Cachoeira - Bahia | Dezembro 2012 | Edi莽茫o 61
Jornal Laborat贸rio do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rec么ncavo da Bahia
Especial Cultura
I NE DI T OR I AL
Reitor Paulo Gabriel Soledad Nacif Coordenação Editorial J. Péricles Diniz e Robério Marcelo Editora Laís Sousa Redatores Lélia Maria Sampaio Robério Marcelo Laís Sousa Pollyanna Macêdo Editoração Gráfica Aline Brandáo Cavalcante Laís Sousa Pollyanna Macêdo Editoração Gráfica/ Produção de Imagens Edimilton Santos Fabiana Dias Jordane Queila Karine Simòes Laís Sousa Mariana Souza Marizângela Sá Morgana Damásio Nayá Lôbo
Centro de Artes Humanidades e Letras (CAHL) Quarteirão Leite Alves, Cachoeira/BA CEP - 44.300-000 Tel.: (75) 3425-3189
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo
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>> Luiz Nova
<<
de
Cachoeira
>> Michele Barros e Marizângela Sá
A Cultura
O século passado foi um século de centralidade da cultura. Tempo de consolidação da autonomia do campo da cultura. Contraditoriamente, o século da globalização definitiva ou da “modernidade-mundo”, como formulou Octávio Ianni, foi também o tempo da afirmação das culturas locais, regionais. Na mutação histórica da palavra Cultura, como formula Raymond Williams, chegamos à dimensão da cultura comum. Cultura entendida como modo de vida, representação da vivência social, produto das relações estabelecidas no cotidiano. Este é o momento da superação da ideia preconceituosa sobre a cultura e seus produtos. O Recôncavo baiano é uma região prenhe de uma cultura rica e diversa, que o Reverso tenta expressar e corresponder à sua qualidade. Esta interseção Reverso-comunidade regional está presente no sentido desse Jornal Laboratório, enquanto possibilidade de registro e expressão da vida e da cultura regional. E esta edição sobre cultura no Recôncavo, ocorre em um momento especial da interseção com a comunidade regional. É o momento em que a instituição secular que é a universidade brasileira, aqui representada pela UFRB, se “rende”, reconhece e reverencia a força da sua comunidade e de sua cultura. Este é um dos sentidos mais perenes do título de Doutora Honoris Causa concedido a Dona Dalva Damiana, o reconhecimento a uma vida dedicada à cultura e ao fortalecimento da autoestima de seu povo. Momento em que o conhecimento formal e sua instituição produtora registra a importância e densidade do conhecimento não formal, dos saberes produzidos, adquiridos e consolidados na vida em comunidade. Mesmo se o Reverso não incorporasse sempre a dimensão especial de ser o momento de aprendizagem do Jornalismo, em suas dimensões mais nobres, este número seria especial pelo momento em que é produzido. Reconhecer e instituir o que Dona Dalva já se revelou há décadas é importante para o que dá sentido à interiorização do ensino universitário, que é democratizar o
Vivências
acesso e ampliar o horizonte cultural da instituição universitária. Este é um momento da Cultura, do Recôncavo e da UFRB, como possibilidade referenciada na comunidade regional. Assim, as páginas do Reverso trazem, ainda, como definem seus editores, o samba de roda em Santo Amaro, aspectos culturais de São Gonçalo, Governador Mangabeira, Capoeiruçu. Registra a carência de espaço e de projetos culturais, em Cruz das Almas, os pontos turísticos de Cachoeira e a fama do acarajé. Destaca a XI Bienal do Recôncavo, organizada pela Fundação Dannemann, em São Félix, no período de novembro de 2012 a março de 2013. Também está nas páginas do Reverso, a Micareta de Feira de Santana, festa regional de grande repercussão. O Reverso do reconhecimento da Cultura, da comunidade regional e de reverência a Dona Dalva Damiana, tem ainda uma entrevista com Mario Sartorello, que discute a relação entre cultura e comunicação. Que esta seja uma boa leitura para todos, pois o tempo da cultura é o tempo da vida.
