Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Cachoeira - Bahia | Março - Abril 2012 | EDIÇAO ESPECIAL
Alteração na Lei Maria da Penha facilitará denúncias LEIA Pg. 5
A mulher no beneficiamento do fumo: uma história de luta e sobrevivência
Laís Sousa
Cíntia Pina
Cidade Heróica tem suas heroínas Confira a importância da participação feminina na construção da história de Cachoeira. LEIA Pg. 6-7
LEIA Pg. 8
Mulheres do Recôncavo Dona Cida
Georgina dos Santos
LEIA Pg.10
O que tem no tabuleiro da baiana?
Karine Simões
LEIA Pg. 3
Desafios da mulher no cargo de chefia
Aline Sampaio
Nayá Lôbo
A história de luta e fé de uma mulher que venceu o câncer
Dona Roquinha
Mulher é maioria no comércio de Cachoeira
LEIA Pg.12
LEIA Pg. 9
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E
sta é uma edição especial do seu Reverso – jornal laboratório da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), uma produção da turma do 4º semestre de jornalismo. Desta vez procuramos fugir um pouco do factual e dedicar esta edição, principalmente, às mulheres, homenageadas do mês. Você vai conhecer histórias de vida interessantes de mulheres do Recôncavo. Pensando em atrelar o nosso tema – mulher – com a história de Cachoeira que completa 175 anos em 13 de março, chamamos atenção para a matéria Cidade Heróica também tem suas heroínas, que fala das personagens femininas que tiveram destaque na história da cidade. Destacamos também a história de superação de Dona Cida, que mesmo diante dos obstáculos nunca perdeu a força de continuar lutando e a vontade de viver. A presença feminina no mercado de trabalho também é abordada nesta edição, como vemos na entrevista com a recém-eleita diretora do CAHL Georgina Gonçalves, que fala dos desafios enfrentados por uma mulher que ocupa cargo de liderança. Veja ainda a história da charuteira Célia que sempre trabalhou na indústria fumageira e Marinalva que sustenta a família com renda do artesanato. O Reverso é prestação de serviços! Confira as mudanças na lei Maria da Penha, que prevê mais rigor em casos de violência doméstica. Esperamos que o nosso empenho em levar até você informação de qualidade seja eficiente, pois a nossa maior satisfação é deixá-lo bem informado. Desde já agradecemos e uma boa leitura a tod@s!
>>EXPEDIENTE<< Reitor Paulo Gabriel Soledad Nacif Coordenação Editorial J. Péricles Diniz e Robério Marcelo
Centro de Artes Humanidades e Letras (CAHL) Quarteirão Leite Alves, Cachoeira/BA CEP - 44.300-000 Tel.: (75) 3425-3189
Editora Fabiana Dias Redatoras Celina Pereira Michele Barros Sheila Barretto
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo
I NE DI T OR I AL
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Ser mulher no Recôncavo *Valéria Noronha Escrever sobre um tema tão íntimo e tão presente “Ser Mulher” é ao mesmo tempo desafiador, corajoso, simbolicamente forte, pleno, cujo nome e significado está repleto de trilhas que ao longo da história estiveram permeadas por conquistas e vários enfrentamentos existentes no cotidiano. “Ser Mulher” é ser Joana, Dulce, Tereza, Bianca, Flávia, Carla...Vidas e Almas que transbordam sentidos de luta, de trabalho, de construção, de pluralidade, de certezas, de movimentos, de militância, de sonhos, de coragem, de amores, de beleza, de verdades, de profundidade. “Ser Mulher” no Recôncavo é ser Maria Quitéria, Ana Neri, Dona D`alva, Dona Canô, Dona Nicinha... Agricultoras, Quilombolas, Rezadeiras, Sambadeiras,Trabalhadoras Domésticas... Guerreiras que em sua diversidade preenchem de cor e de vida esta terra. As existências femininas continuam seguindo na direção dos caminhos da transformação travando batalhas na direção de uma sociedade que tenha como políticas públicas e ações que considerem essa diversidade de identidades femininas localizadas na realidade brasileira, dentre elas: mulheres do campo, das cidades e da floresta, indígenas, mulheres integrantes dos povos e comunidades tradicionais, quilombolas, negras, ribeirinhas, ciganas, jovens, mulheres encarceradas, idosas, lésbicas, mulheres com deficiência. É preciso cultivar o respeito à autonomia das mulheres e
continuarmos na luta pelo combate às desigualdades sociais, onde também é essencial por meio do controle social e da participação ativa das mulheres efetivarmos ações de políticas públicas já reconhecidas, tais como: Ampliação da participação e permanência das mulheres no mundo do trabalho e mercado formal; inclusão produtiva e empreendedorismo nos meios urbano e rural; compartilhamento de responsabilidades domésticas: cotidiano, uso do tempo e equipamentos públicos; ampliação e aperfeiçoamento da rede de atendimento às mulheres em situação de violência e implementação da Lei Maria da Penha; combate ao tráfico e exploração sexual de mulheres e garantia de direitos humanos das mulheres encarceradas; saúde integral das mulheres, sexualidade, direitos sexuais e direitos reprodutivos; educação e cultura para a igualdade, com fortalecimento da cidadania; comunicação e mídia igualitárias, democráticas e não discriminatórias; participação política e fortalecimento das mulheres em espaços de poder e decisão; organização e fortalecimento das secretarias de mulheres nos governos e participação popular. Dar um ponto final nesse texto é extremamente difícil. Este é um Universo infinito... Em permanente elaboração... Cheio de emoções, poesias, expressões... Desejo um eterno empoderamento em nossas trajetórias... Como sinaliza Simone de Beauvoir “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”.
