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Plenária: Prof. Drª. Leonor Saúde
PLENÁRIA REGENERAÇÃO DA MEDULA ESPINHAL - O FUTURO? PROF. DRª. LEONOR SAÚDE
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Professora Doutora Leonor Saúde é natural da Covilhã e iniciou o seu percurso académico na Universidade de Aveiro, onde se tornou bióloga. Posteriormente, seguiu para a capital para se tornar mestre em Engenharia Bioquímica no Instituto Superior Técnico, para finalmente se doutorar em Biologia do Desenvolvimento na University College London.
Em 2005, criou o seu grupo de investigação no Instituto Gulbenkian de Ciência, após completar o seu pósdoutoramento na mesma instituição. Atualmente gere o seu laboratório no Instituto de Medicina Molecular e é docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. O seu grupo de investigação tem sido premiado desde o seu início: recebeu o Prémio Pfizer de Investigação Básica em 2005, o qual voltou a vencer em Novembro de 2021 com o seu trabalho em “Targeting senescence cells improves functional recovery after spinal cord injury”.
A sua área de estudo inclui remodelação vascular, matriz extracelular e células senescentes, focando a sua atenção na regeneração da medula espinhal em peixes-zebra e na influência do microambiente tecidular neste processo. O estudo desta característica particular dos peixes-zebra poderá elucidar mecanismos de recuperação de lesões espinhais, o que é impossível em mamíferos. Citando a própria a partir da edição de “Mulheres na ciência”, em que participou: “(...) Será que podemos usar este conhecimento (totipotência do zigoto) para ativar os mesmos processos num humano adulto e conseguir assim regenerar órgãos danificados por lesões ou doenças? É esta pergunta que me move todos os dias!”.
Para além do trabalho de Leonor Saúde como investigadora, é também Diretora do Biotério de Peixezebra, e membro da TechnoZeb - TechnoPhage, SA e Executive Board of the European Zebrafish Society (EZS).
Despertamos a tua curiosidade? Vem conhecer melhor esta importante personalidade da ciência em Portugal, e descobrir um pouco mais sobre o seu fascínio pelo peixezebra e a sua procura incessante pelo que nos distingue destes seres tão pequenos mas tão ricos.
Texo de: Lúcia Heitor e Rita Claro
Porquê estudar a medula espinhal em particular? O que a atraiu para este tema?
O que me atraiu foi a importância deste órgão no nosso corpo. A medula espinhal está protegida pela coluna vertebral e funciona como uma via de comunicação entre o cérebro e o corpo (ou seja, entre o centro de comando e a periferia). A medula espinhal leva informação motora do cérebro para os nossos músculos e depois traz de volta ao cérebro informações sensitivas. A complexidade das redes neuronais para que esta comunicação seja possível e eficaz é de facto fascinante.
Acredita que será possível expandir o estudo do microambiente tecidular a outras doenças? Entre estas, o cancro, em que é cada vez mais marcante o envolvimento da matriz extracelular na sua capacidade de invasão.
Sem dúvida, temos que entender as células e o que as rodeia dado que estas estão em contante comunicação com o microambiente tecidular, ao qual respondem e ao qual se adaptam. E isto é válido para variadíssimos contextos de doença, sendo o cancro um exemplo onde isto é claramente muito relevante.
A utilização de zebrafish como modelo de estudo ainda é relativamente desconhecida. Quais são as vantagens de trabalhar com zebrafish e como é que a comparação deste modelo permite elevar o seu estudo em relação aos modelos mais clássicos?
O peixe-zebra foi trazido para o laboratório nos anos 70 do século XX. Desde então tem demonstrado e consolidado a sua importância como um modelo animal na investigação biomédica, dado que existem cada vez mais linhas transgénicas e de modelos de doenças variadas que estão ao dispor da comunidade científica. Estes pequenos peixes, com cerca de 4-5 cm na idade adulta, têm um desenvolvimento rápido com os órgãos principais desenvolvidos às 24 horas após a fertilização, obtêm a maturidade sexual aos 3 meses de idade, possuem sistemas de órgãos muito semelhantes aos dos humanos (com exceção do sistema respiratório, claro!), e contam com 70% de homologia genética em relação aos humanos (ou seja, não muito longe dos 75% apresentados pelo murganho, ou seja, pelo modelo mais clássico). Por último, e muito relevante para mim, é a capacidade que este animal tem de regenerar todos os seus órgãos, inclusive a medula espinhal. Ao contrário de nós, os humanos, que depois duma lesão da medula espinhal podemos perder irreversivelmente a capacidade de movimentar as pernas e os braços, o peixe-zebra consegue recuperar a capacidade de nadar após uma lesão grave. Assim, este pequeno animal é uma oportunidade para descobrirmos o que temos que ativar e como para que os mecanismos de regeneração sejam ativados nos humanos.
Como pensa que será possível recriar o microambiente regenerativo do zebrafish em humanos que não possuem essa capacidade?
Primeiro há muito trabalho a ser desenvolvido para que consigamos entender em profundidade o que se passa nesse microambiente tecidular no peixezebra. Depois podemos considerar a recriação de um microambiente regenerativo com a utilização de fármacos que modulem vias de sinalização de sinal desreguladas, terapias celulares que substituam as células que morreram, terapias com biomateriais que recriem as características biomecânicas deste tecido, electroestimulação que recativem redes neuronais que tenham sobrevivido à lesão, etc.
Quais as maiores dificuldades que tem sentido na utilização de zebrafish como modelo de estudo?
Por vezes temos ainda que reforçar o poder deste peixe como modelo animal. Ainda há alguma resistência por parte de alguns cientistas, dado que este animal não é um mamífero e por vezes as pessoas acham que está muito longe dos humanos.
Como investigadora, qual considera ser a melhor forma de lidar com a frustração quando o seu trabalho não segue o rumo planeado?
Parar, pensar, analisar, discutir com colegas e continuar a trabalhar. E ter sempre presente que um desvio nos pode conduzir a uma descoberta tão ou mais importante.