Revirei nº4 jul/dez 2017

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ReVirEI

REVISTA VIRTUAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL No 4 - JUL/DEZ - 2017

Entrevista Nélio Sprea dialoga sobre como trazer cada vez mais a cultura brincante para o interior das instituições

Saberes do Cotidiano Arte como princípio da formação e das práticas Natureza numa caixa?

Virando o mundo... Uma experiência argentina sobre matemática

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Aninha e suas pedras Não te deixes destruir… Ajuntando novas pedras

ReVirEI Revista Virtual de Educação Infantil

e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Dicas para sua Leitura: use o modo de tela cheia e aproveite para clicar nos links.

Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede. Cora Coralina

UFPR - Universidade Federal do Paraná Expediente: Coordenação: Catarina Moro Edição: Enaine Maciel da Rosa, Sheila Hahner Diagramação: Enaine Maciel da Rosa, Sheila Hahner Colaboradores: Franciele Ferreira França, Ettinene B. L. Barbosa, Gioconda Gigghi Revisão: Catarina de Souza Moro, Franciele Ferreira França, Sheila Hahner. NEPIE - Núcleo de Pesquisas e Estudos em Infância e Educação Infantil Setor de Educação- UFPR

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Editorial É muito bom retomar a publicação da ReVirEI! Com a edição de número 4 seguimos ampliando interlocuções com os profissionais que compartilham suas ideias, reflexões, práticas, com as quais compomos a Revista; assim como, com vocês que nos leem e partilham a Revista com colegas e outras pessoas interessadas em refletir sobre Educação Infantil, conhecer outras experiências e temáticas relativas a educação das crianças pequenas em contextos institucionais. As diferentes contribuições deste número da ReVirEI se articulam ao currículo da Educação Infantil, em um momento no qual a política nacional busca legitimar uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para toda a Educação Básica em meio a grandes descontentamentos e controvérsias, decorrente principalmente de uma guinada, pós golpe parlamentar, acarretando mudanças no processo de trabalho para a constituição da 3ª versão da BNCC, na constituição do grupo de profissionais atuantes e no conteúdo e organização da proposição. As manifestações e enfrentamentos de pesquisadores, profissionais e militantes da área asseguraram na versão final a concepção que vinha sendo defendida anteriormente na 2ª versão. De todo modo, a Educação Infantil estar contemplada na BNCC é ao mesmo tempo, conquista e risco; é sobretudo um desafio na efetivação dos direitos à educação para as crianças pequenas, desde bebês. A Revista passou por modificações visuais, tendo mantido todas as seções presentes na edição número 3. Nossos agradecimentos a Nélio Spréa, músico, produtor cultural, pesquisador ávido das brincadeiras e culturas infantis, nosso Entrevistado. Também agradecemos: Alejandra Dubovik e Alejandra Cippitelli, por compartilhar o trabalho realizado por elas e por sua equipe na Argentina, na seção Virando o Mundo; as colegas e militantes da área junto ao MIEIB, Cassiana Magalhães e Daniele Vieira pela partilha na seção Vendo&Revendo; a Geovane Gomes e Alan Felipe da Silva pelos relatos de suas experiências em Saberes do Cotidiano; ao Paulo Fochi pela contribuição na seção O que propõe a política! Ao grupo de alunas, ex-alunas, colegas que formam a sustentação da ReVirEI e se ampliou: Gioconda Ghiggi, Francielle F. França, Etienne B. Louzada, Marina Feldman, Ana Júlia L. Rodrigues, Sheila Hahner, Enaine Maciel da Rosa, meus parabéns em reconhecimento ao valor da participação de cada uma para essa produção coletiva. Fechamos esse número da Revista com uma brincadeira com as palavras na Vi(r)agens e Vir-ações Poéticas. Catarina Moro Dúvidas? Pedidos? Sugestões? Críticas? Entre em contato conosco pelo e-mail revirei.ufpr@gmail.com 3


Presenças nes Alejandra Dubovic e Alejandra Cippitelli São professoras de nível inicial, fundadoras e diretoras da escola Fabulinus em Buenos Aires, Argentina. Seção “Virando o mundo”.

Daniele Marques Vieira é Pedagoga e Doutora em Educação pela UFPR. Atua como Docente do Ensino Superior no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná e também como membro do Feipar/MIEIB. Tem vasta experiência na área de Educação Infantil, como professora e coordenadora pedagógica. Cassiana Magalhães é Pós-Doutora em Educação e professora do Departamento de Educação da UEL/PR, coordenadora do Feipar Pé Vermelho e membro do MIEIB. Atua especialmente na Educação Infantil com temas voltados ao currículo, organização do espaço, avaliação e periodização do desenvolvimento das crianças de zero a cinco anos. As duas contribuíram para a seção “Vendo e revendo” desta edição. 4


ssa edição Alan Felipe da Silva é estudante concluinte do curso de Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná. Cursou o Curso Normal pelo Instituto de Educação do Paraná Professor Erasmo Pilotto. É também professor de Educação Infantil pela Prefeitura de Curitiba.

Geovane Gomes atua como pedagoga nos municípios de Curitiba e Araucária. É formada no curso de Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná, e atua na Educação Infantil desde 1994. Contribuíram com a seção “Saberes do Cotidiano”. Lúcia Hiratsuka é autora e ilustradora de diversos livros para crianças, entre eles Corrida dos Caracóis, Antes da Chuva, Muli. Está lançando, em 2018, Chão de Peixes. Recebeu importantes prêmios como o Jabuti de ilustração e Melhor Reconto FNLIJ em 2008, além de vários selos Altamente Recomendável. Seu livro Orie (2014) foi eleito o Melhor Livro para Crianças da FNLIJ/2015 e escolhido para o catálogo White Ravens da Biblioteca de Munique e para a Lista de Honra FNLIJ-IBBY/2016. Para esse número da ReVirEI Lúcia nos presenteou com algumas imagens em "sumiê" ( técnica de pintura oriental), os quais tem 3 elementos de base, sendo a simplicidade, naturalidade e simbolização que poderão ser aqui apreciados. 5


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9.

Fique de olho Virando o mundo...

12. O peso das coisas

Vendo e Revendo

18. Relações entre espaço e currículo 24. Crianças, espaço e currículo

Entrevista

30. Nélio Spréa

Saberes do cotidiano

38. Arte como princípio das práticas educativas e formação em contexto 42. Quanta natureza cabe numa caixa? A Educação Infantil na BNCC 46. 47.

O que diz a lei O que propõe a política Fique por dentro

50. A educação nas múltiplas linguagens da arte

Virei o Baú

52. Pensar o currículo na Educação Infantil, pensar as práticas de educação da criança 7


Fique de Olho

nos Livros...

(para os adultos)

A última Criança na Natureza: Resgatando nossas Crianças do Transtorno de Déficit de Natureza Richard Louv Qual o impacto da falta da natureza na vida das crianças? O livro responde estas e outras questões com apresentação de pesquisas e reflexões sobre a relação da natureza com a vida dos pequenos. Editora Aquariana

DISCRIMINAÇÃO RACIAL É SINÔNIMO DE MAUS-TRATOS: A Importância do ECA para a Proteção das Crianças Negras Organizado por Hédio Silva Júnior e Daniel Teixeira, o livro aborda o reconhecimento legal do racismo, a necessidade de ações de prevenção, a discriminação religiosa como uma forma de maus-tratos, os danos psicológicos às crianças, entre outras questões. Uma leitura importante para todos os profissionais da educação.

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... e para ler com os pequenos Frida Kahlo é um dos livros da Coleção Antiprincesas, da editora mexicana Chimbotleque, que foi traduzido para o português. Uma leitura para meninos e meninas, que apresenta a contribuição de uma grande personalidade que pintou suas alegrias e tristezas. O livro está disponível pela SUR LIVRO.

Menino pode ter cabelo comprido? Claro que sim! O livro “O Pinguim Azul de Miguel”, de Rosana Martinelli com ilustrações de Mariana Belém, apresenta uma história que fala sobre a diversidade e o combate de alguns estereótipos. Uma publicação da editora Quatro Cantos.

...No filme Dirigido por Estela Renner o documentário “O começo da vida” apresenta depoimentos de mães e especialistas sobre a importância dos cuidados e relações na primeira infância e os impactos deste período na vida dos indivíduos e para a construção da sociedade. Mais informações no site do filme. É possível organizar exibições públicas gratuitas pelo videocamp.

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Fique de Olho 10

notícias do NEPIE

Entre abril e novembro de 2017, o NEPIE, em parceria com o FEIPAR, realizou o V Fórum de Debates sobre Educação Infantil. Os encontros aconteceram nas dependências da UFPR, uma vez por mês, no período da noite. Constitui-se como Curso de Extensão, com direito a certificação para quem frequentou 80% das atividades presenciais. Em sua 5ª edição, pautou as seguintes temáticas: 1) Análise da conjuntura política no âmbito da Educação Infantil 2) Direito à Educação Infantil: Desafios frente à atual conjuntura 3) Movimentos sociais e a luta pelo direito à Educação Infantil 4) Base Nacional Comum Curricular (BNCC) 5) A recente aprovação de Lei Municipal que permite que Organizações Sociais (OSs) prestem serviços nas áreas de Educação e Saúde ao município de Curitiba 6) Pelo direito à creche: o caso do Brasil Carinhoso no Paraná 7) Educação Infantil pública em Risco. Em abril de 2018 terá início as atividades do VI Fórum de Debates. Os interessados poderão obter informações no blog do FEIPAR.