Editoração Gráfica Jordane Queila Nery Laís Sousa Mariana Souza
Acesse o Reverso Online
*Doutora em Serviço Social pela UFRJ. Professora adjunta do curso de Serviço Social da UFRB na área de Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos de Serviço Social.
Sheila Barretto
CARTA AO LEITOR
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Dona Cida: a história de luta e fé de uma mulher que venceu o câncer >> Nayá Lôbo Aos 74 anos, caminhou sem ajuda até a porta de entrada da casa. Em pouco mais de uma hora, revelou sua vida, que apesar de sofrida após a velhice, resguarda momentos de fé e misticismo. Mesmo que não acreditem na sua história, se hoje está em pé e podendo contá-la, o motivo está na “obra de Deus”, contou a paulista que hoje mora em Cachoeira. Um câncer na medula óssea fez Aparecida Ramos Alexandrino, de 74 anos, deixar de estudar e ficar presa a uma cama. Durante dias, a única visão que tinha era a que vinha da porta do seu quarto, a qual de aconchegante e individual passou a ser fria e coletiva, já que as pessoas que a visitavam só conseguiam ter um dedo de prosa se chegassem até ela. As dores insuportáveis nas articulações não deixavam D. Cida se mover. Foram dias intermináveis, até que foi internada no Hospital Geral do Estado (HGE).
Diagnóstico e os dias intermináveis no hospital Há quatro anos, o diagnóstico da senhora de 69 anos foi Osteoporose, doença que acomete as articulações, deixando os ossos fracos, mas, exames posteriores levaram a descoberta da existência de um câncer na medula. D. Cida conta que os médicos de Cachoeira não conseguiram avaliar o câncer e que isso foi bom, pois ela não sabendo do diagnóstico, acreditou que se tratava de uma doença comum à idade. “Foi o que me salvou. Se eu soubesse que era câncer, ficaria desenganada.” Foram 13 dias vendo as horas passarem de cima de uma maca. No HGE, conseguiram detectar a presença de células canceríge-
nas na medula óssea e diante do marido e da família da paciente, médicos disseram que ela não iria viver muito, pois a doença já tinha se desenvolvido. Pediram a internação no hospital Aristides Maltês, também em Salvador, especializado em casos de câncer como o de D. Cida. Até então, a senhora desconhecia sua doença e pensava que a mudança de hospital tratava-se de questões de atendimento médico. Ela conta que as lembranças que tem do segundo hospital eram da janela de onde via o sol e imaginava que estava quente e das outras pacientes que estavam no mesmo quarto de enfermaria. Não tinha acompanhante, já que seu esposo, Sr. Leopoldo, não podia ficar na ala feminina. Mas também se lembra de uma história muito triste, e que apesar de não querer lembrar aqueles dias de internamento, nunca lhe saiu da memória. D. Cida conta, a história de uma senhora também paciente do hospital e sua companheira de quarto. Ela não sabia que essa paciente também tinha câncer, assim como desconhecia seu estado. “A filha dela era sua acompanhante, mas ela também cuidava de mim. E eu gostava”. Aquela menina passou a ter um carinho especial por D. Cida, e era recíproco, pois a senhora achou nela uma companhia para os dias de luta e dor. Porém, numa noite esquisita e atípica, a outra senhora teve febre aguda, e em desabafo, sua filha se voltou contra D. Cida e disse que não podia cuidar dela aquela noite, pois sua mãe estava mais necessitada de atenção. Segundo D. Cida, ela não ouviu aquilo como ofensa, e pediu em oração que dormisse a noite toda para não abusar e atrapalhar a outra paciente. E assim aconte-
ceu. Ela dormiu a noite toda. O sol esquentou a maca e despertou aquela mulher do seu longo sono. Apurou bem a visão e não enxergou a senhora à sua frente. Seus pertences, sua maca e sua filha não estavam ali. E seu primeiro pensamento, que nunca foi confirmado por nenhum dos enfermeiros, foi de que a morte tinha visitado aquele quarto naquela noite. E foi o que aconteceu. A partir daquele dia, D. Cida contou que passou a pedir alta, coisa que nunca tinha feito antes, já que as dores não diminuíam e que ao menos no hospital iam ter pessoas especializadas e remédios adequados para atendê-la. Depois de um mês e 13 dias internada, a senhora recebeu alta no dia 09/04/2007 e o tratamento de quimioterapia passou a ser realizado em visitas periódicas ao hospital. A cura pela fé Em casa, o sofrimento continuava, mas ela acreditava que sua situação era bem melhor perto dos seus parentes. Com ajuda do seu esposo, mas ainda com dificuldade locomotora, D. Cida viu os dias passarem ser conseguir se mexer. Chegou ao peso de 40 kg, visto a dificuldade de se alimentar. Mas, segundo ela, por cura de Deus conseguiu numa noite mexer a cintura e posteriormente, o restante do corpo. Estava curada. “Existe uma diferença entre milagre e cura. O milagre é imediato, a cura vem com os dias. Eu fui curada.” A quimioterapia, no
caso de D. Cida, é um processo de cinco anos e ela já se encontra no último, realizando o tratamento de quatro em quatro meses a título de revisão. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a quimioterapia é o método que utiliza compostos químicos, chamados quimioterápicos, no tratamento de doenças causadas por agentes biológicos. Quando aplicada ao câncer, a quimioterapia é chamada de quimioterapia antineoplásica ou quimioterapia antiblástica. Com os movimentos recuperados e a saúde reestabelecida, D. Cida, entre a cozinha e a sala, buscou por papéis que comprovassem seu diagnóstico inicial, que atestava o câncer de medula óssea e o final, que mostrava sua cura. Mas, seu sorriso e sua disposição já eram provas irrefutáveis de uma pessoa sadia e com bastante vontade de viver. A domadora do câncer acredita que suas constantes orações resultaram no seu estado atual.
