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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncado da Bahia

Cachoeira - Bahia | Fevereiro - Março 2012 | EDIÇÃO 60

Comunidade quilombola em risco Marinha do Brasil cerca o Quilombo Rio dos Macacos [6 e7] Alunos de Jornalismo da UFRB recebem Prêmio Francisco Montezuma

Projeto Em Cômodo tira Cachoeira da comodidade

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Cíntia Pina

Lucas Braga


Esta edição traz para você, em sua matéria especial as várias facetas do Carnaval, que este ano homenageou especialmente o estado da Bahia tanto pelo carnaval baiano quanto pelo centenário de Jorge Amado. A edição não deixa de trazer o outro lado da festa popular, que este ano gerou polemica em Salvador depois de declarações de artistas, e de uma serie de protestos e opiniões contrárias ao uso das cordas e camarotes para separar os foliões de acordo com o poder economico.

>>EXPEDIENTE<< Reitor Paulo Gabriel Soledad Nacif Coordenação Editorial J. Péricles Diniz e Robério Marcelo Editores Aline Brandáo Cavalcante Jonas Pinheiro Leiziane Mota Lielza Lordelo Redator Lélia Maria Sampaio

Casa grande e Navio Negreiro

Centro de Artes Humanidades e Letras (CAHL) Quarteirão Leite Alves, Cachoeira/BA CEP - 44.300-000 Tel.: (75) 3425-3189

Editoração Gráfica/ Editor de Arte Aline Brandão Cavalcante Jonas Pinheiro Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo

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CACHOEIRA | BAHIA Fevereiro/Março 2012

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GERAL

Alunos de jornalismo da UFRB recebem Prêmio Francisco Montezuma

Morgana Damásio*

Existe um ditado que circula no estado e diz: “todo camarote tem um pouco de casa grande, todo bloco pago tem um pouco de navio negreiro”. Este pensamento alude ao fato de que a comercialização do Carnaval da Bahia através de blocos pagos e camarotes exclui majoritariamente as mesmas pessoas que, segundo o censo do IBGE, correspondem à maioria da população de Salvador: os negros. Acerca da questão racial no carnaval dados publicados pelo balanço realizado pelo Observatório da Discriminação Racial, Violência contra a Mulher e LGBT, que funcionou durante a festa de Carnaval de Salvador foram divulgados pela Secretaria Municipal da Reparação (Semur) e revelaram que dos 459 casos registrados na folia 288 foram relativas ao racismo. Isso escancara o discurso vendido da democracia racial e se

BOA LEITURA!

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3 Cíntia Pina

torna extremamente preocupante quando se analisa o Mapa da Violência 2012, realizado pelo instituto Sangari, onde a Bahia ocupa a primeira posição no ranking nacional de homicídios contra negros registrando, em 2011, 337 crimes contra pessoas de pele branca, em contrapartida de 1.659 contra negros, com uma taxa de assassinatos que cresceu nos últimos dez anos 371%. Segundo movimentos sociaisque militam na causa negra esses números tendem a subir com a realização da Copa e das Olimpíadas, e que existe uma “faxina social” para receber esses eventos no país. O fato é que numa estrutura onde o capital é quem dita às regras seja, na copa, olimpíadas ou entre as serpentinas e confetes da festa mais POPULAR do planeta, a maioria continuará sendo minoria.

*Morgana Damásio é aluna do 4º semestre de Comunicação Social - Jornalismo no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB

>> Cíntia Pina

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conteceu na quarta-feira, 15, no auditório do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a quarta edição do Prêmio Francisco Montezuma de Jornalismo Laboratorial. Organizado pelos alunos do segundo semestre do curso de Comunicação com a coordenação do professor Péricles Diniz, o evento premiou alunos

da instituição em seis categorias. Os concorrentes foram selecionados pelos professores Péricles Diniz (impresso), Alene Lins (fotojornalismo), Rachel Severo (radiojornalismo), Márcia Rocha (telejornalismo), Renata Pitombo (jornalismo online) e Sérgio Mattos (projeto gráfico). O júri foi composto pelos professores da UFRB Gilmar Hermes e Hérica Lene e pelo vice-presidente da Associação

Baiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques. Os alunos vencedores foram: Impresso: Valdelice Santos, com a matéria “Esquecidas pelo tempo” (edição 46); Fotojornalismo: Caiã Pires, com “Vide bula e gabinete” (Reverso 48); Radiojornalismo: Juliana Rezende, com “Geração de empregos com poços de petróleo no Recôncavo da Bahia”;

Telejornalismo: Tárcio Mota e Izana Pereira , com “Arte sacra em Cachoeira”; Jornalismo Online: Aline Sampaio, com “Santa Casa de São Félix realiza mutirão em urologia”; Projeto Gráfico: Rosalvo Marques - edição 50. A solenidade foi encerrada com o discurso do professor e coordenador do curso de Comunicação Social da UFRB e idealizador do evento, Péricles Diniz.

Cíntia Pina

Esta edição do Reverso é um desafio especial para nós, estudantes do curso de Comunicação. Não pelo fato de termos dificuldades em executar a rotina jornalística (o que é um fato), mas por estarmos sem a supervisão costumeira do editor-chefe, o Prof. Péricles Diniz. Esperamos corresponder às expectativas de nossos leitores de maneira prazerosa.