Cachoeira encanta dos filhos da terra aos visitantes que vêm apreciar sua beleza e conhecer seus pontos turísticos. Os sobrados, a Irmandade da Boa Morte - na qual mulheres negras vindas da costa da África, enfrentaram tanto o cristianismo, como uma sociedade patriarcal, para manifestar suas práticas religiosas -, a Ordem 3° do Carmo - que abriga o Convento, a Ordem Primeira e a Igreja da Ordem Terceira, dona de uma arquitetura barroca e uma igreja repleta de ouro -, a Lyra Siciliana - fundada por Manoel Bastos, negro e abolicionista, autor e compositor de dobrados, marchas, valsas -, a casa de samba de dona Dalva
são vivenciados por cada rosto novo. Como num túnel do tempo, revivem épocas passadas, escutam relatos, memórias, ainda marcadas nas esculturas, na arquitetura, nos documentos, e nas tradição perpetuadas no imaginário. Antônio Raimundo de Santana, monitor de patrimônio da Ordem da Terceira do Carmo, revela ser muito apaixonado por Cachoeira e sobre a beleza arquitônica diz: “Isso pra mim aqui é motivo de orgulho”. O monitor conta que depois de Salvador é a cidade baiana que reúne o mais importante acervo arquitetônico do estilo barroco. Sobre o Conjunto do Carmo, explica que funciona como pousa-
num
Recôncavo
da, centro de convenções, que já serviu como hospital, e até mesmo local onde era realizado um curso de Latim com participação de D. Pedro II. Natural de Cachoeira, Anete Miranda, percebe sua cidade como muito importante, porém pouco aproveitada pelos moradores. Juliana Amaral, nutricionista e moradora de Santo Antônio de Jesus, afirma saber pouco da história de Cachoeira, mesmo assim, constatou a importância de preservar o espaço e cultura do povo, que acaba sendo mercantilizados ou destruido por falta de experiência na valorização. Thiago Amaral, doutorando em Comunicação, contou que em sua primeira vi-
distante
sita à cidade achou interessante a forma como se consegue preservar os locais, que acabam se tornando registros do passado histórico. Sobre o contato com os espaços culturais, Thiago diz:: “Acho que essa ideia da preservação e da documentação histórica teceram nesse ambiente, uma forte contribuição para a cidade possibilitando conhecê-la.” Marizâgela Sá
>>
Arquivo Pessoal
>>EXPEDIENTE<<
ONG agrega Arte, Cultura e Educação para a comunidade >> Cíntia Pina e Mariana Souza
Mariana Souza
A fim de levarem atividades educativas e culturais para as crianças da cidade, artistas e educadores de São Gonçalo dos Campos, criaram em 2006 a Pé de Arte, Cultura e Educação (PACE), organização sem fins lucrativos que funciona na Rua Manoel Dias, em um espaço mantido pelos seus primeiros colaboradores. O projeto foi idealizado por Lívia Castro, artista plástica e arte-educadora, e mais alguns
jovens do município, que hoje não estão mais atuando diretamente na ONG. “As pessoas foram conhecendo, se identificando e a gente foi agregando-as para enriquecer o nosso trabalho”, afirmou Lívia. Ao longo dos seus seis anos de existência, a PACE desenvolve oficinas como teatro, artes visuais, violão, cultura digital, leitura e escrita, inglês e capoeira. Os adultos também são contemplados com oficinas de corte e costura, cabeleireiro e artesanato. O trabalho da ONG desenvolve nos participantes, noções em relação ao meio ambiente, o respeito ao próximo e a si mesmo e o conhecimento dos seus direitos e deveres como cidadãos. A partir da oficina de leitura e escrita, foi montada uma minibiblioteca com exemplares infanto-juvenis que empresta cerca de 200 li-
vros por mês. Lilian Araújo Rodrigues participa da ONG há três anos e declarou que sua vida melhorou significativamente. “Eu perdia muito tempo sem fazer nada em casa, agora com as atividades estou sempre aprendendo alguma coisa”, declarou. A PACE também tem parcerias com as escolas locais, realizando palestras e cursos para os professores. Conta com o apoio do Ministério da Cultura e da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, porém não recebe nenhum apoio do Governo Municipal. Premiações que incentivam O primeiro retorno dos trabalhos da PACE veio através do reconhecimento da ONG como “Ponto de Cultura” pelo Ministério de Cultura (MinC), em
2008. A partir de então, outras premiações somaram-se à lista. Há um ano o projeto Mesa Brasil do Serviço Social do Comércio (SESC) de Feira de Santana contribui para a promoção da cidadania e a melhoria da qualidade de vida das crianças da ONG, oferecendo ações educativas e a distribuição de alimentos. No último ano, a "Pé de Arte, Cultura e Educação" também foi vencedora na categoria Regional Fortaleza do Prêmio Itaú – UNICEF, estando entre as 32 finalistas nacionais. Segundo Lívia Castro, a ONG chegou a esse patamar depois de ter ganhado outros concursos em nível estadual, que se configuraram como incentivo. “Por meio de outros prêmios menores nós conseguimos esse destaque em nível nacional. É muito significativo, a gente fica se achando um máximo”, declarou.
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uma agregadora de culturas diversas
>> Aline Sampaio e Nayá Lôbo
São Félix, a cidade presépio do Recôncavo, devido a arquitetura da cidade, onde as casinhas crescem do vale para a montanha, abriga um dos maiores incentivadores das culturas locais, o Centro Cultural Dannemann, que presenteia a região com exposições periódicas, oficinas, seminários, workshops e cursos permanentes. Uma de suas maiores realizações é a Bienal do Recôncavo. Capaz de promover diálogos entre artistas diversos, a Bienal chega a sua XI edição. Criada com o objetivo de romper com a dificuldade que a Bahia tinha em se desenvolver nas artes visuais, o evento é o lugar propício para reunir tanto as manifestações locais quanto as novidades internacionais. Idealizador do evento e diretor do Centro, Pedro Archanjo afirma que “O sucesso da bienal é que nós partimos do princípio de reconhecimento da região. Um projeto que procura desenvolver e interferir no processo cultural do Recôncavo. A Bienal vai colocar novos artistas no cenário das artes visuais do Recôncavo”. Inovações que permitem maior participação popular Desde sua primeira edição, em 1991, a Bienal rompeu padrões: dispensou a curadoria como forma de seleção das obras que deveriam ser expostas. Logo, to-
dos aqueles que se inscreveram puderam expor sua arte. Atualmente, há um júri de três pessoas que faz a seleção das obras listadas. Ocorre entre 24 de novembro de 2012 a 24 de março de 2013. Mesmo sendo de iniciativa privada, o projeto da Bienal é um espaço democrático, dando dignidade para as classes populares que veem neste espaço a oportunidade de manifestarem-se artístico-culturalmente. Segundo Dilson Midlej, professor de História da Arte e diretor conselheiro do Instituto Sacatar, “A Bienal do Recôncavo é uma iniciativa que tem muito valor, primeiro porque é uma iniciativa de cunho cultural, que é algo que é um bem imaterial, inerente ao ser humano”. Por interligar culturas, a Bienal do Recôncavo, a cada dois anos, revela os olhares que os artistas, tanto da terra quanto os visitantes, têm sobre as artes, sobre as experiências de vida, demonstrando as nuances e singularidades de cada lugar. O que vai além da linguagem visual é a principal proposta dos artistas; despertar os sentimentos não traduzidos em palavras. Prêmios oferecidos Os vencedores de cada edição são premiados em dinheiro ou viagens de acordo com as categorias (Grande Prêmio, Prê-
mio Aquisição, Prêmio Instituto Sacatar e Prêmio Artista Destaque da Região do Recôncavo). Sobre a residência artística oferecida pelo Instituto Sacatar, Dilson Midlej explica que “A residência artística, segue nessa lógica de você viajar para trocar experiências em outros contextos, ver as obras de outros artistas, interagir com outros artistas, porque o processo da cultura é um processo dialógico, tem sempre que haver confrontações ou proximidades com agentes culturais e é nisso que a linguagem cresce”. A empresa e seu papel social O Centro Cultural Dannemann, através da Bienal e dos outros eventos que promove, retribui à comunidade sanfelista um pouco do que explora economicamente; é seu compromisso social. Sendo assim, é o maior ponto de incentivo a cultura da região, servindo como poço de onde bebem todos aqueles que se sentem tocados pelo diferente, pelo extraordinário. O Dannemann, como é comumente conhecido, é uma instituição privada e existe desde 1873, quando ainda era fábrica de charutos de mesmo nome. Em 1989, passou a ser centro de cultura, com o intuito de promover as manifestações da região e agregar as diferentes culturas.
