Revirei nº5 2018

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ReVirEI REVISTA VIRTUAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL N° 5 - 2018

Entrevista

Uma incrível conversa com Graça Lima sobre como ela pensa e cria suas ilustrações e muito mais!

Virei o Baú A literatura infantil no Brasil (1890-1920)...

Virando o mundo... A brincadeiras como eixo central do projeto pedagógico.

Saberes do cotidiano Bebês e suas relações com os espaços externos e Repensando o currículo da Educação Infantil 1


Caixa Carregamos pela vida afora os cheiros dos encontros raros, dos acontecimentos, da nossa primeira casa, do quintal, se houve quintal, da mãe na cozinha, dos sonhos quando acordamos. Se houvesse uma caixa para guardá-los, seriam nosso tesouro. E então, em dias de saudade, abriríamos nossa caixa e mergulharíamos como num túnel do tempo. Roseanna Murray

ReVirEI Revista Virtual de Educação Infantil

Dicas para sua Leitura: use o modo de tela cheia e aproveite para clicar nos links.

Expediente: Coordenação: Catarina Moro Edição e Diagramação: Rayana Costa, Franciane Barbara Colaboradores: Franciele Ferreira França, Ettinene B. L. Barbosa, Gioconda Ghiggi Revisão: Catarina Moro, Franciane Barbara, Rayana Costa NEPIE - Núcleo de Pesquisas e Estudos em Infância e Educação Infantil Setor de Educação- UFPR UFPR - Universidade Federal do Paraná

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Editorial

Seguimos com a publicação da ReVirEI, às retomadas!

Nessa edição número 5, sempre agregando contribuições de e com diferentes interlocutores no intuito de compartilharmos ideias, práticas, reflexões com vocês leitoras e leitores interessados na partilha e na ampliação de conhecimentos sobre Educação Infantil. Bem no comecinho aqui ao lado inauguramos esse número com um poema de Roseanna Murray, pois a poesia nos nutre e o que seríamos nós, se a Arte e sem “essa Arte poética”... As questões tematizadas nesse número da ReVirEI são plurais e ao mesmo tempo realçam a importância da literatura literária nas práticas educativas cotidianas na Educação Infantil, tanto pela articulação com a linguagem escrita enquanto objeto do conhecimento desde quando as crianças são bebês e ainda pequenas, quanto pela importância da presença da imagem, como narrativa independente ou interdependente na relação com a narrativa escrita. Nossa gratidão imensa a Graça Lima, nossa Entrevistada, autora e ilustradora de livros de Literatura Infantil, premiada várias vezes. Também agradecemos: Andreana Giubergia, Claudia Cavallo e Maria Grazia Capra, por nos contarem, na seção Virando o Mundo, sobre a abordagem que desenvolvem na Pré-escola de Trinità, na Itália, na qual a brincadeira ocupa lugar central no projeto pedagógico; as colegas e professoras Elisa Dalla Bona e Greice Ferreira da Silva pela discussão acerca da literatura e a criança e da articulação com a linguagem escrita na seção Vendo&Revendo; as colegas Ana Júlia Lucht Rodrigues e a Kátia Luciana Luz Sampaio pelos relatos de seus trabalhos na seção Saberes do Cotidiano; as colegas e professoras Adriana Dragone Silveira e Soeli Pereira pelas contribuições nas seções O que diz a lei? e O que propõe a política! Ao grupo de alunas, ex-alunas, colegas que formam a sustentação da ReVirEI: Gioconda Ghiggi, Francielle F. França, Etienne B. Louzada, Sheila Hahner, Franciane Barbara e Rayana Costa, uma saudação especial pela contínua presença e apoio em tantos passos e descompassos no intento de manter viva essa nossa produção coletiva. Na seção de encerramento - Vi(r)agens e Vir-ações Poéticas - um poema do Mia Couto, porque sentimos o tempo todo e muito o que está acontecendo e o que nos dispomos em nossos dia-a-dia a viver e enfrentar.

Catarina Moro Dúvidas? Pedidos? Sugestões? Críticas? Entre em contato conosco pelo e-mail revirei.ufpr@gmail.com 3


Presenças ne Elisa Dalla-Bona

Foi enfeitiçada pela leitura literária quando assumiu a função de professora numa escola municipal de Curitiba que havia recebido várias caixas de livros de literatura infantil. Como era professora da turma do pré-escolar, acharam que ela seria a única a usar aqueles livros que, felizmente, foram depositados na sua sala de aula, aí junto com seus pequenos alunos descobriu o que é o prazer de ler. Gostou tanto que desenvolveu sua tese de Doutorado em Educação sobre o tema e adora o seu trabalho com a literatura infantil no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná, onde é professora.

Adriana Aparecida Dragone Silveira

Professora Adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR), atuando nos cursos de graduação e pós-graduação. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Mestre e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Exigibilidade do Direito à Educação da UFPR. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais da UFPR. Integrante do Fórum de Educação Infantil do Paraná (FEIPAR).

Soeli Terezinha Pereira

Graduada em Pedagogia pela Universidade Positivo (UP/PR). Mestre e Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Linha de Pesquisa em Políticas Educacionais do Programa de Pós-Graduação da UFPR. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre Exigibilidade do Direito à Educação da UFPR. Integrante do Fórum de Educação Infantil do Paraná (FEIPAR) e do Comitê Diretivo Nacional do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB).

Graça Lima

Possui doutorado em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFRJ(2012); mestrado em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2000). Atualmente é professora adjunta na ESCOLA DE BELAS ARTES / UFRJ. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em ilustração de livros infantis, atuando principalmente nos seguintes temas: artes, desenho, livro infantil . Possue 4 premios jabutis e mais de 50 outras premiações na area editorial.

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essa edição Greice Ferreira da Silva

Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho campus de Marília - SP. Partilha a coordenação do Grupo de Estudos da Infância: Teoria e Práticas (GEINTEPRA) com a Prof. Dra. Suely Amaral Mello na Unesp/Marília e membro do Grupo de Pesquisa Processos de leitura e de escrita: apropriação e objetivação (PROLEAO) liderado pelo Prof. Dr. Dagoberto Buim Arena. Atualmente é Professora Adjunto do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Pesquisadora no Grupo de Pesquisa Leitura, Biblioteca Escolar e Mediação Pedagógica nessa universidade. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: alfabetização, leitura, escrita, Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Kátia Luciana Luz Sampaio

Pedagoga Formada pela Universidade Positivo. Especialização em psicopedagogia, Modalidades de Intervenção na Aprendizagem e cursando Psicomotricidade Relacional. Alfabetizadora e atualmente sou Orientadora de Aprendizagens da Educação Infantil no Colégio Nossa Senhora Medianeira desde 2009. Tenho me dedicado aos estudos sobre a Infância e a criança pelo viés da Sociologia da Infância e sobre o processo de Leitura e escrita na educação Infantil.

Ana Júlia Lucht Rodrigues

Formada em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná com graduação sanduíche pela Universidade de Barcelona. Atualmente mestranda do Programa de Pós-Graduação da UFPR. É membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil - NEPIE/UFPR. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Infância e Educação Infantil.

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8.

Fique de olho

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Virando o mundo...

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Vendo e Revendo

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Entrevista

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Saberes do cotidiano

48. 50.

O que diz a lei ? O que propõe a política!

Apostando na brincadeira como eixo central do projeto pedagógico

Falando de livros 26. Linguagem Escrita e Literatura Infantil Graça Lima

Meu quintal é maior do que o mundo 43. Entre a necessidade e os desafios de (re)pensar a concepção de infância, criança e currículo na educação infantil

Sobre "a atuação proffissional na" e "o direito à" educação infantil

52. Fique por dentro Por uma literatura sem adjetivos

54. Virei o Baú Ouvir histórias e ler imagens: A literatura infantil no Brasil (1890-1920)

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Fique de Olho Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil Essa Coleção é fruto de um projeto em parceria com o MEC, realizado entre os anos de 2013 e 2015. Constitui-se de nove cadernos e um encarte e objetiva a formação de professoras/es da Educação Infantil com foco na linguagem oral e escrita. O material foi escrito por diferentes autores e conta com ilustrações riquíssimas de Graça Lima, Mariana Massarani e Roger Mello. Há uma página web na qual você poderá conhecer mais o Projeto, ler e salvar cada caderno da Coleção.

100 livros infantis com meninas negras A Luciana Bento, da página A Mãe Preta criou o Projeto 100 livros infantis com meninas negras . Com o propósito de trazer visibilidade para as meninas negras na literatura infantil, o projeto apresenta diversas indicações de livros de literatura infantil.