Ciclo "Educação, Infâncias e Linguagens" O Ciclo faz parte de um projeto de extensão organizado pelo NEPIE, com o objetivo de ofertar momentos formativos e de discussão acerca das infâncias e linguagens para professoras e professores das redes públicas de educação. Em 2017, foram realizados dois encontros no segundo semestre.

O segundo encontro, teve como tema: “Crianças e literatura na educação Infantil e a formação do professor”. Nazareth Salutto, doutoranda em educação (à época), pesquisa sobre literatura e leitura literária com bebês, no Rio de Janeiro. Trouxe para o diálogo autores que argumentam sobre práticas educativas com a literatura, numa perspectiva dialógica, na qual se destacam especificidades como os gestos, o olhar, o corpo e a voz como forma de ler para e das crianças. Proporcionou reflexões sobre: a importância de a literatura fazer parte do cotidiano educativo; o acesso das crianças aos livros; a qualidade do acervo literário da Creche e pré-escola; entre outras questões propositivas a respeito do trabalho com a leitura literária. Outras palestras do Ciclo acontecerão em 2018. •

O primeiro pautou a discussão do teatro com e para os bebês, na palestra da professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Alessandra Rotta. Em sua exposição abordou a produção teórica e artística do teatro contemporâneo italiano para crianças de 0 a 3 anos de idade e suas contribuições para uma Pedagogia da Infância. Ressaltou que o Teatro mignon (proposta de teatro educativo, com pequenas histórias, que emprega materiais e cenografias simples e que se desenvolve entre poucas pessoas) nos possibilita “transgredir a tradicional visão de teatro existente nas instituições de Educação Infantil [como doutrinação ‘‘lúdica’’ das crianças, marcada por espetáculos exaustivamente ‘‘ensaiados’’ e executados pelas crianças] e, ao mesmo tempo, agir com e como as crianças pequenas para as quais ‘‘tudo é possível’’ no mundo do faz de conta.

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Virando o mundo..

O peso das coisas A experiĂŞncia com o uso de medidas convencionais

Alejandra Dubovik e Alejandra Cippitelli

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Alejandra Dubovik e Alejandra Cippitelli, fundadoras e diretoras da escola Fabulinus (em Buenos Aires, Argentina), juntamente com os professores, refletem constantemente sobre o trabalho pedagógico que desenvolvem, o que lhes permite experimentar inúmeras inovações. O presente texto nos permite conhecer sobre o modo particular como a equipe da Fabulinus pensa a aprendizagem das crianças, que parte da concepção de escola como um campo de ensino e aprendizagem, relacionamentos, comunicação e pesquisa. Nele acompanhamos parte de uma prática na qual se implementa a dinâmica de territórios de jogos e exploração. (Tradução e Revisão: Catarina Moro e Ana Júlia L. Rodrigues) Na escola, estamos constantemente procurando novos sentidos, novos "para que", "como" e "porque" entender e levar em conta os interesses e os modos de aprender das crianças. Dentro da nossa filosofia educacional é forte a ideia de que as crianças são os verdadeiros protagonistas de suas aprendizagens. Entre nossas reflexões aparecem com grande vitalidade o valor dos contextos preparados, ricos em variação e com forte significado. Essas ideias nos fazem planejá-los de várias maneiras para dar às crianças oportunidades para cons-

truir novas aprendizagens. Os contextos que apresentamos aos professores nesta experiência que chamamos de “O peso das coisas” e que narramos na sequência, são contextos que sugerem conexões, relações e construção de novos aprendizados. Neste caso, quando falamos de experiências matemáticas (noções de peso), as vemos como a base do conhecimento, mas entendendo também que só a experiência não é suficiente. No campo das experiências lógico-matemáticas é necessário que as crianças detectem conscientemente 13


elementos matemáticos, os interiorizem e os elaborem, fazendo com que intervenham em seu pensamento, ou seja, incorporando à sua reflexão. Quando falamos de uma experiência matemática, esta deve envolver e colocar em funcionamento o pensamento lógico, que significa ter habilidades, tais como: observar, comparar, resolver situações, descobrir estratégias, verbalizar. A observação, as relações e comparações são as primeiras atividades mentais que poderiam ser chamadas de propriamente matemáticas, bem como resolver situações que envolvem encontrar soluções para a atividade ou experiência que se coloca.

Relato da experiência: Organizou-se um contexto como espaço que permitiu e provocou múltiplas relações entre as crianças e os objetos em explorações individuais e conjuntas. Nós construímos tal contexto a partir das perguntas que nortearam nossa observação: • As crianças usam, naturalmente, um vocabulário que faz referência ao peso? •

São capazes de comparar pesos?

• Quais são as pesquisas que fazem para comparar os pesos? • Será que fazem uso de instrumentos convencionais para a pesagem de objetos? • Fazem relações entre o peso e o tamanho dos objetos? • Será que percebem naturalmente que os números da balança indicam algo? • 14

Quais são as aprendizagens que


ocorrem nesses contextos? O contexto para o uso de medidas convencionais é uma área que consiste em mesas e bancos nos quais dispusemos diferentes tipos de balanças (balança de suspensão - balança digital – balança clásica de pratos - balança de precisão) e vários materiais para pesar que diferiam em tamanho e peso (objetos grandes: pesados - objetos grandes: leves- objetos pequenos: leves – objetos pequenos: pesados).

De acordo com vocês qual é a balança que serve para pesar as coisas muito pesadas? Nos pareceu uma pergunta interessante, porque valoriza o que as crianças fizeram e também lhes dá a oportunidade de refletir sobre o uso das balanças.

Em princípio, uma fase de exploração é a que prevaleceu na experiência. Acreditamos que esta se deu pela multiplicidade e variedade de balanças que constituíram o contexto. Depois disso, a professora fez uma pergunta para o grupo:

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...virando o mundo... 16

Há então uma troca de saberes e cumplicidades, patrimônio do saber no grupo e na busca compartilhada durante a experiência. As crianças assim, testam diferentes estratégias que permitiram saber “sobre os saberes” uns dos outros respondendo à pergunta: qual é a balança usada para pesar as coisas muito pesadas?

“Qual é a balança usada para pesar as coisas muito pesadas?”


Elas procuraram no jardim objetos pesados e trocaram ideias sobre as possibilidades de pesá-los em uma ou outra balança. O interessante sobre a experiência foi o processo pelo qual as crianças passaram para responder a esta pergunta. Algumas das ações espontâneas que surgiram foram:

lanças (proporções iguais - mais pesado que - mais leve que - tanto quanto).

• Fazer uma coleção ordenada de objetos: a partir do mais leve ao mais pesado.

Como professor, descobrimos as possibilidades do contexto, o material e as ações que as crianças fazem sobre elas mesmas e construímos com elas outro mapa projetivo que torna visível os saberes das crianças, o que nos serviu como uma ferramenta para lançar um novo projeto. •

• Descobrir que havia objetos grandes que pesavam pouco e objetos pequenos que pesavam muito. Isso levou-os a refletir sobre a relação entre peso e tamanho, que por vezes não são diretas.

Durante o curso do projeto, notamos que as aprendizagens se deram de modo reticular, elas se aprofundaram e investigaram os conceitos e relações entre peso e tamanho.

• Fazer comparações entre o peso do seu corpo e os objetos, usando instrumentos convencionais, tais como ba-

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Vendo e Revendo

relações entre espaço e currículo: Interações que constroem uma experiência na Educação Infantil

Daniele Marques Vieira

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Pensar sobre o espaço constitui tarefa diária à prática educativa na educação infantil, tanto para conciliar as condições preestabelecidas pelo contexto educativo, das delimitações físicas e da quantidade de crianças, como para promover a operacionalidade do currículo pela oferta de materiais e modos de organização. O espaço nunca é neutro, mas, território dos sujeitos que o habitam, onde estes deixam suas marcas, evidenciam suas escolhas, narram seu cotidiano (HORN, 2004). Portanto, ao voltarmos o olhar para os espaços de uma instituição, a entrada, a área da gestão, as áreas de convivência - pátio interior, parque, salas multifuncionais - as salas de grupos, os solários, entre outros, encontramos indícios das concepções de educação, de criança e de infância que sustentam a prática pedagógica nesse contexto educativo. Como o espaço revela a prática educativa que a estrutura, podemos pensar que os elementos nele visíveis são indicadores do que se propõe como currículo nesta etapa da educação básica. Ao visualizarmos os recursos materiais que compõem o acervo disponível para as crianças interagirem neste contexto de educação, temos uma ideia do tipo de experiência que elas têm oportunidade de construir na relação com o meio.

