TrivElas

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TRIV ELAS BAHIA LUSACA O TIME FEMININO DO TRICOLOR

SÃO FRANCISCO DO CONDE MAIOR CAMPEÃO BAIANO DO FUTEBOL FEMININO

BOLA E BATOM DRIBLANDO O PRECONCEITO NO FUTEBOL

EDIÇÃO 109 FEV/2019


TRIVELAS

Revista laboratorial da UFRB

BOLA E BATOM

DE CARTEIRINHA: BAxVI DONAS DA BOLA

EXPEDIENTE Reitor da UFRB Silvio Soglia

Direção de arte Gabriella Freitas

Diretor do CAHL Jorge Cardoso Filho

Repórteres Alexandro Lopes Bruno Brito Gabriella Freitas Leonardo Gonçalves Shagaly Ferreira

Coordenador do curso Robério Marcelo Ribeiro Orientador Péricles Diniz Bahia Monitor Rodrigo de Azevedo Editor-chefe Shagaly Ferreira Revisão de texto Shagaly Ferreira

Foto de Capa Felipe Oliveira/ ECB Fotógrafa Janeise Santos Anúncio Claudemir Galvão

EDITORIAL

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A Revista TrivELAS é um produto que tem como objetivo tratar de temáticas do eixo mulher e futebol. Para tanto, partiremos de uma visão ampliada das possibilidades de inserção para as mulheres na área, desde o trabalho como repórter esportiva até a atuação em campo, como atleta. Nessa perspectiva, faz parte dos princípios da revista a valorização do protagonismo feminino no futebol, uma vez que, historicamente, a área costuma ser um reduto masculino e, muitas vezes, machista, em que as profissionais do jornalismo esportivo, atletas e torcedoras são estigmatizadas e diminuídas em suas potencialidades de atuação.

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MENINAS DO SÃO FRANCISCO

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MACHISMO NO FUTEBOL

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BORA, BAHÊA LUSACA! Este é um produto laboratorial


UNIVERSIDADE DA BOLA

BOLA E BATOM:

UNIVERSITÁRIAS LUTAM CONTRA PRECONCEITO NO ESPORTE Mulheres que praticam esportes considerados masculinos têm que enfrentar estereótipos de gênero, combatendo a crença de que sua participação nesses esportes é menos valiosa do que a dos homens. LEONARDO GONÇALVES | TEXTO JANEISE SANTOS | FOTOS

Os centros universitários são responsáveis pelo desenvolvimento científico e técnico de estudantes e profissionais. Todos os anos, milhares de pessoas tentam o sonho do diploma e de melhores salários. Entretanto, não são apenas alunos e pesquisas que resumem o dia a dia de uma instituição de ensino superior. As práticas esportivas também fazem parte dessa rotina. E é assim que acontece na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde os alunos desenvolvem associações, chamadas atléticas, que promovem integração e liberam o excesso de estresse causado pelos estudos. Como o próprio nome sugere, o principal objetivo de uma atlética é possibilitar a vida esportiva na faculdade, com a criação de jogos e campeonatos. Mas não é a única função dessas associações. Segundo Bruna Leite, estudante da UFRB e jogadora de futsal pela Primatas (Associação Atlética Acadêmica de Biologia), as atléticas possibilitam também serviços de impacto social. “Estas associações (atléticas) promovem outras atividades também, nós, por exemplo, estamos com a ideia de fazer um projeto voltado para a visibilidade da mulher no esporte. Esta-

mos querendo montar um dia só com esportes femininos, além de palestras com pessoas que pudessem falar da participação da mulher e levar às escolas para mostrar a importância da representação feminina nos esportes” explicou. Por outro lado, nem todas as interações são flores. Muitas mulheres desistem de praticar esportes por medo de sofrerem assédio, comentários maldosos e agressões. De acordo com Amanda Mata, aluna e atleta de futsal da Primatas, a procura é alta, mas a participação é pequena.

