relativos ao segmento. Os moinhos para reciclar plástico afeiçoavam-se aos então usados para fazer sandálias, assim como as esteiras e prensas, que só depois de adequações foram aprimoradas em linhas, que hoje são uma espécie de símbolos da reciclagem. Se agora os rolamentos de triagem e classificação por cor, padrão, carga etc, coexistem com máquinas que compactam todos os tipos de papelão e plástico, operam na purificação de resíduos, permitem novas formas de seleção e lavagem até às extrusoras, que inserem aditivos e agregam valor aos produtos finais, o funcionamento humano teve também que azeitar trilhas para a Arplast se dilatar. Um novo conjunto de aliados foi injetado na empresa para que os processos de beneficiamento dos refugos voltassem ao comércio como matérias-primas. De acordo com os produtos a ganharem reusos, equipes são envolvidas nas buscas, separação e produção dessas mutações, da mesma forma,


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inclusões diferenciadas no trabalho também consomem grande quantia de pessoal em conduções na empresa. Uma cadeira de plástico quebrada que, por exemplo, tenha maior valia à reciclagem, quando jogada no lixo ou deixada na calçada, nem fica ali por muito tempo, pois catadores já a levam às unidades da Arplast ou vendem aos pontos de coleta, depósitos e associações atuantes em várias localidades. Esses celeiros também precisam reunir em abundância materiais recicláveis do mesmo gênero para valer a produção – no caso da Arplast é preciso juntar pelo menos mil quilos de plástico em geral – e a eficácia de conversões comerciais. Assim também, equipes são formadas para pré-classificação ou dispensa do não reutilizável, à reciclagem em si, bases de negociação e transporte aos consumidores. O progresso é tanto que hoje a Arplast vende até 90% do refinamento produzido aos grandes centros, dos mais próximos, como Salvador, até São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, entre outras regiões. O restante disso que, não é pouco, fica nas localidades vizinhas

ou para refazer produtos mais triviais. De Norte a Sul do país, cerca de 50% da produção se une em regimentos ao total de rendimentos em braços do núcleo, como a Arpel na Bahia, que há cerca de quatro anos remonta somente derivados do papelão, afora parcerias indiretas. Os incrementos e a propagação são sucessivos, haja vista que a Arplast já constrói nova sede na Vila Três Marias, também em Juazeiro, onde Adson Peixoto deve em breve centralizar os empreendimentos, assim como reiterar o sucesso de todos esses sequenciais aprendizados.

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LABIRINTO ECOLÓGICO Por Crys Alves

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m Juazeiro do Norte, a Arplast idealizou um grande labirinto ecológico, em parceria com o Cariri Garden Shopping, que trouxe informações sobre o assunto para a população. A área utilizada foi de 250 m2, com paredes feitas a partir de 25 fardos de material plástico prensado, cada qual pesando 100 kg. O que chamou a atenção de todos foi saber que todo aquele resíduo reciclável havia sido produzido na cidade de Juazeiro em apenas três horas. O Labirinto Ecológico foi instalado dentro do estacionamento do Cariri Garden Shopping, onde ficou durante 10 dias, proporcionando um confronto visual com o “lixo” produzido e gerando curiosidade entre os que circulavam por ali. A reciclagem é uma forma interessante de transformar materiais e objetos em novos artefatos para consumo, dando um destino sustentável aos resíduos produzidos. Várias escolas da região visitaram o projeto, que conquistou a simpatia de jovens e crianças, desde alunos do Ensino Infantil até estudantes do Curso Técnico em Meio Ambiente. Além das visitas programadas, curiosos chegavam para tentar entender o que significava a exposição. “Ao ouvirem a explicação que todo aquele material foi produzido num mínimo espaço de tempo, todos ficavam impressionados”, comenta Renato Oliveira, um dos idealizadores do projeto. O Labirinto Ecológico contribuiu, sem dúvida, para chamar um pouco a atenção para a realidade da desenfreada produção de lixo que promovemos cotidianamente e para as possibilidades que existem – substituir a produção e o abandono dos resíduos por um descarte racional, sistematizado, com destinação garantida à reciclagem. Uma ação que ocorre justamente num palco de consumo, como um shopping, traz para o público conceitos de sustentabilidade, proporcionando uma releitura das atitudes.

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FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

No Cariri Garden Shopping, um labirinto para informar e conscientizar.


A produção do lixo e o destino sustentável dos resíduos: temas em confronto.

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ELES TÊM ASAS

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cavalo é para o homem como as asas para o pássaro”, diz um velho ditado. Talvez venha daí a paixão de tantos criadores, que montam seus animais como se quisessem voar. “Cavalo pra mim é uma paixão de menino. Já tentei mudar de ramo, fiz rali, jet-ski, paraquedismo... Já andei de moto, helicóptero, avião, mas nada é igual a montar”, explica o empresário Sávio Bringel. “O cavalo é totalmente apaixonante. Você cria um elo com ele, é como se conversasse com a alma do animal”, garante. Sávio mora há quase 20 anos em Juazeiro, mas trouxe o amor pelos cavalos da fazenda em que nasceu, na cidade de Jardim. “A minha infância foi pastorando gado, pegando boi na caatinga, no mato. Cresci nesse ambiente, fazendo amizade com os vaqueiros, com os tiradores de leite”, recorda. Hoje ele tem um haras em Juazeiro com vários cavalos de raça, mas mantém também animais em Brejo Santo e Jardim. A seu lado, o amigo Daíta, empresário, vaqueiro profissional e celebridade entre os criadores locais, diz que a paixão está no sangue. “Meu pai toda a vida foi pegador de boi no mato. Sempre gostou de cavalo e me botou no ramo ainda menino. Eu sou vaqueiro, com muito orgulho. Por causa da minha profissão, montei os melhores cavalos do Brasil. Meus dois filhos já gostam disso, é de família!”, celebra Daíta, que tem mais de 40 cavalos em Juazeiro e Brejo Santo. Com o também empresário Hélder Callou não foi diferente. “Desde os cinco anos, quando passava férias nas fazendas dos meus avós, em Pernambuco, já montava a cavalo, às vezes até mesmo sem arreios, sem sela. Muitas vezes eu, meus irmãos e primos levávamos os cavalos à beira de um rio ou açude e entrávamos dentro d’água montados, fazendo com que os cavalos nadassem com a gente”.

Hoje os irmãos Callou – Hélder, Fábio, Albino, Marcelo e Marquinho – se destacam na fina arte de reconhecer belos animais. Marquinho, aliás, idealizou e montou o Parque Padre Cícero, em Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza, que reúne vários vaqueiros. Já Fábio é considerado por todos “uma enciclopédia do cavalo” e viaja para muitas paragens para ver animais. Há alguns anos, ele vendia entre 100 e 200 cavalos por ano. Com o surgimento dos leilões transmitidos pela TV, houve um desaquecimento do mercado, pois parte dos clientes passou a comprar direto nesses eventos. Foi então que, junto com um sócio e uma leiloeira – no caso, a WV Leilões, de São Paulo – Fábio criou o primeiro leilão virtual de cavalos Quarto de Milha. INTELIGÊNCIA E VERSATILIDADE “Apreciar um lindo cavalo, montar, galopar, correr, me proporciona muita alegria e me traz um enorme prazer, até mesmo eliminando o estresse acumulado por causa dessa vida agitada que temos hoje”, acredita Hélder. Como os irmãos e amigos, ele é um admirador do cavalo Quarto de Milha. “O pé-duro brasileiro é o cavalo mais resistente em termos de musculatura, ossatura, tendões, mas é de pequeno porte. O Quarto de Milha CARIRI REVISTA 39


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Sávio Bringel, Hélder Callou e Daíta (da esq. para a dir.): unidos pela arte de cavalgar.

é parecido com esse cavalo crioulo, por ter velocidade, inteligência, versatilidade e coragem, mas também tem bom tamanho”, defende Sávio Bringel. Docilidade e beleza são outras qualidades lembradas pelos criadores. Fábio Callou diz que a raça é especial. “Foi a primeira a ser desenvolvida na América, por volta do ano 1600”, explica. Os animais que a originaram foram trazidos da Arábia e Turquia pelos exploradores espanhóis. “Os garanhões escolhidos eram cruzados com éguas que vieram da Inglaterra em 1611. O cruzamento produziu cavalos compactos, com músculos fortes, que podem correr distâncias curtas mais rapidamente que nenhuma outra raça”, pontua Fábio. Sávio Bringel foi possuidor de um cavalo conhecido nacionalmente, o Show do Milhão. “Esse cavalo foi um fenômeno, foi como Ronaldinho (risos), e saiu do haras de Sávio”, explica Daíta, que diz ter dito o prazer de montar no campeão. Criar cavalos Quarto de Milha, com profissionalismo, dedicação e conhecimento profundo das famílias de pedigrees que fizeram história nas principais provas do Brasil e Estados Unidos, além de proporcionar prazer pode ser uma atividade bastante lucrativa. É o que garante Hélder, com total concordância dos companheiros. No dia em que conversou com a CARIRI, Sávio Bringel havia vendido uma égua por R$ 200.000 e outros dois cavalos por R$ 350.000. 40 CARIRI REVISTA

Os criadores explicam que existem três fatores determinantes para se ter um bom animal: a escolha certa do pedigree, uma doma racional e um constante treinamento. Para corresponder aos desejos de um esportista, o cavalo deverá ser tratado como um verdadeiro atleta, não apenas no que se refere à alimentação. Ele tem que estar sempre se exercitando, flexionando os músculos e treinando a modalidade que pratica. Dentro da raça Quarto de Milha existem diferenças das linhagens de trabalho, conformação e corrida. Eles são adeptos da vaquejada e não concordam com as críticas que os defensores de animais fazem ao esporte. “Quem diz isso deveria nos visitar e ver como nós tratamos nossos animais”, informa Sávio, que começou a correr vaquejada aos 14 anos e chega a chorar de emoção ao fim de uma prova. “Crueldade é deixar os jumentos abandonados nas rodovias. As pessoas têm que se informar melhor para criticar da forma certa”, argumenta Hélder. Daíta já ganhou mais de 30 carros e 300 motos com as vitórias nas corridas. “Além dos prêmios, conquistei amizades”. Por fim, Hélder encerra com um incentivo: “Recomendo a todos que busquem conhecer e conviver mais de perto com o cavalo, especificamente da raça Quarto de Milha, pois provavelmente ele irá proporcionar não só prazer, mas também grandes benefícios à sua saúde”.


NÃO TEM PREÇO Outro que compartilha da mesma paixão é Francisco Ivanhoé Bezerra de Menezes, dono do haras Salgadinho, em Juazeiro do Norte. Seu contato com os cavalos também veio da infância, quando levava o gado do seu avô para o Sítio Caldeirão, em Nova Olinda. Para ele, “era prazeroso o contato com o gado, a viagem em si, o percurso, a natureza, o clima, a montaria, parecia os filmes de faroeste”. Entre as estrelas do seu haras está o cavalo Arapongas Top Bristly, da raça Appaloosa, conhecido como Cara de Rato, que ganhou esse

nome por ser pequeno para a raça, quando era filhote. De acordo com Raimundo Santana, gerente do haras Salgadinho, esse cavalo já ganhou prêmios na Vaquejada de Monteiro, na Paraíba, e no Circuito Nacional Mastruz com Leite, entre outros. Mesmo já tendo recebido várias propostas de compra, Ivanhoé Bezerra não tem vontade de vender o Cara de Rato. “É o appaloosa mais eficaz (em tudo que faz) do país. Ele dignifica totalmente sua raça, é excelente reprodutor... Não tem preço”, explica.

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DO CAVALO COMESTÍVEL AOS ALAZÕES PURO SANGUE Por Abel Boaventura Osório de Castro [Abel Boaventura é estudioso de história, heráldica e genealogia]

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Abel Boaventura aos dois anos, no cavalo de madeira tão presente nos estúdios fotográficos da década de 30

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esde os tempos de meninice sempre me senti atraído pelos cavalos. Ainda muito criança, e já depois, no inicio da pré-adolescência, vibrava com a leitura de revistas de quadrinhos e todo tipo de filmes americanos que estampavam as aventuras de cowboys montados nos seus garbosos alazões. Certo estava aquele sexto sentido de minha mãe, quando um belo dia, me transportou a tiracolo até ao estúdio fotográfico de um amigo da família para me fotografar. O proprietário do mesmo, sem rodeios e de forma rocambolesca, assentou-me na sela de um garboso cavalo, “de mentirinha”. O retrato saiu bonitinho, com o cavaleiro agarrando e segurando firme, as rédeas de tão cativante equino. Eu havia completado poucos meses antes, dois anos de idade. Há já alguns anos recebi de presente um pequeno livro da autoria de Manuel Pio Corrêa, ilustre Embaixador e esclarecido cavalariano, no qual desenvolve e relata, com certo pormenor e sem cansaço, a história desses heróis equinos. “O Cavalo Comestível e seus descendentes” encontra-se esgotado e achamos de interesse tentar compilar e resumir, com o mínimo de falhas, os preciosos ensinamentos recolhidos da referida obra.