Nayá
Lôbo
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Ensinando a tecer vidas...
>> Maria Gabriela Costa
Dona Marinalva Queiroz é mais uma mulher brasileira que desenvolve diversas funções para manter sua família. Além de ser mãe, avó e dona de casa, ela ainda hoje, aos 60 anos, é professora de crochê. Através de um convênio entre a Prefeitura Municipal de Cachoeira e o Instituto Mauá de Salvador, ela dá aulas para 25 mulheres durante a semana. Desde que o marido faleceu, ela passou a cuidar sozinha de seus três filhos. Hoje, com os filhos crescidos e com seis netos, Dona Marinalva permanece como principal provedora de ren-
da de toda sua família. ‘‘São seis pessoas. Eu só sustento a casa. Eu sou a mãe e o pai porque eu sou viúva, meus filhos são todos desempregados. E tem os netos também. São três filhos e quatro netos, e eu sozinha para tudo”, disse. Dona Marinalva encontrou na arte de fazer crochê uma maneira de garantir mais uma renda – recebia apenas a pensão que ficou do marido - e foi com esse acréscimo que conseguiu comprar um terreno, fazer sua casa própria e ainda ajudar a levantar mais duas casas para seus filhos. Orgulha-se em dizer que tudo foi
fruto do artesanato – em diversos momentos recebeu conselhos para que abandonasse os pontos de crochê. Dona Marinalva não concluiu os estudos - parou de estudar quando casou e logo depois, teve seu primeiro filho. Desde então não conseguiu conciliar suas obrigações de mãe com os estudos, apesar de tentar várias vezes. Além da preocupação de manter a casa, ela não se esquece de aconselhar seus filhos. ‘‘Até tentei voltar pros estudos, mas sabe quando a gente casa, família, filho, eu vi que não dava. Eu falo para eles, tem que se for-
mar, não é porque eu parei que vocês vão parar! Hoje tenho dois filhos formados, a outra está no 1º ano”, revelou. D. Marinalva é mais uma representante da força e da garra da mulher baiana que, como tantas outras, tiveram que sozinhas, arregaçar as mangas e assumir a dura e árdua tarefa de educar seus filhos com o fruto de um trabalho nem sempre bem remunerado, mas, com certeza, um trabalho digno e gratificante. Ensinando outros a fazer crochê, ela teceu a vida de outras mulheres e a vida da sua própria família.
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Alteração na lei Maria da Penha facilitará denúncias >> Aline Sampaio O Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 09 de fevereiro de 2012, decidiu que a partir de agora o Ministério Público está autorizado a fazer a denúncia contra agressores em caso de violência doméstica contra a mulher, mesmo que a vítima não preste queixa contra o agressor. Com essa alteração, a mulher não poderá mais retratar-se em juízo, e qualquer pessoa pode denunciar a agressão. Quando promulgada, em 2006, a lei Maria da Penha previa que o agressor só seria autuado se a mulher agredida fizesse uma queixa formal. Para a advogada Geanine Martins, do ponto de vista jurídico, a alteração na lei é muito positiva. Isso porque, segundo ela, muitas vezes as mulheres agredidas sofrem pressões do agressor ou da própria família para que não denunciem, ou, quando conseguem fazer a denúncia, para
que a retire. “Percebe-se assim que as alterações se mostram mais rigorosas no combate à violência doméstica, pois apóiam as mulheres que não conseguem sair do ciclo de violência, por diversos fatores”, completou a advogada. Geanine acredita que a mudança na lei inibirá ações de violência contra a mulher, já que o agressor sempre contou com o silêncio de sua companheira, tendo a certeza de que ela não o denunciaria e que ficaria impune. Agora, um vizinho, uma assistente social, uma psicóloga, familiares, qualquer pessoa que tome conhecimento das agressões podem se dirigir a uma delegacia e fazer uma queixa. Segundo a advogada, mesmo existindo a possibilidade da mulher vítima de agressão ficar com receio de contar para alguém, isso não vai impedir as denúncias, pois já existem meios de
identificar se a mulher está sendo agredida. Os governos estaduais, em parceria com os municípios, criaram o Centro de Referência para Mulheres Vítimas de Violência, com profissionais aptos a detectarem os abusos. “Quando a mulher vai ao hospital tratar das lesões, e esta é identificada com lesão corporal provocada por socos, tapas, entre outros, essa mulher vai ser encaminhada ao Centro e atendida por uma equipe multi-disciplinar (psicóloga, assistente social, pedagoga, para a realização de acompanhamento psicológico”, afirmou Geanine. A secretária Jully Mascarenhas definiu a decisão do STF como ótima, pois ainda existem mulheres que passam por isso, mas não têm coragem de denunciar. Para ela, as vítimas não denunciam por medo de o agressor voltar e fazer coisas ainda piores. Revoltada, contou a história de uma vizinha que vivenciou calada
a violência contra a filha. O seu companheiro abusou da menina quando ainda tinha 14 anos, e a engravidou. Hoje, vivem todos juntos, como se nada tivesse acontecido. “Quando perguntaram por que ela não ia embora, ela disse que não tinha para onde ir”, disse Jully. O que não faltam são histórias de vítimas de violência doméstica. A secretária ainda lembrou o caso de uma prima que vive apanhando do namorado. A família tenta ajudar, mas não adianta, pois ela sempre retira as queixas e volta a viver com o agressor. Até mesmo os polícias já levam o caso na brincadeira. Com a alteração na lei, Jully acredita que ficará mais fácil punir casos assim. Sua única preocupação é a possibilidade da denúncia de qualquer briga boba entre casais.