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Livro: Josefina quer ser bailarina

A autora Claudia Souza, apresenta seu livro: “Josefina declara que quer SER bailarina e imediatamente a família se movimenta no sentido de oferecer-lhe um curso de dança, apesar de todas as esfinges que isso implica para cada um, individualmente (desde a logística do deslocamento nas grandes cidades até questões econômicas e de saúde). Cada adulto vai reagindo segundo suas próprias concepções sem, contudo, considerar a proposta real da menininha, o seu desejo, a sua demanda, que no final vai se revelar em toda a sua exuberância. “Josefina quer ser bailarina” é um livro profundo, para ser lido em família e trabalhado em classe através de conversas sinceras e instigantes: este o nosso convite a todos os leitores“.

Documentário Mitã Com direção de Alexandre Basso e Lia Mattos, o documentário aborda o universos da infância em diferentes regiões do país. Documentário, Brasil, 2013, 52 min Direção/Roteiro: Lia Mattos, Alexandre Basso Fotografia: Alexandre Basso Produção: Espaço Imaginário

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Fique de Olho

NOTICIAS Esse foi mais um ano de muitos bons trabalhos, dentre ações cias e Linguagens”, o seminário e o curso de extensão sobre comemoração de 10 anos de existência do nosso Núcleo 26 de abril e da Profa Adriana A. Silva, da UDESC, no mês de junho, dia 18. Os temas estão destacados em cada cartaz, como vemos aqui.

O sexto ano de reuniões do FEIPAR,

como ação extensionis ta na UFPR, organizado pela Professora Angela Coutinho pautou entre algumas questões a atuação dos Conselhos Municipais de Educação, a profissionalidade da docência na Educação Infantil, a BNCC e o Referencial Curricular do Estado e decisão do STF quanto a data corte para o ingresso no Ensino Fundamental. A edição do Ciclo de palestras desse ano, organizada pelas Professoras Angela Coutinho e Catarina Moro, contou com as presenças da Profa Natália Fernandes, da Uminho/Portugal, no dia 26 de março; do Nélio Spréa, produtor cultural e músico de Curitiba, no dia

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S dO NEPIE e reuniões do FEIPAR, palestras do Ciclo “Educação, Infânnarrativas, literatura e educação infantil e ainda o evento de na UFPR. No NEPIE estamos e somos felizes e fortes!!! Nos dias 26 e 27 de junho realizamos o 1° Seminário “Narrativas, Infâncias e Literatura”, com organização da Profa Catarina Moro, das alunas de pedagogia da UFPR – Sheila Hahner, Kátia Sampaio, Patrícia Monteiro, Franciane Bárbara e Rayana Costa e da doutoranda Franciele Ferreira França. A finalidade do evento foi debater e valorizar a literatura literária no cotidiano das práticas educativas em instituições de educação infantil para as crianças, desde bebês. Foram seis oficinas com formadores de diferentes instituições de Curitiba: 1) Maneiras Brincantes de levar a Sensibilidade para Gestos Cotidianos – Thiago Dominoni 2) Bonecas de pano: em defesa de uma infância mais simples – Andréa Cordeiro 3) Laboratório de investigação em narrativas visuais – Anna Legroski e Ana de Almeida Tezza 4) Palavra-viva: As narrativas além da voz – Guga Cidral Boslooper 5) Vozes negras na literatura infantil Sara Brown, Cido Vasconcelos e Ândrea Barbosa 6) Ler tem hora? Que tal agora? - Deyse Campos

E duas mesas-redondas, com apresentação cultural no início de cada uma: Em 26/06/2018, a noite, iniciamos com Carlos Moreira nos contando histórias. Em seguida tivemos a primeira Mesa-redonda - Profa. Mônica Correia Baptista (UFMG) Graça Lima, autora, ilustradora e professora da UFRJ Yaguarê Yamã, autor indígena amazonense. Na manhã do dia 27/06/2018, as atividades tiveram início com a apresentação poético-musical “Acalantos de Ar e de Pedra” com Suzie Franco, Etel Frota, Érica Silva e Priscila Graciano. E logo após a segunda Mesa-redonda - Profa Patrícia Corsino (UFRJ) Sônia Rosa, autora carioca, Márcia Széliga, autora e ilustradora paranaense. 11


Ao longo do segundo semestre de 2018 desenvolvemos o curso de extensão “Narrativas, Infâncias e Literatura na Educação Infantil”, juntamente e para 36 professoras e pedagogos das redes públicas de 14 municípios da região metropolitana de Curitiba - Agudos do Sul, Araucária, Bocaiúva do Sul, Campo Magro, Campo Largo, Cerro Azul, Fazenda Rio Grande, Lapa, Piên, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco do Sul e São José dos Pinhais. O curso foi coordenado pela Profa Catarina Moro, que também atuou como formadora, assim como Da-

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niele Marques Vieira, Franciele Ferreira França, Katia Luciana Luz Sampaio e Célia Regina Ferreira da Silva Ianisk. Presencial com atividades letivas e culturais, perfez ao longo do semestre 120 horas e teve como base a proposição e os livros do Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil. Ao final do curso as/o participantes organizados por município, apresentaram uma proposta de formação continuada a ser realizad a nas suas redes.


O evento comemorativo de 10 anos do NEPIE, além da programação acadêmico-científica contou com a belíssima apresentação cultural de Liane Guariente e Levi Brandão com canções portuguesas da mais alta qualidade, tendo uma “palinha” do Prof. Guilherme Romanelli.

uma vez minha eterna orientadora: temos um casamento que deu certo! Volto ao Rio de Janeiro com o desejo de que o Nepie possa continuar atuando e perseverando, apesar do atual cenário político! E que continue tocando vidas...” (depoimento de Etienne L. B. Barbosa via Facebook do NEPIE)

E teve ainda lançamento de livros! “comemoração dos 10 anos do Nepie Ufpr. Sou grata à professora coordenadora do NEPIE e minha orientadora, Gizele de Souza, por ter participado dessa história desde o nascimento do núcleo. Gizele, professoras Catarina e Angela, sempre nos ensinando e compartilhando conosco seus conhecimentos e vida. Foram tantos projetos, seminários, parcerias, pesquisas... tantos risos e choro… tantos alunos/alunas e professores/professoras!!!! E passou rápido...esses 10 anos voaram, mas foram intensos!!!! Da iniciação científica, na graduação, ao doutorado! Como disse

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Virando o mundo...

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Apostando na brincadeira como eixo central do projeto pedagógico

Esse texto foi originalmente escrito por Andreana Giubergia, Claudia Cavallo e Maria Grazia Capra professoras da Scuola dell´Infanzia di Trinità. Há aproximadamente dez anos a instituição vem realizando uma pesquisa sobre "brincar, cultura infantil e educação para a democracia" em colaboração com Anna Bondioli e Donatella Savio, da Universidade de Pavia. Agradecemos as autoras a cessão do texto para a nossa publicação. Fotografias: Maria Grazia Capra Tradução: Catarina Moro Revisão: Daniele Marques Vieira

Há alguns anos optamos por trabalhar com a brincadeira simbólica ou de faz-de-conta como o principal elemento do nosso projeto educativo, verdadeiro ponto de partida para os processos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. A pré-escola de Trinità, região de Fossano, na Italía, trabalha em grupos abertos (não organizados

por turmas), que são criados e transformados de acordo com os interesses e relações entre as crianças e com as necessidades e possibilidades observadas pelas professoras para cada situação educativa. Nosso objetivo não é oportunizar o brincar para depois propor uma atividade; ou observar a brincadeira escolhida

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pelas crianças para inserir conteúdos que achamos que elas devam aprender. Diferentemente disso, todos os dias, as crianças têm muito tempo para brincar, em espaços concebidos para tornar o faz de conta mais enriquecido, com materiais adequados. Os materiais podem ser estruturados ou reaproveitados/adaptados, com a característica de poderem ser modificados de acordo com os interesses

des enquanto as crianças brincam. O modelo observacional praticado é contextual e descritivo. A professora está dentro do contexto, às vezes dentro da própria brincadeira, outras em uma posição mais isolada, e tem a tarefa de descrever (usando papel e lápis) o que vê. No início do ano letivo, observa-se principalmente a identificação das brincadeiras, interesses e agrupamentos que as crianças vão fazen16

das crianças que estão envolvidas na situação da brincadeira. Os adultos, durante o tempo da brincadeira tentam estar disponíveis para as crianças; colocando-se em relação, alternando momentos em que eles brincam junto, por vezes, assistindo, estando disponíveis para organizar materiais, ouvir o que têm a dizer ou ajudá-las no que for necessário. As professoras não se ocupam de outras questões, ativida-


Virando o mundo...