Casa Hansen Além do Centro de Cultura Dannemann, a Casa Hansen é também ponto de cultura em São Félix. Localizada na Fazenda Santa Bárbara, foi fundada pelo alemão Karl Heinz Hansen e sua esposa, Ilse Hansen, mas somente aberta à exposição depois de suas mortes. É possível encontrar no museu o acervo do artista, incluindo objetos pessoais e de trabalho, bem como gravuras, livros, documentos e fotografias da época.
Fabiana Dias
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Nayá Lôbo CACHOEIRA | BAHIA Dezembro - 2012
“Caruru, vatapá e muita pimenta, por favor!”
Azeite cor de fogo em ebulição. No tabuleiro: vatapá, caruru, pimenta, salada de tomates verdes picados e camarões >> Karine Simões e Marília Marques Qualquer pessoa que saiba um pouco da cultura da Bahia reconhece a responsável por organizar e compor este cenário: a Baiana do Acarajé. Um dos símbolos mais marcantes da cultura do estado, as baianas foram reconhecidas no fim do mês de outubro como Patrimônio Imaterial da Cultura da Bahia. O decreto foi assinado pelo governador do Estado, Jaques Wagner, no Salão dos Atos da Governadoria em Salvador. O ofício desenvolvido por elas também ganhou registro no livro especial dos Saberes e Modos de Fazer. O objetivo principal do reconhecimento é a preservação dos rituais que envolvem o saber, a preparação do local de venda, a produção do acarajé e de outros quitutes de tabuleiro. A tradição no Recôncavo Na cidade de Cachoeira, em diversos pontos sempre no finalzinho da tarde, quem deseja provar a tradicional iguaria pode encontrar algum tabuleiro disposto à beira do rio, na praça da Aclamação ou até mesmo no conturbado centro próximo à sede da UFRB. Seja por uma questão religiosa ou simplesmente comercial, é fato que o ofício desenvolvido pelas Baianas ajudam a compor uma paisagem mística da região. Tradicionalmente identificadas pelas vestimentas rodadas de renda, toços e colares; as Baianas do Acarajé marcam fortemente a cultura do estado e são imediatamente associadas, seja por turistas ou por pessoas naturais da Bahia, como uma fonte de simpatia e bom humor. Quem faz jus a esta fama é a cachoeirana Gilvânia Oliveira, Baiana do Acarajé há vinte e três anos e que se destaca por ser uma das poucas da região a vender o acarajé usando as vestimentas tradicionais. Único membro da família a exercer o ofício, ela diz que aprendeu a preparar o acarajé em apenas dois dias com uma amiga; já o abará foi somente por observação. “Fiquei com vergonha de voltar lá para pedir que essa amiga me ensinasse de novo”, brinca. “Aí de outra vez fui na casa de uma outra pessoa que estava preparando um abará e fiquei ali observando. Foi assim que aprendi”. Para ela, que criou os filhos e irmãos com o dinheiro obtido a partir dos bolinhos feitos com a massa de feijão frita ou cozida, é importante a caracterização da baiana quando estiver vendendo no tabuleiro. “Todo trabalho tem uma farda, não tem? Então acho que a baiana também tem a dela e não custa nada vestir. Fica mais bonito, impõe mais respeito e chama bem mais atenção”, justifica Gilvânia.
Segredos da profissão Com a tarefa de manter viva a tradição ancestral, as Baianas trazem na prática do seu ofício a memória de uma iguaria vinda da costa africana desde a época da colonização do Brasil. A tradição na Bahia teve início com mulheres – escravas ou recém libertas – que saíam às ruas à noite com cestos ou tabuleiros na cabeça para vender o acarajé, da mesma forma como era comercializado no seu local de origem, o Golfo do Benin. Essas mulheres, monumentos vivos da Bahia e da culturacandomblecista, estabelecem o elo entre o público e o sagrado ao trazerem para as ruas as comidas e temperos preparados de maneira ritualizada para os santos da crença. Para algumas baianas, o segredo está na forma de enrolar o abará e no modo que se tira o acarajé da colher para fritar. “É o que nêgo acha mais difícil do acarajé...Tirar da colher é um trabalho, ninha... Tem uma menina comigo que eu tenho mais de seis meses ensinando como tirar e, nesse tempo todo, se ela conseguiu tirar um acarajé inteiro, foi muito”, brinca a Baiana Gilvânia. Seja por uma função sagrada ou meio de vida, a prática do ofício das Baianas agora está registrada como Patrimônio Imaterial. Espera-se, portanto, que este conhecimento seja mais um importante passo para criação de leis que possam dar melhores condições para a produção dos tradicionais bens gastronômicos da Bahia.