Mais ainda, diante da disposição dos mobiliários e objetos acessíveis àscrianças, podemos ter a percepção das possibilidades interativas às quais elas têm oportunidade de vivenciar, sozinhas, com seus pares ou com os adultos. Sobretudo, conforme a organização do espaço podemos identificar o que a prática educativa privilegia para favorecer no desenvolvimento das crianças dessa faixa etária. Contudo, a conformação do espaço é sempre uma ação que parte de uma estrutura predeterminada, dada pela arquitetura da instituição que, por vezes, necessita adaptações e criatividade. O que torna relevante o conhecimento sobre como as crianças pequenas se desenvolvem, que tipos de interações as favorecem, de que modo elas constroem suas relações com o meio, entre objetos, elementos físicos materiais e naturais - e outros sujeitos. Podemos pensar a organização do espaço não só como um modo de favorecer as crianças em seu momento de vida, como também de confluir objetivos educativos previstos por um currículo pertinente a essa etapa da educação básica. Assim, trago algumas referências que constituem parâmetros que nos convidam a pensar sobre a prática educativa e o papel do adulto no processo de constituição das crianças enquanto sujeitos de uma cultura, imersas em um meio cuja finalidade é educativa.

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Vendo e Revendo

Esta sala da foto abaixo, de um grupo de crianças de 1 ano, em uma instituição pública espanhola, refere elementos materiais que indicam um modo de organização em que se privilegia a capacidade de movimentação das crianças em diferentes condições. O colchão entre a porta de vidro e o módulo de madeira, demarca uma referência de lugar para explorar objetos que estão dispostos sobre ele - cestos com materiais selecionados, brinquedos, almofadas. O módulo de madeira projetado para a faixa etária em questão, tem o vão livre embaixo favorecendo o deslocamento de bebês pelo engatinhar, assim como a escada e o escorregador estão dimensionados de forma adequada para as crianças que estão adquirindo a habilidade de andar

terem apoio em sua ascensão.A posição do módulo de madeira anexado à bancada de higiene, para momentos de troca ou banho, propicia o contato visual entre o adulto e as crianças durante essas atividades de rotina, garantindo um ambiente harmonioso em que as crianças podem se deslocar livremente no espaço enquanto o adulto as observa e elas a ele. No lado inferior direito da imagem um aspecto da cadeira de balanço, sugere um tipo de vivência interativa entre adulto e criança, pela qual ocorre o contato físico e a troca afetiva. O projeto arquitetônico também permite que a luz adentre esse espaço e o alimente de vida, seja pelo calor que o sol irradia, seja pelos seus efeitos: que imprimem no chão sombras que se movem e convidam à criança a explorar sua fugacidade.

Sala do Grupo 1, Escola Bressol L'Arboç, Barcelona, Espanha.

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Sala de Maternal, CMEI Pioneiro Afonso Staniszewski, Campo Mourão, PR, 2012.

Em um outro contexto, elejo alguns aspectos de uma sala de Maternal em uma instituição pública brasileira, cujo projeto arquitetônico do Proinfância guarda certa similaridade com a imagem anterior pela presença da janela ampla e à altura das crianças. Neste aspecto da sala podemos visualizar um arranjo espacial semi-aberto (CARVALHO; RUBIANO, 2007) em que o tapete, como lugar de referência, constitui um elemento que possibilita às crianças dessa faixa etária, entre 1 ano e meio e dois anos, transitarem entre possibilidades interativas. Ao fundo da imagem, o vão da bancada de granito, onde estão alguns brinquedos, convida as crianças a se

deslocarem e se acomodarem neste canto, como também dá acesso a brinquedos que lhes possam interessar. Sobre o tapete um cesto com brinquedos disponíveis à exploração, e na extensão da parede à esquerda, margeando a janela que permite a visualização do solário, a barra de ferro serve de apoio para a criança. Circundando o tapete no lado inferior da imagem uma cadeira e indícios de uma mesa conformam o arranjo semi-aberto, indicando uma abertura que está delimitada pela outra cadeira no lado direito da imagem, por onde a criança pode sair, exercendo sua capacidade de movimentação conforme sua habilidade de andar.

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Vendo e Revendo

A imagem seguinte retrata um aspecto de uma sala de Infantil II (crianças de 2 anos e meio), em uma instituição privada brasileira, uma organização do espaço em diferentes microambientes. Podemos visualizar ao centro a conformação de um arranjo espacial fechado (CARVALHO; RUBIANO, 2007), com a presença de uma cortina de voal e um objeto com fitas que convidam a entrar neste lugar que tem o tapete como referência, um painel com formas margeando a parede e os brinquedos visíveis.

Sala de Infantil II, Escola Parlenda, Curitiba, Paraná.

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No lado direito da imagem uma estante com objetos acessíveis às crianças, sugerem repertórios que estas podem escolher para suas brincadeiras, enquanto no lado inferior esquerdo, um microambiente composto por um móvel e utensílios de cozinha sugerem o jogo simbólico. A conformação do espaço conjuga arranjos espaciais distintos contemplando a capacidade de movimentação das crianças, bem como, o início da constituição de sua capacidade de simbolização. Mediante as considerações que essas imagens sugerem, podemos


pensar uma perspectiva do currículo por campos de experiências, em que as crianças são convidadas a cada idade a realizar aquisições e a construir referências sobre si e o mundo. E na medida em que se desenvolvem em suas capacidades também ampliam seus repertórios ao criar modos de apropriação da cultura na interação com o outro, inserindo suas construções como formas de interpretar a realidade e constituir sua experiência. Por fim, para continuar pensando sobre as relações entre espaço e currículo, podemos utilizar o documento “Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças”, a fim de voltar os olhos para a prática educativa que se efetiva em nossas instituições e avaliar como estamos garantindo os direitos das crianças conviver, brincar, explorar, participar, comunicar e conhecer-se, como enuncia o texto preliminar da Base Nacional Comum Curricular. •

Referências BRASIL. Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças. Brasília: MEC/SEF/DPEF/COEDI, 2009. HORN, M. G S. Sabores, cores, sons, aromas: a organização dos espaços na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004. CARVALHO, M. I. C.; RUBIANO, M. R. B. Organização do Espaço em Instituições Pré-Escolares. In: Educação infantil: muitos olhares. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 107 - 130.

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CRIANÇAS, ESPAÇO e currículo: Vamos tecer esse emaranhado? Cassiana Magalhães

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Tecer é produzir com fios; é tramar; é entrelaçar. Emaranhado é algo que foi misturado de maneira confusa, sem ordem. E como a revista chama Revirei, resolvi revirar-me na tentativa de organizar três eixos fundamentais para a Educação Infantil. A criança sujeito histórico, o espaço como promotor do desenvolvimento, o currículo como condição para o desenvolvimento da criança e para a organização do espaço. Nesta direção, o espaço não é visto como algo que decora, mas como um ambiente capaz de criar novas necessidades na criança e o currículo não serve apenas para cumprir uma burocracia do Município, como a construção da proposta pedagógica durante o processo de abertura das instituições, mas tem um papel fundamental no trabalho desenvolvido na Educação Infantil. Iniciemos a tessitura com a ideia de que a criança ao nascer é uma candidata à humanização (PASQUALINI, 2013), em outras palavras, o biológico é condição, porém não suficiente para o seu desenvolvimento humano. A criança, portanto, se humaniza por meio das pessoas das gerações que a antecederam. Claro que se compreende que isto acontece desde o momento do seu nascimento. Quando atuamos na vida cotidiana, quando nos apropriamos da linguagem, do uso dos objetos, dos costumes (HELLER, 2008). No entanto, elegemos a escola como espaço privilegiado para a transmissão dos conhecimentos historicamente acumulados, e especialmente para a organização intencional de práticas pedagógicas que promovam o desenvolvimento humano. Porém, pensando a escola como espaço, vale ressaltar que este pode ser aprisionador das experiências, quando se tem uma concepção de criança incapaz. Quando o professor organiza seu planejamento para uma criança que na concepção dele só consegue

fazer coisas fáceis, quase prontas, apenas para “finalizar”, porque julga que a criança não consegue participar de todo o processo. Todos conhecemos esses lugares, nos quais são roubados das crianças a possibilidade de aprender a criar, de brincar, de construir, enfim, de viverem o que de fato seria de direito na infância, para antecipar equivocadamente ações que consideram importantes. Para costurar o que acreditamos, sugerimos largar esses velhos retalhos com modelos de atividades e cortar o fio do aligeiramento. Um caminho para organizar um bom planejamento pode começar pela compreensão do professor acerca de como a criança aprende e como ela se relaciona com o entorno em cada momento de seu desenvolvimento. A criança aprende por meio da sua atividade: não é qualquer proposta que provocará mudanças qualitativas no seu desenvolvimento. Amparados na Teoria Histórico-Cultural abordaremos resumidamente a dinâmica geral do desenvolvimento da vida psíquica da criança, lembrando 25


Vendo e Revendo

que para esta abordagem não se trata de idades cronológicas, mas de períodos ou estágios de desenvolvimento. Isto não acontece naturalmente, é resultado de um processo de educação. Por isso, a importância do trabalho do professor, pesquisador, intelectual capaz de desenvolver um trabalho rico com as crianças pequenas. Cada período do desenvolvimento se caracteriza pela relação da criança com a realidade e, de acordo com Leontiev (2010), por um tipo de atividade dominante ou atividade principal. “A atividade principal é a atividade cujo desenvolvimento governa as mudanças mais importantes nos processos psíquicos [...]” (LEONTIEV, 2010, p.65). Não significa dizer que vamos atuar como psicólogos no trabalho junto às crianças pequenas, mas, vamos nos beneficiar das contribuições da psicologia, para pensar e organizar a prática pedagógica. De modo muito resumido, pensando nas crianças da educação infantil, destacamos três períodos estudados

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por Elkonin (1987). No primeiro ano de vida a atividade dominante é a comunicação direta com o adulto. O adulto se dirige ao bebê que demanda cuidados e atenção. Se a existência humana precisa ser produzida historicamente porque não é garantida pela natureza, o processo educativo passa a ser também um processo de humanização. O que significa isso em termos práticos no dia-a-dia das instituições? Nos berçários, significa pensar que o professor apresenta o entorno ao bebê, dá a ele atenção exclusiva, por exemplo nos momentos de troca, alimentação e banho. Quanto mais a professora conversa com o bebê, estabelece uma relação e vai engendrando novas formas de se comunicar. Ou seja, está ensinando ao bebê o que é essencial naquele período de desenvolvimento. Não necessariamente precisa carimbar suas mãos e pés, mas pode gastar esse tempo manipulando objetos, ouvindo diferentes sons, se relacionando afetivamente com o bebê e com isso, criando as condições necessárias para o outro período, o contato com os objetos.