“A gente começou com as inscrições para a modalidade feminina. Nós tivemos um número considerável de inscrições, porém, na prática ficou complicado a participação de todas. A gente não sabe por que isso acontece, mas entendemos um pouco dessa resistência feminina. O ambiente às vezes é hostil”

Resistência e visibilidade

Mesmo com muitas dificuldades, as modalidades femininas resistem nas

atléticas. A UFRB auxilia as estudantes com materiais e flexibilizam a parte burocrática da associação, além de prestar apoio quando os times precisam treinar. Ainda assim, segundo as jogadoras, falta visibilidade e muitas vezes respeito às categorias femininas. “Você vê pela questão de diferença salarial quando se trata de profissionais. O salário de Marta é muito inferior ao salário do melhor jogador de futebol masculino, por exemplo. Tem que acabar com o pensamento de que só o homem sabe jogar, de que só o futebol masculino merece visibilidade e que a mulher que joga é um ‘molequinho macho’. É importante levantar a bandeira da visibilidade” declarou Bruna Leite. Ainda de acordo com as atletas, seria importante que as mulheres que desejam praticar esportes tanto profissionalmente quanto de forma lúdica combatam os estereótipos de gênero que escutam diariamente.

“A gente pode praticar esportes livremente sem sermos reprimidas. A gente tem que enfrentar esse campo da invisibilidade, explorar livremente os caminhos do esporte e quebrar essa coisa do que é de menino e o que é de menina” enfatizou Amanda Mata.

As reuniões e jogos das associações atléticas retornaram no final de janeiro junto com o calendário acadêmico da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Como as corporações são mantidas e regidas por alunos, o único jeito de participar ou ajudar é entrando em contado direto com os organizadores ou através das redes sociais dos times.

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BA

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VI Bete Dantas:

Arquivo pessoal

Paloma Furiath:

Arquivo pessoal

Por: GABRIELLA FREITAS

DE CARTEIRINHA

Torcedora do Esporte Clube Bahia, apesar de já ter torcido para o time rival durante a infância por causa do seu pai.

Torcedora do Esporte Clube Vitória, é integrante do Comando Feminino e descobriu o amor pelo time desde a infância.

Você lembra quando se encantou pelo mundo do futebol e principalmente por seu time? P: Eu conheci e me encantei pelo Bahia há 4 anos, é recente, eu sei, mas ao primeiro contato, me apaixonei pela torcida e pelo time. O que é complicado, já que gosto e acompanho o futebol desde pequena, com o meu pai, que torce para o time rival. (risadas)

Você lembra quando se encantou pelo mundo do futebol e principalmente por seu time? B: Aos 3, 4 anos eu já acompanhava o meu pai, que era um torcedor fanático pelo Vitória. Era um cara que fazia hemodiálise, mas sempre ficava em dúvida se comprava o ingresso ou os remédios... Foi a partir daí, vendo essa paixão, que eu comecei a me encantar pelo barradão. Aos 13 anos, eu comecei a participar das torcidas organizadas, já que a área pacata da torcida me dava agonia.

Me conte sobre uma partida marcante. P: Bahia x Sampaio Correia. Foi o jogo que o Bahia precisava ganhar do lanterna para subir para a série A. O jogo estava empatado em 0x0, até aos 47 minutos do segundo tempo, quando Hernane fez o gol do nosso triunfo Com que frequência você vai aos jogos? Seu pai te atrapalha em algo? P: Nem um pouco! Isso gera boas risadas e brincadeiras, na verdade. Estou presente em 90% dos jogos. Só não vou quando ocorre algum imprevisto. Mas sempre quero acompanhar de perto. (risadas) Defina o ECB para você. P: O Bahia é mais que um clube esportivo. É uma forma de viver. A emoção e sensação que sinto toda vez que entro no estádio é indescritível. A mão sua, os batimentos aceleram, o corpo dispara a cada lance... ah, eu amo meu Bahia.

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Me conte sobre uma partida marcante. B: Com certeza foi um BAxVI na Fonte Nova O Vitória ganhou de 6x5. Foi marcante por ser um clássico, né? Mas o que mais mexeu comigo foi o vira-vira do placar. Foi o destaque da partida. Nossa! Foi emocionante! O time que ganhasse ali, saia com a moral garantida. Felizmente, foi meu Vitória. Defina o ECV para você. B: O vitória é o que dá sentido a minha vida. É difícil colocar em palavras, mas foi esse time que sempre me conectou ao meu pai, aos meus familiares. Até quando a gente brigava e ficava de cara fechada, a forma de reconciliação era ir aos jogos. É o amor da minha vida, de verdade.