Karine Simões
Bienal do Recôncavo,
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Dona Dalva
Casa do Samba resgata a diversidade cultural Moradores de Santo Amaro não dão valor ao espaço >> Sheila Barretto
é Doutora Honoris Causa UFRB concede título inédito a ícone do Recôncavo
>> Sheila Barretto
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Roda Dalva Damiana de Freitas. No ano de 2011, a sambista lançou o CD Samba Baiana: a vivência cantada de Dona Dalva. Dona Dalva teve fundamental importância no tombamento do Samba de Roda do Recôncavo como Patrimônio Imaterial Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e no reconhecimento como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco. Por todos esses feitos, a UFRB concedeu a Dona Dalva o título de Doutora Honoris Causa, primeiro oferecido pela Universidade. Esse título é ofertado a pessoas que se destacaram nas áreas das artes, filosofias, ciências, letras, promoção da paz, entre outras. Um Doutor Honoris Causa recebe o mesmo tratamento que aqueles que obtiveram um doutorado acadêmico. Parabéns ao Recôncavo! Parabéns à Dona Dalva, doutora do samba de roda!
Inaugurado em 14 de setembro de 2007, o Centro de Referência do Samba de Roda – Casa do Samba de Santo Amaro mantém um espaço dedicado à história do samba de roda, sua origem, instrumentos e representantes espalhados por toda a região. A casa do samba, coordenada pela Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (ASSEBA), tem como objetivo resgatar a identidade dos detentores dos saberes notórios do Recôncavo, centralizados no samba de roda. “A casa mantém uma relação com outras manifestações culturais, como o maculelê, a capoeira, o Nego Fugido, o bombacho, a marujada, todas essas manifestações culturais centralizadas no Recôncavo”, afirmou o senhor Góes, um dos articuladores da Rede do Samba e coordenador do projeto. O centro de referência conserva um espaço onde é contada a história do samba de roda através de fotografias e objetos representativos. >> Jonas Pinheiro
Morgana Damásio
O dia 22 de novembro de 2012 ficará marcado para sempre no calendário do Recôncavo, pois esta data marca o reconhecimento da importância do povo dessa região na figura de Dona Dalva Damiana de Freitas, que recebeu da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), o título de Doutora Honoris Causa. Filha de uma charuteira e de um sapateiro, Dona Dalva foi criada pela avó. Seguiu a profissão da mãe desde os 14 anos e foi na época em que trabalhava nas fábricas de charutos que começou a organizar seus primeiros grupos de samba de roda. Mãe de cinco filhos, fundou o Grupo de Samba de Roda Suerdieck em 1961. Em 1980, criou o Samba de Roda Mirim e posteriormente foi responsável pela criação das ONGs Associação de Pesquisa em Cultura Popular e Música Tradicional do Recôncavo e Associação Cultural do Samba de
Fátima Mendes
Em uma das salas existe uma réplica de uma casa de taipa onde estão dispostos instrumentos típicos do samba de roda, como pandeiro, a viola machete, violão, atabaque, tambor e o prato e faca, considerado o reco-reco do samba de raiz. “Os elementos de formação do samba de roda são a voz, as palmas, o prato, o atabaque, o pandeiro e a viola” disse Góes. O Governo Federal mantém um plano de salvaguarda que garante a manutenção da casa do samba. “Dentro do nosso orçamento anual, nós temos um valor determinado para empregar na divulgação e promoção de eventos. Atualmente temos 112 grupos de samba de roda abrigados por 15 casas do samba espalhadas por todo o Recôncavo e região do portal do sertão, cidades como Cachoeira, Maragogipe, São Francisco do Conde, Terra Nova, Irará, entre outras”, afirmou Góes. Alguns eventos, como caminhadas culturais e rodas de samba são realizadas, mas por causa da pouca participação da população as atividades foram reduzidas. Góes contou que em municípios vizinhos, como Terra Nova, por exemplo, quando as quinzenas são realizadas todo o povo da cidade participa, mas em Santo Amaro as pessoas não valorizam e não se interessam pelos eventos. “Eu gostaria que Santo Amaro estivesse mais presente nas atividades culturais porque é através destas que estamos resgatando os saberes
da região”, disse. Mesmo assim ele revelou que a partir dos próximos meses a cada quinzena acontecerão eventos de samba de roda. Mais que uma galeria de arte O espaço ainda conta com um estúdio de gravação onde está sendo feita a terceira compilação de grupos de samba de roda. O material gravado é enviado à instituições governamentais, como o Itamarati e o IPHAN. Existe também uma sala de leitura onde são encontrados livros que tratam da diversidade cultural de toda a região do Recôncavo. Segundo Góes o espaço não está sendo devidamente aproveitado. “A estrutura está aí, mas as pessoas não vêm. Elas só vêm quando precisam fazer alguma pesquisa e não para conhecer o espaço e a história do samba de roda”, afirmou. A casa do samba de Santo Amaro está aberta ao público de segunda a sexta das 9h00 da manhã às 5h00 da tarde. A diversidade do samba de roda é representada por figuras emblemáticas como Dona Dalva de Cachoeira e Dona Cadu de Maragogipe, dentre outros. É possível também conhecer outras vertentes do ritmo, como o samba-chula de São Brás.