Na primeira infância, a atividade objetal manipulatória é a atividade dominante, “[...] é que por meio dela a

criança se apropria da função social do objeto, de seu significado” (PASQUALINI, 2013, p.85). Na fase de apropriação a criança manipula o objeto de modo indiscriminado, e em outro momento busca compreender a função para o qual foi criado, imitando inicialmente as ações do adulto. Cabe neste período organizar os espaços, com objetos diversos ao alcance das crianças, como por exemplo, o cesto de tesouros e, especialmente a presença do professor na manipulação dos objetos e na ampliação das ações junto às crianças pequenas. Na idade pré-escolar, a atividade principal é o jogo de papéis, muitas vezes deixado ao acaso, ao se der tempo brincamos, e não compreendido como uma 27


Vendo e Revendo 28

das atividades que mais promovem o desenvolvimento da criança. Na brincadeira de faz-de-conta a criança reproduz a atividade da vida adulta, aprende o autodomínio da conduta e se envolve em situações que exigem o máximo da sua atenção. Por exemplo, lembrar

qual papel assumiu na brincadeira, o que cabe a ela neste lugar, quais são as ações que esse sujeito deve ter nesta atividade e assim por diante. Conclui-se que pensar o currículo na educação infantil, pressupõe pen-


sar como a criança aprende. Quanto melhor forem organizadas as formas de intervenção do adulto, maiores serão as chances de desenvolvimento das crianças. O papel da escola está ligado então à apropriação da cultura pela criança. As escolhas daquilo que organizamos para as crianças e com as crianças é condição essencial para provocar saltos qualitativos no seu desenvolvimento. Quanto melhor o professor compreender o seu papel na humanização das crianças pequenas, melhores serão as experiências. Assim, a costura entre criança, espaço e currículo não terá emaranhados. •

Referências ELKONIN, D. B. Problemas psicológicos deljuego em laedadpresscolar. Inc DAVID, V.; SHUARE, M. (Orgs.). La psicologia evolutiva y pedagogica em la URSS.Moscu: Progresso, 1987. p. 83-102. HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. LEONTIEV, Alexei Nikolaievich. Uma Contribuição à Teoria do Desenvolvimento da Psique Infantil. In: VYGOTSKI, Lev Semenovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alexei Nikolaievich. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 11. ed. São Paulo: Ícone, 2010. p. 59-83. PASQUALINI, Juliana Campregher. A Periodização do desenvolvimento psíquico à luz da escola de Vigotski: a Teoria Histórico-Cultural do desenvolvimento e suas implicações pedagógicas. In: MARSILIA, Ana Carolina Galvão (org), Infância e Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.

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Entrevista

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Para os brincantes de plantão, como a Revirei, Nélio Spréa é conhecido de longa data. Ele é educador, pesquisador, produtor cultural e se dedica a divulgar a cultura popular brasileira e valorizar as culturas da infância. Foi o idealizador dos lindos filmes “O fim do recreio” e “Brincantes” e vive dando formações pelos interiores do Paraná e do Brasil. Com a Revirei ele conversou sobre alguns caminhos possíveis para trazer cada vez mais da cultura brincante para o interior das instituições de Educação Infantil.

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Entrevista

Observando seu trabalho, a gente vê que o brincar é o eixo central, e na Educação Infantil isso faz muito sentido. Agora, explica pra gente porque devemos colocar a brincadeira e as culturas da infância no centro dessa roda? Às vezes eu me enxergo tão voltado para a brincadeira que me passa pela cabeça: “Poxa, eu preciso pesquisar outra coisa...”. Aí eu começo a me voltar para outras questões da criança, e acabo caindo de novo na brincadeira. Porque é muito difícil observar os comportamentos, as conexões, as influências que compõem o modo de estar, de agir, de se comunicar da criança sem contemplar essa linguagem mágica, lúdica, fantástica... Esse universo todo simbólico que é permeado por isso que você chamou de culturas da infância, que vai além da experiência local da criança, é um universo que também é permeado por influências maiores. Porque justamente perpassa os tempos, porque chega por diversas frentes, em diversos formatos, como os formatos que a própria indústria elabora e distribui, que as vezes são recheados de elementos tradicionais.... A indústria não está inventando a roda, ela está usando o que há, a partir dos campos de interesse das crianças, do que vem se consolidando ao longo dos séculos. Da experiência dessa infância que brinca, agora com mais proteção, acompanhamento, direcionamento do que se brincava num tempo em que a infância não estava tão institucionalizada. É difícil analisar a infância sem se voltar pra essas dinâmicas que as crianças constroem quando estão entre si ou junto com os adultos, é uma coisa que é difícil separar da criança.

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Da sua experiência conhecendo diferentes realidades e instituições, qual é o lugar da brincadeira nas instituições de Educação Infantil? Eu venho percebendo uma tendência maior sobre compreender o espaço da brincadeira como esse espaço que a escola constrói junto com a criança. Então, há uma tendência maior de entender a brincadeira como um espaço pedagógico, de intervenção do adulto e uma dificuldade, por outro lado, de entender que a construção da brincadeira pode ser algo inusitado, imprevisto, que escapa das condições criativas dos adultos e que vai ser extremamente válido pro desenvolvimento das crianças justamente porque está se dando dentro desse espectro particular da relação das crianças entre elas. Essa brincadeira, que é a brincadeira que mais me interessa, eu sinto que ela é pouco percebida, ganha pouco valor... Porque ela não está dentro de um panorama de avaliação, de mensuração... Está fora do que o adulto pode controlar... Ela fica fugindo do controle do adulto o tempo todo. Eu acho que é fundamental a escola estar direcionando algumas coisas, estar provocando. Mas à medida que os profissionais que nela atuam têm consciência da importância dessa perspectiva inusitada da criação lúdica, eles vão justamente favorecer isso. A escola sempre vai estar, de um jeito ou de outro guiando as coisas, porque os adultos estão ali em volta das crianças, existem a sala, os horários. Todo o normativo de uma escola já impõe condições em que não há como dizer “na minha escola as crianças brincam livremente”. Agora, na medida em que o


adulto toma consciência da importância da criança reagir às influências do meio por meio da brincadeira, e compor uma coisa que não pode ser prevista ou conduzida - porque nós não sabemos das influências que fazem sentido pra ela nesse momento – aí ele cria as condições pra que isso seja possível. Porque querendo ou não querendo é isso que acontece: uma grande parte das brincadeiras que as crianças, especialmente na educação infantil, promovem entre si são brincadeiras inusitadas, imprevistas e cheias de desdobramentos que nenhuma proposta daria conta de pensar. Então, o que eu sinto é que ainda há uma dificuldade para compreender isso, porque não é fácil entender isso... Que quanto mais escapar do meu controle, melhor será. O que é um brinquedo? Ao meu ver o brinquedo é o aparato, a coisa sobre a qual se projeta o sentido. Então qualquer coisa, um pedaço de pau, pode ser tornar um brinquedo. Um brinquedo industrial pode deixar de ser um brinquedo. Ele só é um brinquedo quando sobre ele se projetam desejos, intenções... Essa questão da intencionalidade é fundamental pra caracterizar uma peça qualquer como brinquedo: eu tenho que projetar naquele objeto uma intencionalidade, um caminho, uma narrativa para experimentar alguma coisa. Aquilo começa a ser objeto de outra coisa, de outra experiência que não tem mais a ver com a funcionalidade original daquilo. Qual a funcionalidade original de um pneu? Compor a roda de um automóvel. Mas no momento em que ele vira brinquedo essa funcionalidade se rompe e a criança – ou o adulto, no caso do professor - dá outro

sentido para aquilo. Ele vira um balanço, uma floreira, um esconderijo, uma casinha... Na sua opinião, de que forma o olhar lúdico pode enriquecer essa discussão, que está acontecendo agora, sobre a Base Nacional Comum Curricular? Eu acho que esse conhecimento que vem sendo produzido no campo da sociologia da infância, que vem anunciando a importância das brincadeiras tradicionais, dessas formas transmitidas oralmente pelas próprias crianças... As evidências de que a crianças transformam, repassam, produzem cultura... Esse campo todo de discussão da sociologia da infância que incide sobre a ludicidade, tem que nutrir qualquer condução de parâmetros, de currículo, de gestão, porque é a criança que está representada ali. Porque são as questões mais essenciais dos campos de interesse das crianças que estão representadas ali. Na medida em que a sociologia da infância e esse panorama