PROMESSAS

DONAS DA BOLA

Superação e persistência: os caminhos para se tornar uma jogadora de futebol ALEXANDRO LOPES | TEXTO E FOTO

A primeira bola, a escolha do time pra torcer, o ídolo que gosta, características que acompanham muitas crianças durante a infância. O sonho de jogar futebol profissionalmente vai além do amor pelo esporte, é a oportunidade que muitos jovens enxergam para fugir da pobreza. Essa é a realidade brasileira de meninos, e por que não de meninas também? É o caso de Érica Lima, 25, que pratica futebol desde os 10 anos de idade. Já participou de duas peneiras no futebol feminino, a primeira no Bahia de Feira, e outra no Bahia Lusaca, sendo reprovada em ambas. Ela ressaltou que sempre teve apoio da família para praticar o esporte, além do próprio interesse de se tornar jogadora de futebol profissional.“ Meu principal objetivo de vida é ser uma jogadora de futebol, e vou atrás desse desejo”, contou Érica. As dificuldades enfrentadas por uma menina para ser uma atleta do futebol parecem não ter fim. O fato de uma garota querer jogar futebol vem acompanhado de discriminação e preconceito. Para a ex-zagueira da seleção e atual coordenadora técnica do Bahia Lusaca, Solange Bastos, o preconceito ainda existe, mas é muito menor que antes. “ É claro que ainda existe preconceito, mas hoje é diferente de antes, as garotas estão jogando futebol a hora que querem, as oportunidades aumentaram,” comentou Solange.

Os malabarismos da carreira A realidade de uma jogadora de futebol para poder conciliar os desejos e obrigações da carreira é marcada por muita superação. A atacante do Bahia Lusaca, Aila Santana, 19, relatou o quanto é difícil equilibrar o futebol com os estudos. Ela pretende fazer faculdade de fisioterapia, e assim, caso não consiga continuar a carreira de atleta, ainda poderá atuar ligada ao esporte. Aila também comentou sobre a lesão que teve no joelho, em 2016, deixando a jogadora afastada dos gramados por mais de dois anos. “Foi um momento muito triste, levei meses para fazer a cirurgia, mas Graças a Deus deu tudo certo”. relembrou a atacante.

A distância dos familiares é mais uma dificuldade enfrentada pelas meninas. O deslocamento para outras cidades, a vida nos alojamentos, os treinos constantes estão presentes na vida dessas jovens. Estefani Marinho, 19, zagueira do Galícia, contou que as atletas de outras cidades passam a semana no alojamento, e em dias que jogam no fim de semana não podem ir pra casa. “ As meninas ficavam no alojamento, às vezes passavam quase um mês lá”, disse a jogadora. Em meio às dificuldades e barreiras encontradas no futebol feminino, o estímulo dessas garotas só aumenta. Entre jogadas e disputas dentro de campo, elas mostram diariamente o quanto querem alcançar o objetivo final, ser uma jogadora de futebol.

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TRIVELAS NA ÁREA

MENINAS DO SÃ SHAGALY FERREIRA | TEXTO JANEISE SANTOS | FOTOS

Sorrisos tímidos, falas curtas e uma história de amor pelo futebol que começou a despontar na infância. As trajetórias das jogadoras Vanessa Silva e Gleice Ferreira, ambas com 20 anos, se conectam e se identificam com a realidade de tantas atletas do futebol feminino: uma luta constante pela consolidação de um talento que historicamente foi relacionado apenas aos homens. Driblando preconceitos e dificuldades, é no clube do município de São Francisco do Conde, o São Francisco do Conde Esporte Clube, que essas meninas desenham seu mundo com a bola nos pés. Desde 2001, quando o time surgiu como remanescente do Galícia Esporte Clube, foram muitas as conquistas dentro do futebol. Muitas também foram as atletas reveladas, algumas delas passar06

am pela seleção brasileira, como a jogadora feirense Formiga. Os títulos alcançados levaram o time ao terceiro lugar no ranking nacional e fizeram com que o clube se tornasse a porta inicial para o sonho de várias meninas franciscanas. Vanessa Silva, que atua como volante no time, está há três anos em atividade. Aos cinco anos, já brincava com os meninos e demonstrava uma habilidade especial na várzea, até ser chamada para vestir a camisa do São Francisco, do qual se orgulha em fazer parte. “Desde quando eu jogo, primeiramente meu sonho foi vestir a camisa do São Francisco, agora, estando aqui, eu pretendo honrar a camisa ao máximo, trazendo títulos. É muito bom passar na rua e ter o reconhecimento do público”, completa.