I NE DI T OR I AL

Cíntia Pina

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Cíntia Pina

CARTA AO LEITOR


Cachoeira: 175 anos de cultura e história

5 Carnaval de Salvador homenageia Jorge Amado O escritor baiano faria 100 anos em agosto deste ano

>> Cíntia Pina

>> Rafaela Barreto

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CIDADE

Cíntia Pina

o dia 13 de março, a cidade de Cachoeira completa 175 anos. A cidade tem lugar de destaque no cenário nacional por conta do seu rico patrimônio histórico, artístico e cultural. Banhada pelo Rio Paraguaçu e dona de um povo altamente cultural e religioso, Cachoeira nasceu no século XVI e seu desenvolvimento teve início a partir da primeira metade do século XVII, devido à instalação dos engenhos de cana de açúcar na região. O entorno da atual Capela d’Ajuda, antigo engenho da família de um de seus colonizadores, Paulo Dias Adorno, é considerado o marco inicial da povoação, que foi convertida em freguesia no ano de 1674. Depois disso, Cachoeira ganhou a denominação de vila, em 1698. Era a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, localizada entre as regiões do Recôncavo e do Sertão. Devido aos avanços da economia açucareira, a vila prosperou e começaram a ser construídas as casas, igrejas e conventos de influência barroca que encan-

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tam moradores e turistas até hoje. Cachoeira tem grande importância na história política do Brasil, por participar ativamente nas lutas pela Independência da Bahia, em 1822. Antes mesmo da consolidação desta, o povo da Vila, no dia 25 de junho de 1822, declara-se território livre de Portugal e aclama Dom Pedro Príncipe Perpétuo Regente do Brasil. A cidade foi capital da Bahia independente durante 16 meses. Por toda a sua representatividade, no dia 25 de junho Cachoeira é oficialmente a sede do Governo da Bahia, depois da lei estadual n.º 10.695/07, criada em 2007, que determina a transferência. Em 13 de março de 1837, Cachoeira foi alçada à categoria de cidade, por meio de decreto provincial - Lei Nº. 43, assinada pelo então presidente da Província da Bahia, Francisco de Souza Paraízo. Com a denominação de Heroica Cidade da Cachoeira, também recebeu o título de Monumento Nacional, através do Decreto Presidencial N°. 68.045 de 18 de janeiro de 1971.

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Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) Cachoeira é, depois de Salvador, a cidade baiana que reúne o mais importante acervo arquitetônico do estilo barroco. É possível observar essa riqueza arquitetônica em prédios como o da Santa Casa (1734), na Igreja da Ordem Terceira do Carmo (1724), na Matriz Nossa Senhora do Rosário, no sobrado da Irmandade da Boa Morte, entre outros. Além da sua importância histórica e política, Cachoeira ainda é uma das cidades com maior sincretismo religioso do país. A Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, por exemplo, é considerada “Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade” pela UNESCO. A festa acontece todos os anos no mês de agosto, com missas e procissões representando a morte de Nossa Senhora, além das apresentações de

Samba de Roda, mais uma das atrações famosas do lugar. A Irmandade da Boa Morte, conhecida no mundo inteiro, é composta exclusivamente por mulheres negras, que mostram a resistência do seu povo. Cachoeira também é famosa pelos seus festejos de São João, em junho e pela festa de Nossa Senhora d’Ajuda, em novembro. Para a comemoração do seu 175º aniversário, a Prefeitura Municipal de Cachoeira, através da Secretaria da Cultura e Turismo, preparou uma programação com shows nos dias 10 e 11 de março. A Câmara de Vereadores também homenageou a cidade com realização de sessão solene, além de trazer também o Dr. em História da Arte e professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia(UFBA), Luiz Alberto Ribeiro Freire, para proferir a palestra Memória social, educação e preservação do patrimônio cultural. Cíntia Pina

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odo ano a festa da capital baiana presta uma homenagem, o escolhido do Carnaval de 2012 foi o escritor baiano Jorge Amado, que completaria 100 anos no dia 10 de agosto. O tema escolhido foi O País do Carnaval, título do seu primeiro romance publicado em 1931. WOs personagens mais famosos - Gabriela, Dona Flor e seus Dois Maridos, Tieta e Antônio Balduíno - foram expostos em três painéis localizados nos canteiros das Avenidas ACM, Paralela e no Morro do Cristo. Além de sete mega frontlights distribuídos na Rodoviária, Ferryboat, BR 324, Aeroporto e Porto (próximo ao Mercado Modelo). Daniela Mercury e Ivete Sangalo estavam entre as atrações que prestaram homenagem ao escritor. O Carnaval de Salvador já foi eleito o maior do mundo pelo Guiness Book, posição hoje ocupada pelo Carnaval do Rio de Janeiro. Os shows atraem uma multidão, e estão organizados em torno de três grandes circuitos: Dodô, que vai da Barra até Ondina; Osmar, que vai do Campo Grande até a Praça Castro Alves; e Batatinha, que acontece no Pelourinho.