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Entrevista 34

de conhecimento da criança como produtora de cultura vêm se fortalecendo teoricamente, isso não pode ficar fora de mais nada que venha a ser construído para a infância. E no Brasil a gente tem um conjunto de elementos, de conteúdos produzidos pela cultura lúdica, infantil, que vem sendo explorados e lapidados ao longo de gerações e vão ganhando uma capacidade de fomentar a curiosidade da criança, de fornecer repertórios para formação da oralidade... As parlendas são reminiscências de processos muito básicos de construção da língua materna. Os sons que tão ali são as vezes mais importantes que os sentidos das palavras. Quando a criança fala “um dois, feijão com arroz” o que está em questão é acentuação da palavra e não o sentido da palavra. E criança com um ano já começa a repetir isso, sem saber o que ela está falando, porque tem uma coisa muito primordial ali que é o ritmo. O ritmo dessas brincadeiras cumpre com uma função de desenvolvimento da linguagem, que vai ter ligação direta com questões pedagógicas, curriculares. Então, eu vejo como o universo da ludicidade pode vir pra dentro de uma

discussão de currículo, mas aí voltando-se para alimentar esse currículo. Essas tradições podem fornecer mais elementos didáticos para algumas áreas e favorecer certas potencialidades.

“(...) o fenômeno do brincar, que é importante dentro e fora da escola. E a escola tem que ter espaço pra que isso aconteça “

Isso é uma coisa. Outra coisa é o fenômeno do brincar, que é importante dentro e fora da escola. E a escola tem que ter espaço pra que isso aconteça, essa representação que a criança faz. O que a gente tem que aprender é como não inibir tanto. Esse é o grande dilema, porque a própria estrutura de escolarização provoca uma inibição, com seus tempos, suas regras. Então é isso por um lado e, por outro, como a gente pode, dentro de uma proposta curricular nos abastecer de conteúdos das tradições lúdicas. E aí eu vou mais além, não só das tradições lúdicas, mas também da indústria do entretenimento. Abrir o espaço para esse universo, porque ele já está ali. O professor está com o livro aberto contando uma história e a criança está com o homem aranha na cabeça. Uma forma de trazer isso, até para que seja possível quebrar um pouco com essa estrutura viciante que as diferentes pla-


taformas de veiculação desses conteúdos gera, que no final das contas tem uma finalidade: o consumo. No final das contas essa tomada de consciência do professor dessa estrutura maior serve tanto para fazer crítica nos processos, na forma como ela conduz a dinâmica com esses personagens, e também para inspirar o professor a criar opções a isso, a fornecer ingredientes diferenciados. Então não tem como tirar de qualquer movimento no sentido de pensar na educação das crianças a reflexão sobre, primeiro, as culturas tradicionais da infância e, segundo, a indústria do entretenimento. Seria algo entre dialogar com aquilo que a criança traz, mas buscando ampliar, certo? Quer dizer, se a criança já passa o dia na frente da televisão, ela precisa ter acesso a outras coisas na instituição de educação, abrir outros caminhos. Exatamente. Você não fica reproduzindo na escola aquilo que ela já tem em larga escala em casa. Não é a função da escola... Agora, quando ela traz um pouco desse universo pra dentro da escola, o professor que está sintonizado, que dialoga com a criança passa a ser visto mais como um parceiro. E se ele resolve trazer um desenho animado como Kiriku, que é mais difícil pra criança se envolver, a tendência dele ser acolhido é maior, se vier por esse professor que respeita os gostos das crianças. Então é nesse sentido... Na medida em que você respeita o Funk que a criança tá cantando, você consegue chegar com uma ópera pra ela. Se você brinca com o funk com ela, ela vai brin-

car com a ópera com você. Quer dizer, ópera eu exagerei, mas é nesse sentido que eu acho que o professor tem que dialogar com os campos de interesse das crianças, conhecer. Isso devia fazer parte não de algo curricular, mas de uma diretriz didática que leve em conta esse panorama das culturas da infância. Porque quando a gente tá falando de Galinha Pintadinha, nós estamos falando de culturas de infância. E as vezes isso habita mais o imaginário da criança do que o Saci Pererê. Ter isso como um panorama ajuda até mesmo a mostrar pra criança maiorzinha, pontuar com ela para que ela própria perceba que a Galinha Pintadinha é uma coisa meio limitada. Isso quando você começa, conhecendo a Galinha Pintadinha, aos poucos a mostrar outras coisas... Não adianta fazer a mesma polarização que hoje se faz na política, de eles e nós, dizer que tudo que é midiático é ruim e o erudito é bom. Não funciona, não convence, tem que ter o diálogo. Até porque a gente vai descobrindo que no pop, na Disney, tem muita coisa legal. Você falando isso, fiquei pensando em uma fala do professor Manuel Sarmento, em que ele diz que se a gente só deixa o aluno entrar na escola, a criança entra pela janela. Bem isso, a gente não pode abrir a porta da escola para o aluno entrar e deixar a criança lá fora. Inclusive eu citei isso em um texto que escrevi para um blog esses dias. A criança entra de qualquer jeito, ou você deixa ela entrar pela porta e acolhe, ou ela vai entrar pela janela uma hora ou outra e você vai perder a condição de se relacionar com ela, você vai ficar se relacionando com o aluno e a criança vai ficar te 35


Entrevista

incomodando. E pensando nesse espaço mais livre, da brincadeira como criação da criança, como o adulto pode ser um multiplicador desses espaços mais livres? É difícil colocar isso, porque no final das contas ele não precisa fazer nada. E é difícil falar isso dentro da escola, porque não fazer nada é fazer muita coisa. Tem que ter muito conhecimento pra você não fazer nada... Não é simplesmente chegar e deixar as coisas acontecerem, porque as crianças não estão em casa, tem 20 na tua frente. Então pra você não fazer nada e, ainda assim a escolarização acontecer e as crianças não se machucarem, tem que fazer muita coisa. Tem que estar tudo muito bem combinado com as crianças, para que esses momentos em grandes grupos aconteçam com o mínimo de intervenção do profissional. E sempre haverá um nível de intervenção do profissional... Ele vai estar o tempo todo atento. E a criança também vive provocando o adulto para brincar. Então é não fazer nada no sentido de que aquilo que está partindo da criança pode guiar muito mais o processo. Já se fez muita coisa, já se tem uma turma organizada e sintonizada, alguns combinados foram feitos, a professora já mapeou quem são essas crianças. Mas na emergência da brincadeira, não fazer nada significa ter uma capacidade de escuta muito grande para fomentar aquilo que está vindo, fazer crescer o que está surgindo. A nossa tendência é ir no sentido contrário do que está sendo colocado, porque dá um certo ruído interno na gente o nonsense da criança. Poder entrar nesse universo que é criado pela criança significa enlouquecer

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temporariamente, deixar a razão de lado um pouco. “O que que eu tô fazendo com as pernas pra cima? Se entra alguém na sala agora eu não vou nem saber explicar o que tá acontecendo!”. Mas assim você começa a enxergar o processo de aprendizagem da criança, principalmente a aprendizagem societária, de um jeito muito privilegiado. E a gente é acostumado a enxergar essa criança sentadinha, “agora é na roda!”. E tem que ter isso na escola, se não, não funciona, tem que ter esse rigor de organização. Mas é importantíssimo esse caos oriundo da criatividade infantil, porque dá conta de um tipo de experiência que a criança vive que não se dá na ordem, na fila, no círculo formado pelo adulto, no tempo cronometrado. Isso tem que ruir de vez em quando, até pra que a criança perceba a diferença entre as coisas e não acredite pro resto da vida que tudo se dá de forma ordenada, cronometrada.

“Poder entr universo qu pela criança enlouquecer rariamente a razão de l pouco.”