Contando com o apoio da família, a jogadora segue com o sonho de alçar o objetivo de perpetuar a participação no esporte dentro dos campos e da área acadêmica. Ela trocou o desejo de cursar Direto por Educação Física, área na qual a lateral Gleice Ferreira também pretende ingressar, assim que terminar o ensino médio. Gleice, que já participou de temporadas do campeonato baiano e brasileiro de futebol feminino no clube, foi a única da família a desenvolver um talento diferenciado para o futebol. Para brincar com o que mais gostava, era também a única menina no meio das outras crianças. Ela aponta que a barreira do preconceito faz com que os times femininos tenham mais dificuldades em se manter


ÃO FRANCISCO e com que as atletas sejam discriminadas. “Não passei por situação de preconceito dentro da família, mas na rua, quando passava ou até mesmo jogando, o pessoal falava ‘tira esse homem daí de dentro do campo’. Eu só dou risada e continuo jogando minha bola tranquila”, finaliza.

Força feminina

Paralelo às atividades do time de mulheres, que se prepara para o início da temporada 2019 nos campeonatos brasileiro, baiano e nordestino, uma turminha de meninas se destaca, mostrando que a tradição do futebol feminino em São Francisco do Conde tem um futuro prom-

issor pela frente. Trata-se das crianças do Projeto Força Feminina, iniciado em agosto de 2018, que tem como público-alvo meninas de sete a 17 anos. Para fazer parte da escolinha, elas precisam frequentar regularmente uma escola formal, participando das aulas de futebol em turno oposto, dois dias por semana. O Força Feminina é executado pela Cooperativa de Apoio Tecnológico, Gestão e Desenvolvimento Social COOPAT, com financiamento da Superintendência dos Desportos, SUDESB, vinculada à Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte, SETRE. Segundo Bruna Alexandrino, assistente social do projeto, todos os profissionais em atuação são do município e se empenharam em fazer uma divulgação ampla, para que o maior número de meninas seja alcançado.

tas meninas tiveram interesse após a divulgação na escola e levaram o comunicado pra casa, mas aí depois elas trouxeram a negativa dos pais com a justificativa de que eles tinham preconceito com o futebol, que seria um esporte masculino, e que poderia influenciar na sexualidade e no físico das meninas, mesmo a cidade já tendo a cultura do futebol feminino”, pontua.

Desafios futuros

Como a maioria dos times de futebol feminino no Brasil, o São Francisco Futebol Clube ainda passa por muitas barreiras para conseguir se manter em atuação, uma delas é a dificuldade de patrocínio para custeio das despesas do clube. O supervisor do time, Anailson Silva (Chiquinho), aposta na exigência da CBF e da Conmebol para que os times profissionais invistam em clubes femininos como uma forma de maior visibili“A meta do projeto é alcançar dade futuramente. “Muitas vezes, 200 meninas, todas do por conta do preconceito, faltam município. Como isso ainda não patrocinadores para fortalecer o foi alcançado, as inscrições futebol feminino. Mas, de uns tempermanecem abertas” pos pra cá, as coisas estão mudando, o futebol feminino está tendo mais visibilidade e apoio, com a Uma das barreiras que ainda dificul- nova lei da Conmebol, as atletas esta a meta do projeto é o preconcei- tão sendo mais valorizadas”, opina. to em relação ao futebol feminino. Atualmente, segundo o supervisor, A supervisora Francineide Batis- há uma preocupação com o envolvita apontou que foi preciso um tra- mento das atletas na comunidade, balho de conscientização dos pais visto que, até pouco tempo atrás, para que liberassem suas filhas para elas apenas treinavam na cidade e as aulas de futebol. “No início, mui- retornavam, geralmente, para Salva07


dor. Além disso, as jogadoras costumavam ser, em sua maioria, oriundas da capital e de outros locais do interior da Bahia. Desde 2017, houve uma preocupação em oportunizar a participação de jogadoras de São Francisco do Conde e de formar também a comissão técnica com membros da localidade. O alojamento das atletas também será na cidade, próximo ao estádio municipal. O diretor social do time, Carlos Alberto Andrade, sinalizou que há, também, a possibilidade de criação de uma campanha para aumento do número de sócios, que, atualmente, somam apenas 15 pessoas. Com o apoio financeiro, as atletas fortaleceriam a trajetória de sucesso que vem marcando o time fem-

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inino de São Francisco do Conde. “Antigamente, no campeonato baiano, a hegemonia era nossa, hoje o futebol feminino está cada vez mais estruturado, reforçando o campeonato baiano, com isso

o campeonato ganhou força e nos últimos três anos não ganhamos o título, mas esse ano vamos lutar para voltar a ganhar”, aposta.