Grávida, e agora? Os desafios da primeira gestação
>> Sheila Barretto Ser mãe é o sonho da maioria das mulheres, mas o que fazer quando a cegonha bate à porta pela primeira vez? Enxoval do bebê, mudanças no corpo e a interferência da família... Tudo isso ronda os pensamentos da futura mamãe, que pensa em como será sua vida dali em diante. Amanda Borges, grávida pela primeira vez, fala sobre os desafios da gestação. Depois da confirmação, a mulher passa por um misto de sensações. “Quando não é planejado você fica surpresa e ao mesmo tempo feliz porque um bebê é sempre uma benção”, disse. Quando o susto passa é
hora de se organizar, mas não é assim tão fácil, especialmente por causa da interferência da família. “Quando se está grávida todo mundo quer cuidar de você, mas você quer fazer as coisas do seu jeito. O problema é que sua mãe e sua avó, que são mais experientes, acham que deve ser feito de outro jeito, então é difícil estabelecer sua vontade”, disse Amanda. Outro desafio enfrentado pelas mães de primeira viagem são as transformações no corpo, os enjoos constantes e as crises emocionais... Tudo é novo na vida dessas mulheres. A preparação do enxoval também
não é fácil. Amanda afirmou que nem sempre consegue resistir às compras. “Todo mundo fala pra não comprar muita coisa porque o bebê cresce rápido e perde tudo, mas é difícil resistir”. Amanda chamou atenção também para a questão da alimentação, destacando que é importante evitar carne mal passada, vegetais crus que podem conter bactérias e a ingestão de gordura, que provoca azia. Ela afirmou também a importância de alternar a prática de exercícios leves, como uma caminhada, com o repouso e que se divertir é fundamental, sobretudo nos momentos de enjoo.
A hora do parto é aguardada com muita expectativa, segundo Amanda. “Você fica ansiosa pra que ele nasça logo”. Escolher entre um parto normal ou uma cesariana é uma decisão que precisa ser bastante avaliada. “Como eu estou no quarto mês, ainda não pesquisei muito sobre isso, mas vou conversar com o meu médico, perguntar o que ele acha e juntos decidiremos pela melhor opção”, disse. Para Amanda, independente do método utilizado, o que mais importa é o bem estar do filho. “Só quero que meu filho nasça com saúde”.
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A cidade heróica tamb >> Aline Sampaio
Dia 13 de março é a data em que a cidade de Cachoeira completa 175 anos. Nesse percurso, alguns nomes deixaram suas marcas. Dentre eles estão os de mulheres guerreiras que ajudaram a construir o que a cidade é hoje. Esse município teve a honra de ter em combate a heroína Maria Quitéria; de ter como filha a enfermeira Ana Néri, que deixou o conforto de sua terra para ajudar salvar vidas na Guerra do Paraguai. Falar da presença feminina em Cachoeira, sem dúvida, é falar da Irmandade da Boa Morte, formada por mulheres negras que fizeram história lutando pela liberdade dos escravos. Ana Néri
Apesar de ser a mais conhecida, Maria Quitéria não foi a única mulher a lutar na guerra. Há registros de que algumas mulheres evitaram uma invasão à Ilha de Itaparica.
A história nos mostra que, aos 51 anos de idade, a cachoeirana Ana Justina Ferreira Néri decidiu acompanhar os irmãos e os filhos na Guerra do Paraguai. No posto de enfermeira voluntária, ela ajudou a salvar muitas vidas, inclusive dos inimigos, se transformando na pioneira da Cruz Vermelha no Brasil. Definida por muitos como a enfermeira de almas, Ana Néri é exaltada como a Patrona dos Enfermeiros do Brasil, bem como uma filha ilustre que contribuiu e contribui na construção histórica de sua terra. Apesar de ter morrido há quase 132 anos, a presença de Ana Néri pode ser percebida em muitas cidades brasileiras, pois é muito comum encontrar ruas com o seu nome. Em Cachoeira, além de dar nome a uma rua, a enfermeira também foi lembrada quando da construção de estabelecimentos como, por exemplo, Café com Arte, sebo
Ana Néri e o Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) Ana Nery, o que demonstra sua influência no município. Maria Quitéria Mesmo não sendo considerada por muitos uma cachoeirana, Maria Quitéria também deixou sua marca. Após disfarçar-se de homem, ela se alistou como soldado voluntário em 1822. Esteve em combate no dia em que as forças independentistas venceram definitivamente as tropas portuguesas, se tornando a mais enaltecida heroína das guerras pela independência do país. Segundo o historiador Sérgio Guerra, a contribuição de Maria Quitéria vai muito além da história de Cachoeira, “ela se transformou num ícone da participação feminina na guerra”, completou ele. Para o historiador, Maria Quitéria tem a contribuição de romper com uma série de ideias que limitavam o lugar da mulher na sociedade. Muitas outras mulheres lutaram nas guerras pela independência, mas ela tem maior visibilidade. Está presente no registro oficial da história, o que, de certa forma, também acaba reafirmando a importância de Cachoeira em todo o processo de independência do Brasil. Sérgio Guerra ainda lembrou que a luta contra ocupação portuguesa em Salvador se deu a partir da cidade de Cachoeira. A cidade virou a sede do exército, da autoridade civil. Nesse sentido, “Maria Quitéria está ligada à história de Cachoeira, então, se entrelaçam nesse processo de guerra”, concluiu ele.