Homenageado Jorge Leal Amado de Faria, mais conhecido como Jorge Amado, nasceu em Itabuna, no Sul da Bahia, em 10 de agosto de 1912 e faleceu em Salvador em 6 de agosto de 2001. As suas ocupações eram romancista, contista, dramaturgo, cronista e crítico literário. Foi casado com a escritora, fotógrafa e memorialista Zélia Gattai, e eleito para ocupar a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é José de Alencar. Foi um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros até os dias de hoje, publicou em 49 idiomas, em 52 países, existindo também exemplares de sua obra em braile e em audiobook, o que ajudou a influenciar na construção da imagem da Bahia nacional e internacionalmente. A obra literária de Jorge Amado é vencedora em números de adaptações para o cinema, teatro e televisão brasileira, e também já foi

escolhida como tema de escolas de samba por todo o Brasil. O escritor era amante do Carnaval e do Candomblé, abordando os temas em muitas de suas obras desde o seu primeiro romance, "O País do Carnaval”, no conto "História do Carnaval" (1945), e em um dos seus romances mais famosos "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1966) – adaptado para o cinema em 1976 com os atores Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça. Jorge Amado já foi homenageado no enredo "Bahia de Jorge Amado" da Escola de Samba Lins Imperial, no Rio de Janeiro, em 1972; como sócio benemérito do Afoxé Filhos de Gandhy, em 1977; pelo bloco Dengo da Bahia, que apresentou o enredo "Bahia de Jorge Amado", no Carnaval de Salvador de 1982; no enredo "Jorge Amado – Axé, Brasil" da Escola de Samba Império Serrano, no Rio de Janeiro, em 1989; e no tema "Tieta do Agreste", no Carnaval de Salvador de 1997.

Carnaval 2012 “O Carnaval da Bahia foi marcado pelo clima de festa e pelo resgate da tradição do folião pipoca”. Esta foi a afirmação do governador da Bahia, Jaques Wagner, que concedeu entrevista coletiva na quarta-feira de cinzas, em Salvador, para fazer um balanço da festa. Jaques Wagner perdeu popularidade por conta da greve dos policiais militares, que durou 12 dias e gerou

CIDADE

dúvidas sobre a realização do Carnaval. O Comandante da Polícia Militar da Bahia, Coronel Alfredo Castro, afirmou que foi o mesmo efetivo de 19.700 homens mobilizados para a folia de 2011. Segundo o oficial, a única adição foi de 550 homens da Força Nacional, que reforçaram o patrulhamento da periferia de Salvador, e mais 600 homens do Exército, que ficaram no quartel em caso de acontecimentos eventuais. Foi contabilizada este ano a presença de cerca de 500 mil turistas para a celebração da maior festa popular do planeta. A presença dos visitantes garantiu uma ocupação de 94% das vagas nos hotéis que fazem parte do circuito. “A alegria venceu o medo e fizemos um carnaval de paz, com o mesmo número de turistas do ano passado. E eles não estiveram sozinhos, pois contaram com o apoio e atendimento de mais de 600 profissionais que fizeram parte do Projeto Guias e Monitores do Carnaval”, contou o secretário de Turismo, Domingos Leonelli. Durante todo o Carnaval, a operação coordenada pela Secretaria de Turismo (Setur) efetuou mais de 90 mil atendimentos a baianos e turistas que procuravam informações sobre a programação da folia, endereços e telefones úteis. O Governo Estadual, por meio da Bahiatursa, apoiou também o carnaval do folião pipoca na capital e no interior. Foram mais de 26 municípios contemplados, que receberam trios elétricos e atrações como Magary Lord, Mametto, Lazzo Matumbi, Gerônimo, entre outros. Divulgação


ESPECIAL

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ESPECIAL

7 Alane Reis

Comunidade Quilombola em risco

CACHOEIRA | BAHIA Fevereiro/Março 2012

Alane Reis

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CACHOEIRA | BAHIA Fevereiro/Março 2012

Marinha do Brasil pede reintegração de posse e cerca o Quilombo Rio dos Macacos >> Alane Reis

U

com/2012/02/quilombolas-de-rio-dos-macacos-na-bahia.html) onde membros da comunidade denunciam que estão presos na área controlada pelos militares, com dificuldades de sair e entrar e estão sofrendo ameaças cotidianas de despejo e de agressões em uma área reconhecida e titulada pela Fundação Palmares, instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura que tem a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira como territórios quilombolas”, conta Aline Dias, estudante do curso de Ciências Sociais e militante do Quilombo X, que vem puxando a campanha “Somos Todos Quilombo Rio do Macacos”. Alguns quilombolas garantem que passam à noite acordados com medo de morrer, além do medo de sair e quando voltar encontrarem suas casas derrubadas. As famílias hoje estão proibidas de plantar e sendo expulsas das áreas mais próximas a residência da Marinha. “A tentativa de expulsão dessas pessoas do território que é delas a mais de 200 anos é um flagrante desrespeito aos direitos humanos

está lastreada no Decreto Federal 4887/2003, que é um instrumento jurídico insuficiente para garantir a posse definitiva da terra”, comenta Pedro Diamantino, representante da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR). Em seu site pessoal, o deputado federal Luís Alberto (PT) acrescentou que: tramitam na Câmara dos Deputados um projeto de emenda à ConstituiA terra quilombola, di- ção Federal que pretende avocar para reito inquestionável o poder legislativo a regularização das terras quilombolas – hoje à cargo Descendentes diretos de povos da Fundação Palmares e do Incra – e africanos que durante o coloniaoutros projetos que pretendem anulismo foram sequestrados de suas lar todos os decretos em favor dos terras para serem escravizados no quilombos. Brasil, os quilombolas vêem-se agora As terras pertencentes ao Quilombo ameaçados a perder de novo o seu Rio dos Macacos foram doadas pela chão, apesar do direito ancestral à prefeitura de Salvador à Marinha do terra garantido na Constituição. “O Brasil em meados de 1960, tendo artigo 68 das disposições transitórias ficado registrada na ocasião a exisda Constituição Federal garante aos tência de moradores e ressalvada remanescentes das comunidades a responsabilidade da Marinha por dos quilombos que estejam ocupan- quaisquer indenizações que decordo suas terras a propriedade defiressem da tranferência de terra. Mas nitiva, porém este artigo até hoje não explicitados, que esses moradonão foi regulamentado, o que gera res eram remanescentes quilombolas, instabilidade jurídica. A demarcação que possuem o direito inalienável a de terras quilombolas atualmente terra por se tratar de algo sagrado