Por último, algo que a gente sempre pergunta nas entrevistas... O que você gostaria de ver quando entra em uma instituição de Educação Infantil? De imediato um espaço muito bem pensado pela escola, que não é solto, que não é largado, ainda que a gente venha lutando por momentos em que as crianças explorem livremente o es-


paço. Mas se esse espaço não for muito bem pensado pela escola, ele fica restrito a ser pensado pelos arquitetos, pela gestão municipal. Você vê pátios de escolas para crianças pequenas que parecem pátios para Ensino Médio. Numa escola de Ensino Fundamental I, você fala “vamos pra cancha!”. E aí as traves tem o tamanho pensado para um adulto, a tabela de basquete só pode ser usada pelas crianças maiores. Então, a primeira coisa que eu gostaria de ver quando eu entrasse em uma escola de Educação Infantil é uma escola pensada pras dimensões, pras condições de inteligibilidade, de movimento da criança. Especialmente, se possível, uma escola com árvores. Com grama, terra, um barranco. Mais do que ser um belo jardim, tem um bom barranco, onde de vez em quando pinte um formigueiro. De vez em quando bata um vendo e as folhas das árvores encham o chão, pras crianças irem lá mexer nas folhas. Isso também é riquíssimo e raras vezes a gente encontra isso na escola. Tem escolas que eu conheço que tinham árvores e já não tem, as pessoas cortam as árvores e colocam calçada.

rar nesse ue é criado a significa r tempoe, deixar lado um

Em segundo lugar, eu gostaria de ver brilho nos olhos dos professores. Professores querendo se mexer, querendo sair da cadeira, ir pra fora da sala de aula, sentar no chão. Querendo pegar a criança no colo, empurrar a criança no balanço, interagir com a criança. Essa imagem é muito bacana: os professo-

res estão vibrantes, estão em dia com a sua bioenergia. Eu me preocupo mais com isso até do que com a formação intelectual ou acadêmica. E eu sei que isso é fundamental e talvez seria a terceira coisa que eu queria ver, professores interessados por pesquisa e que queiram discutir, que produzam e escrevam. Que queiram que os seus relatos toquem o coração dos pais nas reuniões com as famílias. Então essa competência intelectual acho que seria a terceira coisa, que também é fundamental. •

Sobre Nélio Spréa: NÉLIO SPRÉA é doutor em Educação pela UFPR e palestrante atuante nos programas de formação pedagógica das redes municipais de ensino em várias regiões do Brasil. Já desenvolveu e coordenou dezenas de projetos sociais dirigidos a escolas públicas e comunidades carentes, atendendo gratuitamene mais de 60.000 crianças e jovens. Fonte: http://www.neliosprea.com.br/

Conheça outros trabalhos do nosso entrevistado Assistindo: O fim do recreio Brincantes Escola de Ensino Fenomenal

Lendo: Artigo “As Culturas infantis na cotidiana escola" 37


Saberes do Cotidiano 1 Arte como princípio das práticas educativas e da formação em contexto Geovane Gomes, autora Josiane Aparecida de Camargo Elias, Josiane Ribeiro Gastão, Solange Polera, colaboradoras CMEI Vitória Régia

Quando iniciamos a reescrita do PPP do Centro Municipal de Educação Infantil Vitória Régia, fizemos um esforço coletivo com a comunidade educativa para a escrita da carta de princípios. Nela, a arte ficou evidenciada como um princípio educativo para adultos e crianças. Desde então as formações que são trazidas para a equipe de profissionais e reuniões com pais realizadas em nossa unidade, trazem ampliações culturais e aprofundamento no estudo das linguagens artísticas. Foi fundamental neste processo a formação realizada por 2 anos subsequentes, oferecida pela Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (Formação

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de formadores: o direito da criança às expressões artísticas visuais com a professora Eva Tozato), bem como a formação anual realizada com a equipe do Núcleo Regional da Educação CIC, que me trouxe elementos fundamentais para atuar na formação docente. Dos estudos que realizei e que pude compartilhar com a equipe, avançamos no entendimento de que as crianças precisam cultivar experiências significativas (Augusto). Para que aconteça a experiência, algumas condições são indispensáveis neste processo: diversidade, continuidade e interações. Pois, sem estas condições disponibilizadas, estaremos oferecendo às crianças atividades destituídas de sentido e significado, propostas estéreis sem o compromisso com o protagonismo infantil, que caminham no sentido da escolarização. A experiência permite às crianças atuar cognitivamente sobre aquele objeto de conhecimento com o qual se aproximam diversas vezes. Este é o caso do desenho que acontece diariamente no cotidiano com espaço e tempo definidos na rotina. Aqui no CMEI ele acontece como atividade permanente


cípio educativo. Após levantamento no interior do coletivo docente escolhemos buscar aprofundamento sobre o que era frágil também nas trajetórias individuais de formação, consensuando acerca de temas que favoreceriam a formação da equipe como um todo.

e como canto de atividade que permite a autonomia da criança para desenhar. O desenho de memória, de observação, de imaginação, desenho com interferência ou desenho livre, são formas que buscam desafiar as crianças em seu percurso gráfico. Mas para além do desenho, o que estamos propondo de arte? A busca para trazer às crianças um trabalho com arte que fosse além do desenho, nos mobilizou enquanto equipe. Neste ano retomamos o processo formativo que, diferentemente dos outros anos, buscou valorizar ainda mais os saberes das professoras. Esta formação começou com o diagnóstico realizado por elas sobre questões que foram apontadas pela equipe pedagógica como fragilidades e que precisavam ser superadas. As questões para o diagnóstico foram pensadas durante os processos formativos realizados pela equipe pedagógica em conjunto com a avaliação do Plano de Ação do ano anterior. Para nortear as práticas educativas a serem planejadas elegemos a arte como prin-

Esse contexto formativo possibilitou o avanço nas práticas educativas em arte, que pôde ser revelado nas experiências que as professoras Josiane Elias, Josiane Gastão e Solange construíram com as crianças da turma de Pre I (3 a 4 anos), a partir de muitas interações e conversas com as crianças. Com ênfase na linguagem visual, foram realizadas explorações de diversos materiais dentre os quais: caixas de tamanhos diversos, papeis coloridos, argila, galhos, tintas, cola, entre outros. É interessante notar que a combinação de materiais disponibilizados às crianças interfere nas suas produções, de modo a produzir maior diversidade ou maior uniformidade. As explorações possibilitaram um avanço no processo criativo/ imaginativo da criança. Outro fator que interfere bastante nas explorações/produção das crianças é o repertório de leitura de imagens/objetos/vídeos que estão acessíveis a elas. Os estudos nos permitiram compreender que para evidenciar o ser poético que habita na criança (Ostetto) precisamos valorizar a liberdade de expressão e a conexão entre as diversas linguagens testando novas formas e materiais, para que possamos reparar suas formas de conhecer, apropriar-se do mundo e expressá-lo. Nesse sentido a arte contemporânea permite despertar a curiosidade das crianças e possibilitar maior interatividade entre as linguagens (Holm). 39


Saberes do Cotiano

As professoras relatam que durante as explorações dos materiais, as crianças planejavam o que iriam fazer, mas que ao longo da produção, mudavam o planejamento. Atribuem a este fato a possibilidade de manusear livremente os materiais e perceber que podem criar coisas muito além do que imaginam. É importante destacar que as próprias professoras percebem uma mudança no seu olhar durante o processo formativo. Josiane Gastão relata: “Tínhamos uma concepção que a arte era restrita a obras de artistas, porém a arte é ampla, e isso possibilitou e inspirou o trabalho com as crianças. Neste trabalho elas puderam expressar-se livremente e criar sua própria arte, com seu jeito próprio e peculiar. Percebemos que o interesse das crianças foi maior e mais significativo para elas do que se tivéssemos simplesmente apreciado uma obra.” As práticas necessitam de um movimento constante de reflexão na busca de fazer emergir o ser poético da criança. Hoje percebo que a escuta está mais atenta e pode ser percebida no relato das professoras ao falar sobre as experiências das crianças (os pareceres e portfólios são reveladores!); as interações estão sendo mais significativas para crianças e adultos, pois os professores pesquisam a partir das curiosidades das crianças e para aprimorar as experiências estéticas no planejamento, disponibilizam tempos, espaços e materiais organizados. E ainda é possível perceber que na realização das experiências, procuram investir no tocar e investigar para descobrir o mundo, o que implica em explorar cheiros, gostos, sons, temperaturas, texturas, imagens, entre outros, sempre num contexto que permita brincar com a imaginação. •

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Explorando, construindo e papeando...

"Construí um gigante que eu pintei, cheio de rodinha e coloquei fita." Quézia


"Foi divertido juntar pauzinhos e pedrinhas para colocar na argila." João Henrique

"Tava pintando a caixinha e colando. Eu fiz um guindaste." João Henrique

"Eu tava brincando com os piás... catando areia pra achar o bicho-pau." Eva

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Saberes do Cotidiano 2 "Quanta natureza cabe numa caixa?" Professor Alan Felipe da Silva Após muitas reflexões, discussões, debates, leituras e tentativas, assimilei e compreendi que as propostas com a natureza deveriam fazer parte do dia a dia das crianças nos espaços do CMEI. Porém, o desafio era como proporcionar este contato permitindo que as crianças se tornassem protagonistas,

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vivessem e sentissem a liberdade da natureza, a respeitassem e se divertissem com os elementos naturais em um ciclo no qual as atividades no papel, o material pronto, o não se sujar são em geral os aspectos mais valorizados aos olhos dos adultos. Esforçando-nos em vivenciar a desocupação do espaço interno, o ‘desemparedamento’, na maioria das manhãs as crianças foram convidadas a fazerem um passeio pelo CMEI. Saíamos da sala às vezes cantando, às vezes tentando silêncio para ouvir sons de pássaros, tentando entender o que eles conversavam ou até mesmo cantando para eles. Parávamos, observávamos e continuávamos percorrendo os espaços da unidade e sentindo o vento, o calor do sol ou até mesmo os respingos da chuva. Isso fez parte do star, do iniciar, afinal precisávamos de um passo de coragem para descobrimos novidades.