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bémtem suas heroínas
De acordo com o administrador da Casa da Boa Morte, Valmir Santos, a Irmandade é também um Centro Cultural que oferece oficinas de dança, música, teatro, além de curso de corte e costura.
Fabiana Dias
O mês de agosto é o mais esperado pelo povo cachoeirano, pois é nele que acontece a famosa festa da Boa Morte. Contudo, a Irmandade da Boa Morte representa muito mais que uma festa. Ela é o núcleo onde se reúnem mulheres remanescentes de um processo abolicionista, que vêm prestando um serviço social desde o século XIX. O administrador da Casa da Irmandade da Boa Morte, Valmir dos Santos, afirmou que o trabalho sempre foi além do social, foi também humanitário, “veja o que é o bem: você comprar a carta de alforria,a carta de liberdade de outro ser. Veja que grandioso não é isso!”, disse ele. O administrador colocou que, além desse trabalho de libertar escravos, as mulheres da irmandade buscaram e buscam a liberdade de expressão religiosa, direito ao culto, direito de ter uma religião. Para ele, toda a luta dessa mulheres reflete na sociedade atual através de suas ações direcionadas ao povo cachoeirano. A casa da irmandade é um centro cultural onde as irmãs pronunciam palestras e conversas, tendo como público alvo alunos de colégios municipal, estadual e até particular, turistas externos e internos. Além de contarem suas histórias, essas mulheres também contribuem na cidadania, falando da questão das drogas, das doenças sexualmente transmissíveis, da importância do diálogo com os pais, da importância de estar na escola, da preservação do meio ambiente, além de oferecerem oficinas. Valmir ainda lembrou a necessidade de valorização do papel que essas mulheres tiveram e têm na construção da história de Cachoeira: “Então, é importante que nós, povo cachoeirano e povo do mundo, vá prestigiar as irmãs. A Boa Morte representa para todos nós o troféu da resistência pela mulher negra, porque a gente tem que lembrar sempre que, em uma época escravocrata, machista, patriarcal, essas mulheres já estavam lá na sociedade, buscando seu empoderamento, impondo suas questões, buscando melhoria para seu povo”, ressaltou o administrador.
Fabiana Dias
A Irmandade da Boa Morte
O sebo Café com Arte, que promove eventos culturais, como lançamentos de livros, mostras de cinema e apresentações musicais, é um dos locais que leva o nome da heroína Ana Néri em Cachoeira.
Fabiana Dias
Após o reconhecimento do trabalho das mulheres da Irmandade, em 2010 o Governo do Estado tombou a festa da Boa Morte como patrimonio imaterial da Bahia.
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A mulher no beneficiamento do fumo: uma história de luta e sobrevivência >>Rose Cerqueira Entre as atividades que comprovam que de sexo frágil a mulher do Recôncavo não tem absolutamente nada, estão o beneficiamento do fumo. Adverso ao glamour do uso das cigarrilhas e charutos e o esmero direcionado à produção manual desses produtos, pelo chão, nos armazéns encontravam-se centenas de mulheres desempenhando a dura e dolorosa função de selecionar as folhas do fumo que seriam exportadas. Dentre as milhares de mulheres que fizeram suas vidas entre as folhas de tabaco estava Célia Pereira da Cruz. Sessenta e cinco anos de uma vida de superação, mais de vinte deles dedicado ao trabalho braçal de tratamento do fumo conhecido como oreia, definição dada pelas próprias trabalhadoras no chão do armazém e entre os fardos de fumo. Mãe de seis filhos, avó de dezesseis netos, nascida em Cachoeira, Célia, desde cedo, aos seis anos, começou sua trajetória de trabalho para ajudar no sustento da família. Ela relatou o trabalho nos galpões que acontecia em função do período de colheita do tabaco. Geralmente se trabalhava durante três meses consecutivos e se folgavam de seis a sete meses, fato que atribuía a um ano assinado na carteira, o trabalho de quatro colheitas. O trabalho no armazém era árduo e muitas mulheres passavam mal devido ao forte cheiro da folha. Com Célia a realidade não foi diferente. Quando iniciou seu trabalho com o fumo, ela vomitava pela falta de costume com o cheiro forte, conforme relata. “Ainda mais quem não fuma, eu que nunca fumei. Muita gente não
aguenta não. Só aguenta mesmo quem é forte. É um negócio forte mesmo, muita gente morreu de câncer, muita gente que não gosta de médico se acabou”, relatou Célia. A rotina se iniciava às 7h30 da manhã e terminava às 17h00. Célia além de trabalhar na separação do fumo, atuava no setor de descarregamento do fumo, carregando fardos de cerca de quarenta quilos, o que lhe provocou dores no branco das quais sofre até hoje. “Eu trabalhava com os homens porque era forte e aguentava peso, mas eles ganhavam mais”. A divisão se dava de acordo com o desempenho no trabalho. As próprias mulheres se classificavam em moles, ligeiras e vagarosas. Dentro do armazém as mulheres sofriam pressão dos gerentes e donos dos armazéns para cumprir as metas diárias. A cachoeirana conta que as “ligeiras” pegavam o fumo das companheiras para evitar que elas fossem despedidas. “As vagarosas ficavam chorando e eu pegava da pilha delas e dizia que era do meu”. O trabalho desenvolvido pelas beneficiadoras de fumo nos armazéns era feito sobre um regime de intensa pressão física e emocional. Célia relatou com pesar o assédio moral que sofriam nos galpões: “Tinha um alemão que era dono e sempre chegava de supetão e gritava, mas ninguém entendia. Às vezes quando o trabalho estava errado ele jogava a pilha toda pra cima e ameaçava demitir”. Como a imensa maioria das trabalhadoras, Célia desempenhava dupla jornada de trabalho. Além de suportar o fumo.