do. As brincadeiras que surgem são identificadas pelos adultos e discutidas com as crianças, podendo vir a definir os projetos de cada grupo de brincadeira. Nessas primeiras brincadeiras as crianças trazem assuntos, tópicos, eventos, temas que vivenciaram e que de alguma forma as impressionam. As professoras, analisando as observações, identificam modos de brincar e agrupamentos comuns que são formados em torno desses temas emergentes. As próprias crianças fazem uma primeira seleção; os professores, após uma leitura cuidadosa das observações, prosseguem em etapas:

comunicam as brincadeiras que viram acontecer e envolver a maioria das crianças; perguntam àquelas que brincaram sozinhas, ou em grupos muito pequenos, ou que frequentemente mudaram sua brincadeira, para avaliar em qual grupo elas gostariam de ficar. O número de salas e de professoras existentes também é considerado para decidir quanto grupos de brincadeiras serão ativados. No decorrer do projeto, por outro lado, observamos a curiosidade, as questões, as junções, os problemas que emergem durante a evolução das brincadeiras. Em cada grupo as crianças brin17


Virando o mundo... cam, organizam e reorganizam o cenário e os elementos necessários para aquele momento da brincadeira e depois refletem para melhorá-la, enriquecê-la, criando conexões que ajudem a desenvolver um enredo narrativo mais rico e divertido. Durante cada ocorrência da brincadeira, os adultos brincam, observam, se colocam disponíveis para encontrar materiais, conectam as iniciativas de cada uma, permitindo que outras crianças percebam a experiência que está acontecendo perto delas e decidam se vão participar ou não.

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Todos os dias em que ocorre a brincadeira de faz de conta, a professora, ao seu final, dedica um tempo para conversar com as crianças sobre, permitindo que o grupo de crianças coloque as palavras em ação, oferecendo suporte para o aprofundamento da reflexão e comunicação entre elas. A observação que o professor faz, geralmente é lida para crianças, pois isso agrega valor ao próprio jogo. Nessa assembleia de discussão, o adulto pede esclarecimentos e faz perguntas que ajudam a continuação da experiência tomando cuidado para não deixá-


-las prosseguir exclusivamente de acordo com os desejos e pensamentos individuais, mas tendo em conta o trabalho do grupo todo. A reflexão sobre os problemas encontrados na brincadeira leva à formulação de hipóteses que serão verificadas quando as crianças brincarem novamente. A professora acompanha as crianças na concepção de objetos e instalações úteis para melhorar a brincadeira, apoiando a cooperação. Ao longo da jornada, adulto e crianças constroem a história do projeto, o resultado é uma documentação, na qual adultos e crianças, tornam visí-

veis os caminhos de formação o que permite apreciar as aprendizagens individuais e grupal. Esta prática responde à ideia de uma criança ativa e construtora do próprio conhecimento. A partir de seus interesses, a criança tem a oportunidade de iniciar um caminho de investigação. Para que isso aconteça, a professora é chamada a participar estando implicada, promovendo a partir da brincadeira, de dentro, às vezes oferecendo-se como modelo, às vezes ajudando a criança a criar para as descobertas seguintes. 19


FALANDO DE LIVROS A LITERATURA INFANTIL E A CRIANÇA PEQUENA

O livro é a casa onde se descansa do mundo. O livro é a casa do tempo é a casa de tudo... (Murray, 1994) As práticas de leitura na escola parecem ganhar cada vez mais espaço na tentativa de formar crianças que tenham o gosto, o hábito e o prazer pela leitura. Professores empreendem esforços para que as crianças se interessem pelos livros e pela literatura infantil. Falam de livros às crianças, mas muitas vezes não criam as condições necessárias e adequadas para que as crianças desde mui20

Greice Ferreira da Silva to pequenas estabeleçam relações intensas com o livro e as ideias que ele traz. Não permitem que os livros “falem” às crianças e que elas os percebam como a “casa onde se descansa do mundo”, como diz o poema. Ao pensar na literatura infantil na escola e as práticas que a envolvem, a primeira pergunta que surge é: Como a literatura é apresentada às crianças? E desse questionamento inicial se desdobram outros: Quais materiais de leitura são disponibilizados? Como os professores organizam as situações de leitura no que se refere aos tempos e espaços? Como as situações de leitura são planejadas e qual a periodicidade na qual ocorrem?


texto para que ela possa criar a leitura. A literatura infantil é uma produção propriamente humana considerada, antes de tudo, uma manifestação artística que ocorre por meio das palavras. A arte retrata a cultura e a história da humanidade, pois representa a vida, a sociedade, o homem, as ações do cotidiano. “No encontro com a literatura (ou com a arte em geral), os homens têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida” (COELHO, 2000, p. 28). Nas obras literárias há diversas releituras da realidade. O indivíduo, ao entrar em contato com essas representações, expande seus conhecimentos culturais ao se apropriar da história e da cultura da humanidade contidas nessas obras. A leitura literária desenvolve capacidades psíquicas como a imaginação, a atenção, a memória, o raciocínio, pois ao apropriar-se da palavra do outro, o pequeno leitor imagina situações que não testemunhou. O pequeno leitor imagina situações, ações, falas, baseado em suas experiências, no que já viu, ouviu, sentiu, percebeu, no que constitui a

Vendo e Revendo

No intuito de tentar responder a es sas questões, há alguns aspectos que precisam ser considerados. Dentre eles está o fato de como os professores entendem a leitura e a literatura desde a pequena infância. Ao entender a leitura como compreensão, como interlocução e como prática cultural (ARENA, 2010), entende-se que ler é atribuir sentido ao escrito, é dialogar com o texto, com as ideias presentes nele. Quando a criança entra em contato com o texto – mesmo que a princípio seja pela voz do professor ou outro leitor mais experiente – aprende a lançar mão do que viu, ouviu, experimentou, viveu, para estabelecer relações com o texto e com o autor. Essas relações contextuais são “fundamentais para o processo de leitura como ação de compreensão e de atribuição de sentidos” (ARENA, 2010, p. 22). Quando o professor coloca a criança desde o princípio em contato com textos de qualidade, quando ensina a criança a pensar nos enunciados, a buscar as pistas nas ilustrações e na própria narrativa ouvida e quando ensina a criança a questionar o texto e a encontrar as respostas no próprio enunciado, o professor ensina as condutas de um leitor. O ato de ler consiste em ensinar a criança a ter uma atitude ativa perante o enunciado, como opinar, levantar hipóteses, extrair informações e questionar o

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sua história, a sua vivência. Assim, o pequeno leitor imagina baseado naquilo que já se apropriou e naquilo que se apropria da cultura humana. Desse modo, o leitor ao lidar com os enunciados presentes na literatura, desenvolve sua imaginação e “quanto mais intensa for essa apropriação, mais imaginação desenvolverá” (ARENA, 2010, p. 31). Por essa razão, pode-se dizer que a literatura infantil atua no processo de formação do pensamento, pois amplia e auxilia o psiquismo infantil no processo de significação, “tanto de formação de conceitos e informações, quanto em termos de vivências pessoais, de atribuição de sentidos, de uma mais complexa forma de relação com a realidade” (BISSOLI, 2008, p. 3). A criança, ao estabelecer relação com o livro de literatura, cria um vínculo com a história ali contida e experimenta diferentes emoções como tristeza, alegria, surpresa, angústia que contribui para que compreenda os enunciados. A literatura infantil permite o contato com o mundo por meio da pala22

vra do outro, recria acontecimentos do cotidiano, da realidade social, e em seus enunciados, a criança depara-se com diferentes conflitos. Vale ressaltar ainda que experiências enriquecedoras com a literatura infantil contribuem para o processo de apropriação da leitura e da escrita pelas crianças. “Ler, em especial, literatura infantil, não seria uma ação posterior à aprendizagem do ato de leitura, mas a própria e específica ação de apropriação desse ato cultural” (ARENA, 2010, p.39). Por meio do contato com a literatura infantil, a criança tem acesso à linguagem escrita que impulsiona o ato de ler. O manuseio de livros, antes mesmo de compreender o que está contido nas obras literárias, motiva a necessidade de leitura, assim como a participação em diferentes situações de leitura em que as crianças podem ouvir histórias, dar opiniões e pensar sobre elas. Planejar com intencionalidade as situações de leitura envolve a necessidade de organizar os tempos e os espaços destinados a esse fim, para que, desde cedo, as crianças percebam que existem diferentes materiais, diferentes modos e diferentes lugares para ler e percebam a leitu-