Frutos de uma Utopia
Governador Mangabeira não possuir os sambas de roda e outras manifestações que se tornaram características do Recôncavo, lá se encontra o Grupo de Teatro Frutos da Utopia, que surgiu há 12 anos, através da iniciativa independente de alguns amigos apaixonados por teatro, o que acabou tornando a cidade referência teatral na região. Valdinei Santos, um dos quinze integrante fixos do Frutos da Utopia há 11 anos. Formado em Teatro pela Universidade Federal da Bahia, professor de Artes da rede municipal de ensino, diz que o grande objetivo do grupo é incentivar o crescimento do teatro tendo em vista a “fuga” dos atores baianos para o polo Rio, São Paulo: “Tornar a Bahia um grande produtor de teatro. Para que invada as casas, invada as escolas e a mídia”. O primeiro espetáculo do Frutos da Utopia foi Rosinha e Sebastião, que surgiu numa feira de literatura de Cordel, e foi adaptada por Renata Sales. A peça está há 11 anos em cartaz, e traz aspectos da cultura popular do interior rural. Juntam-se a elas outras catorze peças, sem contar as pequenas produções, de autoria do grupo. Claudio Nyach é um dos expoentes, e inspiração, do Frutos da Utopia. O ator que participou do grupo, hoje trabalha em importantes curtas na Bahia, como “Olho de Boi” de Diego Lisboa. Participou também no filme Quincas Berro D'Água, adaptação para o cinema do livro de Jorge Amado. Atualmente o grupo tem o apoio da prefeitura municipal e de alguns comerciantes locais, apesar de ser um patrocínio ainda tímido. Em 2008 foi contemplado pelo edital “Mais Cultura”, do Governo Federal, e o dinheiro foi utilizado para cobrir uma estrutura mínima de equipamentos. CACHOEIRA | BAHIA Dezembro - 2012
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POUCOS ESPAÇOS, MUITAS CARÊNCIAS Cenário cultural de Cruz das Almas é marcado pela
ausência de diversidade de espaços e de articulação de projetos
Conhecida nacionalmente pelos festejos juninos e pela tradicional Guerra de Espadas, Cruz das Almas não oferece a seus moradores boas opções de cultura durante as demais épocas do ano. Cruz das Almas possui poucos equipamentos públicos de cultura, que não alcançam todos os segmentos da população, ou possuem algum tipo de deficiência que impede seu pleno funcionamento. Além disso, a divulgação precária desses espaços e eventos dificulta o acesso do povo aos eventos culturais promovidos na cidade.
a fundação possua limitações financeiras que dificultam a prática de alguns projetos, o espaço funciona bem. Para ela, a Casa da Cultura não atinge o público mais pela falta de interesse deste por alguns segmentos como poesia e literatura, do que pela deficiência de divulgação em si. Cristiane argumenta ainda que mais do que novos espaços, a cidade precisa de uma maior articulação entre aqueles que já existem: “O que falta é uma unificação entre os espaços para carregar uma só bandeira e defender uma só causa, que é a da cultura”. Ela lembra ainda da necessidade da elaboração de projetos que reforcem a busca por novos nomes da cultura em Cruz das Almas.
>>Celina Pereira e Jordane Queila
Cidade Universitária Sede de um dos campi da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Cruz das Almas recebe um grande número de estudantes de outros locais do Brasil, o que acaba afetando a rotina local. Muitos deles reclamam da ausência de eventos culturais e de sua divulgação. O estudante de Bacharelado em Ciências Exatas e Tecnologias, Wisley Cardoso, sentiu o impacto de se adaptar a um contexto cultural diferente de Ilhéus, seu local de origem. “Aqui não tem muita opção do que fazer. Em Ilhéus tem cine-
ma, teatro, tem mais opções de cultura”, afirmou ele. Mesmo morando na cidade a mais de um ano, Wisley reclama da falta de informação: “deve haver algum espaço de cultura na cidade, mas eu não conheço”. Já a cruzalmense Camila Borges, aluna do curso de Serviço Social da UFRB em Cachoeira, não só conhece como frequenta esses espaços. “Tem a Casa da Cultura que realiza exposições e atividades artísticas; a Praça Multiuso, que é um espaço aberto para apresentações, e a Biblioteca Municipal, que também possui um espaço artístico”, informou ela. Apesar disso, Camila acredita que os espaços são insuficientes e pouco eficazes: “Acho que faltam espaços, que os espaços existentes funcionem melhor e que haja mais informação sobre os eventos”.
dança, sala de cinema e uma área aberta com palco para as apresentações. Além de promover exposições, lançamento de livros, performances artísticas e exibição de filmes, a Fundação oferece oficinas e cursos como o de bateria e percussão para crianças de escolas públicas. A Casa da Cultura possui alguns eventos fixos, como a Quarta no Pátio, que fornece espaço e estrutura para a apresentação de artistas locais e as sessões de cinema que acontecem em uma terça-feira de cada mês. Além da programação, que acontece de terças a sextas, a Fundação é aberta para receber trabalhos e propostas de projetos dos artistas da cidade. Cristiane Alves de Oliveira, presidente da Casa da Cultura, afirma que o embora
Casa de Cultura Inaugurada em 27 de Julho de 1987, no local onde funcionava a antiga cadeia municipal, a Fundação Cultural Galeno D´Avelírio, também conhecida como Casa da Cultura, é um dos poucos equipamentos públicos de cultura da cidade. O espaço possui sala de exposição, sala de Jordane Queila
Curiosidades sobre a História >> Leiziane Mota e Maria Gabriela Costa
A micareta se tornou nacionalmente uma referência do calendário festivo da cidade de Feira de Santana, mas é preciso entender a transição do carnaval feirense para a tão conhecida Micareta. O carnaval feirense ocorria desde o século XIX, realizado ao mesmo tempo dos carnavais das outras localidades, no mês de fevereiro, antes da quaresma, e contava com a presença de blocos/cordões, filarmônicas e também a escolha de um Rei momo e de uma princesa para reinar sobre os festejos carnavalescos. Blocos como “As Melindrosas” e “Flor do Carnaval” marcavam presença nas folias, além da presença de carros alegóricos. No mês de fevereiro de cada ano, a micareta em Feira de Santana, sempre ocorreu junto com o Carnaval de Salvador, antecedendo o período da quaresma, ou, os quarenta dias de penitência posterior ao carnaval. A micareta trouxe uma nova forma de festejar.