PEQUENO COMO UMA RAPOSA Quando o cavalo apareceu, há milhões de anos, era um animal de pequeno porte, do tamanho de uma raposa, que evoluiu muito lentamente, mas que teve papel importante na participação e desenvolvimento da humanidade. O primeiro contato do cavalo com o homem foi feito através da utilização da sua carne para consumo e nutrimento, manjar de certo modo privilegiado da sua alimentação. Há cerca de quarenta milhões de anos os nossos ancestrais, que habitavam cavernas da Europa Ocidental, caçavam o cavalo para fins culinários e deixaram, aliás, registradas essas caçadas em admiráveis pinturas murais nas paredes das cavernas que habitavam (Les Eyzies em França ou Altamira na Espanha). Caça ideal, o cavalo fornecia boa quantidade de carne e a sua presa era fácil, pois não possuía armas naturais para se defender, nem chifres como os bovídeos, nem as afiadas garras dos ursos das cavernas. E a verdade é que passados esses tais milhões de anos, ainda existem nos tempos atuais numerosos hipófagos deliciados com as suas preferências. Voltando novamente a referir a França, como exemplo, ainda existem algumas cidades cujos açougues vendem exclusivamente carne de cavalo: “Boucheries chevalines”. Analisando em seguida e, paralelamente, o uso e

aproveitamento da força animal do cavalo, há que citar o fato da existência de algumas regiões da mesma França, em que os proprietários rurais, ainda nos tempos de hoje, fazem lavrar os seus campos por arados movidos por cavalos, de preferência a tratores, pela simples razão de que a máquina-trator, uma vez terminada a sua vida útil, não pode ser comida, ao passo que o cavalo velho encontra boa cotação nos matadouros da especialidade. A DOMESTICAÇÃO RACIONAL E A ERA DO CAVALO MONTADO O começo da domesticação efetiva do cavalo é outro tema muito controverso, não só em relação à época em que tal ocorreu, bem como qual seria o primeiro povo que iniciou essa tarefa de convertibilidade dos seus instintos e sua natureza selvagem. Contudo, existe opinião bastante generalizada de que a doma do cavalo se iniciou simultaneamente com a invenção da roda. Com efeito, a primeira utilização da roda foi aplicada na construção de carros de guerra. Surgiram assim, unidades simples e depois grandes unidades de corpos de cavalaria atrelada. Transcorreram igualmente vários séculos antes que o homem tivesse a ideia de utilizar o cavalo montado, em vez de atrelado. Ao aprender a montar o cavalo, o homem estava iniciando a valorosa e fidalga arte da equitação. Esta evoluiu a ponto de tornar-se uma verdadeira ciência, ao obter do cavalo a obediência às ordens do cavaleiro nas mudanças de andaduras na execução de figuras e ou o trabalho em duas pistas. Ciro o Grande, rei da Pérsia no sécº. VII a.C., foi o melhor cavaleiro do seu tempo. Já o Rei D. Duarte I de Portugal (1391-1438), escreveu o célebre “Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela”, um dos manuais mais antigos sobre Hipismo e Justa Equestre medieval que, sendo aparentemente um simples tratado de equitação, se encontra fundamentalmente voltado para um objetivo didático. ATIVIDADES ESPORTIVAS, RECREATIVAS E COMPETITIVAS O cavalo protagoniza atividades diversas, hoje em dia objeto de polêmica pelos ambientalistas que consideram serem nocivas aos animais. As corridas de cavalos são um esporte tradicionalmente britânico que chegou ao Brasil em meados do séc°. XIX. Exige velocidade e equilíbrio, espetáculos de beleza e grande suspense. Inicialmente os proprietários dos animais treinavam e corriam eles mesmos. CARIRI REVISTA 43


Isso com o tempo foi-se modificando e hoje os donos focam a sua atenção em criar os mais velozes animais do mundo e deixam a montaria para os profissionais chamados de jóqueis. A função do jóquei é conduzir o cavalo para a vitória. “Ele é o cérebro do animal, por isso necessita de, pelo menos um ano, para se tornar profissional, até que consiga aprender todas as técnicas, que vão da posição de corrida ao equilíbrio”. As corridas de cavalos continuam a ser privilégio de grupos da elite sócio-economica, se bem que se venha notando uma ligeira tendência do interesse e possibilidades de outras classes em ascensão, o que é muito salutar. A maioria das pessoas que são fãs de corridas de cavalos, também são fãs de apostas sobre tais eventos esportivos. O toureio a cavalo conta com mais 500 anos. Durante toda a Idade Média praticou-se a Tauromaquia na Península Ibérica, mas sempre a cavalo. Mais do que esporte, era um verdadeiro treino para a guerra. Importa fazer uma simples referência do toureio à portuguesa, no qual os Cavaleiros se vestem com trajes do sécº. XVIII e os Forcados como os rapazes do fim do sécº. XIX. Já nas Corridas de Gala à Antiga Portuguesa a indumentária é de rigor e na arena desfilam coches (carruagens de estilo antigo) puxados por

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cavalos luxuosamente aparelhados. É realmente um espetáculo deslumbrante. É regra clássica que o cavaleiro dê sempre prioridade ao touro, esperando que ele arranque. Em Portugal, como não há touros de morte, o espetáculo termina com a pega feita pelos Forcados e essa arte de “pegar” comporta técnicas de embarbelamento ou encornamento, conforme o touro é pego à barbela ou pelos cornos. A vaquejada é uma festa genuinamente brasileira, com uma tradição de mais de 100 anos. Nos últimos 20 anos tem vindo a modernizar-se e a profissionalizar-se, tornando-se reconhecida como esporte através da Lei Pelé e regulamentada pela Lei Federal 4.495/98 e outras Leis Estaduais. Apesar de muito praticada na região Nordeste, principalmente por vaqueiros, atualmente são realizadas mais de 1.000 vaquejadas por ano em todo o Brasil. As vaquejadas são consideradas pelos seus admiradores “esporte” recreativo-competitivo, que consiste centralmente em fazer dois vaqueiros a cavalo perseguirem um boi, emparelhá-lo e conduzi-lo a uma área-objetivo, entre duas linhas paralelas de cal, onde o derrubam. Mas derrubar o boi pelo rabo, a vaquejada tradicional, é espetáculo puramente nordestino.


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#cariricapa

NOS PASSOS

DE GILMAR Por Claudia Albuquerque

Se um leitor quer rotas seguras para o coração do Ceará, encontra pistas sinuosas na obra de Gilmar de Carvalho. Pesquisador de artes e tradições, doutor em comunicação e semiótica, estudioso das profundezas caririenses e andarilho de mil brasis, Gilmar registra gestos, expressões e ofícios em livros que são como pontes para transpor a desmemória geral.

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ARQUIVO GILMAR DE CARVALHO

Gilmar de Carvalho: da academia para o mundo. CARIRI REVISTA 47


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em adianta procurar no Facebook. Gilmar de Carvalho não está lá. Também não usa o Twitter e não tem WhatsApp. Embora parcimonioso com gatgets em geral, não é avesso à tecnologia. Todas as manhãs, abre o computador, lê um jornal virtual e verifica os e-mails – costuma respondê-los imediatamente. Virginiano no sentido clássico da palavra, é um soldado da disciplina, que acorda às 6h da manhã e dorme à meia-noite, diariamente. Em algum lugar da casa possui dezenas de cadernetas guardadas em ordem cronológica e anotadas de alto a baixo, numa letrinha miúda e ordenada, perfeitamente legível. Afiado, reservado, vigilante, tido como “difícil”, pratica os ritos da polidez, mas é ciumento de sua privacidade e avesso a badalações. Mora longe do burburinho, nas dobras da Maraponga, em Fortaleza, onde “blinda” sua vida pessoal de intrusões aleatórias. Paradoxalmente, é bastante acessível, está sempre na mídia, concede entrevistas, se mete em polêmicas, aparece na tevê, publica muito, produz como poucos. O currículo parrudo inclui peças, romances, crônicas, ensaios, reportagens, críticas e artigos, seja como autor, coautor ou organizador, somando mais de 30 publicações, oito delas de ficção. A maioria dos títulos surgiu ao longo de sua carreira acadêmica. Espalhados pelas páginas de prosa enxuta – nas quais o leitor não conseguirá flagrar um só adjetivo redundante – estão mestres santeiros, artesãos, rabequeiros, doceiras, vaqueiros e cantadores de todos os tons. Para um pesquisador que sempre recusou o rótulo de folclorista, estudar a tradição foi uma forma de compreender a ancestralidade. Muitos dos melhores textos de Gilmar versam sobre o cordel e a xilogravura, temas diletos desde que conheceu Juazeiro do Norte, em 1976. “Madeira Matriz – Cultura e Memória”, (1998), é a tese que defendeu na PUC-SP, mas é também uma declaração de amor à cidade das romarias e poetas populares. Louvando a fina sintonia entre a vida e a arte, ele não se deixa levar por conceitos como cultura “genuína”, “pura” ou “de raiz”. Pelo contrário. “Gosto da ideia de mistura, da circulação, da dinâmica... Talvez a grande riqueza do Cariri venha justamente de ser esse lugar de

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confluência, não só de pessoas, mas dos valores, dos saberes, das manifestações e das práticas que elas trazem. Isso é o que me encanta”. Alguns livros de Gilmar de Carvalho abordam fenômenos como o brilhantismo lúcido de Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré. Outros falam de gente quase esquecida, como o cordelista Moisés Matias de Moura, pernambucano que se radicou em Fortaleza, e o escultor cearense José Rangel, de Jardim. No multicolorido “Artes da Tradição – Mestres do Povo” (2005), um dos muitos trabalhos que assina junto com o fotógrafo Francisco Sousa, Gilmar nos mostra o Boi Ideal do Mestre Panteca, os apitos eróticos de Zé Celestino, as xilogravuras de mestre Walderêdo, a lapinha de Dona Tatai, a sanfona de Chico Paes e outras delícias do patrimônio imaterial. Sem poder e sem dinheiro, o homem é um mobilizador. Consegue envolver pessoas talentosas em seus projetos. Aprendeu a concentrar esforços e despender energia no ponto certo. Daí suas aversões virtuais: “Teria de gastar muito tempo procurando material valioso para as postagens no Facebook. Creio que minha vida não merece uma superexposição. Gosto da mídia para mostrar meus ‘produtos’ e vender algumas ideias. As redes sociais me desgastariam muito. Não tenho muitos freios na língua e terminaria por me indispor com mais gente ainda”.


ARQUIVO GILMAR DE CARVALHO

A arte de unir pesquisas rigorosas e textos criativos.

MINAS EXPLOSIVAS “Só não faço mais livros porque não dá”, diz o estudioso, 64 anos, boa parte deles dedicados à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde ensinou até 2010. Sem final de semana, trabalha sábado e domingo – “talvez até mais do que nos outros dias, já que a casa fica mais silenciosa”. Está sempre enredado em vários projetos ao mesmo tempo. No momento dessa entrevista, tocava três livros: um sobre o cordel do poeta Severino do Horto, que morreu em 2008; outro sobre o cantor e compositor Ednardo, por conta dos 40 anos de sua estreia nos palcos; e um terceiro sobre xilogravura em Juazeiro do Norte. Estava também de viagem marcada, para conversar com rabequeiros que não entraram no livro “Rabecas do Ceará” (2006) – no qual foram entrevistados 104 tocadores–, e que deverão constar numa ampliação da obra. Além da disciplina, para conseguir tamanha produção, Gilmar abre mão de bebidas e noites insones, mesmo tento convivido com a moçada mais rebelde e criativa de Fortaleza dos anos 1970. “Fumei maconha umas três ou quatro vezes e senti como se estivessem fatiando o meu cérebro, fazendo uns bifes da minha cabeça (risos)”. Na verdade, tendo deslocado o trabalho para o lugar do lazer, acabou por fazer dele a sustentação de sua vida. “Eu cultivo isso com muito cuidado. Tenho imenso respeito às coisas que faço, porque, se elas faltarem, será o fim, a queda”.