ra como uma prática cultural. Espaços, tempos e materiais organizados intencionalmente propiciam oportunidades propulsoras de um desenvolvimento amplo da criança. Promover o acesso a livros de qualidade imagética e textual, permitir que as crianças também escolham, manuseiem e observem os livros, e dar à leitura o “horário nobre” na escola da infância é fundamental para que a criança reconheça a essencialidade da leitura e da escrita e deseje se apropriar delas. Para isso, o professor quando apresenta os livros de literatura infantil, deve conhecê-los e selecioná-los previamente considerando a qualidade dos textos e ilustrações. Dessa maneira, poderá ensinar os meios para a criança fazer as antecipações diante do texto, ensiná-la a fazer previsões e escolhas. Nesse processo deve também saber ouvir suas opiniões e impressões sobre o que ouviu, sentiu, compreendeu. Se a criança puder conviver com a leitura e a escrita, a princípio realizadas pelo professor, enquanto vive muitas experiências significativas em que possa se expressar através das diferentes linguagens, ela se apropriará da leitura e da escrita de forma motivada e não imposta ou de forma mecânica. Se a escola deseja que a criança desenvolva o gosto, o hábito e o prazer

pela leitura, cabe ao professor criar a necessidade de ler nas crianças e revelar a literatura infantil a cada dia na escola da infância. Ler muito para e com a criança. Quanto mais contato e diálogo o pequeno leitor tem com a literatura mais domínio terá sobre ela garantindo o seu ingresso e participação ativa na cultura escrita. Ao adentrar nos livros de literatura infantil a criança encontra um universo em que transbordam ideias, personagens, emoções e a própria vida. Assim, as crianças desde muito cedo perceberão, como diz a poetisa Roseana Murray, que “o livro é a casa do tempo, é a casa de tudo...”.

Referências: ARENA, D. B. A literatura infantil como produção cultural e como instrumento de iniciação da criança no mundo da cultura escrita. In: SOUZA, R. J. et al. Ler e Compreender: Estratégias de leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2010, p. 13-44. BISSOLI, M. F. Questões sobre leitura e formação de professores: algumas reflexões. Linha Mestra, Campinas/SP, vol. 2, n. 8, mai/jun 2008 Disponível em: < http://alb.org.br/arquivo-morto/linha-mestra/revistas/revista_08/art2_08.asp.htm l> . Acesso em: 26 jan. 2018. COELHO, N. N. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 2000, p. 27-32. MURRAY, R. Receita de acordar palavras. São Paulo: FTD, 1999.

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Vendo e Revendo

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Vendo e Revendo

Linguagem Escrita e Literatura Infantil

Desafios e impasses dessa relação Elisa Dalla- Bona

Ao tratar sobre “a importância da literatura na Educação Infantil e a relação com o aprendizado da linguagem escrita”, dividirei a questão em duas partes. Sobre a primeira acredito haver consenso entre professores quanto a importância da literatura. Os argumentos favoráveis se referem: - ao seu potencial de humanização, ou ao processo que confirma no homem seus traços essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexi-

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dade do mundo e dos seres, o cultivo do humor (BARBOSA, 2011); - ao seu papel libertador por ser um fecundo instrumento para formar ou transformar as mentes; - ao seu potencial educativo por ser considerada vital para o desenvolvimento cognitivo e afetivo do ser humano. A segunda parte do enunciado não me parece tão consensual quanto a primeira. A relação da literatura infantil com o aprendizado da linguagem escrita envolve uma polêmica que tem sido perversa para a fruição, para o prazer de ler, enfim, para a formação de jovens leitores e alunos-autores. Pois, há os que acreditam que não há problema em transformar o literário em pretexto para a alfabetização, selecionando obras com textos e poemas dedicados às letras do alfabeto e às repetições silábicas e, aquelas que abordam os diferentes gêneros textuais como o bilhete, o convite, a receita. Tudo isto


numa “embalagem” muito colorida e “supostamente” atraente ao público infantil. A nosso ver, embora em apresentação que lembra a dos livros de literatura infantil, estas obras não são de fato literatura, mas a antiga cartilha agora em novo formato. O aprendizado da linguagem escrita não pode se sobrepor ao literário, sob pena de se perder todo o seu potencial anunciado no primeiro parágrafo deste texto. No texto literário existem lacunas, vazios, zonas de sombra a serem preenchidas pelo leitor e são organizadas deliberadamente pelo autor. Este é um tipo de texto que sempre diz mais do que se lê explicitamente. É um texto que provoca desestabilização, é provocativo e instigante. Ele se abre sobre o imaginário e remete o leitor para outros mundos possíveis, supera e transforma a realidade do leitor. O texto literário nunca está acabado, considerando que cabe ao seu leitor, por meio de sua imaginação

e experiências, completar as lacunas do texto. O texto literário é repleto de implícitos, de insinuações, de não-ditos que são um convite para a interação com o leitor. O autor apresenta ao leitor uma série de orientações, de estratégias textuais e o leitor é um coautor que completa o trabalho de criação do autor. O texto literário contém um jogo que reivindica um parceiro - o leitor – que num exercício interpretativo constrói os sentidos da obra (ISER, 1996). O que estamos querendo enfatizar é que a literatura infantil tem um enorme potencial que extrapola e muito, o aprendizado da linguagem escrita e que uma criança não busca um livro para aprender os mecanismos da alfabetização, mas para exercer o seu direito da coautoria, se deliciar com a leitura, compreender melhor a si mesma e o mundo que a cerca. Assim, a relação da literatura infantil com o aprendizado da linguagem escrita tem que ser pensada na perspectiva do letramento literário. Como nos ensina Magda Soares (2004): quando a criança vai se apropriando do sistema linguístico em situações contextualizadas (em livros de literatura infantil, por exemplo), ela vai aprendendo que a língua escrita tem um funcionamento so-

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Vendo e Revendo 28

cial, pois serve para agir no mundo. Letrar literariamente significa criar as condições para que os leitores usufruam de uma prática de leitura distinta, não-funcional, determinada pelo gosto, pelo desejo de ler. Esse leitor não lê movido exatamente por objetivos práticos como o de obter alguma informação, ou adquirir conhecimento sobre matéria de interesse, ou para se alfabetizar. Trata-se de um leitor que descobriu um potencial particular da leitura: a leitura como espaço de entretenimento, de prazer e de reflexão sobre o humano. (BARBOSA, 2011) Mas o tema deste texto encerra mais um desafio, que é pensar sobre a importância da literatura na Educação Infantil e a relação com o aprendizado da linguagem escrita. Então, toda a reflexão que fizemos até aqui precisa ser contextualizada no ambiente “escolar” das creches e pré-escolas e seu compromisso com os aspectos educativos da primeira infância. Utilizo as aspas em escolar para realçar as especificidades desta etapa educional, na qual predominam as atividades lúdicas e se enfatiza o desenvolvimento do imaginário e da fantasia das crianças. Neste caso, faz sentido relembrar a Pedagogia do Imaginário, sugerida por Jacqueline Held (1980). A autora diz que a opção por uma Pedagogia do Imaginário não é para o professor que

vai em busca dos livros com propósitos didáticos, para uma instrução a curto prazo, que satisfaz porque "edifica" e "informa" e quer dar à criança conhecimentos prontos, acabados e imediatamente mensuráveis. Aqueles que optam por uma Pedagogia do Imaginário entendem que a literatura infantil age subterraneamente e a longo prazo, pois ela é um fermento secreto que age sobre a sensibilidade, a imaginação e o intelecto; desenvolve na criança a sua atitude de liberdade criadora diante das imagens, das ideias e das palavras; é fonte de maravilhamento, de reflexão pessoal, de espírito crítico, porque toda descoberta de beleza nos torna exigentes e, mais críticos diante do mundo. Rildo Cosson (2014) foi um autor pioneiro no Brasil ao tratar sobre o letramento literário e, entre outras coisas, ele nos ensina que o letramento literário envolve a leitura e a escrita de textos literários. E, assim, nos perguntamos: Como viabilizar o letramento literário na educação infantil? Não há dúvida de que é preciso aprender as regras de funcionamento da língua (escreve-se da esquerda para a direita, distingue-se vogais de consoantes, pode-se formar sílabas, pala-

vras, textos, usa-se pontuação etc.), mas a fonte motivadora para uma criança entender os mecanismos da escrita literária não está nesse apren-


dizado, senão nas obras literárias já existentes, no conjunto de obras a que teve acesso. Assim, a criança ao imaginar uma história de sua autoria vai, inicialmente, se organizar na intertextualidade, ou seja, nas relações que ela estabelece com outros escritos, com textos que conheceu e com suas histórias de vida. No caso da criança pequena, como essa experiência é ainda restrita, num primeiro momento, o importante é ensiná-la a imaginar a trama da história, a verbalizar o que se passa com os seus personagens, em que ambientes e como os problemas que eles enfrentam são resolvidos para chegar a um desfecho das situações “vividas”. Mas trata-se de um aprendizado diferenciado da linguagem es-

crita, pois possibilita o encontro da criança com a língua em sua forma mais complexa e variada - a literária. Referências: BARBOSA, B. T. Letramento Literário: sobre a formação escolar do leitor jovem. Educação em Foco. Revista da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, n. 1, mar./ago., p. 145-167, 2011. COSSON, R. Círculos de leitura e letramento literário. São Paulo: Contexto, 2014. HELD, J. O imaginário no poder. 2 ed. São Paulo: Summus, 1980. ISER, W. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. 2 v. São Paulo: Editora 34, 1996. SOARES, M. Letramento. Um tema em três gêneros. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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Entrevista