Marizangela Sá
No Recôncavo, a produção de charutos é predominantemente feminina.
“Trabalhava o dia todo. Tinha vezes que tinha hora extra e eu ia trabalhar pra ganhar mais, aí quando eu chegava aqui tinha que lavar a roupa dos meninos. Tinha quatro roupas de ganho, o homem dentro de casa só bebendo e eu que tinha que colocar comida”, contou Célia. Os dados e a história das trabalhadoras nos armazéns são escassos, a dificuldade de se encontrar informações sobre os armazéns são imensas. Sabe-se que o número de trabalhadores se igualava ao das fábricas, incluindo o percentual por sexo. As mulheres eram predominantes também no beneficiamento. Célia teve uma vida de beneficiadora de 15 longos anos. Deixou o trabalho de dedicação ao armazém pelo fato das empresas migrarem para outras cidades, como Cruz das Almas. Célia acrescenta que quando saiu do armazém trabalhou como doméstica e lavadeira e até conseguiu acumular um pouco de dinheiro para comprar uma casa. De fato a história de Célia revela
que a vida das mulheres da região do fumo na Bahia não oferecia alternativas de trabalho. Caso não conseguissem o privilégio de serem charuteiras, restava-lhes o ofício de beneficiar o fumo, função ainda bem mais degradante. E não existindo alternativas de evadir-se do subemprego ou mesmo do desemprego, com perspectiva quase nula de crescimento econômico ou social, a dependência das mulheres das fábricas de charutos e armazéns de beneficiamento se fortalecia de forma marcante. Passando-se os anos e o estabelecimento da crise da indústria fumageira conjuntamente com o colapso econômico e social na região, tornou-se mais evidente a importância do trabalho para as mulheres. Bem mais que o trabalho e o dinheiro, as mulheres do fumo viram nesse trabalho, mesmo que explorador, um espaço para superar e dinamizar as suas relações e afirmar a sua autonomia como mulheres e trabalhadoras.
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Mulher é maioria no comércio de Cachoeira >>Fabiana Dias
A mulher tem ocupado um espaço cada vez mais representativo no mercado de trabalho, em alguns setores o percentual de mulheres está quase se igualando ao dos homens, em outros o número de mulheres trabalhadoras é superior ao deles. Dando uma volta pelo comércio de Cachoeira não é difícil perceber isso. Ao entrar numa loja, ir ao supermercado, ao fazer um lanche é possível se deparar figuras femininas, enquanto a presença dos homens é menos significativa. Parece que têm razão quando falam que o mundo é das mulheres! Em cinco dos estabelecimentos comerciais pesquisados na cidade apenas dois tem uma quantida-
de de homens maior do que a de mulheres no seu quadro de funcionários. As mulheres encontram-se em vantagem em quase mais da metade, isso porque em três deles esse número se iguala e nos outros quatro o quadro de funcionários é 100% feminino. Supermercados, farmácias, lojas de confecção, hotéis, lanchonetes... Em todos esses tipos de comércio as mulheres dominam. Mas, quando se trata de postos de combustíveis e lojas de materiais de construção, aí as mulheres perdem. Isso ocorre porque em trabalho que exige maior esforço físico, como é o caso destes estabelecimentos, os empregadores optam pela mão-de-obra masculina.
ESTABELECIMENTO
MULHERES TRABALHANDO (%)
Supermercado Farmácia Lanchonete Loja de confecção Hotel Posto de combustível Loja de material de construção
51, 2 83,3 66,6 85,7 53,8 16,5 27,5
Jordane Queila
A partir da pesquisa realizada pela reportagem em 12 estabelecimentos pode-se concluir que supermercado, farmácia e loja de confecções estão entre os principais empregadores femininos.
Jordane Queila
Jordane Queila
E no meio acadêmico?
No meio acadêmico a coisa muda um pouco de figura. Quem anda pelo CAHL até pensa que as mulheres superam os homens em seu quadro de funcionários... Engana-se quem pensar assim, pois elas representam apenas 42,5% do total. Por incrível que pareça em todos os setores pesquisados elas são minoria. Entre os professores as elas estão quase chegando lá são 49,5%. As servidoras técnicas somam apenas 29,5% e as funcionárias terceirizadas representam 34,2% do total.
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Os desafios da
Aline Sampaio
>>Aline Sampaio Nesses quase seis anos de existência do Centro de Humanidades e Letras (CAHL), apenas homens haviam alcançado o posto de diretor. Isso mudou na última eleição, quando a baiana de Salvador, Georgina Gonçalves dos Santos, foi eleita. Ser a primeira mulher a dirigir o CAHL não é o único desafio dessa mulher de 48 anos. Para falar sobre isso, a convidamos para um bate papo, onde ela não só discutiu sua vitória nas urnas, mas também refletiu a situação da mulher na sociedade atual.
apresentem. No caso da gente que fez opção pelo mundo acadêmico, ainda que sejamos aparentemente maioria, é muito raro ver mulheres em cargo de direção. O que acontece é que a gente fica para trás. A carreira acadêmica é muito competitiva. Têm estudos de discussão de recorte de gênero, ciência e carreira acadêmica, que demonstram que, mesmo competindo em iguais condições, a mulher acaba sendo prejudicada pelo fato de ser mulher. Tem uma resistência. Do ponto de vista da campanha, ela não se apresentou claramente, eu não vi necessariamente. Mas é verdade que no que diz respeito a nossa carreira, ainda é visto com certo estranhamento - Será que ela suporta? - Será que ela vai aguentar a pressão? Temos que dar resposta à altura como se o fato de se mulher impedisse.