A lógica argumentativa de Gilmar tem um ritmo cadente, períodos elegantes e cortes secos. É a mesma lógica que acompanha os seus textos, nos quais a crocância nunca tem excesso de gordura. Hoje totalmente dedicado aos ensaios, histórias, memórias e artigos, ele não pensa em retomar os livros de ficção (“a realidade é muito mais interessante”), mas há dois anos relançou “Parabélum”, romance de 1977, desconhecido do grande – e quase sempre apático – público, porém apreciado pelos viajantes radicais da língua. “Parabélum é um romance para paladares literários apurados, capazes de sincronizar seus inúmeros momentos de epifania”, escreve João Silvério Trevisan no prefácio da nova edição. “Seu percurso está marcado por minas explosivas: o leitor precisa pisar com cuidado, bem em cima do pino detonador, para saborear as explosões poéticas constantes, de caráter sempre imprevisto”. Num dos capítulos deste que foi o segundo romance de Gilmar de Carvalho, o herói irrequieto vive mirabolantes aventuras numa cidade que o autor conhece como a palma da mão: Juazeiro do Norte. UM ENCONTRO, MAIS COMBUSTÍVEL “Foi um deslumbramento, uma epifania. Verdadeiramente impactante para minha vida!”. Assim o pesquisador descreve o seu encontro peremptório com a cultura CARIRI REVISTA 49


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(risos)”. Junta cordéis e xilogravuras. Escreve o texto para o álbum de Stênio e Marisa, o primeiro de sua lavra sobre um tema no qual se tornaria mestre. Vai embora da cidade já com vontade de voltar. Na mala, 90 folhetos cuidadosamente escolhidos. “Juazeiro realmente mudou a minha visão de mundo”, avalia. A terra de Padre Cícero oferecia tudo o que ele já lera sobre tradição e herança cultural, mas num grande e espesso caldo em absoluta ebulição. “Não era aquela coisa morta que a gente vê da cultura europeia”, compara. “Pelo contrário! Os cantadores estavam ali, os poetas estavam ali, os gravadores e gráficos estavam ali... Tudo acontecendo na minha frente”.

Com mestre Walderêdo: a força da xilogravura.

popular – que ele prefere chamar de cultura tradicional –, numa viagem feita a Juazeiro do Norte, em 1976. Ele veio acompanhando um amigo carioca que queria conhecer o Cariri, e também por muita insistência do artista plástico, xilógrafo e poeta Stênio Diniz, neto do José Bernardo da Silva (criador da Tipografia São Francisco, depois Lira Nordestina, famosa editora de cordéis de Juazeiro). Na época, Stênio namorava a artista plástica Marisa Viana. O casal pediu a Gilmar que fizesse a assessoria de comunicação da exposição de lançamento do álbum “Retirada”, com xilogravuras da dupla. Para atender os amigos, ele topa a empreitada. Logo que chega, visita o ateliê de mestre Noza. Puxa papo com poetas e cantadores. Perscruta a Lira Nordestina, se maravilha com o barulho das máquinas tipográficas, com a labuta dos tipos móveis, com o cheiro penetrante da tinta, com as conversas dos xilógrafos entre pilhas e pilhas de folhetos. Sente-se transportado a uma tipografia de Gutenberg, “mas já com a mediação de McLuhan 50 CARIRI REVISTA

RETRATO DE MENINO “Fui um menino muito urbano, muito pedante, muito desagradável, muito metido, que achava que sabia de tudo. Meu pai era da serra da Ibiapaba, minha mãe era de Fortaleza. Então, eu não tenho dentro de mim um sertão nostálgico. Na minha infância, não tive pessoas dentro da minha casa lendo cordéis para mim. Meu interesse pela cultura tradicional veio dessa epifania em Juazeiro”, reforça o pesquisador. Francisco Gilmar Cavalcante de Carvalho nasceu em Sobral, mas com pouco mais de um ano foi levado a Fortaleza. “Minha relação com Sobral é uma relação de cartório. Só a minha certidão de nascimento é que é de lá”. Na verdade, suas lembranças são mais recentes, pois como pesquisador andou várias vezes pela cidade, atrás dos fartéis (ou fartes, antigos doces portugueses), das queijadinhas, dos teares manuais de Rafael Arruda e de outras delicadezas que o tempo costuma levar. Era um menino quieto, mas amante dos dramas e teatrinhos que faziam a glória doméstica e a diversão familiar antes do aparecimento da TV. Se bem que, puxando da memória, desconfia não ter brincado muito. Além de único garoto, foi o caçulíssimo: a irmã mais nova tinha 11 anos a mais que ele. Cresceu sem saber o que era brigar por um pedaço de frango. “O melhor pedaço era sempre o meu (risos)”. O pai era um correto promotor de justiça, com jeitão sossegado e paixões sertanejas – adorava sentar-se à mesa junto a fumegantes pratos de carneiro, buchada e panelada. A ele os filhos devem algumas boas leituras, pois seu José Gil chegava em casa carregando o Jornal do Brasil, a Última Hora, O Estado de S. Paulo e suculentos tijolos impressos de informação. Absorto na magia das folhas, Gilmar logo se tornou um aficionado pelas crônicas satíricas e disparos críticos de Stanislaw Ponte Preta, grande mestre da


demolição verbal, que um dia se autodefiniu “jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade dizem que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário”. Dona Maria, a matriarca, era uma mulher bonita, dinâmica, autoritária e cheia de iniciativa. Foi ela quem quis que o garoto estudasse com os jesuítas. “Como eu era pretinho e usava óculos, às vezes os meninos me chamavam de Cego Aderaldo e Neguinho do Maracatu, mas isso não chegou a me marcar como algo ruim”. Até hoje guarda boas lembranças do Externato Cristo Rei, que depois se chamaria Colégio Santo Inácio. “Escrever foi algo muito curioso na minha vida”, diz Gilmar. Apesar de ter sido redator-chefe do jornalzinho “Alvorada”, do colégio, ele só se apercebeu de que escrevia bem no 3º ano do 2º grau, quando um professor anunciou para a turma: “Um aluno desta sala fez uma redação tão boa que eu vou ler em voz alta”. Um elogio com a força das grandes revelações. “Para minha surpresa, a redação era a minha. Nunca achei que eu era o melhor texto, e nem devia ser, tanto que não era reconhecido”. UM ATREVIMENTO QUE DEU EM NAMORO A Faculdade de Comunicação Gilmar define como “um atrevimento na minha vida”. Explica que o pai, formado em direito, queria o mesmo destino para o filho. O mesmo destino, o mesmo anel de rubi com brilhantes e a mesma biblioteca – tudo lhe seria dado. Em 1967 ele entrou para o direito, mas dois ou três anos depois passou em primeiro lugar no vestibular para jornalismo,

um namoro paralelo que acabou monopolizando o seu afeto. “Meus pais não queriam que eu fosse jornalista; achavam que eu ia ser assassinado ou passar fome. Acho que no fundo tinham razão (risos), mas eu acabei fazendo um curso pela manhã e outro à noite. Na época isso era possível”. Na vida dupla de outrora, Gilmar jamais se destacou como liderança estudantil, nem foi um “importante bastião contra a ditadura”, como modestamente enfatiza. “Lutava, mas era uma luta doméstica, muito pequena”. Acabou se firmando pela escrita. No efervescente ano de 1969, seu primeiro na Faculdade de Comunicação, foi convidado pela jornalista Adísia Sá para publicar umas crônicas no jornal Gazeta de Notícias. Essas crônicas lhe renderam um convite para colaborar com uma coluna chamada Balaio, em que abordava música popular. Porém, com as patrulhas e censores rondando as redações, logo foi acusado de escrever pornografia e afastado do jornal, para onde voltaria em 1972, a convite de Darcy Costa, como editor de um caderno cultural que herdara o nome da finada coluna, Balaio. “Isso me botou no meio da cena”. De breve e heroica vida, o suplemento semanal durou poucos meses, mas marcou época. Convivendo com a galera do teatro, da fotografia, das artes plásticas, da literatura e da música, o Balaio de Gilmar noticiou os primeiros shows de Ednardo, os gorjeios iniciais de Fagner, todo o burburinho e o frenesi de uma década com mil revoluções por minuto. ARQUIVO GILMAR DE CARVALHO

Com Terezinha Mapurunga: relação de afeto com os entrevistados.

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PEQUENAS REVOLUÇÕES Um dos marcos sonoros dos anos 70 foi o lançamento, em 1973, do disco “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem”, em que o Pessoal do Ceará mostrava o que era ser a nata do lixo e o luxo da aldeia, misturando rock, maracatu, toada, irreverência e muita poesia. 1973 também foi o ano de lançamento de “Plurália Tantum”, primeiro livro de ficção assinado pelo jovem Gilmar de Carvalho, que hoje ele define como “uma prosa experimental, solta do cânon, tangenciando crônica, poema, conto. Um livro forte, mas imaturo. Talvez a riqueza dele venha daí”. Criada em 1967 e instalada no Palácio da Luz a partir de 1975, a Casa de Cultura Raimundo Cela congregava jovens artistas que dialogavam com variadas linguagens e buscavam um novo enfrentamento do mercado. “Foi uma geração muito atuante”, lembra Gilmar. O incansável José Julião de Freitas Guimarães, crítico de arte da Gazeta de Notícias, registrava cada passo do movimento nas páginas do jornal. Também cinéfilo, o editor Darcy Costa foi um dos fundadores do Clube Cinema de Fortaleza (CCF) e um entusiasta das sessões de arte do Cine Diogo, frequentadas por 10 entre 10 antenados até 1972. Também com nome de Balaio, o grupo de teatro de Marcelo Costa teve a contribuição de Gilmar de Carvalho para nascer e aparecer. “A gente se virava como podia. Comprávamos os tecidos e a costureira ia lá pra casa fazer os figurinos”, recorda. A peça “Orixás do Ceará” (1974) marca sua estreia como dramaturgo. As cenas se passam num terreiro de macumba, onde os orixás que baixam não são entidades africanas, mas rainhas de maracatu, vaqueiros e princesas de literatura de cordel. “Eu tenho talvez um olhar romântico, talvez nostálgico, mas penso que vivemos um momento muito importante para a cultura, por causa dos embates que tínhamos”, pontua Gilmar, um breve respiro antes de concluir: “Minha geração bancou a luta contra a ditadura. As pessoas que fazem cultura hoje são bancadas pelos editais. Acho que existe uma diferença bem grande”. QUANDO O GERENTE ENDOIDOU Quando a Gazeta de Notícias acabou, Gilmar foi trabalhar num escritório de engenharia, fazendo tradução de normas técnicas do espanhol para o português. Em 1978, graças a uma sugestão de Dodora Guimarães (curadora e consultora de artes, então redatora publicitária), ele foi contratado por Barroso Damasceno, diretor da Scala (uma das agências pioneiras e mais importantes de Fortaleza). 52 CARIRI REVISTA

“Eu nunca pensei em ser publicitário. Quando a Dodora sugeriu o meu nome e o Barroso me contratou, foi para ser assessor de imprensa. Minha função era jornalística; tentava arranjar espaço nas colunas dos jornais para promover os clientes da agência”. Um aparte: na época em que Gilmar fez comunicação, o curso era chamado de “polivalente”. O aluno passava pela faculdade e depois podia optar pelo jornalismo, a publicidade ou relações públicas. “A convivência com a publicidade foi realmente muito engraçada”, sorri Gilmar, que lançaria livros importantes sobre o tema, como “Publicidade em Cordel – O Mote do Consumo” (2002) e “O Gerente Endoidou – Ensaios Sobre Publicidade e Propaganda” (2008). Neste último, reproduz anúncios que marcaram época e proseia sobre a arte dos apelos, formatos e embalagens. Para quem não sabe: a expressão que dá nome ao livro foi criada pelo publicitário Tarcísio Tavares para uma célebre campanha de varejo das lojas Esmeralda, em Fortaleza (“o gerente endoidou e o preço baixou”). Foi observando o trabalho dos redatores que o assessor de imprensa virou publicitário. “Tive ótimos professores, dentre os quais o Braz Henrique, uma pessoa a quem quero muito bem. Eu ficava ali perto dele, só olhando e aprendendo”. Um dia o aprendiz se viu diante de um roteiro que conhecemos de filmes: por algum motivo a estrela se afasta do palco e a atriz coadjuvante assume o papel. “Quando um dos redatores saiu de férias, alguém sugeriu: ‘põe o Gilmar pra fazer o reembolso Francolares, e eu topei”. Ele se refere ao catálogo de ofertas da empresa Francolares que, como explica no livro “Publicidade em Cordel” (2002), “atingiu tiragens de centenas de milhares de exemplares e, graças a uma política de compras e estocagem e ao aperfeiçoamento do mostruário gráfico, alcançou posição de destaque no ranking nacional das vendas diretas, no início dos anos 80”. Para fazer o catálogo, sentava-se junto a imensas caixas de mercadorias, que precisam ser descritas com palavras que dessem água na boca de possíveis compra-


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Estrigas, Nice Firmeza e Gilmar de Carvalho.