fundamentais motivados por racismo institucional”, fala Hamilton Borges, liderança da campanha “Somos Todos Quilombo Rio dos Macacos”. Ao visitar a comunidade e conversar com os moradores, não raramente encontra-se pessoas com mais de 100 anos que nasceram no local “dizem que não se deixarão expulsar”.

“A tentativa de expulsão dessas pessoas do é território que delas é um flagrante s desrespeito ao s no ma direitos hu fundamentais motivados por racismo institucional”

para eles. Logo o remanejamento dessas pessoas, também seria agressivo aos seus valores culturais e religiosos. No dia 4 de novembro de 2011, exatamente um mês após o reconhecimento oficial de Rio dos Macacos como Comunidade Quilombola, a reintegração foi marcada pela Justiça Federal para o dia 4 de março de 2012. Ocorreria dessa forma mais uma injustiça com mais uma comunidade quilombola no Brasil. Porém no dia 27 de fevereiro, uma audiência pública mudou, mesmo que momentaneamente, o rumo do projeto. Durante a audiência no quilombo onde estavam presentes a SEPPIR (Secretária de Promoção da Igualdade Racial), setores do movimento negro da Bahia, e a secretária da Presidência da República, a reintegração da comunidade foi adiada por mais 5 meses. Somos Quilombo Rio dos Macacos

Hamilton Borges

Militares fortemente armados ainda mantêm o cerco...

Mais de cem pessoas estiveram no Quilombo Rios dos Macacos em uma atividade que visava evitar a reintegração de posse e ajudar os quilombolas

Alane Reis

Alane Reis

ma das comunidades mais antigas de descendentes de escravos no Brasil, o Quilombo Rio dos Macacos, onde moram cerca de 50 famílias, corre sérios riscos de expulsão. A reivindicação das terras é feita pela Marinha do Brasil, que pretende expandir um condomínio para os seus oficiais naquele território da região entre Salvador e Simões Filho, no estado da Bahia. A iminência da tragédia a estas 50 famílias tem provocado a preocupação e a revolta da sociedade civil, de movimentos sociais e de alguns políticos – a vereadora de Salvador Olívia Santana, e o deputado federal Luís Alberto. Sine Calmon, Edson Gomes, Pedro Pondé, e o rapper Brasiliense GOG, que realizou um show no dia 22 de fevereiro para arrecadar alimentos para a comunidade, são alguns dos artistas que já exprimiram apoio à comunidade. A Universidade Federal da Bahia (UFBA), em nota, na figura da magnífica reitora Dora Leal, também se posicionou a favor da resistência do Quilombo ameaçado. “Tem um documentário rolando na internet (http://coletivocatarse.blogspot.

... Com tratores ainda à espera da reintegração de posse.

Uma série de protestos realizados pela comunidade quilombo dos macacos, e por outros coletivos do movimento negro vem marcando a insatisfação e a resistência negra perante mais uma injustiça social com as minorias no Brasil. Logo no início do ano, moradores da comunidade realizaram um protesto

do lado de fora do muro que cerca a Base Naval, e onde a presidente Dilma Rousseff estava hospedada de férias. Carregando cartazes onde se podia ler “Vai permitir isso, presidenta?”, “Marinha quer expulsar comunidade Quilombola Rio dos Macacos”, “Comunidade (…) pede solução justa, legal e imediata” e “Marinha proíbe a entrada INCRA na comunidade Rio dos Macacos”. Entretanto, têm-se multiplicado as ações solidárias com a comunidade de Rio dos Macacos, como a declaração coletiva “Somos Quilombo Rio dos Macacos”, feita por diversas personalidades, músicos, poetas e ativistas dos movimentos da Bahia. Uma página foi criada no Facebook com o mesmo nome, bem como inúmeros blogs, republicaram o manifesto da comunidade, que exige providências imediatas por parte da Presidente da República e do Ministro da Defesa, pelo fim da violação dos direitos humanos, pela garantia dos direitos quilombolas e pela imediata regularização fundiária do Território da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos. O relatório Terras Quilombolas diz que apenas uma terra quilombola foi titulada pelo Governo Federal, e que “o placar de terras quilombolas tituladas no Brasil alcançou 110, o que significa que apenas 6% das 3 mil comunidades quilombolas que se estima existir no país conta com

o título de suas terras”. Recentemente outras comunidades quilombolas também foram invadidas pela Marinha, é o caso de Alcântara, no Maranhão, e Marambaia, no Rio de Janeiro. “A Marinha do Brasil é inimiga histórica da população negra brasileira. Só de registro essa perseguição é datada do início do século XX, com a Revolta da Chibata, em 1910. Hoje há violações compostas por um repertório que passa desde o impedimento de crianças irem à escola até a negação de socorro a pessoas centenárias.” Comenta Fred Igor Santiago, mestrando em Ciências Sociais pela UFRB, graduado em História pela mesma instituição, e membro do Núcleo de Negras e Negros Estudantes (NNNE) da UFRB. Mobilização no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL)