As diferentes vivências que vimos na docência compartilhada do Pré I B me fizeram lembrar do que uma colega me disse sobre quão maravilhoso é ser Professor de Educação Infantil porque a cada novo dia podemos ter a possibilidade de descobrir coisas novas e que isso pode ser muito divertido. Ponderei e aos poucos acreditei que sim, o que ouvi anteriormente poderia ser a mais pura verdade. No intuito de contribuir para um destes momentos de explorações e descobertas, carreguei uma mala de viagens para o CMEI. Uma das crianças assim que viu a mala me perguntou o que havia dentro. Contei que nela tinham algumas pedras e dando sequência a conversa, propus outra pergunta: Você já pintou pedras? Ele, me olhando com estranhamento e ar de outra pergunta me provocou a dizer: Sim, é isso mesmo, e não falo de pedras pequenininhas. Por que não dar novas cores às pedras? Foi algo bem

diferente e divertido e que nos incitou mais explorações acerca da nossa relação com a natureza. Enquanto discutíamos e repensávamos novas propostas que poderiam acrescentar significativamente para as crianças envolvendo os elementos da natureza, minha diretora sugeriu: Por que vocês não fazem a Caixa da Natureza? Caixa da Natureza? Indaguei no primeiro momento. Refletimos por um tempo se de fato esta proposta poderia ser interessante. Diante disso, antes de apresentar às crianças ou pedir que construíssem as suas, resolvi vivenciar essa experiência. Em um fim de tarde de domingo, peguei a bicicleta e refiz o caminho da escola. Já havia trilhado este caminho por oito anos consecutivos entre minha infância e adolescência. Logo no início do trajeto avistei um pé de bananeira, recordei-me que as folhas da bananeira podiam ser facilmente rasgadas e as

Você já pintou pedras?

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transformava em dinheiro no meu faz de conta. Encontrei pedrinhas do trilho do trem, que jogávamos em poças ou simplesmente carregávamos por um tempo. Flores que eu e meus primos julgávamos ser venenosas e que guardavam um liquido mágico, “o leite da flor”. Mamona, sementes e outros elementos tão simples, mas que revelavam a felicidade de brincar em meio a natureza, até sem perceber. Durante o percurso e a cada novo elemento que eu encontrava, novas lembranças vinham à tona. Lembrei-me de um tio querido, que já não está mais aqui, e que nos dias de chuva pisava em poças d’água só para espirrar em quem estivesse ao seu lado. Emocionei-me a cada novo item e vol-

tei para casa com a cestinha cheia. Na verdade, mais do que isso, voltei para casa com um sorriso de ponta a ponta, radiante por ter vivenciado aquele momento. Foi incrível notar como a natureza pode ser tão presente em nossas vidas. Com essa emoção e felicidade, construí minha “caixa da natureza”, levei para a turma, imbuído do desejo de que as crianças e suas famílias pudessem vivenciar algo tão mágico quanto a experiência que tive. Pedido encaminhado! A diversidade de caixas que chegou na nossa turma foi surpreendente, bem como o conteúdo que elas carregavam. Uma das famílias em viagem no final de semana que antecedeu o dia de levar a

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caixa para os amigos conhecerem, coletou uma espiga de milho que encontraram na estrada. Outra família tirou várias fotos do sítio do avô, nomearam item por item e colocaram todos estes registros em sua caixa da natureza. Na hora de contar o que ali estava, algumas crianças entusiasmadas compartilharam a experiência vivenciada, outras um tanto tímidas, apenas mostraram os itens que coletaram. Alguns pais relataram espontaneamente como foi se

envolver na proposta. Tais depoimentos serviram de inspiração para pedirmos a colaboração a todos os familiares em registrar por escrito como foi compor a caixa da natureza conjuntamente com sua criança. Os registros foram chegando e com eles criamos um caderno grande, colorido e revelador das conquistas que tivemos em conjunto – crianças, familiares e professores do Pré I B. Nesta trajetória fomos descobrindo tantas outras possibilidades - desenhar na areia, brincar com gravetos, misturar corante na água, modelar com argila de cores diferentes, observar as diferentes folhas, diferentes sons de animais, encontrar pequenos insetos, ter uma caixinha de areia na sala e tantas outras infinitas possibilidades, que podem trazer ainda mais vida e enriquecer as propostas pedagógicas. Inclusive, em um dos nossos passeios pelo CMEI encontramos em uma árvore um ninho de passarinho, mas essa história fica para outra hora. •

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A Educação Infantil na BNCC O que diz a Lei? Catarina Moro O que diz a Lei? Mediante os recentes dissabores quanto à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), se faz urgente discutir a importância da abertura do currículo na Educação Infantil para acolher as surpresas e a ação das crianças em seu processo de aprender. Por isso, parto do que está previsto na LDB, de 1996, revista pela Lei 12.796/13 (última modificação até o presente), para ressaltar a autonomia das instituições de educação infantil para uma “organização flexível de seu currículo” e escolha de seus “métodos pedagógicos”, tendo a firme intenção de assegurar aprendizados às crianças. Há alguns anos vimos debatendo sobre conceitos como “proposta pedagógica”, “projeto pedagógico”, em lugar de currículo. Mas mesmo antes da discussão e publicização das atuais DCNEI, em 2009, ficou evidente a necessidade de tensionar e articular estes conceitos. Assim, julgo importante reafirmar o expresso no Parecer CNE/ CEB nº 20/2009. sobre compreender o currículo para a Educação Infantil como o “conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico. Tais práticas são efetivadas por meio de relações sociais que as crianças desde bem pequenas 46

estabelecem com os professores e as outras crianças, e afetam a construção de suas identidades.” O texto da LDB, no Art. 8º, indica no parágrafo IV, a necessidade de estabelecer, “competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”. E em seu Art 26º reitera que tais currículos “devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.” Com isso, cabe a compreensão de que o estabelecimento de uma base nacional comum curricular (BNCC) não significa o “engessamento” das práticas e das suas explicitações em documentos no âmbito das unidades educacionais e nos fazeres pedagógicos cotidianos com as crianças, mas sim possibilitar parâmetros para a elaboração de seus currículos ad hoc, feitos no local pelos profissionais e comunidade implicados. Também no atual PNE – Lei nº 13.005/14, a estratégia 1.9 (Meta 1) avança no sentido de apontar um trabalho conjunto ao pretender “estimular a articulação entre pós-graduação, núcleos de pesquisa e cursos de formação para profissionais da educação, de modo a garantir a elaboração de currículos e propostas pedagógicas que incorporem os avanços de pesquisas ligadas ao


processo de ensino-aprendizagem e às teorias educacionais no atendimento da população de 0 (zero) a 5 (cinco) anos”. E, a Meta 7, sobre a qualidade da educação básica, destaca (estratégia 26) o compromisso de “consolidar a educação escolar no campo (...) consideradas as práticas socioculturais e as formas particulares de organização do tempo; a oferta bilíngue na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, em língua materna das comunidades indígenas e em língua portuguesa”; entre outras questões relativas aos equipamentos, à formação inicial e continuada e ao atendimento em educação especial. Ou seja, no PNE também ficam realçadas as necessidades de contemplar no estabelecimento dos currículos aspectos regionais e locais, sobretudo os educandos, salvaguardadas suas especificidades. Na Educação Infantil especialmente, requer-se do currículo abertura para contemplar (seja em seu registro escrito e, sobretudo, nas práticas diárias) o imprevisto; as possibilidades de “maravilhamento” com as descobertas sobre o mundo; as crianças nas suas particularidades, inteirezas e singelezas, em uma educação igualitária que reconheça as diferenças, sem produzir ou reproduzir desigualdades. •

o que propõe a política! Paulo Fochi e Catarina Moro Em setembro de 2015, os consultores da COEDI/MEC - Maria Carmen Barbosa (UFRGS), Zilma de Oliveira (USP), Silvia Cruz (UFC) e Paulo Fochi (Unisinos) - juntamente com a professora Rita Coelho (COEDI/MEC) percorreram mais de 17 estados e realizaram um número superior a 90 reuniões de trabalho e debate sobre a primeira versão do texto de proposição da BNCC para a Educação Infantil. A COEDI também recebeu contribuições feitas no portal da Base, assim como, os pareceres das leitoras críticas convidadas, professoras Eloisa Rocha, Tizuko Kishimoto, Vânia de Araujo e Sonia Kramer. Deste conjunto de contribuições foi elaborada a segunda versão do documento lançada em de maio de 2016, que foi debatida nos estados para depois tramitar no Conselho Nacional de Educação – CNE. Houve um desvio neste percurso decorrente da mudança no governo federal que, após a ratificação do golpe parlamentar, traz mudanças nas políticas, nas ações constituição das equipes nos ministérios, inclusive no MEC. A sociedade, por intermédio de alguns movimentos sociais – Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, entre outros – se interpôs e, para a etapa da Educação Infantil conseguiu fazer valer as discussões que vinham se efetivando desde a proposição da segunda versão com a participação de diversos interlocutores. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil – DCNEI (2009), 47


também exaradas pelo CNE, continuam sendo referências normativas fundamentais para se elaborar as propostas ou projetos pedagógicos da instituições. E agora com o texto finalizado da BNCC temos mais especificações acerca do compromisso educativo das instituições que atendem a etapa até os 6 anos, detalhando e indicando os “direitos de aprendizagem e desenvolvimento” e os “campos de experiências” para esta etapa. A partir das muitas solicitações para que os bebês e as crianças maiores da educação infantil fossem tratadas em suas especificidades, a redação dos