dores. “Um sutiã tinha que ser ‘sensual’, outro tinha que ser ‘elegante’, o terceiro tinha que ser ‘gostoso para a pele da mulher’. Passava o dia inventando 100 apelos diferentes para sutiãs, calcinhas, panelas, sandálias... Isso me deu muito jogo de cintura como publicitário. Eu trabalhava com esse mundo portátil, dentro de uma caixa de papelão”. Do mundo portátil para as campanhas premiadas foi um pulo. Já contratado como redator, Gilmar fez uma profícua carreira na publicidade, numa época em que as agências cearenses se profissionalizavam. A grana começou a pingar mais generosamente, resultando em “índices aparentes de sucesso”, como uma casa na Prainha, com projeto do arquiteto José Capelo Filho. REGIONAL SEM PARÓDIA Juazeiro foi importante para Gilmar também nesse mundo de slogans e layouts. No final dos anos 1970, Fortaleza viveu uma “invasão” de agências de fora – como a Mendes, de Belém, a Ítalo Bianchi, do Recife e a DM9, de Salvador. Diante disso, Barroso Damasceno reuniu sua equipe e elaborou uma carta de intenções, a chamada Carta da Prainha, estabelecendo que a partir dali a Scala privilegiaria uma linguagem com base na cultura cearense. “Não era paródia, não era cearensês. Era algo muito consistente”, explica Gilmar. Já apaixonado por Juazeiro, ele reforçou o desejo de estabelecer uma criação publicitária que pudesse se enraizar na xilogravura, no cordel, na cantoria, no maracatu. “O Braz fez um filme lindíssimo para a Coelce, a partir de um pastoril que ainda existia em Fortaleza. Nós começamos a ganhar prêmios também em função

dessa adoção de referenciais da cultura”. Foi quando houve uma abertura da agência para os novos compositores, como Calé, Mona Gadelha e Eugênio Leandro, que fizeram jingles para a Scala. As boas lembranças da primeira agência, Gilmar também guarda da segunda, a Mark, de onde só saiu por vontade própria, para ser professor. Uma decisão corajosa, já que na universidade ganharia apenas um sexto do que recebia como publicitário. “Tive muito apoio da Ângela Borges nessa mudança”, lembra. Verdadeira lenda da comunicação cearense, Ângela foi publicitária, jornalista e produtora cultural de múltiplos talentos. Com vocação para a polêmica e sem papas na língua, marcou época e virou praça, no bairro Edson Queiroz, em Fortaleza. Ângela e Gilmar foram apresentados pelo jornalista Walter Gomes e se tornaram grandes amigos (“foi amor à primeira vista”) até a morte dela, em 2004. DE MUDANÇA PARA A ACADEMIA Assim, aos 35 anos, depois do período pulsante entre o jornalismo e a publicidade, Gilmar mudou-se de mala e cuia para o ambiente acadêmico, ganhando menos, pesquisando mais e alimentando um plano secreto. “Não vou mentir: o que eu queria mesmo era uma oportunidade para fazer a minha pós-graduação, coisa que eu não teria na publicidade. Nenhum dono de agência ia bancar um mestrado ou um doutorado para mim”. Antes de entrar em sala de aula, alguns imprevistos. Tendo tirado o segundo lugar no concurso, teve que esperar um tempo para ser chamado. “Quando isso CARIRI REVISTA 53


aconteceu, houve uma mobilização dos estudantes para que eu pudesse assumir o cargo, já que alguns professores, meus futuros colegas, não queriam que eu fosse admitido por conta da minha orientação sexual”. Isso, em 1984. “Eu sinto que fui uma pessoa muito forte, para ter que enfrentar todas essas questões. A sensação que carrego, ainda hoje, é que saio de casa todos os dias para uma batalha. Batalha para conseguir fazer meus livros, para conseguir visibilidade, para conseguir respeito...” E o sucesso? “Não, não trabalho com esse conceito. Mas quero ter espaço e quero ter credibilidade”, enfatiza. A voz hesita, a meio caminho entre o cansaço e a irritação: “Mas é difícil, sabe? Muito difícil. A gente tem um Brasil, digamos, superficial, que é moderno e avançado. E a gente tem um Brasil profundo, que é homofóbico, racista e preconceituoso. É muito ruim. As pessoas escondem, mas isso sempre aparece”. Quando passou para o mestrado, na Universidade Metodista de São Paulo, Gilmar foi morar numa quitinete sufocante em São Bernardo do Campo, onde a única janela existente dava para um estacionamento do Bradesco. Queria estudar a publicidade no cordel. “Na época, ouvi críticas de vários colegas, que me perguntavam como uma pessoa tão competente e aplicada como eu poderia se interessar por ‘essas porcarias’ da cultura popular. Aquilo era o que eu queria fazer. Fui a São Paulo para juntar as teorias acadêmicas com algo que eu levava do empírico daqui”.

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“O debate intelectual do Ceará é pobre e desestimulante. Geralmente descamba para o insulto pessoal. Somos desautorizados diariamente. Adoram puxar nossos tapetes. Faz parte do jeito cearense de ser, creio. Não vejo isso muito acentuadamente por aí (Pernambuco, Bahia, Piauí). Não dá nem para dizer que é o sol. Creio que pode ter sido a rejeição paterna. O donatário da Capitania não veio aqui. Debate intelectual no Ceará é o caminho mais próximo para a baixaria”. “Minha vaidade tem limites. Sei que não posso chegar até onde vai meu sonho”. “Fiquei muito marcado pela leitura de Clarice Lispector. Eu fazia análise e, quando a li, minha sensação foi de que ela era analisada também. Era verdade. Mas a literatura da Clarice vai além dos ‘sintomas’. Jorge Luís Borges foi outra leitura prazerosa e marcante. Guimarães Rosa fecha a ‘trindade’ dos maiores impactos, no plano nacional. Hoje, releio os clássicos, os que entraram em outra contagem do tempo, os que escapam aos modismos”. “Sou da ‘geração tropicalista’. Adorava o que os baianos faziam no final dos anos 1960 e começo dos anos 1970. A antropofagia tropicalista tem tudo a ver com o que eu penso que devamos fazer. Nada de paródia ou pastiche, chega de diluição, vamos ao enfrentamento a partir de outros códigos e de outras linguagens. Hoje, ouço música erudita e sacra. Não tenho tempo para o lixo da indústria cultural”. “Não defendo que devamos ter uma relação tensa com o entrevistado. Fui cobrado uma vez porque era muito ‘macio’ com o Patativa. Ninguém dá entrevista para ser agredido. Eu me envolvo. As entrevistas me ajudaram a desenvolver a escuta. E a deixar que os entrevistados falem. Eles precisam ouvir a própria voz. Patativa, Mestre Vino (rabequeiro de Irauçuba), Maria Cândido (que trabalha com barro em Juazeiro). A gente lamenta as perdas. Lamenta as enfermidades, as crises, as desistências. É preciso dosar a onipotência. Sou jornalista, não sou Deus. Faço o que posso, mas gosto das pessoas e isso dói”. Com Patativa do Assaré: compromisso, admiração e amizade.

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MESTRES DA VIDA Com a Lei nº 13.351 de 27 de agosto de 2003, o Governo do Estado, através da Secretaria da Cultura (Secult), criou o registro dos Mestres da Cultura Tradicional Popular, uma forma de reconhecimento ao trabalho de homens e mulheres que são verdadeiros tesouros do patrimônio imaterial cearense. Em 2006, esta Lei foi revisada e ampliada, incluindo grupos e coletividades. Gilmar convive muito de perto com vários desses Mestres, que passaram a receber um salário mínimo vitalício do Governo do Estado. Considera mais do que justo a tentativa de minimizar as dificuldades pelas quais passam artesãos, cantadores, rezadeiras, penitentes, ferreiros, sanfoneiros, sineiros, bonequeiros, brincantes do reisado, rezadores de benditos e tantos outros, mas repete que há um ponto falho no que diz respeito à transmissão oficiosa dos conhecimentos. “Você não pode simplesmente pegar um grupo de moças e rapazes e obrigá-los a trabalhar com barro ou a dançar reisado. Eles podem não querer”, pondera.

GILMAR EM FRASES


“Talvez eles prefiram partir da influência do reisado para fazer música, fazer teatro, fazer coisas mais ligadas a uma contemporaneidade, ao tempo em que se vive. Não que o reisado não seja importante...”. Apesar de seu entusiasmo e dedicação, Gilmar não lamenta o possível sumiço de algumas manifestações, já que não há como mantê-las vivas artificialmente, através de políticas culturais. “As manifestações que serão extintas são manifestações que perderam o sentido para a comunidade. Então eu não lamento o desaparecimento, embora, como estudioso, elas me instiguem”. Cita como exemplo a dança de São Gonçalo. “As pessoas não querem mais passar 12 horas rodando e dançando repetidamente”. Despindo-se de qualquer ranço acadêmico, o estudioso da tradição encara as novas quadrilhas juninas – com CNPJ, brilhos e cores, passo marcado, alegorias de mão, enredo e trilha sonora – como um sinal dos tempos. “Muitos não gostam, porém essas quadrilhas estão vivas. Será que hoje alguém ia sair de casa para ver dançarinos se exibindo com as roupas remendadas, como as que se usavam antigamente?”. A noção de espetáculo que influencia diversas manifestações não chega a tirar o sono de Gilmar. Essencialmente, ele acha interessante que as expressões se renovem e se misturem para se manter. Não tem paciência para os saudosistas do purismo cultural. “As pessoas ficam com a ilusão de que isso e aquilo era ‘puro’ em determinada época. Não era. Luiz Gonzaga, por exemplo, foi resultado de uma série de misturas, foi atento a tudo, pegou aboio, pegou incelência, pegou reisado e fez o que fez”. ENERGIA E LUCIDEZ Infatigável, Gilmar de Carvalho pretende trabalhar enquanto houver energia e lucidez. Tem apreço por tudo o que escreveu. “Esse talvez seja o meu grande defeito, eu não renego nada do que fiz”. Já juntou muito material, mas hoje não quer colecionar mais. Doou todas as suas gravuras para a Universidade Regional do Cariri. As matrizes ele mandou para pontos variados, como o MAUC e Casa de Rui Barbosa. Boa parte de seus 5.000 livros foram parar nas estantes de seus ex-alunos. Volta sempre ao Cariri. Mantém relações com muitas pessoas da região, os poetas, os gravadores, a família Cândido, o escultor Manoel Graciano, o mestre do couro Espedito Seleiro... Admira profundamente o trabalho de Espedito. “Ele funciona como uma espécie de manifesto de que a tradição pode se atualizar e render um trabalho autoral, criativo, bem acabado e muito fino”.

Fez bons amigos na terra, como os estudiosos Daniel Walker, Renato Casimiro e Renato Dantas, pessoas que, de certo modo, conheceu através de Monsenhor Murilo. Mas hoje, diante da cidade, Gilmar se sente como um pai que vê o filho bebendo e descobre que o menino virou homem. Os valores, as linguagens, as expectativas, a visão de mundo: tudo vai mudando. “Estou meio tonto ainda em relação à verticalização de Juazeiro, que eu penso que está se dando com muito vigor mas sem muito planejamento. E também pensando no lugar da tradição numa cidade que se redescobre como metrópole... Fico receoso de estarmos construindo uma fantasia modernista do Cariri”, pondera, entristecido. O sentimento maior, entretanto, é de alegre gratidão. “Juazeiro me deu combustível para todas as pesquisas que vieram a seguir, e que ainda virão. Se existissem várias encarnações de Gilmar de Carvalho, ainda teria material para trabalhar, graças a Juazeiro”. ARQUIVO GILMAR DE CARVALHO

Em busca de tocadores, violeiros, cordelistas e outros mestres.

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#cariricinema

CÂMERAS NA MÃO E MIL IDEIAS NA CABEÇA Por Tuty Osório

Num tempo em que a arte expressa-se em versões tecnológicas mirabolantes, o cinema, arte associada à tecnologia por excelência, ocupa o cenário em múltiplos espaços, muito além das tradicionais salas de projeção. A CARIRI ouviu criadores, produtores e animadores culturais para rastrear um pouco do que se faz no Ceará e quais as perspectivas dessa atividade, não mais restrita aos diletantes.