O São Francisco do Conde Esporte Clube foi campeão de todas competições estaduais que participou entre 2001 e 2015. Além disso, obteve êxito em alguns campeonatos nacionais: campeão da Copa do Brasil de Futebol Feminino em 2008, bicampeão norte-nordeste, 2001 e 2012, bicampeão da Copa Rede Ball Cup, 2015 e 2016, terceiro lugar na Copa do Brasil de Futebol Feminino, em 2007, 2009 e 2010, além do quarto lugar em 2012. Esteve em primeiro lugar no ranking nacional de futebol feminino ano de 2014.


EM CAMPO

MACHISMO NO FUTEBOL: COMO AS MULHERES DRIBLAM ESSE ADVERSÁRIO? Jornalistas esportivas enfrentam a barreira do machismo para se firmarem na profissão. BRUNO BRITO | TEXTO

Arquivo pessoal

Ao lembrar os desafios que enfrentou até conseguir atuar na área, a repórter esportiva Cris Menezes destaca o olhar de desconfiança que recebeu por estar trabalhando com futebol. “O maior desafio é o machismo, a desconfiança, ainda mais por ser um universo totalmente masculinizado, uma mulher jovem e negra estar ali trabalhando com futebol. No começo aquela desconfiança, mas depois quando percebiam que realmente eu entendo do assunto, passaram a ver com outros olhos”, contou. Arquivo pessoal

No âmbito esportivo, Cris acredita que a solução é deixar o machismo de lado e entender que o esporte é para todos. “É preciso mesmo largar o machismo de lado, se alertar que estamos no século XXI, que as coisas mudaram, o mundo evoluiu. Abrir mais a mente, compreender, entender, e colocar em prática. Parar de querer masculinizar aquilo que foi dado pelo social, ao definir que futebol é coisa para homem, isso acabou e faz tempo”. A mulher enfrenta inúmeras situações para ser aceita no meio esportivo, desde realizar entrevistas dentro de vestiários, como enfrentar situações depreconceito, assédio e provocações.

Frases como “futebol não é para mulherzinha” fazem parte do repertório. Recentemente, algumas medidas vêm sendo tomadas como forma de quebrar esses paradigmas no jornalismo esportivo. Durante a Copa da Rússia, o Fox Sports inovou com transmissões 100% femininas. Pioneira no fotojornalismo esportivo no estado, Margarida Neide, relembra do inicio complicado e de como encarou esse desafio. “Quando eu cheguei, mulher, cheia de técnica, cheia de informação sobre a profissão, isso causou um susto muito grande nos coleguinhas, e na época eles foram muito machistas comigo, mas eu adoro desafios e foi muito bom para mim porque eu me impus”.

Arquivo pessoal

Que o futebol é um universo machista, não é novidade para ninguém. Mas como as mulheres que vivem do esporte mais popular do mundo lidam com isso no dia a dia? Segundo pesquisa Datafolha de 2017, 6,9 milhões de mulheres receberam comentários desrespeitosos no trabalho. No ambiente futebolista, esta realidade é um pouco mais forte por se tratar de um universo machista e de maioria esmagadora de homens. A repórter fotográfica Mauricia da Matta, que começou a trabalhar com futebol há cerca de sete anos, relata que, apesar de já estar na área esportiva há algum tempo, casos de machismo sempre ocorrem. “Eu sempre trabalho maquiada e tenho que estar sempre com um batom mais tranquilo. Parece uma besteira, mas se eu colocar um batom vermelho, sempre tem algum comentário. O mais ridículo que já ouvi foi ‘hoje tem’ ou que eu quero alguma coisa, mas não, hoje não tem e eu não estou querendo nada”, afirmou. Mauricia acredita que o melhor caminho para minimizar os casos de machismo é a reeducação. “A gente precisa ocupar esses locais e eles precisam se acostumar com a gente nesses espaços, porque aí eles vão se reeducar e entender que o futebol não é para ser um reduto apenas masculino. Mas isso é gradativo, é uma medida em longo prazo”.

Margarida ainda destaca os momentos em que driblou o machismo com a prática do seu trabalho. “Eu fiz questão de mostrar para todos que ali estava uma profissional, independente se ela vestia saia ou calça e com competência, eu consegui me impor”. Como forma de colocar o machismo para escanteio, ela acredita que a melhor resposta é o trabalho bem feito. “Machismo sempre houve, sempre vai ter, mas cabe à gente mostrar um trabalho que tem que ser respeitado. Quando você mostra um trabalho, as pessoas passam a te respeitar”.