Na segunda feira, dia 27 de fevereiro, o NNNE, junto com outros representantes do movimento negro do Recôncavo da Bahia, promoveram um ato/show em solidariedade ao Quilombo Rio Dos Macacos, com apresentações musicais de artistas da universidade e da comunidade cachoeirana. A intenção do ato foi arrecadar alimentos para serem doados ao Quilombo, que teve suas plantações atacadas por oficiais

da Marinha. Como todo evento no CAHL, muita poesia também animou a noite. A pintura de camisetas com a estampa “Somos Quilombo Rio dos Macacos” também foi oferecida gratuitamente. Rio dos Macacos Resiste >> Aline Cavalcante

No dia 4 de março, a tomada do Território do Quilombo do Rio dos Macacos foi suspensa pela ação da Presidência da República, mas os caminhões com mais de 80 homens da marinha e da Polícia Militar baiana permanecem no local, onde somente a Polícia Federal pode intervir. Em nota, Vilma Reis, coordenadora do programa CEAFRO, afirmou que um senhor da comunidade havia sofrido um atentado de autoria da Marinha em que quase foi morto por um tiro na noite do dia 3 de março. Para a coordenadora, a comunidade que está na região há 238 anos não pode ser derrotada por um crime de uma instituição que age de maneira contrária à que deveria, que é fazer valer as leis do país. A tensão ainda não acabou, e parece estar longe disso. Neste meio tempo, os ativistas pró-Rio dos Macacos permanecem vigilantes.


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REGIÃO

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>> Bárbara Rocha

>> Edimilton Junior Divulgação

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que trabalham com tecnologia, ou que querem trabalhar, deveriam utilizar concursos de desenvolvimento de aplicativos para conseguir ideias inovadoras, e com potencial de comércio. A universidade através da pesquisa, grupos de estudos e empresas júnior, também podem incentivar bastante a ideia de desenvolvimento de novas ideias”, diz.

Campus Party

é o maior encontro tecnológico do mundo. Saiba mais sobre a edição brasileira do evento em vhttp://www.campus-party.co m.br/2011/index. html

tarras, mas não necessariamente tocamos rock. Mas mesmo assim estamos sendo muito bem recebidos pelas outras bandas e pelo público”. Saulo Leal, da banda Tio Maruzo, apontou seu ponto de vista sobre o rock na Bahia: “Pra gente é muito importante porque estamos em uma região do axé, e ainda perto do carnaval, agora começa uma maratona em direção ao forró. Então pra gente que toca música alternativa, tocar em qualquer evento, não só no grito do rock é importante. É uma forma da gente mostrar para as pessoas que na Bahia não existe só axé, pagode e arrocha. Podemos ser um estado não apenas do axé, mas de todos os sons”. A roqueira Bel afirma que o movimento do rock já é bastante difundido nessa parte do Recôncavo. Cláudio é de Cruz das Almas, e realiza eventos de rock em sua cidade: “O rock’n roll em Cruz das Almas é muito forte, a galera é unida, do punk, do metal. Acontecem muitos shows de rock, mas devido a falta de recursos, não é tão divulgado. Cruz é considerada a cidade do rock no Recôncavo”. O Grito do Rock acontece há dez anos no Brasil, e em 2012 mais de 200 cidades brasileiras vão participar do Festival. O Grito do Rock é uma ferramenta muito eficaz para promover a circulação de bandas alternativas pelo país.

Banda Alaíde Negão - Amazonas

“Falar de rock é falar de amizade, parceria e interesses ideológicos” Dudu Cunha

Tio Maruzo - Muritiba Divulgação

para um jogo da Seleção Brasileira de Futebol, em terreno nacional. Segundo Marcos, eventos como o Campus Party e a pesquisa na universidade ajudam no desenvolvimento de bons trabalhos. “Iniciativas como esta da Telefônica e da Vivo, fomentam o desenvolvimento de bons aplicativos. Todas as empresas

N

o dia 25 de fevereiro aconteceu no Jardim Grande em Cachoeira O Grito do Rock, evento que está incluso no Circuito Fora do Eixo. As bandas que animaram a noite foram Alaíde Negão, do Amazonas, Zeferina Bomba, da Paraíba, e Tio Maruzo, de Muritiba. O Grito do Rock acontece no espaço entre o Carnaval e março. As bandas que tocam são as que estão fazendo turnê e se encaixam no circuito. A iniciativa partiu como uma alternativa ao Carnaval, tendo como proposta tocar rock nesse período. Dudu Cunha, organizador do evento, afirmou: “Falar de rock é falar de amizade, parceria e interesses ideológicos. Não podemos falar de rock simplesmente achando que é uma batida forte ou que vai agredir o vizinho. Rock’n roll é uma consciência, uma percepção, uma ideologia. Temos uma banda de Manaus, que começou com carimbó, porque misturar rock com carimbó? Porque tem atitude, rock é atitude. E o principal objetivo aqui é unir, por isso fizemos as apresentações em praça pública, para unir comunidade e universidade”. O público dançou ao som do carimbó, e Davi, integrante da banda Alaíde Negão confessou: “A gente veio preparado pra tudo, inclusive nada. Sabemos da dificuldade de trabalhar com O Grito do Rock, pois carrega esse rótulo ‘rock’. A gente toca com duas gui-