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RAFAEL VILAROUCA

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Filmagens de “Couro Tecido” de Adriana Botelho

uan Luís Buñuel, filho do genial Luís Buñuel, criador de obras primas do cinema moderno como “Um Cão Andaluz”, “O Anjo Exterminador”, “A Bela da Tarde” e “O Discreto Charme da Burguesia” –, para citar apenas as mais famosas – disse de seu pai que este nasceu cineasta e que só poderia ter vivido a sua vida fazendo cinema. “Se tivesse nascido antes da invenção do cinema, certamente, meu pai não teria sobrevivido”, afirma Juan, em entrevista que acompanha a edição em DVD de “Um Cão Andaluz”. Mais do que histórias contadas por imagens, os filmes de Buñuel são a vida lida pela câmera, como se de uma realidade paralela se tratasse. Em sua época de maior produção, Buñuel antecipava o futuro, agora presente, das virtualidades vividas como verdades, das fantasias sobrepondo-se à concretude, da imagem mais credível que a cena original que lhe deu origem. O nosso pensamento é um trailler e as nossas ações existem a partir da sua publicação em imagens. A tecnologia e sua massificação trouxeram possibilidades infinitas de acesso à produção e distribuição, para um número cada vez maior de autores e de públicos. Do celular doméstico à captação digital de alta resolução, o cinema está cada vez mais vivo. CARIRI REVISTA 57


RAFAEL VILAROUCA

Glauco Vieira e Ythallo Rodrigues: fazer cinema é inevitável

AS LUZES DO CARIRI “Eu trabalho com cinema, é a minha vida, e eu de fato trabalho com isso já há 10 anos”, conta Ythallo Rodrigues, cineasta residente no Crato, atuante em curtas e longas, principalmente em projetos desenvolvidos em grupo. Integrou o Coletivo Alumbramento, originado em Fortaleza, até 2011. O Alumbramento começou como um coletivo múltiplo, onde diversas linguagens eram trabalhadas em conjunto com o cinema. Hoje é uma produtora composta por seis pessoas e tem seus resultados inteiramente voltados para o audiovisual, desempenhando um papel de destaque na cena de produção independente do Ceará. Ytallo revela que lida com todas as etapas de realização de um filme, uma característica comum aos cineastas da região. Por excesso de talento ou escassez de profissionais capacitados, quem decide fazer cinema no Cariri acaba assumindo variadas tarefas. “A única coisa com que de fato eu nunca trabalhei foi com som, mas já fui produtor, fui assistente de direção, já fotografei filme, faço montagem de filme, enfim... Na época em que eu estava junto com o pessoal da Alumbramento, mais especificamente em 2007 e 2008, eu trabalhava como produtor do Coletivo e acabamos realizando diversos trabalhos, como ‘Sábado à Noite’, que é um longa do Ivo Lopes, o ‘Praia do Futuro’, que é um longa coletivo do grupo. O ‘Estrada para Ythaca’ (fil58 CARIRI REVISTA

me de baixíssimo custo, premiado nacionalmente), na realidade, eu já estava afastado, mas também participei com a galera”, relembra. Glauco Vieira fez o caminho inverso de Ythallo. Natural de Fortaleza, migrou para o Cariri levado pela carreira acadêmica, há 11 anos. Com formação em geografia, professor e pesquisador da Urca – Universidade Regional do Cariri, Glauco desenvolve uma pesquisa de doutorado que estabelece o diálogo entre o cinema e a cidade. “Inicialmente meu conhecimento de cinema, do ponto de vista de realizador, começou aqui no Cariri, muito irmanado com os colegas que resistiram desde 2003 pra cá, a exemplo do Ythallo Rodrigues”, explica o pesquisador sobre o seu lado cineasta e o seu encontro com a região. Glauco sempre esteve ligado à universidade e agora complementa seus estudos no doutorado, abordando uma temática que busca um forte diálogo com o cinema. “Hoje há um campo adventício na geografia que trata desses temas, que aborda a cultura, que aborda as manifestações de ocupação do espaço, e nós entendemos que a linguagem do cinema e da fotografia também são linguagens artísticas que abraçam o diálogo com o espaço de uma forma muito evidente”, discorre, enfatizando as amplas possibilidades do audiovisual na interface com outras áreas acadêmicas, estabelecendo o tal olhar específico que Buñuel preconizou.


A UNIVERSIDADE COMO ESPAÇO AGLUTINADOR Adriana Botelho, também acadêmica fortalezense apaixonada pela região, concorda com Glauco sobre a relevância que a universidade vem adquirindo no Ceará, no que se refere ao fortalecimento da atividade cinematográfica e da arte em geral. Defende que hoje as instituições de ensino superior são pontos de encontro interessantes para a formação de movimentos, a partir do lugar privilegiado de serem difusoras de conhecimento e de experiências de criação. Adriana iniciou o seu trabalho num tempo em não havia escola formal de cinema. Foi formada por pequenos cursos, em Fortaleza, na Casa Amarela, equipamento cultural da Universidade Federal do Ceará que foi pioneira na capacitação voltada para o audiovisual. “Depois a gente teve um período de investimento, de se pensar cultura como investimento de fato, ligado ao Estado, com o Dragão do Mar. É um equipamento de cultura que tem teatro, espaço de exposição e um colégio de artes que engloba cinema, design, gastronomia e dança”, recorda Adriana, referindo-se à era iniciada pelo ex- secretário de Cultura Paulo Linhares,

idealizador do Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, que hoje preside e no qual promove uma intensa revitalização. “Aqui na região há um campo muito fértil, o Cariri é um nascedouro de artistas, de temas, de ideias, de revoluções não só sociais, mas também culturais, e dentro desse ponto de vista a Urca (Universidade Regional do Cariri), desde 2006, iniciou um trabalho chamado Imago, que é um grupo de pesquisa que tem como finalidade agregar pesquisadores em torno da temática da imagem, aglutinando áreas afins como geografia, história, sociologia”, exemplifica Glauco Vieira, reforçando a ideia de Adriana Botelho, que também defende, enfaticamente, a criação do curso de cinema e audiovisual na Universidade Federal do Ceará no Cariri, a exemplo do que ocorreu em Fortaleza há 4 anos – ênfase na qual é entusiasticamente apoiada por todos os cineastas ouvidos pela CARIRI. RESGATE DA INVISIBILIDADE Até o final de 2013 o Imago produzirá alguns curtas relacionados aos sujeitos “invisibilizados” de Juazeiro do Norte, resultantes de uma pesquisa intitulada “Juazeiros Invisíveis”. Sublinhando, mais uma vez, o olhar do cinema RAFAEL VILAROUCA

Espedito Seleiro em ação nas imagens de “Couro Tecido”

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na leitura da vida, Glauco Vieira sintetiza o espírito do seu trabalho e dos tempos que correm: “sempre a minha busca no cinema, além de ser uma tentativa de expressão no âmbito da estética, foi também uma tentativa de abraçar o conhecimento a partir dessa linguagem. Eu escrevo roteiro, dirijo e recentemente, em 2003, produzi um documentário, junto com o Ythallo, com o Daniel Batata e com a Débora Costa, pela produtora local, Filmes de Alvenaria, baseado num livro de contos do Flávio Vieira, ‘A Delicada Trama do Labirinto’. Esse filme foi exibido no Largo da REFFSA, no Crato, um espaço público que deu uma visibilidade interessante de acesso à população”, conta. “Recentemente, muitos dos filmes gerados aqui têm trazido à tona uma Juazeiro que normalmente não era bem percebida ou divulgada pela mídia, pela televisão, pelas produções, até de longas”, esclarece Glauco, citando como exemplo o filme “Lampião”, de Ythallo Rodrigues, de 2011, que aborda um cantor, personagem da cidade chamado Raul Lampião, atração do comércio de rua que mistura as características de Raul Seixas e de Lampião, para divulgar as ofertas das lojas. Outro exemplo citado por Glauco é “Também Sou Teu Povo”, que aborda a questão dos travestis cultivadores de uma fé fervorosa e alvos de discriminação em participar das procissões. Sobre as recentes produções locais, tanto Ytallo Rodrigues como Glauco Vieira destacam outros filmes que abordam a questão da sexualidade, tema que tem sido recorrente, não só no Cariri mas pelo Brasil e pelo mundo, como sintoma das preocupações contemporâneas e de todas as mudanças de expressão de comportamentos, antes reprimidos e recolhidos ao espaço privado. “Queria Ser Igual um Beija- Flor”, vencedor de prêmios, e “Travesthriller”, em finalização, vêm somar-se aos exemplos dessa abordagem. Adriana Botelho refere-se aos mesmos trabalhos citados pelos dois colegas e, ela própria, promoveu recentemente um resgate de memória fundamental de uma outra visibilidade ameaçada. O seu curta, “Couro Tecido”, conta a história de mestre Espedito Seleiro e de Mestre Luís, artistas do couro reclusos em suas pequenas cidades de produção, invisíveis num mundo massificado e quase que inteiramente automatizado, que condena os artesãos ao ostracismo do espaço e do tempo. A invisibilidade, aliás, interessou recentemente cineastas do mundo inteiro que se debruçaram sobre o tema, em produções rodadas na cidade de São Paulo. Participaram do projeto nomes de peso como Wim Wenders, alemão, e Maria de Medeiros, portuguesa, em curtas metragens que juntos deram origem a um longa, “Mundo Invisível”, com abordagens variadas da invisibilidade social. 60 CARIRI REVISTA

Os discípulos adolescentes de Jefferson Albuquerque no audiovisual educativo em Barbalha

INVESTIMENTOS E APOSTAS Todos os cineastas entrevistados são unânimes na expressão de dificuldades de captação de recursos para viabilizar os projetos de audiovisual. Não existem linhas de financiamento para a cultura no Brasil – nem integrando as políticas públicas, nem por parte das instituições financeiras públicas ou privadas. Composta por atividades com imenso potencial econômico de geração de renda e de importância fundamental para a saudável estruturação da sociedade, a cultura não recebe, nem das instituições, nem das pessoas, a atenção condizente com o status que deveria ocupar. Prédios de luxo ocupam mais espaço nas prioridades de investimento. Porém, formar, por exemplo, um eletricista envolve custos e esforços equivalentes à formação de um operário da construção civil, sendo que a profissão que o cinema propicia é mais salubre fisicamente e mais gratificante intelectualmente, além de melhor remunerada. Sem falar nas oportunidades de trabalho para níveis médios e superiores de capacitação, oferecendo aos jovens opções fora das convencionais e superlotadas carreiras, quase sempre destinadas a atividades burocráticas. “O financiamento direto para fazer qualquer tipo


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muito diferente. O cineasta desabafa que o pior inimigo de todas as produções é o cinema americano. Segundo Jefferson, os Estados Unidos impõem um padrão de cinema de ação, de efeitos especiais, e dominam o mercado. O público passa a ter essa estética como a única consumível e desconhece que há outras propostas de entretenimento e de reflexão. “Tem uma produção grande de filmes da Espanha e nós não ficamos sabendo. Da França também é a mesma coisa. Tem um monte de filme que a gente não fica sabendo que estão sendo produzidos, e aqui no Ceará então...”, lamenta o cineasta de “Cinematógrafo Herege” e “História da Terra”, suas produções mais recentes, ambas baseadas em temáticas da região. Todavia, Jefferson Albuquerque é otimista na questão de captação de recursos. “Com relação à produção, hoje é economicamente muito mais viável do que no passado. Agora, o maior problema continua sendo a distribuição. É o mesmo problema que tinha no passado e ainda existe hoje”, aponta. Adriana Botelho concorda e chama a atenção para as centenas de curtas que são viabilizados com editais públicos e ficam guardados em salas de arquivo. Fazer a ponte entre essas produções e o público é urgente e necessário à sustentabilidade da atividade audiovisual.

de filme aqui é através de editais públicos, fora isso é grana do bolso, que o realizador coloca”, resume Ytallo Rodrigues. Glauco Vieira reforça. “No Brasil tem outro problema que é a falta de comunicação, de interação entre as escalas nacional e regional, estadual e local. Uma política de editais aqui na região ainda está para surgir. Espero que surja, porque a cena de produção, realização e exibição já existe aqui, então seria um incentivo até para discutir novos valores, não somente a questão da realização, mas também a questão do acervo, gerar um centro de documentação”, sugere Glauco. Para Jefferson Albuquerque, nascido no Crato, residente entre o Cariri e o Rio de Janeiro, em atividade desde 1973, com carreira internacional, a questão do patrocínio continua difícil em qualquer lugar e não melhorou. “Eu venho acompanhando o cinema do Brasil, trabalhando desde o tempo da Embrafilme (Empresa Brasileira de Cinema, extinta no início da década de 90, no governo Collor) e há momentos que tem mais financiamento, momentos que tem menos, mas sempre é uma coisa muito direcionada para determinados diretores ou tipos de produção”, expõe Jefferson, e esclarece que em outros países não se encontra uma realidade

MECENATO COLETIVO A fotógrafa Nívia Uchôa, da produtora de arte Poesia de Luz, e o Coletivo Bando, autores do curta metragem “Thavestrhiller”, com finalização prevista para 2013, defendem um modo autônomo de conferir sustentabilidade ao trabalho. “O Bando tem uma visão de não captar recursos e fazer trabalhos independentes. Nós passamos um ano pra fazer ‘Thavestrhiller’, ainda não concluímos, e os produtores Orlando (falecido durante a produção), Ravena e Expedito conseguiam os patrocínios aqui mesmo, no Cariri”, explica Nívia. “Cajuína São Geraldo, algumas empresas pequenas e, às vezes dinheiro do nosso bolso pra realizar”, exemplifica. Joseph, integrante do coletivo Bando, detalha com mais exemplos o modo criativo como o grupo viabiliza as produções. “A gente fez cenas no Teatro Municipal, e para isso entramos em contato com o pessoal de lá pra eles cederem o espaço. Grupos de teatro cederam o figurino, o Centro Cultural do BNB também cedeu o espaço e os próprios amigos se juntaram para participar. Tinha que montar o cenário e havia coisas específicas a fazer. A gente chamava os amigos, aí montava tudo, rodava, depois desmontava e devolvia tudo”, ilustra Joseph, revelando como funciona o cooperativismo informal do Bando. CARIRI REVISTA 61