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Divulgação
Biblioteca Municipal Fundada em 29 de Julho de 1976, a Biblioteca Municipal Carmelito Barbosa Alves recebe por ano uma média de 14 mil frequentadores, tendo uma grande evasão no período de férias escolares. Possui um acervo com mais de 18 mil livros e também salas específicas como a de pesquisa, a de informática, a de empréstimos e a infantil. O espaço conta ainda com um auditório que é palco de apresentações culturais como música,
dança, sessões gratuitas de cinema aos fins de semana e de projetos como o Café com Arte, que traz artistas locais de diversos segmentos nas tardes das quintas-feiras. A presença da população nos eventos realizados na biblioteca ainda não é satisfatória. Selma Pires, coordenadora do local, reconhece que nesse caso, a divulgação é insuficiente: “Os eventos precisam sim ser mais divulgados. Não deve se limitar a cartazes na frente da biblioteca e notas no site da prefeitura”, explicou. Com relação à baixa frequência dos usuários, Selma justifica: “Falta incentivo, disponibilidade e interesse pela leitura desde a infância”. Afirma ainda que os estudantes universitários por possuírem biblioteca específica no próprio campus, não se interessam pelo acervo e não buscam a biblioteca, desconhecendo assim seus eventos e projetos. Polêmicas Ainda que se perceba que os espaços de cultura sejam poucos, é grande a divergência de opiniões sobre o seu aproveitamento, assim como sobre o incentivo à cultura na cidade. Para a artista plástica Dina Garcia, não existe a
necessidade de mais espaços, já que os que existem não são utilizados pela população e são pouco procurados até mesmo pelos artistas. “O espaço que existe é muito bom. Veja a Casa da Cultura, por exemplo. Na verdade o que falta é a iniciativa dos próprios artistas em buscar o seu próprio espaço e não esperar que este venha até eles. Cada um faz o seu caminho”, justificou. Já para Manolo Moraes, professor de capoeira, Cruz das Almas deixa a desejar em termos de sustentabilidade da cultura e de espaços para eventos relacionados. Para ele, a situação se agrava ainda mais se for levado em consideração o porte que a cidade adquiriu devido à presença das faculdades e da universidade. “Dentro da Casa da Cultura, por exemplo, acontece às vezes o teatro, mas poderíamos ter sim um espaço específico para explorar essa atividade”, explicou o professor. Outro fator apontado por Manolo é que a falta de informação unida à limitação espacial restringem ainda mais o consumo de cultura pelo público da cidade: “Temos dois espaços apenas dentro da cidade onde acontecem manifestações culturais. Mas não temos espaços para grandes reuniões, não temos bons debates. Quando as coisas acontecem, é divulgado e omitido ao mesmo tempo. Não há anúncio em carros de som ou em meios de radiodifusão. Fica algo limitado, e nem todos têm acesso a isso”.
da Micareta de Feira de Santana 1930
No início da década de 1930, acredita-se que com a construção da rodovia que liga Feira de Santana a Salvador, a conhecida BR – 324, tornou mais próximo e fácil o acesso da população feirense ao carnaval de Salvador, ocasionando uma concorrência com o carnaval de Feira de Santana.
1936
Uma versão que se tornou mais popular diz que a Micareta surgiu a partir de uma aflição dos foliões Manoel da Costa Ferreira e Antônio Garcia. Segundo essa versão, as fortes chuvas em 1936 fizeram com que o Carnaval de Feira não tivesse repercussão. O mito responsabiliza a chuva pela criação da Micareta.
1937
A partir desse ano ocorre a transição da festa carnavalesca feirense para o Micareta que começa a ser realizado após a quaresma, ou seja, após os quarenta dias de penitência, jejum e oração difundido pela Igreja Católica.
Qual a origem do nome micareta?