Graça Lima Ilustrou mais de 100 livros. Entre eles "Cadê?", "Vizinho, Vizinha", "Abare", "Sai da Lama Jacaré". Recebeu inúmeras premiações, a mais recente foi a Estrela de Prata do Prêmio Peter Pan, concedida pelo International Board on Books for Young People, Suécia, referente ao livro "A Boca da Noite". O mesmo livro já havia vencido, em 2017, em duas categorias do Prêmio Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil "Criança" e "Melhor Ilustração", também ficou em 3° lugar na categoria "Livro infantil" do Prêmio Jabuti no mesmo ano. Também é professora na Escola de Belas Artes, da UFRJ. 31


Entrevista

Qual é sua percepção sobre a trajetória da ilustração na literatura literária no Brasil? Ela passa a ter uma presença mais efetiva no início do século XX, antes disso os livros eram ilustrados e impressos em Portugal e então trazidos para o Brasil. No início deste século, a gente vai ter o primeiro livro impresso e ilustrado aqui no Brasil, pelo Richter, um tcheco naturalizado brasileiro, “O patinho feio”. Franz Richter trabalhou muitos anos para a editora Melhoramentos e ilustrou toda a coleção Biblioteca Infantil. Durante um primeiro momento,

Ilustração de Richter, livro O patinho feio, 1915

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Ilustração de Richter, livro O patinho feio, 1915

vamos ter livros muito próximos da estética europeia, como eram trazidos aqui. Nos anos 50 há um grupo de artistas visuais que faziam de tudo, entre eles Portinari, Santa Rosa, Paulo Wernek e o grupo de grandes ilustradores do Rio Grande do Sul, da Editora Globo - Nelson Faedrich, João Fahrion - que trabalhavam a modernidade no livro. Há uma maravilha esquecida feita por esses artistas. Nos anos 70 vamos ter uma grande virada do livro como objeto de consumo. Livros que eram destinados para a família, passam a ser produzidos para o jovem leitor, o recém alfabetizado. Poucas palavras, muitas narrativas por imagem. Livros de formatos variados, em papeis diferenciados, com encadernação canoa, sem costura e lombadas, refletem uma maior popularização do livro. Temos o FLICTS, do Ziraldo marcando essa virada numa edição em capa dura, em seguida os livro da coleção Gato e Rato, do


Eliardo e da Mary Franca e os trabalhos do Gian Calvi. Nos anos 80 Regina Yolanda, Rui de Oliveira, Jô de Oliveira, Angela Lago, Ciça Fittipalidi, Ricardo Azevedo, Eva Furnari, Claudia Scatamachia, Alcy, Michelle entre outros iniciam uma nova maneira de fazer o livro. Na década de 90 com o Brasil se revendo na abertura democrática, uma nova proposta de configuração visual do livro vem com pesquisas que fortalecem a cultura nacional, há uma nova virada, inclusive na parte de sofisticação do produto impresso. As gráficas com máquinas de melhor tecnologia produzem melhor e o livro tem um upgrade de produção. Roger Mello, Mariana Massarani, Ivan Zigg e Marcelo, Guto Lins, Marilda Castanha, Nelson Cruz, entre os quais me inclu, marcam essa produção. Em final dos anos 90, inicio de 2000 OdilonMoraes aparece com suas aquarelas, André Neves, Fernando Villela, Andres Sandoval trazem diferentes experimentações para o livro e daí para frente temos uma enorme variedade de projetos editoriais de boa qualidade assim como também uma enorme variedade de publicações sem valor visual ou de texto… Para você o que seria um bom livro? É um livro em que a pessoa se apaixona pela narrativa, tanto da imagem,

quanto do texto, é aquele livro que ela não quer largar e lê até o fim, independente de conceito de gosto. Então acho muito difícil dizer o que é um bom livro, um bom livro precisa ser pensado sempre em relação ao leitor. Qual a função da ilustração nos livros de literatura infantil? Na verdade, não tem uma função, tem um casamento com o texto, um compromisso de dançar junto com ele e de contar aquela história que está sendo proposta. Para você como seria um bom trabalho de ilustração? É meio complicado falar o que é um bom trabalho de ilustração, por ser relativo ao meu gosto pessoal. Mas, independente disso, eu acho que um trabalho de ilustração consciente, é aquele que faz muita pesquisa antes de ilustrar e domina a narrativa. Porque a ilustração é narrativa. E, também, aquela ilustração que não faz uma coisa estereotipada, mas procura sempre superar o trabalho óbvio, tem um encantamento e tem uma novidade. Você é uma autora e ilustradora experiente no universo da literatura infantil. O que você considera importante na relação 33


Entrevista

entre texto ilustração? Como isso se dá quando o texto é de um outro autor? Justamente essa coisa poética, esse encantamento, essa fantasia que vem unindo o texto e a imagem. Quando eu ilustro o texto de alguém, o que eu acho interessante é que leio aquilo e faço a minha versão daquela história. Acho importante sempre tentar não ser literal, não fazer aquilo que o escritor obviamente escreveu, ou seja, uma história de cachorro, você faz e a pessoa fala “ah mas o cachorro que eu queria não era esse…" Eu não devo fazer o cachorro do escritor, devo tentar entender e ampliar, dar formas do inesperado para quem escreveu e isso não quer dizer que o ilustrador deva fazer qualquer porcaria e que isso seja válido. Geralmente quando o texto é bom, fica tranquilo a gente conseguir um diálogo com as duas narrativas. Muitas vezes o texto é muito melhor que as imagens e outras as imagens melhores do que o texto, enfim deve se procurar um equilíbrio de construção e às vezes, a opção de conversas com escritor é boa. Como é o seu trabalho de ilustradora? Você poderia comentar sobre como você vê a articulação entre imagem e texto?

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No meu trabalho, eu faço uma pesquisa muito grande antes de criar, tem uma coisa quase extracorpórea que vai nascendo, fica uma gestação em cima da minha cabeça, onde as ideias vão se formando em imagens. E à medida que aquilo vai se formando, eu vou cada vez pesquisando mais, juntando essa pesquisa e esboçando, depois desse esboço eu faço os desenhos reais para concatenar dentro do livro. Eu não tenho um método muito formal, mas vou meio que fazendo a partir desse momento em que essa pesquisa toda se dá em um corpo de ideias. Depois sento e desenho até o final. Não faço "boneco"… não tenho paciência. O processo, para mim, é o que se dá de imediato e se preciso, ali naquele momento, corrijo. Além de ilustradora você cria narrativas visuais. Como você diferencia essas duas criações? O que o ilustrador cria são narrativas visuais . Eu crio narrativas verbais também. Geralmente, costumam ser econômicas em palavras e sempre tenho uma ideia visual que vai puxar a palavra e a palavra puxar outras imagens. Desde a concepção até a publicação, como é o processo de


leitura de um livro de literatura infantil? A concepção é isso que eu falei, a gente recebe um texto escrito, faz muitas pesquisas sobre o que vai ilustrar, esboça, lê muito, faz uma coisa chamada de boneco, que é um livreto protótipo estruturando a diagramação e entrada de texto. Espelho também é uma marcação, para livro infantil, que a gente faz de uma maneira fácil, você faz a marcação de página e o que vai entrar em cada página antes de ilustrar, pra você saber a divisão de páginas. Acontece antes de fazer o boneco. Feito o boneco se leva para o editor, o editor faz suas observações e, dali se inicia a execução das artes. Eu trabalho em papel, faço a finalização no computador, mas não crio digitalmente como o Rogerio Coelho, que faz tudo magistralmente no digital… essa geração nova quase toda faz assim. Como foi a sua participação e da equipe de ilustradores, da qual você faz parte, na produção do material para formação de professores do Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil? O que você achou da proposta? Olha, esse foi um projeto muito apai-

xonante, foi muito legal fazer e posso dizer que eu fui cada vez mais me apropriando e me apaixonando pelo que estava acontecendo, à medida que eu fui, tanto convivendo com a equipe, que é maravilhosa, quanto lendo o material para diagramar e ilustrar. O material é uma preciosidade, falo isso porque recebo muita coisa pra ilustrar com a mesma proposta e, geralmente, é algo que resolvo graficamente, mas não me emociona como foi ler o material dessa coleção. Ele acredita na leitura como formadora e formada de muitos saberes e isso é genial, não é uma visão rasteira ou imediata. São pessoas mito bem formadas, com experiências muito enriquecedoras. Atualmente, quais são as questões do mercado editorial em relação ao livro de literatura infantil? O mercado editorial, hoje, me chama atenção porque tem um número muito grande de editores formados em marketing, e não me parecem com uma bagagem expressiva em literatura, design, artes, não são grandes leitores e nem grandes consumidores de artes em geral. Não consigo entender como uma pessoa pode fazer uma escolha de texto e imagem de qualidade se ele não consome teatro, cinema, balé, artes visuais em 35