RAFAEL VILAROUCA

usa caminhos alternativos com criatividade e talento, também busca os recursos por conta própria, agindo independente dos editais. Começou a produzir em 2010, com um filme feito no seu celular, que segundo ele, nasceu do prazer em fotografar e filmar. “Eu gostava de ficar fazendo foto e vídeo com ele porque ficava pixelado, eu achava legal porque ficava uma coisa meio impressionista, e comecei a ver isso no vídeo, quando colocava na tela grande dava um efeito mais interessante”, relata Daniel. “Então comecei com a história dos vídeos-poema, que eram vídeos feitos com roteiros em cima das poesias que eu escrevo. Ainda com esse trabalho do celular, comecei a entrar na ficção e estou terminando um agora, o ‘Acorda’, que foi o primeiro realizado com uma equipe, reduzida, porque a verba era minha, foi uma grana que eu mesmo levantei para fazer e esse vai sair Full HD, progressivo, tem som direto. Está quase pronto e pretendo lançar logo, no Sesc Juazeiro”, planeja. Os filmes que

VOZES AMPLIADAS A cineasta Nívia Uchôa e sua gata companheira

Nívia conta que “Travesthriller” fala de um travesti de Juazeiro do Norte que quer engravidar e faz de tudo pra conseguir essa graça. “Vai ao terreiro conversar com uma macumbeira, vai numa taróloga, vai ao Padre Cícero, é uma peregrinação que ela faz pra conseguir engravidar”, descreve. O tema surgiu para Nívia em 2008 quando participou de uma pesquisa do Ministério da Saúde, sobre política, educação e doença. “Elas conversavam muito mais, além dos questionários. E qual foi a ideia que eu tive? De levar a câmera pra rua e entrevistar essas travestis. Tudo começou a partir dessa pesquisa, da curiosidade de entender um pouco mais o universo. Fomos às ruas conversar com elas, e à pergunta ‘você quer engravidar?’ a maioria respondia que sim. Daí veio a vontade de falar dessa coragem fantástica”, recorda Nívia. Daniel Batata, citado por todos os colegas cineastas como um artista que rompe com as convenções e 62 CARIRI REVISTA

O filme “Baixio Preocupado”, com participação na produção do caririense Gustavo Ramos, foi realizado pelo coletivo Nigéria, um grupo de mídia independente, que já tem um trabalho em consolidação e volta-se essencialmente para a produção de audiovisuais que rompem com o padrão jornalístico da comunicação de massa. “Baixio Preocupado” foi realizado sem nenhum apoio de edital ou de patrocínio, tendo os gastos de produção e realização assumidos pelo grupo que criou e concebeu o filme. Gustavo Ramos enfatiza que não tem interesses comerciais com o trabalho. “A intenção mesmo é política, dar visibilidade aos problemas que a comunidade vem enfrentando por conta do projeto Cinturão das Águas (CAC). As famílias da comunidade vêm há tempos enfrentando problemas com o Governo do Estado, com a Secretaria de Recursos Hídricos e com a empresa responsável pelo projeto básico,


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Com os “Vândalos” do Coletivo Nigéria

e a grande mídia não tem colocado a questão em debate ou, quando mostra, o faz de maneira irresponsável e tendenciosa”, conta Gustavo. “Com o vídeo pretendemos dialogar com outras comunidades que também serão afetadas com as obras do CAC”, explica. O coletivo Nigéria é formado por quatro jornalistas interessados na produção de audiovisuais a partir da observação direta da realidade e realizou também o documentário “Com Vandalismo”. “Na explosão das manifestações de junho, além de querer registrar tudo, buscávamos, 24 horas por dia, informações sobre o que acontecia pelo Brasil”, conta Roger Pires, um dos integrantes do Nigéria. “Foi assim que percebemos que os tachados como vândalos não tinham voz nas mídias comerciais tradicionais, como as TVs e grandes jornais impressos. Resolvemos ir às manifestações em Fortaleza e aos poucos estar mais próximos das linhas de frente dos conflitos e nos aproximar dos tais vândalos

para entender melhor esse ainda enigmático fenômeno social”, detalha. O documentário já passa das 90 mil visualizações no youtube e exibições públicas em diversas cidades, universidades e ambientes de formação política. O filme é livre e o coletivo Nigéria não reivindica a posse, qualquer um pode baixar e usar como quiser. “Acreditamos que o compartilhamento de informação para enriquecer a opinião pública é uma ferramenta de transformação social. Adeptos ou não de atos de desobediência civil, ninguém pode negar que esses fatos aconteceram e nós registramos da forma mais equilibrada possível, dentro do lugar de onde falamos enquanto comunicadores e com escolhas estéticas do grupo e do tipo de trabalho ao qual nos propomos”, evidencia Roger. PARA CONHECER MAIS Nigéria no facebook: www. facebook.com/Nigeriafilmes e-mail: contatonigeria@gmail.com CARIRI REVISTA 63


O GUARDIÃO DOS TEMPLOS Elvis Pinheiro apaixonou-se por cinema de tanto assistir e de tanto ler, quando era estudante universitário em Recife, e acabou envolvendo-se com esse universo para nunca mais sair. A sua realização, contudo, não é criar nem participar de produções. A paixão que virou missão e trabalho é mostrar filmes ao público segundo critérios estabelecidos por ele próprio. É a tarefa do exibidor que pretende formar plateias para toda a amplidão que o cinema oferece. “O primeiro crítico de cinema que li foi o Cléber Mendonça Filho, exatamente em Recife, que fez agora ‘O Som ao Redor’ (filme produzido em Pernambuco, premiado e exibido no mundo inteiro em 2012 e 2013). Eu abri o jornal, aí estava uma foto maravilhosa, era um casal se beijando, uma foto preto e branco, um navio ao fundo, eu já fiquei fascinado pela foto! Era ‘Terra Estrangeira’ do Walter Salles. Quando eu comecei a ler a crítica, aquilo falava tudo sobre o filme sem tirar nenhum tipo de surpresa, sem tirar o prazer de ficar curioso pra vê-lo”, conta Elvis, descrevendo o encantamento gerado por outro cinéfilo, hoje cineasta, que o iniciou para que escolhesse fazer o que faz hoje – encantar cada vez mais pessoas pelo prazer de abstrair-se de tudo, durante uma hora ou duas, e entregar-se ao deleite de ver um filme. RAFAEL VILAROUCA

Elvis, o herói guru que forma plateias 64 CARIRI REVISTA

Elvis coordena três exibições diferentes por semana, nos espaços do Sesc Crato, Sesc Juazeiro e Centro Cultural do Banco do Nordeste. Além de eventos de cinema em espaços variados do Cariri. A sua curadoria é livre de preconceitos. O que preside os seus critérios é a relevância dos filmes nas suas propostas estéticas, históricas, de entretenimento, conhecimento e emoção. Em 2003 descobriu que Recife não precisava dele e que toda a transformação que o cinema havia operado em si poderia ser dividida com o Cariri. Apresentou um projeto ao Sesc e após vencer algumas dificuldades iniciais conseguiu consolidar a proposta de formação de público, a partir do entendimento de que a arte é essencial à vida. Os espectadores, de todas as tribos e idades, são recepcionados por ele na porta, os nomes são atentamente anotados e a exibição só começa após a leitura de um texto literário, de algumas frases de boas vindas e de breves comentários sobre os destaques dos filmes. Carismático e generoso, Elvis é quase um ídolo para o heterogêneo público que frequenta essas exibições. Não por acaso, foi espontaneamente citado por todos os cineastas ouvidos pela CARIRI, como uma das pessoas que mais faz pelo cinema na região. Pode causar espanto o porquê das pessoas se deslocarem até uma sala que nem é específica para cinema, quando poderiam assistir no DVD ou no computador, baixando, inclusive, o que quiserem gratuitamente. Elvis decifra o enigma com serenidade. “Quando as pessoas vêm pra cá, elas se programaram para isso, organizam-se dentro dessa ideia de coletivo, é o evento. O cinéfilo gosta de ver filmes nesse espaço, quer tudo escuro, quer um som bom... E vai além de só ver o filme, é estar na sala com muita gente que vai ali com o mesmo propósito. É quase como ir pra igreja. Você pode rezar em casa, mas é muito interessante ter o seu templo. A sala de cinema é um templo pra quem gosta de filme.” SERVIÇO Cine Café: todos os sábados, a partir das 17 horas, no CCBNB em Juazeiro do Norte Cinemarana: todas as segundas, a partir das 19 horas, no Sesc Crato Cinematógrafo: todas as quartas, a partir das 19 horas no Sesc Juazeiro Elvis também coordena um grupo de estudos sobre cinema e um clube de leitura, o Lume, na biblioteca do Sesc Crato


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Na estrada com “Travestrhiller”

Daniel faz com o celular estão na internet. “Eu fiz cinco filmes com o celular. O primeiro foi “Foradesordem”, filmado a partir de uma intervenção do Bando (o coletivo de “Travestrhiler”). Eu peguei a questão da imagem pixelada e vi os efeitos que ela poderia dar”, detalha. “Foradesordem” foi selecionado por um projeto da TV Brasil que tinha uma categoria para filmes feitos com celular. Daniel continuou as produções de celular com “Minha Poesia”, um vídeo-poema com imagens da cidade e palavras e “A Menina Dançarina”, não mais com imagens captadas no celular mas um trabalho de edição sobre as imagens de um filme do Alexandr Sukurov, modificando tempo e textura. O quarto filme de Daniel foi “Busca Alguma”, lançado no teatro do Sesc Crato e produzido, mais uma vez, a partir da captação do celular. O celular histórico acabou quebrando e Daniel começou a procurar outras coisas para fazer. Porém, a marca de criação tendo o celular como câmera consagrou-o como um artista capaz de trabalhar magis-

tralmente a mais simples das possibilidades. “Eu tinha o roteiro dos lugares de onde eu iria filmar e dentro do roteiro, em cada cena, sabia como que o poema iria entrar, se ia ser uma voz em off ou uma narração, um texto”, descreve, mostrando que seu trabalho era muito mais que um improviso. Com a produtora Filmes de Alvenaria, em parceria com Ythallo Rodrigues, Glauco Vieira e Débora Costa, Daniel pretende buscar mais estrutura, voos mais altos. “É possível fazer de maneira alternativa, é incrível, mas com estrutura a gente abre mais possibilidades. O cinema do Cariri vai ganhar o mundo, tem cada vez mais gente fazendo coisas muito boas por aqui”, prevê. CARIRI REVISTA 65


#cariricinema

A VONTADE QUE NOS ATA AO LEME

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ão há paraíso mais perfeito para um cinéfilo que um Festival. Dias e dias de sala escura para um mergulho em filmes inéditos e a revisitação de preciosidades que sempre retornam nesses eventos. Polêmicas e divergências à parte, sempre recorrentes nesse tipo de iniciativas, o Ceará tem o seu Festival há 23 anos, com passado e futuro para interessantes acontecimentos. Valorizar a cultura é missão que nunca se esgota e em tempos de facilidades tecnológicas para a produção e distribuição do audiovisual, há que embarcar em cada oportunidade de visibilidade para essa fascinante atividade. O 23º Cine Ceará trouxe diversos inéditos. Tanto nas duas Mostras Competitivas, Ibero Americana de Longas e Brasileira de Curtas, como nas Mostras Portugal Contemporâneo e Homenagem a Maria de Medeiros. Olhar do Ceará, Mostra Sociais, Mostra Canal Brasil e Exibições Especiais foram oportunidades de rever muitas produções de qualidade que não nos chegam com frequência. A volta das salas do Centro Cultural Dragão do Mar, devolvidas à cidade poucos dias antes da abertura do Cine Ceará, numa parceria com a Fundação Joaquim Nabuco, e onde ocorreram grande parte das exibições, acena com uma virada positiva no acervo que os amantes de cinema passarão a ter à sua disposição. Aliás, comemorar a reabertura das salas do Dragão do Mar e toda a revitalização promovida por Paulo Linha-