Inicialmente foi dado o nome de Mi-carême, em referência a uma festa que era realizada no interior da França na idade moderna, logo após a quaresma. A definição de Micareta faz parte da junção do nome da festa francesa com os costumes da prática do entrudo e de caretas, que causavam medo aos participantes da festa. CACHOEIRA | BAHIA Dezembro - 2012
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Cultura e comunicação
M
>> Edimilton Santos e Fabiana Dias
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Com dezoito anos atuando na área de rádio como locutor, programador musical e coordenador artístico, o radialista Mário Sartorello trabalha também com a produção de projetos sociais, culturais e de comunicação. O radialista já teve a experiência de atuar no Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), um órgão ligado à Secretaria de Cultura do Estado (SECULT), que reúne comunicação e cultura, atualmente é assessor da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil (ARPUB). Durante sua carreira na TV e no rádio Sartorello sempre buscou aliar comunicação e cultura, seja apresentando programas culturais, seja desenvolvendo projetos voltados para a difusão da cultura. No seu ponto de vista essas são duas áreas que deveriam trabalhar conjuntamente. Um dos caminhos apontados por Mário para a comunicação contribuir para a pluralidade e a diversidade cultural é a democratização da comunicação. Do seu ponto de vista, qual seria o ponto de partida para a democratização da comunicação e quais seriam os reflexos que isso traria para a sociedade? Essa questão da democratização da comunicação tem como ponto de partida a participação da sociedade. Enquanto a sociedade não reconhecer que isso é um ponto importante, essencial para a sua vida, esse assunto não vai ganhar proporção que precisa atingir. A primeira coisa é a sociedade ter consciência e participar disso. Depois que impacto ela pode ter? O que pode ter é pluralidade de vozes. É a possibilidade da diversidade cultural, a possibilidade do fomento, da diversidade, da pluralidade, de você ter várias vozes da sociedade representadas dentro dos meios de comunicação, e não apenas algumas delas escolhidas por interesse de grupos que detêm este poder, então é fundamental a participação da sociedade. Como o senhor avalia o papel da comunicação no que diz respeito ao fomento á cultura na Bahia?
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Edimilton Santos CACHOEIRA | BAHIA Dezembro - 2012
Na Bahia ou em qualquer parte do país, porque isso é uma questão ampla, cultura e comunicação são duas áreas que estão muito próximas, mas não necessariamente elas trabalham juntas. Você ter este diálogo entre comunicação e cultura é fundamental para que você consiga ter o desenvolvimento de ambos os setores de maneira plenamente profunda e contundente. Porque a comunicação vai trabalhar a possibilidade de ampliação das manifestações, e a cultura vai ter na comunicação um apoio de fomento, de produção de conteúdo que a comunicação precisa. Então é como a gente fala uma mão lavaria a outra, mas infelizmente, nem
NA
perspectiva
de
S a r t o r e l l o
sempre isso acontece. Na Bahia, eu acho que há um processo de avanço a partir da criação do conselho de comunicação, existe o conselho de cultura e o que seria necessário é que estes dois setores trabalhassem juntos, eu não sei se estão num momento pleno dessa sinergia, mas, ainda falta alguma coisa para isso de fato se transformar numa ação importante. E os meios de comunicação têm contribuído para a formação cultural da sociedade? Se pensarmos de maneira ampla os meios de comunicação dependem da cultura. A televisão e o rádio têm na sua grade de programação de conteúdo manifestações culturais. O problema é que não se dá o devido espaço para todas as manifestações, então você acaba privilegiando algumas manifestações culturais, algumas delas, eu não quero entrar nesse mérito da qualidade, mas o que se denota claramente é que há um interesse geralmente mercadológico. Eu vou pegar aquela manifestação de tal local vou jogar na novela, vou fazer especial, vou fazer isso, fazer aquilo. Porque eu quero vender disco, porque eu quero fazer show, faz um trabalho todo para atender a indústria cultural faço filmes, faço shows, lanço CDs e isso faz com que diversas vozes, diversas manifestações culturais que são riquíssimas no nosso estado, nosso país, fiquem totalmente à margem, ficam invisíveis na verdade, não tem visibilidade necessária e que seria importante para que as pessoas também conhecessem essas manifestações. Isso está na lei. Então as emissoras têm que cumprir a lei, têm que atender na sua programação o fortalecimento da cultura de sua região, a divulgação, o trabalho conjunto. O ideal seria que as emissoras de rádio e de televisão tivessem primeiramente a sua programa-
ção voltada para a cultura mais próxima, e não trabalhar apenas em nível nacional e de outros estados, mas valorizar a cultura local. As pessoas gostam de serem vistas na televisão, gostam de serem ouvidas no rádio, gostam de ver o artista de sua terra que está se apresentando num programa de televisão, gostam de ouvir as músicas daquele artista tocando no rádio, enfim, tudo isso tem que fazer parte do processo cultural. Em sua opinião houve mudanças nos rumos da cultura depois do surgimento de novas mídias? O processo cultural é tão dinâmico que as novas mídias vão possibilitando novas formas de produção, novos formatos de conteúdo, vão mudando a linguagem, uma coisa é tão intrínseca, tão ligada à outra, então os processos vão mudando, se adequando às novas possibilidades. A internet mudou muita coisa, a cultura se inseriu, as manifestações culturais populares estão no meio digital, surgiram novas possibilidades de produção apenas para o meio digital, então estão muito ligados. As novas mídias estão focadas em novas possibilidades, estão em outro contexto, e não necessariamente presas a uma legislação arcaica, antiga. As novas mídias possibilitam mais acesso, e quanto mais acesso a gente tiver mais o processo democrático vai se fortalecer. De que modo o senhor vê o jornalismo cultural na atualidade? O jornalismo cultural, como qualquer outro setor do jornalismo, tem bons e maus exemplos. O jornalismo cultural talvez de todos eles, comparando aí com o jornalismo investigativo, policial, econômico, talvez ele seja um pouco à margem de interesses. Mas, mesmo assim a gente