Entrevista

geral, experiência que permite que se produza o objeto livro, fora de estereótipos. Se o editor não é um leitor de texto, também, é bem difícil escolher bons textos para publicar. Os cursos de formação também são fracos. Nossa história editorial e da literatura ou da imagem, não é reforçada. Pouca gente tem uma bagagem estruturada para ser um bom editor. Acho que, as polítcas governamentais sobre o livro e a leitura são fundamentais para a formação de todos da cadeia do livro - do produtor ao leitor. As editoras por sua vez, não podem depender só de compras governamentais, tem que ter um plano de comercialização e de formação de leitores próprio, um trabalho muito amplo de bibliotecas e mediadores de leitura. Se não tem isso, não rola, não adianta fazer livro. O mercado tem uma enxurrada de porcarias e muito pouca coisa que vale a pena, porque essa formação e essa colaboração é muito frágil. Pra terminar, tem um aspecto que eu gostaria muito de comentar que é o seguinte, pra você ser um escritor ou um ilustrador, carece de tempo e de formação, não é qualquer um. As pessoas tem um afã de se tornar escritor, ilustrador ou de publicar um livro, muito pela “questão da celebridade”, a gente vive em um momento em que todo mundo quer ser

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famoso, quer fotografar, colocar no facebook e falar “olha, isso que eu fiz” e não importa muito se aquilo tem qualidade ou não. Então somos uma sociedade de reality shows, você existe se você está se expondo o tempo todo na rede… o tal marketing que cria verdadeiros "descerebrados" que batem palmas o tempo todo e dizem: Você merece, você merece… Tudo é sucesso se você está na rede… isso me causa uma tristeza enorme porque deixamos de ser humanizados por nossas percepções, deixamos o que importa de lado, que é produzir algo de qualidade para ser semente no mundo. Muitas vezes em idas a escolas ou em situações em que estou com a criança leitora me deparo com a pergunta: -Você é rica e famosa? Vindo de uma criança é engraçado, mas contextualizando no momento atual é grave como a mídia constrói valores…

SUGESTÕES DE -> LEITURA a seguir


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u q i l (C

s

en g a m

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ks n i l e

Artigos * Livro de Imagem: três artistas narram seus processos de criação de narrativas visuais Hanna Araújo e Lucia Reily * Moderno desde criancinha: antropofagia no livro ilustrado brasileiro contemporâneo de Claudia Mendes

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Saberes do Cotidiano 1 Meu quintal é maior do que o mundo Ana Júlia Lücht Rodrigues

Diariamente, as crianças habitam o quintal, explorando percursos com o seu corpo, pisando em poças com suas botas de borracha ou sentindo a grama por sob os seus pés descalços. A exploração do espaço externo da escola, no contato 38

com a natureza e em suas possibilidades para o movimento livre, é parte de um pensamento pedagógico que acredita nas potencialidades deste espaço e em tudo que ele diariamente oferece para os bebês e crianças que circulam pela escola.


Os bebês são donos deste espaço externo tanto quanto as crianças maiores. Eles chegam no quintal lentamente. Alguns caminham com seus passos inseguros, explorando neste trajeto a sua capacidade de movimentação e aprendendo esta

habilidade. Outros, já transitam com maior segurança e se movimentam com mais agilidade entre os espaços. Há aqueles que preferem ir junto às professoras, em seus colos, e encontram sob a sombra das árvores o aconchego em meio à natureza.

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Saberes do Cotiano Dois bebês se entregam a um momento de exploração de uma flor. Cada qual com suas habilidades de movimentação, eles se aproximam: olham, tocam, cheiram, observam… De modo completo e a partir das cem linguagens (Loris Malaguzzi) eles elaboram hipóteses sobre o mundo que os cerca e fazem perguntas que os ajudam a compreender a si mesmos.

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Em outro momento, eles encontram um amontoado de folhas secas da castanheira e sentem e escutam sobre os pés descalços o farfalhar das folhas. Tocam e observam as cores, as texturas, as temperaturas diversas que os rodeiam. Jogam as folhas ao alto e sentem a chuva de folhas que cai sobre eles.


Explorando, construindo e papeando...

Eles ainda buscam modos de se locomover de um canto ao outro. Encontram posições corporais confortáveis para suas explorações e buscam constantemente o equilíbrio. Conquistam e exercitam sua autonomia ao fazerem escolhas, ao observarem ao outro e a si próprios neste espaço e ao interagirem com os diversos objetos naturais disponíveis ao seu redor.

Este relato declara a importância e a relevância de que todas as crianças, de todas as idades, tenham a possibilidade de explorar o mundo a partir de suas intenções e desejos, se envolvendo em suas investigações com sutileza e determinação. Também nos fala sobre a importância da construção de uma proposta que respeita os tempos e os desejos de aprendizagem das crianças.

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Elas nos conduzem à suas próprias descobertas e cabe a nós, educadores, observá-las e escutá-las atentamente para favorecer o aprofundamento das suas aprendizagens... e a condução de nossos planejamentos a partir dos interesses das crianças. Devemos permitir que elas explorem de modo livre os espaços que as nossas escolas têm a oferecer, seja um pequeno espaço com areia ou um grande espaço no gramado, sob a sombra de uma árvore...Há um sem fim de aprendizagens possíveis nestes lugares e cabe a nós permitir que elas aconteçam. Os nossos quintais são maiores do que o mundo!

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Saberes do Cotidiano 2 ENTRE A NECESSIDADE E OS DESAFIOS DE (RE)PENSAR A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA, CRIANÇA E CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Kátia Luciana Luz Sampaio Fazemos parte de uma Instituição Jesuíta de Curitiba, em que o Projeto Político Pedagógico prevê, a formação permanente de seus educadores. A Instituição tem como premissa que o educador ao participar do processo de formação ofertado pela instituição, seja sujeito ativo da construção da proposta pedagógica, desenvolvendo assim o papel de autor do currículo com o qual trabalha. O espaço de formação permanente ocorre todas as quartas-feiras a noite, nas quais são intercaladas reuniões de estudos e trocas de planejamento. Um dos objetivos deste processo de formação continuada é estabelecer relação com o contexto macro e micro no qual estamos inseridos e, por estes estudos serem de análise crítica sobre a realidade, o grupo da Educação Infantil começou a se questionar sobre as práticas pedagógicas e sobre o currículo, o qual era estruturado por disciplinas, como no Ensino Fundamental. A partir deste olhar crítico sobre a práxis e o currículo, o grupo juntamente com a equipe pedagógica se colocou aberto a novos

olhares. Diante dos questionamentos buscou-se aprofundamento teórico numa leitura de contexto sobre a Educação Infantil, juntamente com os estudos da Sociologia da Infância, o que resultou em inquietações do grupo sobre as concepções de Educação Infantil, infância e criança. Diante dos apontamentos sobre a concepção de infância e criança, percebemos que cada uma delas traz consigo uma concepção de sociedade, situada num momento histórico. Embora saibamos que o momento histórico atual é de uma sociedade pós-moderna e a concepção de Infância que coloca a criança como um ser incompleto e em processo de desenvolvimento para a fase adulta