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objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para a EI na BNCC foi apresentada em três grupos etários: bebês (0-1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 6 anos e 2 meses). Essas idades não devem ser compreendidas de forma rígida, apenas representam as diferenças e semelhanças entre as diferentes idades que envolvem a educação infantil. Para nós da Educação Infantil, o documento representa um momento importante de fortalecimento da compreensão dessa etapa como a primeira da educação básica. Isso, no entanto, não


significa perder as especificidades desta etapa em que envolve a participação dos bebês e das crianças pequenas em instituições educativas. Por isso, ao invés do arranjo curricular estar organizado em áreas de conhecimento – como é o caso do ensino fundamental e ensino médio (ainda não está concluído) – a educação infantil propõe 5 campos de experiências: • O eu, o outro e o nós; • Corpo, gestos e movimentos; • Traços, sons, cores e formas; • Escuta, fala, pensamento e imaginação; • Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. (BNCC) Por intermédio dessa organização

em campos de experiências a BNCC entende estar assegurada a efetivação dos direitos a • conviver, • brincar, • participar, • explorar, • expressar e • conhecer-se; também apresentados no documento. Por fim, sabe-se que o grande desafio pré-existente e que se recoloca a partir do documento da BNCC é a garantia do trabalho pedagógico na educação infantil. Isso envolve refletir a respeito das condições dos espaços, da gestão do tempo, da oferta dos materiais, da relação entre crianças e adultos, das formas de acompanhamentos das crianças ao longo do seu percurso nas instituições e, também, da reflexão na formação inicial e continuada dos professores. Não menos importante é mencionar o fato de a transição da educação infantil para o ensino fundamental continuar sendo uma situação de grande complexidade e ainda sujeita a problemas, pois a BNCC manteve a organização curricular em áreas do conhecimento para todos os anos do ensino fundamental, desde o primeiro ano e encurtou o tempo para que as crianças se apropriem do “sistema de escrita alfabética” e das “quatro operações matemáticas” (Resolução CNE/CP nº 2/2017, Art. 12). Para nós da EI cabe fortalecer nossos argumentos para resistir as pressões de antecipação da escolarização das crianças de 4 e 5 anos. •

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Fique por dentro

RESENHA DO LIVRO

A Educação nas Múltiplas Linguagens das Artes

Carol de Kácia (oraganizadora)

"Por meio da arte o ser humano expressa e objetiva a realidade, a fim de entender suas necessidades, quer sejam elas de questionamento da realidade, proposição de mudanças nessa realidade, conhecimento dessa realidade ou expressão de suas subjetividades as mais diversas possíveis, dentre outras necessidades." (BENMUYAL; RODRIGUES, 2016, p. 97)

Vamos conversar sobre Arte? Sobre Arte e Educação? Sobre as Artes aliadas à educação? Então, venho por meio desta fazer mais um convite... Mas primeiro... Talvez recordem que na edição anterior falávamos sobre (re)encantamento e descobertas, apresentando um texto que problematizava o papel das artes na vida das crianças, tendo por assunto a canção para as crianças . Pois bem! A obra de hoje não fala de encantamento, assim tão diretamente, mas ao ler os seis artigos que a compõe, foi-me impossível não voltar às lembranças do outro texto já lido... Isso porque além de argumentar, enfatizar e problematizar a importância do ensino das artes ao longo da educação básica, ainda deixa entrever, nas suas muitas linhas, que seus autores também se preocupam em proporcionar a 50


muitos/as um olhar de deslumbramento com o mundo a sua volta. E como esse tema nos é tão caro, decidimos seguir pelo mesmo caminho e continuar falando de Arte ou das Artes (Sim! Artes, porque sempre é bom lembrar que ela se manifesta em variadas linguagens) e fazer o convite para que continue neste percurso conosco... Penso que o trechinho lá em cima enfatiza o quão importante se faz o ensino das artes nas instituições de ensino e resume o objetivo geral da obra organizada por Carol Kácia, por isso a destacamos na epígrafe e a escolhemos para continuar a caminhada. No interior do livro “A educação nas múltiplas linguagens das artes” percorremos um trajeto que nos leva para o mundo das artes visuais, passa pelo recanto da contação de histórias, segue para o palco da dança, vira na direção da educação musical e da música para a educação infantil e chega ao espaço das artes no processo de ensino-aprendizagem da educação de jovens e adultos. Neste caminho, temos por guia autores que nos fazem transitar por ponderações teóricas, esbarrar em possibilidades práticas e vislumbrar algumas curiosas experiências educativas. Ainda, é possível formar ou ampliar um repertório que fundamente, com as reflexões e indicações apresentadas, a prática pedagógica no ensino das artes. Além disso, ancorada na perspectiva de que o acesso às múltiplas linguagens artísticas ajuda no desenvolvimento cognitivo e socioemocional das crianças, jovens e adultos, a composição do livro atende uma necessidade que se faz presente nas instituições de ensino: pensar estratégias didáticas para a utilização das Artes no ensino.

Convite feito! Afinal para quem chegou até aqui, não custa nada dar mais alguns passos e enfrentar o desafio de continuar com os olhos abertos e dispostos a se deslumbrar. •

Franciele Ferreira França, é doutoranda em educação, na linha de História e Historiografia da Educação, PPGE/UFPR

Para Saber Mais

Vídeo de lançamento do livro Eco-Arte de Anna Marie Holm

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Virei o Baú

Memórias da Educação Infantil

Pensar o currículo na Educação Infantil, pensar as práticas de educação da criança

A proposição da Base Nacional Comum Curricular, para a Educação Básica, com os descompassos e sobressaltos decorrentes das mudanças políticas continua incluindo o segmento da Educação Infantil. Ao voltarmos nosso olhar para a constituição de espaços formais para o atendimento à crianças pequenas fora do ambiente familiar, podemos traçar alguns marcos brasileiros, como a criação do primeiro jardim de infância no Rio de Janeiro, em 1875. Segundo demonstra Maria Helena Camara Bastos (2011), este espaço causou burburinhos na sociedade, pois a “ideia de Educação Infantil ainda não estava suficientemente incorporada ao debate pedagógico no século XIX, era como se a sua existência ameaçasse o papel da família ou a própria função da escola primária” (BASTOS, 2011:01) . Anos se passaram, com mudanças quanto ao atendimento e práticas, geralmente assistencialistas. Na década de 1970/80 os movimentos sociais passaram a reivindicar creches públicas e gratuitas, o que permitiu uma ampliação no atendimento e no entendimento de que a criança estava no centro do interesse educativo dos adultos. O reconhecimento na legislação de que a criança é 52

um sujeito de direitos e de que a Educação Infantil comparece como primeira etapa da Educação Básica (Constituição de 1988 e LDB nº 9.394/96) contribuiu para o fortalecimento de um debate sobre o currículo que deve ser levado em consideração nessa etapa.

Imagem 2: Degraus no banheiro para a criança ter independência Fonte: Boletim União Panamericana, nº59.


Imagem 1: Exibição de um quarto de brinquedos em uma loja Fonte: Boletim União Panamericana, nº59

Revirando o baú, encontrei um artigo de Rowna Hansen , escrito em 1933, nos Estados Unidos, mas que foi traduzido e circulou aqui na década de 1930 e depois em 1970. No século XIX, o referido autor ganhou o título de specialist in kindergarten, escreveu livros e participou de congressos sobre educação infantil. O interessante nesse texto é que o autor apresenta uma criança que “pensa e raciocina (...), que reflete o ambiente do lar” e, como tal, deve ser reconhecida pelo grupo familiar que precisa proporcionar a ela não somente os cuidados físicos, mas condições adequadas que a preparem para a entrada na escola. A intenção é demonstrar que a criança seja instruída por meio do brincar. E, para isso, é importante que ela tenha um espaço próprio na casa, onde possa dispor de objetos e brinquedos. O autor faz uma lista de quais seriam estes objetos, indo desde materiais comuns, como cola, jornais, revistas, tintas, até os menos

utilizados, tais como: madeira, pregos, lã, barro para modelagem, etc., tudo que possa fornecer “incentivo para variadas ocupações que podem empolgar a atenção da criança por várias horas”. Complementam as orientações: escutar música, dançar, encenar histórias, ter degrau no banheiro. Uma reflexão que passa da casa para a instituição de educação infantil: como organizamos e pensamos a efetivação do currículo no espaço? Deixemos aberto o debate... • 1 BASTOS, M.H.C. A primeira escola. Revista de História. Disponível em: www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/a-primeira-escola. 2 HANSEN, Rowna. Actividades Educativas para a Creança no Lar. Revista Infância, ano 2, nº11. HANSEN, Rowna. Actividades Educativas para a Creança no Lar. Boletim da União Panamericana. Washington, US: União Panamericana, número 59.

Etienne B.L. Barbosa é doutora em Educação pela UFPR.

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Vi(r)agens e Vir-ações Poéticas Pontinho de Vista “Eu sou pequeno, me dizem, e eu fico muito zangado. Tenho de olhar todo mundo com o queixo levantado. Mas, se formiga falasse e me visse lá do chão, ia dizer, com certeza: - Minha nossa, que grandão!” Pedro Bandeira

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