sabe que os cadernos dois de grandes jornais atendem a interesses de mercado, e também às vezes não trazem essas diversas vozes da sociedade, está no mesmo contexto, não dá para diferenciar muito. Acho que a comunicação está indo por um caminho, que a gente tem que tentar mudar esse rumo, tentar um processo de inclusão e a cultura é uma ferramenta fundamental de inclusão social de estímulo a produção, de estímulo a autoestima de uma comunidade, de um povo, a cultura é um processo chave para mudar esses rumos da comunicação. A relação entre comunicação e cultura sempre se fez presente em seu trabalho. Conte sobre a experiência de aliar as duas áreas. Eu entrei no rádio porque eu era músico, eu estudava música e vi no rádio a possibilidade de colocar para fora tudo que eu precisava como músico. Eu fui trabalhar no rádio porque ele tocava música e eu queria produzir programas, pesquisar, passar informações do que eu achava bacana para uma quantidade maior de pessoas. Minha história na comunicação é ligada à cultura. Apresentei também o Soterópolis, um programa totalmente cultural. Essa minha trajetória foi muito natural e ainda hoje eu sigo por este caminho porque, como falei, acho que cultura é a chave de todos os processos por isso sempre procurei aliar comunicação e cultura. Nunca quis ser um jornalista de redação, nunca quis trabalhar na área jornalística de uma emissora, não tenho este perfil. Descobri que tenho um perfil cultural e sempre busquei isso, busquei estudar e pesquisar a área. Participei da vida cultural da minha cidade, e o que me fez fortalecer isso foi pensar projetos em rádio voltados pra a difusão da cultura. CACHOEIRA | BAHIA Dezembro - 2012
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SÁBADO SIM, o OUTRO TAMBÉM! Pôr-do-sol da sexta-feira se aproximando e um clima de preparação se instala em Capoeiruçu, distrito de Cachoeira. Antes mesmo das 17:30h, lojas fecham as portas e permanecem assim até o pôr-do-sol do dia seguinte. O lugar que abriga há 35 anos o Instituto Adventista de Educação do Nordeste - IAENE- é conhecido como recanto adventista do sétimo dia. Explicação O Pastor Gilberto Damasceno, Diretor Geral da Faculdade Adventista da Bahia, explica que seguem o princípio bíblico para entender um dia começando ao pôr-do-sol, assim como os judeus: “Até pouco tempo atrás os dias eram regidos pelo sol, ‘tarde e manhã’ um novo dia”. Com estudos mais aprofundados garantem a lógica do entendimento da sexta-feira a noite como pertencente ao dia de sábado. Para manter o sábado como um dia sagrado, os adventistas se abstêm de trabalho desnecessário, evitam lazeres como esportes competitivos e audiência a programas não religiosos na TV. Durante a semana se preparam para “guardar” o sábado: antecipam as compras, arrumam a casa, entre outras atividades. Silmeire Garcia, adventista desde a infância, casada, faz feira na sexta-feira e prepara o almoço do sábado antecipadamente: “Descansamos a mente de forma espiritual aos sábados, cumprindo o 4º mandamento, encontrado em Êxodo 20:8 da Bíblia Sagrada”.
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CACHOEIRA | BAHIA Dezembro - 2012
Laís Sousa
“Feliz Sábado!”
Comércio Fechado A comerciante Licia Maria dos Anjos, do Empório Massapê, localizado na zona predominantemente adventista, apesar de não compartilhar a mesma fé, fecha o estabelecimento: “Durante todos os nove anos que estamos aqui, nunca abrimos. Fomos os primeiros a fechar e depois todos os outros comerciantes começaram a fechar também. Mercadologicamente não vale a pena! Estabelecemos como dia de folga para os funcionários, foi ótimo!”. “Estranhos no ninho” Quem pensa que a vila só abriga adventistas, se engana. Nativos habitavam Capoeiruçu antes mesmo da fazenda se tornar Instituto, atrair famílias cristãs e jovens estudantes. Os estudantes que não moram no internato do IAENE, vindos de diversas regiões do país e do mundo, e que não pertencem todos à mesma denominação religiosa, se adaptam ao local e seus princípios instituídos culturais na crescente vizinhança cristã, logo nas primeiras ruas, mais próximas ao centro cachoeirano. A diversidade propõe uma separação: na rua principal que vai até a divisa com Conceição de Feira, percebemos colégios públicos, posto de saúde, armazéns, casa de material de construção, até mesmo bares e outros templos religiosos: Católico, Batista, Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus, que não paralisam os afazeres durante o sábado. Sobre o convívio e predomínio adventista a dona Josiara dos Santos, afirmou: “A fama que de que Capoeiruçu é adventista só existiu depois da chegada da faculdade. Os adventistas e as pessoas de outras religiões, como a minha, às vezes entram em conflito, pois eles não concordam que nós acreditamos em Maria e usamos imagens em geral. No mais, o convívio é bom, eles são bons em música...”
Cumprimento adventistas do sétimo dia, religião que dedica o dia para louvar a Deus, passeios em meio à natureza, atividades com a família e obras de caridade.
>> Bárbara Rocha e Laís Sousa Tem ritmo O convívio na vila costuma ser musicado, pois na cultura adventista o louvor musical é importante. Promovem eventos periódicos tanto com cantores nacionais, internacionais quanto locais. A maior parte das apresentações são abertas ao público e acontecem especialmente no templo Adventista do IAENE. Dentro do instituto há uma escola de música, onde 9 professores propõem desenvolver tanto os talentos vocais quanto os interesses instrumentais dos alunos. Trabalham com música mais sacra e evangélica, mas há brechas para repertório mais erudito e popular de qualidade. Na instituição existem conjuntos que se apresentam com sinos, libras, contando histórias através dos cantos em diversas línguas e o Grande Coro, que reuni cerca de 250 membro entre instrumentistas e os conjuntos infantil, adolescente, jovem e universitário em apresentações requisitadas que acontece em média 3 vezes por ano. Pablo Sanches, diretor da escola de música, afirma que a escola tem suma importância para educação musical da sociedade que podem participar ativamente dos corais e grupos do IAENE.