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MARIA CHUTEIRA

BORA BAHEA LUSACA! Em parceria com o Lusaca, Esporte Clube Bahia cria time feminino de futebol

ALEXANDRO LOPES |TEXTO FELIPE OLIVEIRA/ EC BAHIA |FOTOS

Após quatro anos o Bahia volta a ter um time feminino

O torcedor do Esporte Clube Bahia ganhou mais um motivo para comemorar: a criação do novo time feminino de futebol, o Bahia Lusaca. A equipe feminina tricolor surge através da parceria com o Lusaca, clube baiano fundado em Dias d’Ávila, campeão baiano de futebol feminino em 2017 e vice - campeão estadual em 2018. O time do Lusaca vai ceder jogadoras e comissão técnica. Em contrapartida o Bahia vai bancar todas as despesas necessárias para atuação do time. disponibilizando também os departamentos de registro, médico e fisioterapia às atletas, além de uniformes para treinos e jogos. A CBF e a Conmebol passaram a exi-

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gir dos times a criação de uma equipe feminina. Os clubes que não atenderem a esse quesito correm o risco de não disputarem as principais competições de futebol masculino organizadas pelas entidades em 2019, tais como Série A, Libertadores e Copa- Sul-Americana.

Lusaca

Fundado no ano de 2007, a Associação Desportiva Lusaca nasce através do desejo de Ruan Santos em criar um time feminino de futebol.

A escolha do nome Lusaca se deu pela vontade de ter um time que representasse a cultura afrodescendente.

“ Fui no mapa mundi, ia colocar Kingston, capital da Jamaica, mas desisti por ser muito complicado. Quando enxerguei Zâmbia e vi que a capital era Lusaca, eu disse, vai ser esse mesmo”, contou o fundador da agremiação. Finalista do Campeonato Baiano de Futebol Feminino nos anos de 2011 e 2015, o Lusaca sagrou-se campeão em 2017, superando o time de Jequié nas finais. Em 2018, a equipe Lusacana acabou chegando novamente nas finais do estadual, sendo derrotada para a equipe do Vitória. A base do time principal do Lusaca é formada por jogadoras dissidentes do São Francisco do Conde, time que foi campeão baiano entre 2001 e 2015 de forma consecutiva.


Futebol e estrutura

Atualmente a equipe do Bahia Lusaca é composta por volta de 150 garotas divididas em quatro categorias, sub-15, sub-17, sub-20 e time principal. O clube dispõe de uma comissão técnica experiente em futebol feminino. É o caso da ex-zagueira Solange Bastos, 49 anos, atualmente coordenadora técnica do Bahia Lusaca. A ex- jogadora passou por várias equipes de peso do futebol feminino tais como Corinthians, Palmeiras, Santos, Internacional e Flamengo de Feira. Solange participou de duas Copas do Mundo de Futebol Feminino, a primeira em 1991, na China, e a segunda em 1995, na Suécia.

Um passo de cada vez

A desigualdade entre as categorias masculina e feminina é bastante perceptível no futebol, principalmente no quesito profissionalização da atleta de futebol. Em relação ao tema, o atual presidente do Bahia Lusaca, Djailton Conceição, comentou que a realidade do até então Lusaca acontecia da seguinte forma, cada atleta recebe um valor, para ajudar no transporte e na alimentação. Questionado se após a parceria essa forma de custeamento iria continuar, Djailton disse “as atletas do time principal do Bahia Lusaca serão remuneradas, mas não posso confirmar os valores”. A criação do time feminino do Bahia Lusaca e de outras equipes revela uma transformação no cenário do futebol feminino no Brasil. Talvez essas mudanças não sejam as desejadas, nem tão pouco as ideais. Contudo, trazem uma contribuição para o fortalecimento e o desenvolvimento da categoria.

A ex-zagueira Solange integra a comissão técnica do Bahia Lusaca

A coordenadora ressaltou a importância da criação do time Bahia Lusaca para o desenvolvimento do futebol feminino na Bahia. “Só tenho a agradecer ao Bahia por está dando visibilidade a essas garotas e ao futebol feminino. Isso vai ajudar a fortalecer o esporte, é de tamanha importância que times grandes tenham suas equipes femininas. O Vitória já vem desenvolvendo um trabalho forte, e agora o Bahia com essa parceria”. Os principais desafios da equipe tricolor em 2019 serão as eliminatórias para o Campeonato Brasileiro da Segunda Divisão, Copa do Nordeste, Campeonato Baiano, torneios sub-17 e sub-20.

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