Vinicius Melo

arcos Vinícius Cerqueira e João Gonzaga de Santana venceram um concurso no maior evento de tecnologia e internet do mundo, o Campus Party, realizado entre os dias 6 e 12 de fevereiro, em São Paulo. Marcos e João são estudantes da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e cursam o sexto semestre de Análise de Sistemas. Os estudantes desenvolveram um software para celulares e aparelhos portáteis chamado Mais UFC, que traz informações sobre o agora popular, Ultimate Fight Championship, que é um tipo de campeonato mundial de artes marciais mistas. Os Jovens venceram o Desafio Hackaton, promovido pelas empresas de telefonia Vivo e Telefônica. O programa, Mais UFC, lista os melhores lutadores, explica detalhes e curiosidades do evento, além de mostrar vídeos e manter os usuários do aplicativo atualizados. Marcos e João não pensam em parar por aí, eles já almejam a próxima etapa do Hackton (concurso da Vivo, que ainda não tem data confirmada, mas tem previsão para meados de maio). “Queremos continuar no desenvolvimento mobile, aproveitando o interesse da Vivo e Telefônica em conseguir aplicativos inovadores para comercializar na loja virtual deles”. Os estudantes foram premiados com R$ 1,5 mil, um Iphone 4S e duas passagens com tudo pago,

Noite do Rock em Cachoeira

CULTURA

Thain[a Dayube Sales

Estudantes da Bahia vencem concurso no Campus Party

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Zeferina Bomba - Paraíb


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CULTURA

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le do bloco das almas. A abertura oficial só aconteceu na noite deste mesmo dia. Desde a manhã de sábado, a alegria Carnavalesca invadiu a cidade e por todos os cantos de Maragogipe se via pessoas fantasiadas, mascaradas, vestidas de caretas e dispostas a brincar em clima de paz. A festa da cidade desperta admiração daqueles que vêm de fora atraídos pela tranquilidade. Em outros lugares, muitas vezes, seria impossível se sentir seguro em um ambiente onde as pessoas estão com seus rostos em incógnita. Mas Maragogipe conserva ares dos antigos carnavais, e faz uma festa em que toda a família participa. Nos circuitos da folia, há opções para todos os gostos. Se na Praça dos Mascarados, pode-se dançar antigas marchinhas tocadas por orquestras e charangas. No circuito Axé, jovens se diverte fazendo coreografias de axé e pagode. Pode-se tanto assistir aos shows que ocorrem no palco principal ou ir atrás do trio elétrico. Outra característica do Carnaval de Maragogipe , é que não se precisa de muito para brincar, apesar das pessoas gostarem da tradição das e caretas, e muitas investirem em fantasias luxuosíssimas. A maioria dos blocos são

composto por um pequeno grupo de amigos, que saem dançando atrás de um mini-trio ou de um carro com a mala aberta. E até mesmo os grandes blocos, que vendem o abadá, saem na rua sem corda. Durante o Carnaval 2012, Maragogipe ficou lotada, desde janeiro, o maior hotel da cidade já estava com suas reservas esgotadas, não sobraram casas para alugar no período. Nem a chuva que caiu no domingo desanimou o folião, que se molhava acompanhado a charanga que andava pelas ruas da cidade. À noite na Praça dos Foliões, todos pararam para assistir no telão o desfile da Portela na Sapucaí. Ao fim da transmissão, muitos maragogipano não esconderam a decepção diante da presença quase inexistente do Carnaval de Maragogipe na tão anunciada homenagem da agremiação carioca às festas populares da Bahia. Na última noite oficial de Carnaval, foram anunciados os finalistas das mais diversas categorias do concurso de fantasias. Na quarta-feira de cinzas ainda tinha festa na cidade. A folia realmente só acaba no sábado, quando ocorre o Prêmio Carnaval de Maragogipe. O Carnaval 2012 marca o encerramento das atividades promovidas pela cidade da cultura, título conquistado pelo município em 2011.

Jau desiste de fazer show O cantor Jau que iria se apresentar no Carnaval de Maragogipe, na noite de segunda-feira, 20, envolveu-se em uma confusão com o guarda municipal Silvio Alberto Pereira Carvalho, e irritado abandonou a cidade antes de subir ao

palco. Jau já se encontrava ao fundo do palco, e atendia a alguns fãs, quando Silvio que passava pelo local, o chamou de vacilão. O cantor não gostou e partiu para agredir o guarda municipal, tanto verbalmente quanto fisicamente. Um dos seguranças do cantor interveio a fim de retirar Jau e também acabou agredindo Silvio, logo após o artista entrou no carro e foi embora. Segundo os estudantes, Rosana Xavier de Oliveira e Genilson Neri, que acompanharam toda confusão o cantor ficou transtornado. A coordenação do evento ainda contatou a polícia que estava no local para que esta convencesse o cantor a voltar, mas Jau já havia saído da cidade. O show de Jau inicialmente seria no domingo, mas como o próprio explicava aos fãs com quem conversava quando a briga começou, não foi possível ele chegar a tempo. A organização da festa reformulou toda a programação da segunda-feira na Praça dos Foliões, para inserir a apresentação do cantor. Foi solicitado reforço policial para dar a notícia ao público. Ao dar o comunicado, o representante da produção da festa criticou o comportamento de Jau, chagando a dizer que se sentia envergonhado pelo cantor ser maragogipano, definido a Cíntia Pina

Cíntia Pina

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>> Morgana Damázio

>> Cíntia Pina

Carnaval de rua em Maragogipe

CULTURA

O outro lado do Carnaval

uma festa de tradição

O

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Salvem Salvador!