Por que se candidatar a direção do CAHL?
Como recebeu o resultado das eleições?
Na verdade, a questão da di-
A diretora ainda afirmou que tem sido importante o trabalho con- reção não pode ser colocada junto entre a direção, os técnicos administrativos e os coordena- como uma candidatura minha, dores dos colegiados. ou como uma opção minha.
Além de mim, tem Wilson, tem um grupo de colegas que nos apoiou, homens e mulheres, um pouco na intenção de reafirmar um projeto da UFRB que se quer inclusivo, democrático, que se quer com excelência. É verdade que a discussão de ser mulher apareceu, mas ela não era a discussão central. Não fui candidata porque era mulher, isso cabe na medida em que discutimos uma universidade que tem certa feição, que a gente está chamando de inclusiva, que reafirma sua opção pelas ações afirmativas. A campanha não tinha um recorte em relação à questão de gênero, a intenção era tratar dos assuntos da universidade. Você sentiu alguma resistência em aceitarem a candidatura de uma mulher? Estamos em um espaço crítico. O CAHL é um espaço crítico, um espaço emancipatório, o que não significa dizer que estas questões não se
Evidentemente, fiquei muito contente, mas têm preocupações, tem uma ansiedade. Isso é um recorte que precisamos dar nesse lugar de direção. Normalmente, nesse lugar, é exigido que as mulheres assumam algumas posturas, que ela vista uma couraça de dureza, retire sentimentos. Eu acho que a gente tem muitas tarefas pela frente. Tem as pessoas que nos antecederam, trouxeram o Centro até onde ele está. A tarefa das pessoas que nos antecederam era a de construir o CAHL, tirar do zero e colocá-lo onde ele está hoje. A nossa tarefa daqui por diante é consolidar em relação à sua excelência, ao lugar estratégico que o Centro ocupa, a uma universidade que se quer inclusiva. Então, ao mesmo tempo em que fiquei feliz, há muita expectativa e eu estou muito atenta a essa responsabilidade que me foi conferida pelos resultados. Na sua visão, qual foi o diferencial de sua campanha que a fez chegar à vitória? Eu acho que nós apresentamos uma proposta, e eu queria que passássemos adiante da campanha. Eu tenho dito sempre aqui dentro que a campanha acabou. Agora dirigimos um CAHL
Mulher
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no cargo de chefia
para todo mundo, e a gente se submeterá á vontade, à disposição da comunidade. Não penso em dirigir para uma parcela, pois têm estruturas e instâncias que aí estão, que contribuem, que coordenam a ação da direção. Então, eu acho que essa é a questão fundamental nesse momento. A campanha é um momento rico de debate, de visões que devem se apresentar de forma mais contundente para a comunidade como um todo. Esse debate, certamente, deve continuar no transcorrer do mandato de direção, e levar a gente ora pra um momento de reflexão, ora para frente, sem que os interesses particulares se sobreponham aos interesses gerais.
“Não fui candidata porque era mulher, isso cabe na medida em que discutimos uma universidade que tem certa feição, que a gente está chamando de inclusiva, que reafirma sua opção pelas ações afirmativas.” Daqui para frente, quais seus planos para o centro? Eu acho que o Centro vive hoje uma necessidade premente em relação à sua infra-estrutura. E aí estou falando de sua infra-estrutura física, condições de funcionamento, condições ambientais de funcionamento, de espaço físico para existir. Mas essas necessidades estruturais não devem se contrapor às tarefas e às exigências que temos em relação ao futuro. Em algum momento, vamos precisar pensar em ações rigorosas em relação à pesquisa, pensar em nós enquanto esse tripé- humanidades, artes e letras, precisar sair do campo das disciplinas e olhar para os outros cursos, no sentido de dialogar com eles. Esse diálogo precisa se refletir em currículo, numa contribuição de formação mais genérica e menos disciplinar, voltado para os desafios
que os alunos têm em relação à sua formação. Nós temos uma outra tarefa que é fundamental, que é a nossa relação com o de fora. Precisamos consolidar um espaço de interrupção com a comunidade local e com a comunidade global no sentido de reafirmar nossas características. Fale-nos um pouco de sua formação. Sou Assistente Social de formação, me formei na década de 80 pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), fiz mestrado em educação na Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutorado em Ciências da Educação, pela Paris VIII, na França. Sou professora da UFRB desde 2009, desde então moro em Cachoeira. Eu fiz movimento estudantil na década de 80, num momento de final de ditadura, de ascensão dos movimentos sociais. Eu me engajei e tenho certeza que isso foi importante na minha formação de estudante, e na minha formação pessoal e profissional. Fiz movimento negro, também na década de 80, com um grupo de amigos. Formamos um grupo de negros na UCSAL, militei em um partido político que era o jeito que se fazia na época, e isso entrecortou a minha carreira de estudante. Sabemos que vivemos em uma sociedade ainda machista. Você já sofreu algum preconceito por ser mulher?