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continua vigorando na sociedade, fazendo parte muitas vezes da nossa prática. Os estudos da Sociologia da Infância nos mostraram a concepção de infância e criança enquanto categoria geracional, a qual reconhece a criança como ator social. E se a criança é um agente desta sociedade, a escola tem proporcionado que esta criança seja ouvida? Diante deste e de outros questionamentos o corpo docente foi encontrando respostas para as questões sobre a práxis e o currículo da Educação Infantil. Ao analisarmos a proposta Pedagógica da Educação Infantil da instituição em relação aos Estudos da Infância, percebemos que a mesma estava - pautada numa concepção 44

de criança como ser biopsicólogico, embora no corpo do seu Projeto Político Pedagógico e no discurso do seu corpo docente defenda-se a ideia de uma concepção biopsicossocial. A partir da leitura do contexto contemporâneo e dos estudos sobre a infância, especialmente os da Sociologia da Infância, a instituição juntamente com seu corpo docente revisitou seu projeto, percebendo a necessidade de uma reestruturação curricular em relação à concepção de Educação Infantil, infância e criança por ela adotada. Contudo, os estudos e a prática nos mostram que não é apenas uma questão de reestruturação curricular, mas é preciso que a mudança nas con-


cepções reflitam na práxis pedagógica, considerando a criança como ator social e produtor de cultura. Com os estudos e reflexões tendo como horizonte os estudos da Sociologia da Infância, as Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (MEC 2009), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e o PEC (Projeto Educativo Comum da Rede Jesuíta de Educação) o grupo discute e elabora uma nova proposta curricular, a qual rompe com o modelo de pensar a Educação Infantil como um preparatório para o Ensino Fundamental. Além da reestruturação curricular, estamos vivenciando uma mudança na práxis pedagógica, na

elaboração dos planejamentos e na estruturação física das salas de aula, reflexo das discussões sobre os estudos da Sociologia da Infância. É preciso ressaltar que esta mudança não acontece de forma imposta, é necessário romper com paradigmas estruturados da nossa formação pessoal e profissional, para poder entender que criança é um sujeito de direitos e um ser social ativo. Ressaltamos que a experiência de fazer parte deste projeto é única, à medida que veio contribuir para o nosso desenvolvimento enquanto profissionais e sujeitos sociais, para entender e explicar as nuances que envolvem o fazer pedagógico face aos desafios contextuais em que a

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escola contemporânea está imersa. Os estudos nos permitiram compreender a crianças enquanto sujeitos do processo de aprendizagem, conforme relato da professora Luciana Hreisemnou da turma do Infantil 5:

Percebo as crianças mais envolvidas com a aprendizagem que se tornou de fato significativas à elas por participarem na escolha do que vamos pesquisar, quais conhecimentos querem buscar ou ampliar. Com essa abertura à participação da criança na construção do planejamento, percebo que os temas estão mais abrangentes, superando os objetivos propostos trazendo temáticas que oportunizam a formação integral e que como professora talvez nem traríamos como objeto de estudo.

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O aprofundamento sobre os estudos também sensibilizaram os professores com relação as práticas:

Sair da postura mais formal de professor e literalmente ir para o chão, brincar, correr, não dar respostas e descobrir juntos, se sujar e entrar no imaginário com as crianças me fizeram repensar o modo como as crianças aprendem.

A equipe pedagógica também percebe que a Identidade da Educação Infantil dentro da instituição foi fortalecida, gerando sentimento


de pertença por parte do grupo de professores. Pois, este tem autoria dentro dos processos pedagógicos. Continuamos neste processo de aprofundamento sobre a Educação Infantil, infância, criança e currículo, e sabemos que um dos maiores desafios será dar visibilidade ao projeto à toda a comunidade educativa. Neste sentido, o espaço que a Educação Infantil tem ocupado dentro da instituição tem sido fundamental para a consolidação desta reestruturação curricular.

Referências: BRASIL. Base Nacional Comum. 2016 (2ª versão). BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Resolução nº 5/2009 da CNE/CEB, de 17 de dezembro de 2009. Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2010. PEC – Projeto Educativo Comum da Rede Jesuíta de Educação – 2016. Edições Loyola

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Sobre "a atuação proffissional na" e "o direito à" educação infantil O que diz a Lei? Adriana A. Dragone Silveira Soeli T. Pereira

O direito à educação infantil é uma conquista recente na trajetória de direitos das crianças brasileiras até os 6 (seis) anos de idade. Esse direito só foi garantido na Constituição Federal de 1988 (CF/1988) em seu Art. 208 ao declarar que “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”. E foi a partir dessa garantia constitucional que a educação infantil passou a ser considerada como primeira etapa da educação básica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9394/96 (LDB) no seu Art. 21 quando define que: “A educação escolar compõe-se de: [...] educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino 48

médio”. A faixa etária para matrícula na educação infantil foi alterada para crianças até 5 (cinco) anos de idade a partir da Lei nº 11.274/2006 que ampliou a duração do ensino fundamental para nove anos, com início aos 6 (seis) anos de idade sendo incluída na CF/1988 por meio da Emenda Constitucional n.º 53. Sobre essa faixa etária, especialistas da área e militantes pelo direito à educação infantil, a exemplo do MIEIB, defendem que as crianças devem permanecer na educação infantil até completar 6 (seis) anos de idade mediante a perspectiva do direito destas em vivenciar plenamente a infância e as experiências dessa etapa educacional, evitando a entrada precoce no ensino fundamental. Essa discussão foi objeto de atenção do Con-


selho Nacional de Educação (CNE) - órgão máximo que normatiza as questões relacionadas à educação brasileira nos diferentes Sistemas de ensino - e que, por meio do Parecer n.º 07/2010, Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica e da Resolução n.º 05/2009, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, estabeleceu que todas as crianças que completam 6 (seis) anos de idade após a data de 31 de março devem ser matriculadas na educação infantil. E foi depois de muitos questionamentos legais acerca dessa faixa etária que, em 01/08/2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou pela constitucionalidade da data de 31 de março, conforme o anteriormente definido pelo CNE. Assim sendo, o CNE normatizou a regra com a publicação do Parecer n.º 02/2018, Diretrizes Operacionais complementares para a matrícula inicial de crianças na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, respectivamente, aos 4 (quatro) e aos 6 (seis) anos de idade, orientando os Sistemas de ensino estaduais e municipais para normatizar a questão e cumprir a data corte estipulada. Contudo, essas garantias legais têm sido permeadas

de contradições, uma vez que não basta o acesso das crianças às Instituições de educação infantil, mas sim a garantia de que esse atendimento seja ofertado com qualidade, um dos princípios previstos no Art. 206 da CF/1988 e entendido como direito de todas as crianças. Em análise à legislação específica, partimos do pressuposto de que, se a educação infantil é etapa da educação básica e está inserida dentro da política educacional brasileira, logo, a atuação profissional no atendimento pedagógico às crianças nesta etapa deve ser garantida via contratação de profissionais professores, com a formação mínima exigida em lei, avançando para a formação em nível superior. A LDB 9394/96 indica no Artigo 62 que, para o exercício do magistério na educação infantil, as/os profissionais devem ter formação mínima em nível médio, modalidade normal ou formação em nível superior. Para essa garantia, a União, os estados e os municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, continuada e a capacitação dos profissionais de magistério. Logo, a responsabilidade para 49


que os sistemas municipais de ensino garantam a contratação de professores com a devida formação para a educação infantil deverá ser compartilhada entre esses entes, promovendo avanços para essa garantia como a implementação de políticas de formação inicial e continuada com vistas à qualidade da oferta e não promovendo retrocessos em relação ao previsto em lei. Importante ressaltar que, para além da formação mínima prevista na LDB, nos últimos anos avançamos com a inclusão de estratégias específicas sobre a formação inicial das/os profissionais da educação infantil no Plano Nacional de Educação (Lei nº 13005/2014 PNE 20142014) e em muitos planos estaduais e municipais. Ressaltamos aqui o caso do estado do Paraná e da sua capital Curitiba, com a previsão nos respectivos Planos de Educação de contratação progressiva de professoras/es com formação em nível superior (Lei nº 18492/2015 - PEE/PR) e com a garantia de que, até o ano de 2020, o atendimento na educação infantil em Curitiba seja realizado por profissionais com formação em nível superior. (Lei nº 50

14681/2015 – PME/Curitiba – Meta 1, estratégia 1.11). Tais garantias devem ser consideradas um avanço na legislação específica e o poder público, nas diferentes esferas, cumprindo com o seu papel enquanto Estado deverá viabilizar para que todas e todos que atuam na docência na educação básica, atendam o critério legal quanto à formação mínima exigida.

o que propõe a política! Catarina Moro

Dentre os desafios que os municípios enfrentam para a formulação e implementação de políticas de Educação Infantil está o de respeitar, reafirmar e reforçar o compromisso com a legislação e as políticas nacionais e também com as normas dos Sistemas de ensino a que estão afetos. A oferta de educação infantil em instituições educacionais públicas e gratuitas está relacionada a presença de profissionais com formação específica. Sobre a habilitação das/os profissionais da educação infantil, a especificidade dessa etapa educacional, que inclui a indissociabilidade das ações de cuidar/educar, exige a for-


mação em magistério, nível médio, devendo avançar para a ampliação do quadro de profissionais com formação superior. É importante ressaltar que tais profissionais atuam/ atuarão com crianças até os 6 (seis) anos idade e tal atuação requer conhecimentos e saberes pedagógicos específicos, para que a professora ou professor tenham condições de planejar e realizar as práticas educativas cotidianas com as crianças. Algumas vezes as iniciativas de gestores públicos vão de encontro ao que está disposto em lei, contrapondo de modo evidente ou tentando driblar o que está predisposto, em busca de alternativas que em verdade descumprem as indicações legais. Recentemente, prefeitura e Secretaria Municipal de Educação de Curitiba, manifestaram a intenção de contratação de profissionais sem formação específica e encaminharam ao Conselho Municipal de Educação tal proposição, que nega o direito às crianças em ser atendidas numa perspectiva pedagógica por profissionais especializados, o que compromete a qualidade de atendimento da educação infantil no município. A proposição representa um retrocesso em relação à trajetória de conquistas e da busca de qualidade para essa etapa educacional e fere a lei Nº 14.681,de 24 de junho de 2015, que aprovou o Plano Municipal de