Carnaval de Maragogipe : Carnaval de Maragogipe é conhecido por manter a tradição das fantasias e das máscaras, e por isso desde 2009 é considerado patrimônio cultural da Bahia. Em 2012 a festa que atrai turistas de todos os cantos, provocou ainda mais expectativa nos cidadãos maragogipanos, pois foi homenageado pela escola de samba carioca Portela, que teve como tema as festas populares da Bahia. Os festejos na cidade começam antes mesmo da abertura oficial do Carnaval, com o grito de Carnaval. Este ano, a prévia aconteceu no domingo, dia 12, onde foram escolhidos o Rei Momo, a rainha e as princesas do Carnaval. Houve também o tradicional concurso de marchinhas. O evento que antecede a folia momesca teve ainda a presença de um mestre sala, uma porta bandeira e duas passistas da escola de samba carioca Portela. A noite se encerrou com o show dos herdeiros dos criadores do trio elétrico, Banda Armandinho, Dodô e Osmar que colocaram todo mundo para dançar. Ainda antes da entrega da chave da cidade ao Rei Momo, as pessoas passaram a noite acordadas, para ver na madrugada da sexta-feira, 17, o desfi-

CACHOEIRA | BAHIA Fevereiro/Março 2012

Jau se retira após briga com guarda municipal

Canga blog

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eis dias de alegria. Cerca de três milhões de foliões na festa mais popular do planeta, na cidade mais negra do Brasil. Eis a descrição do Carnaval de Salvador difundia aos quatro cantos pela grande mídia do país e veiculada pelas empresas que oferecem turismo étnico cultural. Longe da ideia vendida do glamour dos camarotes e do lado de fora das cordas dos blocos a realidade é outra. O carnaval, que de fato é uma das mais importantes manifestações do patrimônio imaterial da cultura baiana, ao longo dos últimos anos, vem sendo tratado como mercadoria, sobretudo no que diz respeito à privatização dos espaços públicos. Mas maneira como o carnaval de Salvador funciona não é definifa pelo povo, por suas características, mas pelo lado econômico. “Quem define as regras da festa não é a cultura, o sentido popular dela ou a predominância étnica que Salvador tem”, afirmou o mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea Luiz Nova.

Corda e camarote As cordas que hoje cercam os foliões, que seguem pelas ruas atrás do trio, não são um fenômeno recente. Elas surgiram com o intuito de organizar os grandes cordões para que os desfiles ganhassem uniformidade, para agregar as pessoas. Hoje, ela simboliza um elemento fundamental para distinguir quem pagou pelo abadá ou não, e vende essencialmente a ideia de segurança dentro do circuito. Nos seus primórdios eram seguradas pelos próprios participantes da festa que revezavam o trabalho entre si. Hoje,

As cordas que separam os foliões são mais do que uma questão econômica

aos chamados cordeiros, é destinada esta tarefa que é exercida pela população desempregada de Salvador, que encontra no carnaval uma forma de ganhar uma renda extra. Segundo o doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea Paulo Miguez, em reportagem ao Portal Terra em fevereiro deste ano, os cordeiros formam um grande paredão humano e separam os foliões dos blocos (15,5%) dos foliões da pipoca (62%). Miguez ressalva que este trabalho ao longo dos anos vem sendo exercido de forma tão precária, através de condições ruins dos equipamentos de segurança, remuneração e alimentação, que esses trabalhadores precisaram se unir em sindicato, o SINDICORDA, para garantia de seus direitos. Os camarotes surgiram nos anos 80 com a finalidade de funcionar como um espaço oficial recebendo convi-

dados e autoridades para assistirem ao desfile carnavalesco. Com o desaparecimento dos clubes sociais, as classes média e alta passaram a utilizar as cordas para aproveitar a folia momesca. Hoje, eles recebem 12% dos foliões e oferecem serviços de maquiadores, massagistas, cabeleireiros, buffet e até boates, chegando a cobrar cerca de cinco mil reais por seis dias de festa. E os números exorbitantes não param por aí. Um estudo realizado pela Secretária de Cultura do Estado, afirma que os camarotes movimentaram cerca de 17 milhões de reais em 2007. Com a expansão deste setor nos últimos anos é estimado que em 2012 tenha alcançado a marca de 20 milhões de reais. É incontestável a gama de empregos que o Carnaval de Salvador gera. Isso remete a um mito difundido de que o baiano é o personagem que usufrui

dos festejos. Segundo Luís Nova, a participação dos moradores de Salvador como foliões é ínfima em proporção aos números demográficos da cidade, os festejos, na verdade, simbolizam oportunidade de trabalhos temporários. O X da questão sobre a mercantilização do carnaval está na falta de políticas públicas e no descaso do governo em relação ao domínio da festa pelos grandes empresários. Medidas como arrear as cordas, que neste ano foram feitas por exemplo pela Banda Eva, são positivas à medida que incluem a população, mas não sanam a raiz do problema. O carnaval não pode depender somente de ações individuais, e ao contrário da afirmação de Bell Marques, vocalista da banda Chiclete com Banana, a pipoca não tem que agradecer pela festa que os artistas fazem dentro das cordas. Como dito pelo poeta Castro Alves a “praça é do povo” e o Estado que deve resguardá-lo não pode de forma alguma ficar à mercê dos empresários que os subalternizam enquanto suas contas multiplicam as vírgulas. Em denúncia a este cenário o movimento “Ocupa Salvador” ocupou a Praça de Ondina, via de destaque do circuito carnavalesco, em protesto à reforma sem arborização, bancos com recosto e que incluiu estruturas removíveis que visavam facilitar a instalação de estruturas dos camarotes, perdendo sua característica de propiciar a interação entre o povo para servir aos interesses do grande capital. O espaço público não pode ser palco da transformação da cultura em comércio que exclui o povo que a criou.