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res, ex- secretário de Cultura e criador do Dragão, agora de volta como presidente da instituição, é justo e motivador. Além da retomada da exibição, o Dragão do Mar reinventa o seu papel de formação, com a Escola Porto Iracema das Artes e com o Centro de Narrativas Audiovisuais, o Cena 15. Com o Sesc Iracema e a Caixa Cultural em plena atividade, temos naquela região de Fortaleza um espaço vigoroso de promoção da cultura – nossa condição essencial de permanecermos humanos. No Cine Ceará chamou a atenção os diversos curtas e longas que resgatam a memória das ditaduras como momentos que não devem ser esquecidos, para não serem repetidos. Destaque para “O Paciente Internado”, do mexicano Alejandro Solar Luna, que conta a


ARQUIVO MARIA DE MEDEIROS

Denise e Maria, em Roma, na janela que abre a cena de “Repare Bem”

história de Carlos Castañeda de La Fuente, encarcerado num hospital psiquiátrico durante 40 anos, acusado de tentar assassinar o presidente do México em 1970. Sem julgamento e mesmo com parecer contrário dos médicos, Castañeda foi mantido preso, sendo liberto, em 2010, por uma advogada que se interessou pelo caso. Fora do hospital, nunca mais conseguiu viver sob um teto, escolhendo perambular pelas ruas da capital como garantia extrema de sua liberdade resgatada. Agraciado com o prêmio especial do júri, pelo esforço investigativo e pelo poder da história que resgata, o filme trata o tema com força dramática, sem jamais resvalar para o sensacionalismo de exposição da tortura. Dramaticidade com sobriedade trouxe-nos também

“Repare Bem”, da portuguesa Maria de Medeiros, um longo depoimento de Denise Crispim e de sua filha, Eduarda, sobre a marca que a perseguição, a tortura e mais tarde o exílio deixaram em suas vidas para sempre. Denise foi presa e torturada pela ditadura militar brasileira a partir de 1970. Grávida do ativista Eduardo Leite, o “Bacuri”, torturado até à morte durante 109 dias, Denise exilou-se no Chile após o nascimento da filha, fugindo de lá para a Itália com a ascensão de Pinochet. Depois de guardar silêncio durante mais de 40 anos, Denise abriu-se para o documentário de Maria, contando a sua história em lances de memória, não necessariamente em ordem cronológica. A montagem brilhante garante a atenção do espectador que se prende intensamente CARIRI REVISTA 67


à narrativa, valorizando, mais ainda, a importância do tema e o fato de ser uma marca de todos nós, mesmo os que não foram atingidos diretamente. Em entrevista exclusiva à CARIRI, Maria de Medeiros expressou a sua emoção em contribuir para a ênfase dessa memória. “A América latina preocupa-se em enfrentar os seus fantasmas, saber a sua história. Nenhum país europeu fez isso como aqui”, ressaltou. Na exibição de “Repare Bem” no Cine Ceará, Denise estava presente e participou do debate com a cineasta. Ouvi-la falar da experiência de catarse que o filme lhe proporcionou revelou mais um papel relevante desse tipo de cinema. Maria e Denise ficaram na história da 23ª edição do Cine Ceará como as celebridades mais afetuosas de todos os tempos, tal a receptividade e simpatia com todos os que delas se aproximavam. Ainda sobre uma memória relativa às ditaduras, e mais uma vez com um documentário, o emocionante Mercedes Sosa, “A Voz da América Latina”, do argentino Rodrigo Vila, que foi mais um destaque na incrível arte da montagem, tendo, inclusive, sido premiado por isso. Ainda nos longas, “Olho Nu”, documentário sobre a vida de Ney Matogrosso do brasileiro Joel Pizzini, somente deslumbrante e se houver dúvidas de que é dificílimo retratar uma personalidade marcante como a de Ney, ficam redimidas ao travarmos contato com as sensíveis e criativas escolhas feitas pelo realizador. Num festival onde dominaram os documentários, o uruguaio “Rincón de Darwin”, de Diego Fernandes Pujol, apresentou uma ficção interessantíssima, de produção simples, porém genial, premiada com o melhor roteiro. Dentre os curtas o tema da velhice e da homossexualidade foram destaques, embora as abordagens tenham sido variadas, todas exibindo qualidade e criatividade. O jovem Leonardo Moura Mateus, com seu “Mauro em Caiena”, arrancou aplausos do público e levou uma premiação especial.

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Nas exibições especiais, destaque para Rosemberg Cariry com “Pobres Diabos”, exibido no encerramento e para o primoroso “O Último Rastro”, do também cearense Marcus Moura, que conta a história de uma família de rastejadores - dotados da habilidade de identificar rastros imperceptíveis - que até hoje vivem no sertão dos Inhamuns. Muito mais haveria a mostrar e comentar sobre o Cine Ceará e a oportunidade ímpar de ver filmes de diversos lugares, momentos e propostas estéticas. Fica o convite para continuarmos, cada vez mais, prestigiando as salas de cinema, brilhantemente homenageadas por Halder Gomes (em co-produção de Glauber Filho e Dora Freitas) no maravilhoso “Cine Holliúdy”, lançado em escala nacional em 2013. E o apelo para a volta da exibição de curtas nas grandes salas, ampliando o acesso do público a essa modalidade que está hoje no Brasil praticamente restrita aos festivais. Paralela realidade, vida em movimento, linguagem múltipla, arte síntese das artes. Longa vida ao cinema!

SERVIÇO Lista completa das premiações, detalhes dos filmes, galeria de fotos e vídeos dos bastidores em www.cineceara.com ARQUIVO MARIA DE MEDEIROS


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Edmilson Filho o fantástico protagonista de “Cine Holliúdy”

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#caririespaçocidades

SUSTENTABILIDADE EM CENA Por Isabela Bezerra

Cinema, além de entretenimento, é conhecimento, é uma forma de ampliar a visão sobre o mundo através do som e da imagem. A coluna #espaçocidades desta edição é toda dedicada à sétima arte e traz o tema sustentabilidade como parte do enredo. Aproveite para anotar todas as dicas.

Wall–e (2008) (Dir: Andrew Stanton) O filme da Pixar, dirigido por Andrew Stanton, foi campeão de bilheteria. A história se passa no ano de 2805, mas a realidade retratada na animação parece ser próxima da que vivenciamos atualmente. A alerta vai para o consumismo em massa, que transforma a Terra em um grande depósito de lixo, diminuindo os recursos naturais e piorando as condições para a vida humana. Na história o único habitante do planeta é o robô Wall-E, que vive compactando os resíduos. Após encontrar uma pequena planta entre as montanhas de lixo, o robozinho amigo percebe que aquela pode ser a solução para que a vida no planeta Terra se torne possível novamente. Para transformar isso em realidade, Wall-e terá que enfrentar a megacorporação Buy-n-Large (BNL).

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios (2012) (Dir: Renato Ciasca e Beto Brant) O filme, inspirado no livro homônimo do escritor Marçal Aquino, recebeu vários prêmios. O drama tem como protagonistas os atores Camila Pitanga, Zé Carlos Machado e Gustavo Machado, que vivem um triângulo amoroso em meio à destruição da floresta amazônica e as lutas das comunidades ribeirinhas pela preservação do meio ambiente.

Loráx: Em Busca da Trúfula Perdida (2012) (Dir: Chris Renaud e Kyle Balda) O filme, dos mesmos diretores do “Meu Malvado Favorito”, tem como abordagem central a preservação dos recursos naturais. A mensagem, apresentada de maneira simpática e leve, chama atenção para o que o progresso a todo custo pode trazer ao mundo: a artificialidade. Na cidade de Thneedville, a vida é controlada pela tecnologia, e a natureza não existe há muito tempo. Tedd, o personagem principal, é apaixonado por Audrey, uma garota que sonha em ver uma árvore de verdade. Para conquistá-la, Ted se aventura na busca da única semente de trúfula (um tipo de árvore) e nessa jornada conhece Loráx, uma curiosa criatura defensora da natureza. CARIRI REVISTA 71


O Grande Milagre (2012) (Dir: Ken Kwapis) Este filme foi inspirado em uma história real. A personagem de Drew Barrymore é uma repórter e ativista do Greenpeace que em 1988 contribuiu para o resgate de três baleias-cinzentas, presas no Ártico. A história mostra como foi possível o trabalho em cooperação entre as duas superpotências da época, EUA e URSS, que se unem para realizar o resgate.

Avatar (2009) (Dir: James Cameron) Este filme é uma crítica à destruição da natureza e à ideia do lucro sem limites. Apesar do planeta de Pandora ser fictício, a exploração e destruição mostradas no filme são reais e aconteceram em diversas partes do mundo, dizimando a população local ou fazendo com que os moradores abandonem suas aldeias e cultura.

Erin Brockovich, Uma Mulher de Talento (2000) (Dir: Steven Soderbergh) O filme é baseado na história de Erin Brockovich, vivida por Julia Roberts, ganhadora do Oscar por essa interpretação. A vida de Erin se transforma após conseguir um emprego em um escritório de advocacia, onde ela passa a investigar, por conta própria, a relação entre as doenças adquiridas por habitantes de uma cidade no deserto dos EUA com a água distribuída pela empresa Pacific Gas & Electric. A atitude de Erin dará início a uma guerra judicial entre a empresa e os moradores. Atualmente a verdadeira Erin é ativista e presidente da Brockovich Research & Consulting.

Narradores de Javé (2004) (Dir: Elliane Caffé) O filme se passa no sertão nordestino. Com a notícia que a construção de uma hidroelétrica vai tirar o Vale do Javé do mapa, os moradores da localidade se mobilizam para transformá-la em patrimônio da humanidade, na esperança de impedir que a história da cidade seja destruída. Como a maioria dos moradores são analfabetos, o jeito foi buscar ajuda com o antigo responsável pelos Correios e Telégrafos, que tinha sido expulso de Javé, para contar a história que antes só era transmitida através da oralidade, o famoso boca a boca.

DOCUMENTÁRIOS QUE ACRESCENTAM NA DISCUSSÃO: “Lixo Extraordinário” (2007 e 2009, de Lucy Walker); “Nosso Planeta, Nossa Casa” (Home - 2009, de Yann Arthus-Bertrand); “Uma verdade inconveniente” (An Inconvenient True - 2006, de Davis Guggenheim); “A Era da Estupidez” (The Age of Stupid – 2009, de Franny Armstrong). 72 CARIRI REVISTA


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#cariripadrecícero gastronomia

OS VINHOS DA SÉTIMA ARTE Por Sérgio Pires [Sommelier, ex-funcionário do Banco do Brasil, praticante de karatê, diretor responsável pela comunicação da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-DF), e professor em seus cursos]

“O amor ao vinho pode tornar-se uma obsessão, da mesma forma que a ligação com o cinema. Quando as duas se unem vamos ter um maníaco muito especial: o eno-cine-maníaco.” AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT

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No cinema ou na vida real, nada como um brinde a dois.

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e uma pedra que rola é um tipo de roda, um cacho de uva caído potencialmente torna-se um tipo de vinho. Podemos então imaginar que uma figura rupestre desenhada na parede de uma caverna por um dos nossos ancestrais Cro-Magnon, contando a história de uma caçada, iluminada pela luz de fogueiras, já era uma espécie de cinema. No sudoeste da França, a gruta de Lascaux, a “Capela Sistina da arte rupestre”, tem a idade de suas pinturas, calculada, por datação com carbono-14, em 15.000-a.C. Sendo que na região, onde até hoje crescem videiras selvagens, foram encontradas grandes quantidades de sementes de uva fossilizadas, o que indica que a produção de vinho também era conhecida. Portanto, vinho e cinema, uma história de 17 mil anos! A dobradinha jantar com filme é sempre sedutora. A combinação de jantar com vinho também é uma grande pedida. Se a dois já é bom, os três juntos é bom demais. Mas, além do vinho após o filme, é possível encontrar o vinho desempenhando papéis nas telas, sendo utilizado como reforço de uma cena, como coadjuvante e, até, como ator principal. Dentro da chamada sétima arte tudo tem significado e sentido. A linguagem não-verbal se vale das informações visuais, as imagens, que são utilizadas como símbolo, metáfora ou recurso da história, na busca por provocar sensações específicas. Para vivenciarmos um filme temos de adotar uma atitude intelectual de “suspensão da realidade”. Temos que acreditar que aquela outra realidade, definida e representada pelas imagens e pela narração, é um mundo existente. O cinema é carregado de estereótipos. O lugar-comum é necessário e até imprescindível para a comunicação com o espectador. Se a interpretação das cenas não for entendida e compartilhada pelo público,

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Champagne nas telas: sensualidade, alegria e riqueza.

não se transmitirá a mensagem. Nas telas, por exemplo, o champagne aparece como tradução de sensualidade, alegria e riqueza, sempre presente nas festas e celebrações. Já o vinho é mais relacionado ao amor, à paixão e à sedução. Aparece nas vitórias e some nas derrotas. Normalmente harmoniza com as estações do ano, tintos no inverno e brancos no verão. Quando se relaciona à solidão, é porque o personagem passa por uma experiência única e íntima. O fracassado, o deprimido ou o alcoólatra não bebem vinho. Ao personagem que consome vinho é adicionada uma avaliação de sofisticação. Estas interpretações da linguagem simbólica das imagens nos auxiliam a dar sentido à estrutura narrativa que presenciamos na tela, suas ideias e emoções, principalmente às complexas subjetividades que não podem ficar sendo explicadas a cada cena.