Educação, sem falar na desvalorização da profissionalidade desse campo. Tal iniciativa, também praticada pelo município do Rio de Janeiro (agravada por indícios de terceirização irregular), representa um descaminho frente às conquistas do campo no Brasil, admitindo que, para atuar com as crianças nas instituições públicas - “qualquer” profissional serve, sem a formação específica e mínima prevista em Lei; o que pode enfatizar novamente a dissociação entre educar e cuidar, precarizando ainda mais a oferta educacional em claro desrespeito não só ao que prevê a legislação, mas também ao direito das crianças em receber uma educação infantil com qualidade. Além da mobilização de diferentes sujeitos contrários e uma politica como essa - pesquisadoras/es do campo da educação infantil, militantes de movimentos sociais em defesa da educação, movimentos de mulheres, representantes de governos que priorizaram as políticas sociais, dentre elas as educacionais, nas suas agendas – no caso de Curitiba o Ministério Público constestou e pediu explicações tanto à Secretaria como ao Conselho Municipal, a fim de evitar que tal proposição viesse a ser implementada ( o que de fato não ocorreu até o final do ano de 2018).

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Fique por dentro

RESENHA DO LIVRO

Por uma literatura sem adjetivos ANDRUETTO, María Teresa

“Pela leitura criamos laços e nos aproximamos. Ler é somar-se ao outro, é confrontar-se com a experiência que o outro nos certifica.” (p.09).

Dessa vez não foi fácil a escolha da obra a ser resenhada nesta edição, posso afirmar que foi até um tantinho arrastada e desassossegada... Não por falta de opções, que fique registrado! Foi justamente pelo contrário... Eu tinha um tema para direcionar a escolha, tinha até uma definição já acomodada no 52

criado mudo. Mas, esse tema tende a ser pululante e o petulante não me deixou ler uma coisa só! Afinal, formação de leitores não é uma coisa tão simples de se pensar, ou de se escrever, ou ainda de se ler!!! Pois bem! Mas o que me levou a escolher esse e não um dos outros tantos? - O prefácio de Marina Colasanti. Marina apresenta não só a obra, apresenta-nos a autora da obra, e faz isso de uma forma delicada, carinhosa e íntima. Fala-nos de uma criança apaixonada pela leitura, de uma mulher embrenhada em sua escrita e de uma formadora comprometida. Lendo suas palavras sobre María, fui picada pelo bichinho da curiosidade... e não pude largar o livro até termina-lo, porque queria me aproximar de María e saber o que ela tinha a me dizer...


Descobri no decorrer da leitura que María é escritora, de prosa e verso, e profunda conhecedora da literatura infantil, e que utiliza desse seu conhecimento atuando na formação de professores há um longo período. Este livro une essas três facetas da autora. Mesclando teoria, prosa e verso, María analisa a produção da literatura infanto-juvenil principalmente na Argentina, no entanto, é preciso destacar, que suas considerações não reconhecem limites geográficos. A obra reúne doze conferências realizadas pela autora nos mais diversos eventos sobre literatura infanto-juvenil na Argentina, são, portanto, textos independentes uns dos outros, ou seja, você pode ler em sequência ou aleatoriamente, à sua escolha e sem prejudicar seu entendimento. Ao nos contar sobre sua experiência como leitora, escritora, consultora e editora, María, sutilmente, faz críticas a uma produção desenfreada de livros que se intitulam para as crianças, mas que esquecem “que quando falamos de escrita de qualquer tema ou gênero o substantivo é sempre mais importante que o adjetivo” (grifos meus, p.61). E, também, é sutilmente, que a autora põe em xeque o papel do escritor, do editor, da sociedade e daquele que faz a mediação da criança com o livro, neste cenário literário, pro-

seando alertas e versando lembretes. Fiz também a escolha por esse livro, porque em suas páginas me vi como leitora encantada que sou pelas palavras e histórias alheias, vi-me também como a escritora aprendiz e iniciante e apaixonada pelas letras que sou, mas principalmente porque me vi como professora e a profissional que quero ser. Diante disso, convido você a se embrenhar nesse mundo de María, mas alerto desde já, venha com tempo e paciência e traga também uma xícara de chá... ou café como preferir! Franciele Ferreira França, é doutoranda em educação, na linha de História e Historiografia da Educação, PPGE/UFPR

Outros livros da autora

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Virei o Baú

Memórias da Educação Infantil

Ouvir histórias e ler imagens: a literatura infantil no Brasil (1890-1920) Que livros eram destinados às crianças brasileiras nos séculos passados? Esse foi o questionamento que motivou a escrita nesta edição e que nos leva a revisitar nossa memória, relembrando dos nossos livros de literatura. Gostávamos de ler quando éramos crianças? Antes mesmo de saber ler, o que gostávamos nos livros? Virando o baú dos estudos que se voltam para a constituição da literatura infantil no Brasil, é possível apontar que a década de 1920 aparece como um perí-

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odo de grande desenvolvimento de uma literatura infantojuvenil, destacando publicações como “A Menina do Nariz Arrebitado”, de Monteiro Lobato. Antes disso, eram os livros escolares destinados ao ensino da leitura no Brasil aqueles que mais se aproximavam de um gênero literário específico para a criança (ARROYO, 1968). Após o advento da


República (1889), ganhou força o movimento de nacionalização da literatura infantil, surgindo traduções brasileiras de livros infantis europeus e publicações de autores nacionais. As gravuras são apontadas como destaques pertinentes nos livros, como as existentes no “Livro das Crianças” (1897), de Maria Zalina Toledo. Na década de 1910, a leitura escolar passa a ser pauta de debates em jornais e revistas, ganhando importância cada vez maior no processo de escolarização e formação da criança. Havia dificuldade em classificar o que seriam livros de literatura infantil, por isso, encontramos nomenclaturas diversas, como: “livros escolares”, “livros de crianças”, “livros para crianças”, “leitura para crianças”, “literatura didática”, etc. Todavia, inicia-se um movimento que lança o olhar para a pertinência das ilustrações nos livros de literatura infantil, principalmente depois do “Esboço provisório de uma Biblioteca Infantil”, feito por Alexina de Magalhães Pinto, em 1917. A autora lista livros para antes das crianças aprenderem a ler, pontuando que era necessário escutar histórias e ver as imagens, para que, por meio delas, pudesse

a criança repetir o que ouviu. Uma literatura infantil que antecedesse a escola primária, antes mesmo do ensino da leitura (Oliveira, 2015). Os livros “João Felpudo” e “Juca e Chico” são alguns dos títulos que Alexina listou como exemplo. Em 1927, Alceu Amoroso Lima defendia que o mundo infantil era diverso do adulto, por isso, os livros deveriam ser pensados pela criança ou ter a sua opinião considerada, para que efetivamente a alma infantil pudesse ser tocada. E você, que trabalha e se relaciona diariamente com crianças e com a literatura infantil, como percebe essa relação? As crianças fazem parte do processo atual da produção literária? REFERÊNCIAS UTILIZADAS AMOROSO LIMA, Alceu. Literatura infantil. In: ______. Estudos: 1ª série. 2. ed. Rio de Janeiro: A Ordem, 1927. ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira: ensaio de preliminares para sua história e suas fontes. São Paulo: Melhoramentos, 1968. OLIVEIRA, Fernando Rodrigues de. As primeiras manifestações discursivas sobre a literatura infantil brasileira: o processo de construção de saberes. In: História do ensino da literatura infantil na formação de professores no estado de São Paulo (1947-2003) [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, pp. 29-85. TOLEDO, Maria Zalina Rolim Xavier de. Livro das Crianças. São Paulo, 1897.

Etienne B.L. Barbosa é doutora em Educação pela UFPR. 55


Vi(r)agens e Vir-ações Poéticas As Ruas No tempo em que havia ruas, ao fim da tarde minha mãe nos convocava: era a hora do regresso. E a rua entrava connosco em casa. Tanto o Tempo morava em nós que dispensávamos futuro. Recolhida em meu quarto, a cidade adormecia no mesmo embalo da nossa mãe. À entrada da cama, eu sacudia a areia dos sonhos e despertava vidas além. Entre casa e mundo nenhuma porta cabia: que fechadura encerra

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Mia Couto


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