Nós que somos mulheres sabemos a todo o momento como é o enfrentamento disso, ainda que estejamos em um espaço mais emancipado, o espaço da universidade. Tenho certeza que existe esse preconceito. O jeito que as pessoas olham o seu corpo - se é um corpo jovem, se é um corpo maduro, os olhares que se lançam em relação a isso, sobretudo se você é negra. E ser negra lhe dá sinais de um outro espaço social de classe. Eu não tenho filho, não tenho marido, são opções que fazemos nessa coisa na condição de ser mulher. Tem hora que isso parece ser uma certa bifurcação. É uma opção pessoal, mas não deixa de ser uma opção contingenciada:
ou você é isso, ou você é aquilo em determinadas situações. A mulher que opta por ter vida pessoal e profissional tem menos tempo e chance. Você não tem, por exemplo, políticas no Estado e na sociedade que garantam o cuidado com seus filhos. Filho é de mãe, filho não é de mãe e pai, e, sobretudo, filho não é ainda da sociedade. Então, espaços de cuidados coletivos, como creches, ainda são raros. Existem públicos, mas são poucos. Somente agora ampliou o ensino fundamental para seis anos. Somente agora, no Brasil, começa a ter uma política de creche, e isso interfere efetivamente na vida da gente, como a gente se comporta diante do mundo, diante da nossa vida profissional, da nossa vida pública.
“A mulher que opta por ter vida pessoal e profissional tem menos tempo e chance.” O Dia Internacional da Mulher se aproxima, em sua opinião, como a sociedade atual tem tratado as questões voltadas à temática feminina? Eu acho que nós precisamos avançar. É verdade que avançamos muito, temos estrutura dentro do estado como, por exemplo, as secretarias específicas para isso, estruturas de política voltadas à família, à educação, mas precisamos avançar do ponto de vista da relação social, da vida social. Temos muita tarefa pela frente. Nós mulheres e a sociedade brasileira. Não falamos só do ponto de vista local, temos um monte de questões no plano mundial. Temos muitas tarefas, em relação às mulheres africanas, às mulheres árabes, muitas questões precisam ser discutidas. Do ponto de vista nosso, mais interno, precisamos enfrentar essa discussão dia após dia. Têm coisas no nosso dia-a-dia que nos condicionam, mas também nos emancipam. Então, esse debate é muito importante não só agora no início de março, mas o tempo inteiro.
Dona Roquinha, www.ufrb.edu.br/reverso
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o que tem no tabuleiro da baiana? >> Nayá Lôbo rajés e abarás que sempre tirou o sustento da sua família. “O trabalho é difícil, gasto mais de seis botijões de gás por mês. Faça a conta!”, propõe. Mas, o cheiro que perpassou as narinas distraiu qualquer cálculo matemático. O acarajé é um bolinho feito de massa de feijão-fradinho e frito no azeite de dendê. Pode-se ainda cortá-lo ao meio e acrescentar vatapá, caruru, camarão e salada de tomate. A palavra tem origem na língua africana ioruba: akará = bola de fogo e jé = comer, traduzida simultaneamente como “comer bola de fogo”. É servida quente e com bastante pimenta. D. Roquinha nem conseguiu calcular quantas dessas bolinhas vendeu por dia, já que os pedidos são muitos. “É assando e jogando na panela”, concluiu depois de uma gargalhada.
Feira de Santana e o camarão trazido de Santo Amaro ou comprado nas feirinhas de Cachoeira, D. Roquinha começou os preparativos pela manhã. Quem subir a ladeira que dá para sua casa por volta das 10h, já consegue sentir o cheiro dos abarás cozinhando. Às quatro da tarde, carregou seus pertences e montou sua barraca. E logo, logo se formaram filas. Segundo os cachoeiranos, é o acarajé mais famoso da cidade. “Apesar de muitos lugares venderem acarajé aqui na cidade, o melhor é o daqui”, disse um consumidor assíduo do bolinho, Nilson Cerqueira. Além dos abarás e acarajés, vendia também cocada e bolinho de estudante. Mas parou, pois gostava de vender tudo do mesmo dia. “Não gosto de levar nada pra casa”. Perto das 22h, desmontou sua barraca para esperar o virar da noite para Os preparativos mais um longo dia de trabalho. O Com o feijão comprado em ofício de “baiana do acarajé” ainda
é dividido com o de dona-de-casa. Desconstruindo lendas Apesar de dizer que já está querendo parar por estar “velha para o trabalho” ou queixar-se dos gastos com a tarefa, D. Roquinha compareceu religiosamente ao ofício, bem como os consumidores. A qualquer momento, podem-se encontrar pessoas à espera da iguaria baiana. Embora as pessoas comumente associem o acarajé com o candomblé, devido a lenda de Xangô e sua mulher Iansã sobre a origem do bolinho, D.Roquinha é católica e procurou na venda de seus produtos à sobrevivência da família. É a bola de fogo dando cor e sabor à sua vida.
Karine Simões
Karine Simões
Às quatro e meia da tarde já é possível sentir aquele cheiro de azeite fritando, o qual mais atinge o paladar do que o olfato. É o acarajé de D. Roquinha, senhora de 59 anos que vende o produto na Rua da Feira, em Cachoeira, há mais de 30 anos. Roquelina Ramos aprendeu o ofício com a mãe, há anos atrás, quando esta vendia acarajé pelas ruas da cidade. Nascida e criada em Cachoeira, como mesmo diz, D. Roquinha, como é mais conhecida pelas bandas daqui, já andou por diversas cidades, entre elas, Juazeiro do Norte, Natal, Fortaleza, Feira de Santana e Cruz das Almas. Mas foi na cidade de outra mulher de fibra, Ana Néri, que criou raízes e fincou seu tabuleiro. Já trabalhou em outro emprego, na Danco (Comércio e Indústria de Fumos LTDA), antiga fábrica de charutos que funcionava na cidade, mas foi da venda de aca-
Sempre que uma nova remessa é feita os clientes não param de chegar.
Clientes de todas as idades aparecem.