Saindo das telas para a vida real, vários personagens do mundo do cinema também transitam no mundo do vinho. O ator francês, agora naturalizado russo, Gérard Depardieu possui várias vinícolas, na França, Espanha, Argentina e até no Marrocos, produzindo vinhos com seu nome. Antonio Banderas, o Zorro, produz o vinho “Anta Banderas”, na região de Ribeira Del Duero da sua Espanha natal. Brad Pitt e a Angelina Jolie produzem o “Miraval Rosé”. Um veterano nesta área é Francis Ford Coppola, diretor da trilogia “O Poderoso Chefão”, que possui diversas vinícolas no EUA. Na França, na cidade medieval de Carcassone, ocorre o encontro real entre o mundo do cinema e o do vinho. O Oenovideo é o mais antigo festival internacional dedicado à melhoria da vinha e do vinho através de documentários, filmes e fotografias. Mais de 1000 filmes já foram apreCARIRI REVISTA 75


sentados nestes 20 anos da sua existência”, demonstrando que é possível unir a sétima arte ao vinho. Relacionar os filmes em que o vinho se destaca e tem um papel relevante, muitas vezes apenas em uma cena, seria uma tarefa infinda. Mas como falar de cinema sem citar alguns filmes? Nos diversos 007, enquanto o mundo ainda não está a salvo, Bond, James Bond, pede o famoso Martini, mas quando a Bond girl é chamada para comemorar a derrota do vilão, o champagne Don Perignon é a bebida. Porém, o 007, o agente a serviço de Sua Majestade, com licença para matar, já pediu o Chateau d’Yquem em mais de um filme. No filme nacional “O Estômago”, de Marcos Jorge, o vinho aparece em duas cenas marcantes, a primeira na apresentação que o personagem Alecrim faz enquanto abre uma garrafa para acompanhar o banquete que é servido para um chefão recém-chegado à cadeia. E ele ensina como se faz o vinho: “Para fazer o vinho o sujeito maçaroca a uva, bem maçarocadinha mesmo e deixa fermentando. Faz o

gás e aí pega a baba e joga nuns tonel de madeira de fazer pinga.” Se esforça para tornar a refeição em um banquete, sendo o vinho o símbolo deste refinamento. Mas pisa nos bagos da uva ao falar no aroma de cachorro molhado. O chefão ordena: “Joga esta merda na privada e traz uma cerveja!”. Na cena em que descreve o que o levou a parar na cadeia, Alecrim, que ainda era conhecido como Nonato, descobre que a mulher que é sua paixão o trai com o seu patrão e mentor. A maneira que encontra para mostrar seu desprezo pelo homem que tanto o ensinou é buscar a garrafa de Sassicaia, grande vinho italiano, que o patrão guarda com zelo para uma ocasião especial, e bebê-la toda no gargalo, para em seguida consumar sua vingança. Como falar de vinho em filmes e não lembrar de “A Festa de Babette”? Numa vila de pescadores da Dinamarca, a ex-chef de um famoso restaurante francês trabalha como faxineira e cozinheira. Ao ganhar um prêmio da loteria resolve gastar tudo oferecendo um banquete aos habitantes da vila. Vinhos, hoje só de sonho, são servidos, com

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destaque para o champagne Veuve-Cliquot 1860 e um Clos Vougeot 1845. Para finalizar, Cognac Vieux Marke Fine Champagne. Os participantes são transformados durante o banquete, têm seus horizontes ampliados. É um filme sobre a generosidade e a grandeza de espírito. Em “Meia Noite em Paris”, o diretor Woody Allen faz com que o personagem chato do filme demonstre ser um esnobe ao esbanjar conhecimento sobre vinho. Ele é o amigo da noiva do escritor viajante do tempo, e, para provocá-lo, cita uma frase sobre o vinho e o amor, no seu sentido mais físico: “O vinho provoca o desejo, mas impede o desempenho”. Na versão dublada a que fui obrigado a assistir, não era citado o autor da frase, mas ela é bem conhecida e pertence a Shakespeare, que em “Macbeth” escreveu o seguinte diálogo entre os personagens Macduff e Porter: - Macduf: Quais as três coisas que o beber especificamente provoca? - Porter: “...Nariz vermelho, sono e urina. Luxúria, senhor, ele provoca e não provoca; provoca o desejo, mas impede o desempenho.” Uma linda mulher, com champagne, fica mais linda ainda. Em “O Pecado Mora ao Lado”, aquele filme da cena em que um jato de ar do respiradouro do metrô levanta o vestido da Marilyn Monroe, há uma cena em que, enquanto seu vizinho (Tom Ewell) toca Rachmaninoff ao piano, ela, com muita classe, molha batatas fritas no champagne, a paixão está no ar. Já em “Uma Linda Mulher”, Julia Roberts toma champagne com morangos para simbolizar a possibilidade de uma nova vida com o milionário interpretado por Richard Gere. Para facilitar, pode-se colocar o morango dentro da taça, assim ao menos uma das mãos fica livre, o que é muito útil durante o namoro. Poderia citar mais filmes em que em algum momento o vinho tem um desempenho relevante, como: “Casablanca”, “Conto de Outono”, “Gilda”, “Julie e Julia”, “O Jantar”, “O Segredo de Santa Vitoria”, “Ratatouille”, “O Silêncio dos Inocentes”, “Sob


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“Sideways”: road-movie ou vinícola-filme?

o Sol da Toscana” e diversos outros, mas aí já estaria escrevendo um livro. Porém, não gostaria de encerrar sem falar rapidamente de três filmes com características diversas, mas que para mim têm grande significado, primeiro “O Julgamento de Paris”, que conta a história real da degustação às cegas, realizado nos arredores de Paris, em 1976, quando os vinhos californianos, até então praticamente desconhecidos, obtiveram notas superiores a clássicos franceses. A história é boa e verdadeira. Elevou os vinhos americanos a um novo patamar. Mas, no filme, o evento é apresentado como a vitória do “caipira” sobre o “janota”. Cansa ver como os americanos ficam desdenhando da elegância inglesa e francesa, apesar de babarem pela aprovação deles aos seus vinhos. No excelente documentário “Mondovino”, do diretor e sommelier francês Jonathan Nossiter, que agora reside no Brasil, o grande tema do filme aparenta ser o embate entre a tradição e os novos métodos de

produção de vinho, mas, na verdade, é uma defesa da qualidade e da individualidade, em oposição à massificação e ao lucro fácil, com prejuízo para os consumidores. Por último “Sideways” (“Entre Umas e Outras”), um road-movie ou um vinícola-filme. Entre garrafas, degustações e refeições, o vinho nesta película aparece em quase que todas as possibilidades, tanto como símbolo, metáfora ou recurso da história. Miles, interpretado por Paul Giamatti, talvez em seu melhor trabalho, enquanto detona com a uva Merlot, descreve sua paixão pela uva Pinot Noir, “de difícil cultivo e sensível” . Na verdade, fala dele mesmo. O público americano, que também é sensível, reagiu à metáfora embutida na história e deixou de consumir o Merlot, multiplicando a venda do Pinot Noir. Não se lembra destes detalhes? Abra uma garrafa de vinho e assista os filmes novamente. Vinho: um dos grandes prazeres da vida! Junto com comida, sexo e cinema. Não necessariamente nesta ordem. CARIRI REVISTA 77


OS VINHOS DA VISITA DO PAPA “Os idosos têm a sabedoria de ter caminhado na vida. Doemos esta sabedoria aos jovens: como o bom vinho, que com os anos torna-se melhor, doemos aos jovens a sabedoria da vida”. PAPA FRANCISCO Na igreja católica muitas são as referências e analogias ao vinho. Na Bíblia são mais de 500 citações. O primeiro milagre de Jesus, segundo os Evangelhos, foi transformar água em vinho em uma festa de casamento em Caná, na Galiléia. Na Santa Ceia, por fim, Cristo celebra o pão como seu corpo e o vinho como seu sangue. O Papa Francisco é da Argentina, terra que elevou a Malbec a um patamar de excelência antes não conhecido. Sua família, Bergoglio, descende de imigrantes italianos. A Itália que era conhecida como Enótria, a terra dos vinhos. Como se não bastasse, agora reside no Vaticano, país que, segundo pesquisa realizada pelo Wine Institute da California, é o maior consumidor de vinho per capita do mundo (54,78 litros por ano). Apesar deste resultado ser surpreendente, não é difícil de ser explicado: muitas missas e população majoritariamente adulta e solteira. É o paraíso para elevar o consumo de vinho ao céu. Portanto, nada mais certo do que oferecer vinho em todas as refeições servidas ao Papa e à sua comitiva. Considerando-se ainda todas as missas realizadas para os participantes da Jornada Mundial da Juventude. Existe dentro da doutrina da Igreja toda uma definição para o vinho de missa: “deve ser natural, do fruto da videira, puro e dentro da validade, sem mistura de substâncias estranhas”. Para ser produzido é necessário autorização. Quatro empresas brasileiras (três gaúchas e uma paulista) abastecem esse mercado: Salton, Aliança, Chesini e Maziero. Não se deve esperar muita qualidade no vinho de missa, seu objetivo não é a degus-

tação. É um vinho licoroso ao qual foi adicionado álcool etílico de vinho. O resultado é uma bebida “docinha”, generosa, macia, aveludada e suave ao paladar. A grande concentração de açúcar e o alto teor de álcool é proposital: serve para conservar o vinho por mais tempo, considerando o seu consumo lento, a cada missa celebrada. Tem quem o consuma como vinho de aperitivo ou para acompanhar sobremesas. Os vinhos servidos nas refeições do Papa foram selecionados com antecedência. O Talento 2007, Cabernet Sauvignon (60%), Merlot (30%) e Tannat (10%), foi anunciado pela Salton como o “vinho oficial da Jornada”. Produzido apenas nas grandes safras. É um vinho muito aromático e com grande persistência. O Salton Volpi Cabernet, 100% Cabernet Sauvignon, que acompanha muito bem massas com molho vermelho e queijos curados. O fresco e equilibrado espumante Salton Prosecco e ainda, da mesma vinícola, o vinho de sobremesa Salton Licoroso Intenso. Da Miolo o branco RAR Viognier, que é floral e cremoso, para acompanhar peixes e saladas e o seu ícone, o Lote 43, 2008, corte de Cabernet Sauvignon e Merlot, elaborado apenas em safras consideradas excepcionais. É elegante e com boa estrutura. No almoço servido ao Papa na sua visita a Aparecida é que o negócio

pegou, foi servido um vinho da Adega Mazieri, de Jundiaí, SP, elaborado com a uva Niagara, que não é vinífera, sendo usada apenas para os vinhos de garrafão. Foi escolhido pela amizade dos padres locais com o produtor. No local de hospedagem do Papa no Rio de Janeiro, toda a estrutura de alimentação, bebidas e serviço ficou sob a responsabilidade da equipe do tradicional restaurante paulistano Terraço Itália. Não deu outra, os vinhos eram italianos, os toscanos Santa Cristina e o Villa Antinori. O Santa Cristina Rosso, 2011, Sangiovese, é um tinto simples, básico e fácil de beber, já o Villa Antinori 2009, 55% Sangiovese, 25% Cabernet Sauvignon, 15% Merlot e 5% Syrah, é bem superior, sendo mais amadeirado, frutado e encorpado. Se já sabíamos comer como abades, agora já sabemos como beber feito um Papa. Amém.

Perguntas, sugestões, dúvidas? escreva para: sergiosvp@yahoo.com.br 78 CARIRI REVISTA


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nick cave Por Weaver Lima

Weaver (Fortaleza-CE) iniciou sua carreira em 1991 editando fanzines no Seres Urbanos, grupo que se tornou referência no meio alternativo brasileiro. Entre 1997 e 1998, foi editor da página semanal PUB no jornal O Povo, onde divulgava a produção independente de artistas adeptos à filosofia “Do It Yourself”. Desde o início dos 2000 vem se dedicando às artes visuais. Realizou sua primeira exposição individual “Que Tal de Uma Forma Mais Leve?”, em 2005. Em 2010, foi selecionado pra TRANSFER - Mostra internacional de arte urbana, realizada em São Paulo, que reuniu artistas de referência do meio alternativo mundial. Sua exposição mais recente “WEAVER DISCOS – pop descarado” circulou em 01 ano (outubro de 2012 a outubro de 2013), por oito cidades do Brasil e Europa. O artista é representado desde 2011 pela Galeria LOGO (SP).

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