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EVENTOS

CACHOEIRA | BAHIA Fevereiro/Março 2012

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Projeto Em Cômodo: tirando Cachoeira da comodidade Lucas Braga

>> Cíntia Pina

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conteceu entre os dias 23 janeiro e 12 de fevereiro em Cachoeira intervenções artísticas de estudantes de Belas Artes de Minas Gerais e Bahia. O projeto Em Cômodo já existe em Minas e se expandiu para Salvador, mas a cidade de Cachoeira também foi contemplada pela visita dos artistas selecionados, que desenvolvem seus projetos individualmente ou em grupo. Ao todo foram 11 projetos escolhidos e os resultados foram expostos 11 de fevereiro no Centro Cultural Danemam, em São Félix. As apresentações começaram com uma performance sobre um tema muito atual: a greve da Polícia Militar, onde a representante demonstrava toda a sua indignação perante os atos de violência ocorridos durante esse período. Outra apresentação que chamou muita atenção foi sobre a poluição do Rio Paraguaçu. Podia-se ainda conferir vídeos, fotos, e desenhos, todos contextualizados com a região do Recôncavo. Aconteceu ao longo do Rio Paraguaçu a performance da mineira Hoziene Reis que estuda Belas Artes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre seu trabalho afirmou: “Essa é uma performance que está relacionada a um trabalho que eu faço com a morte na história da arte. A relação da morte na produção de imagens. Então foi uma performance onde eu faço uma espécie de um funeral, num barco, com esse saco plástico com o símbolo de substância infectante, porque quando cheguei na cidade ele me

Lucas Braga

chamou muita atenção, a cidade toda se movimenta ao seu redor”. No projeto Figura e fundo sobre notícia, Arthur Campelo, aluno da Universidade Federal da Bahia (UFBA) explica: “Pegamos o jornal e tentamos fazer a desconstrução dele em instalações urbanas, internas e também em pinturas. Fizemos uma intervenção temporária no canhão, mas retiramos no mesmo dia. Escutamos comentários de todas as formas: de super artistas para completamente vagabundos, mas foi interessante a reação das pessoas”. Monique Costa, da Escola de Belas Artes da UFBA, compartilha do Projeto Sinestesia Urbana: “Fizemos uma pesquisa e nosso projeto foi baseado na religião, na cultura, na parte política e social de Cachoeira. A gente pretende montar um mapa, mas não dos monumentos históricos, e sim do cotidiano das pessoas da cidade, do trajeto que elas fazem no seu dia-a-dia”. E, juntamente com a Camila Motta, trabalham na ideia que não apenas a cidade é tombada, mas também os moradores da cidade e, com isso, realizam fotos de pessoas comuns com uma placa: Eu sou patrimônio imaterial da cidade de Cachoeira. O trabalho do Cássio Ferreira tem o apelo religioso, que é muito evidente na cidade: “O Cruz Credo surgiu pra mostrar o que tem de religioso na arte, o aspecto da religião, do olhar sobre si mesmo. Uma sociedade que gira em torno da religião também gira em torno da arte, e as duas têm a busca pelo alívio, pela angústia da nossa existência. Escolhi a cruz para evidenciar esse aspecto que existe na arte. Coletei materiais das ruas de Cachoeira e, a partir das minhas expe-

riências, que tive aqui na Residência e na rua, eu encontrei a poética para criar estas obras”. Drin Côrtes, UFMG, comentou sobre participar do Em Cômodo: “O processo de vir para Cachoeira, realizar os trabalhos e ter a exposição para fechar o ciclo foi muito interessante. Foram três semanas de experiências, inclusive na residência, onde todos trocaram informações e conhecimentos. Foi inspirador”. Alunos da Universidade Federal do Recôncavo Da Bahia (UFRB) foram prestigiar os trabalhos e comentaram: “Qualquer manifestação de arte é válida. É importante, cada vez mais, o estímulo à arte, para que ela possa agir no meio social. A performance sobre a greve da PM causou muito impacto, não apenas para mim, mas para todos que assistiram, foi dinâmico, claro, objetivo e, principalmente, atual”. Kelvin Marinho, estudante de Artes Visuais UFRB. Cachoeira foi escolhida, pois o projeto Em Cômodo 2012 busca cidades com contexto histórico e indumentário artístico que se possa explorar. A Residência Artística teve seu início em Minas, e esta é sua primeira versão na Bahia. Tem a pretensão de que aconteça o debate entre pessoas da cidade e os artistas, com interação e através de variadas linguagens. Na Residência aconteceram oficinas e o desenvolvimento dos projetos, aproveitando ao máximo a carga histórica e a as particularidades da cidade.

Lucas Braga


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