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Paralela: Dr. Henrique Prata Ribeiro
PARALELA: ESQUIZOFRENIA 1.0.1 DR. HENRIQUE PRATA RIBEIRO
Henrique Prata Ribeiro concluiu o Mestrado Integrado em Medicina pela Universidade de Coimbra em 2013. Exerce atividade como médico psiquiatra no Hospital Beatriz Ângelo e desempenha funções como assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, coordenador da Comissão de Saúde Mental do Health Parliament Portugal e consultor no Programa Regional de Saúde Mental da Região Autónoma dos Açores. É ainda autor do livro “Urgências Psiquiátricas”, lançado em 2018, e jogador de rugby da Associação Académica de Coimbra.
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Inicialmente indeciso na escolha entre Direito e Medicina, optou pela segunda e prosseguiu a carreira na área da Psiquiatria, visando a procura da simbiose entre a prática médica e as ciências humanas. Defende que todas as pessoas que sofrem de perturbações psiquiátricas têm direito a receber os cuidados de saúde adequados e que “a esquizofrenia é, provavelmente, a doença mais limitante e mais estigmatizante da Psiquiatria”.
A esquizofrenia é, muitas vezes, retratada como uma doença assustadora e perigosa, mas é realmente assim? Como descreve ser um doente com esquizofrenia “típico” (mesmo reconhecendo a grande variabilidade inerente das pessoas e doença)?
A esquizofrenia é retratada dessa forma, maioritariamente pelo cinema. Penso que é de onde surge essa ideia que associa a doença a perigo e a algo completamente incompreensível. Felizmente, na Medicina de hoje em dia, não é o caso. A maioria dos doentes com esquizofrenia são tratados de forma devida e ainda este ano foi dado um importante passo no sentido de que cada vez mais o sejam - com a dispensa gratuita de todos os antipsicóticos a nível hospitalar, permitindo que façam medicações mais recentes, com perfil menos agressivo de efeitos secundários e que aumentam a adesão à terapêutica. Na maior parte dos casos nos quais existe violência associada a estes doentes, estes encontram-se no papel de vítima e não de agressor. Ainda assim, a doença não tratada pode gerar situações perigosas para os doentes e aqueles que os rodeiam, pelo que deve ser uma prioridade sensibilizar a população para a necessidade de tratamento (e capacidade de identificação de alguns sintomas) nesta doença. Quanto ao doente típico, é um doente de um estrato socioeconómico baixo, com um funcionamento social abaixo da média e muitas vezes com mau rendimento escolar. Devem depois, nalgum momento, cumprir os necessários critérios diagnósticos, que assentam sobretudo nos sintomas positivos - delírios e alucinações.
Como devemos abordar um doente com suspeita de esquizofrenia? Como podemos reconhecer a doença?
O doente deve ser abordado, caso as condições o permitam, como qualquer outro. É importante ao longo da história clínica fazermos perguntas que nos permitam despistar a existência de sintomas positivos - perguntar de acordo com aquilo que é mais frequente, se alguém lhes pode querer fazer mal; se alguém os persegue ou perseguiu; se têm alguma missão especial no mundo; se conseguem ouvir pessoas que falem mal de si, mesmo que à distância; se há alguma coisa estranha a ocorrer no seu redor. Não devemos deixar de parte os sintomas negativos, que não sendo tão exuberantes, podem passar desperceidos, mas que nos podem ajudar a guiar a entrevista. Estes sintomas negativos são notórios muitas vezes no contacto dos doentes, mas deverá ser explorada a sua relação com os outros durante a infância/ crescimento, a sua vontade e iniciativa para fazer coisas e contactar com outros, a sua prestação escolar e a laboral, bem como a sua vida afectiva. A forma de diagnosticar a doença, como é óbvio, dependerá de os sintomas apurados se enquadrarem naquilo que são os seus critérios diagnósticos, que como disse na pergunta anterior, estão mais dependentes dos sintomas positivos.
Como se deve lidar com uma pessoa com esquizofrenia numa perspetiva pessoal ou de médico não psiquiatra que atende uma pessoa com esta doença?
Dependerá muito de se estar perante uma pessoa que sofre de uma esquizofrenia tratada ou não tratada. Um doente não tratado poderá ser mais difícil de tratar para outros tipos de patologia, por vários motivos. Nesse caso, deverá ser contactada a psiquiatria de ligação do hospital em causa, ou no caso de ser num episódio de urgência, a equipa de urgência. Caso se trate de um doente que sofre de uma esquizofrenia e se encontra em tratamento, deverá ser tratado como qualquer doente seria nas circunstâncias nas quais se encontre.
Em que medida o estigma da doença afeta os doentes esquizofrénicos?
Gostei da pergunta porque parte desse estigma é rotular-se as pessoas pela sua doença. Esse rótulo de “esquizofrénico” deve ser evitado, até porque teríamos muitas vezes de nos referir aos doentes como “esquizofrénico, hipertenso e diabético”, entre outros exemplos. É muito comum que isto aconteça em todos os meios, mas é uma das coisas que se deve mudar. O estigma tem um peso especialmente grande nesta doença porque ela motiva, em casos de agudização, alterações de comportamento que podem ser graves, bem como crenças inabaláveis, que não cedem à argumentação lógica - delírios - que são muitas vezes bizarras. Isto faz com que as pessoas considerem os doentes perigosos, que os rotulem com a sua doença e que os afastem dos seusa
círculos sociais.Mesmo entre os médicos, pela presença tão profunda desse estigma, há muitas vezes um pior acesso a cuidados de saúde, com as queixas dos doentes a não serem devidamente valorizadas. A forma mais simples de combater todo o tipo de estigma é dando acesso a informação e é essencial que isso aconteça em relação a esta doença, porque só assim conseguiremos gerar equidade para estas pessoas.
Tendo em conta as investigações atualmente em curso e os avanços científicos dos últimos anos nas áreas da neuroimagiologia e da neurobiologia, o que espera que, num futuro próximo, possamos ver esclarecido sobre esta doença?
Já há algum conhecimento em relação ao mecanismo biológico quer dos sintomas positivos, quer dos sintomas negativos. Há também a identificação de neurotransmissores nos quais a actuação farmacológica é eficaz. Aquilo que espero ver, através de machine learning e da sua intersecção com a criação de biótipos com múltiplas variáveis, é um tratamento mais direccionado, mais adequado a cada subtipo de indivíduos que tenha a doença (visto que esta se pode apresentar de formas muito distintas). Num futuro um pouco mais distante, gosto de acreditar que se poderá actuar directamente em circuitos neuronais anómalos através de técnicas de psicocirurgia - vejo as neurociências cada vez mais próximas e a psiquiatria, a neurologia e a neurocirurgia a terem actuações conjuntas a vários níveis.
Considera importante que o suporte familiar do doente tenha acompanhamento numa fase inicial para melhor perceberem e saberem lidar com a doença? Qual considera ser o maior desafio para quem vive com uma pessoa com esquizofrenia?
É essencial que os familiares destes doentes tenham acesso a informação, pelo que já foi anteriormente discutido em relação ao estigma e para que consigam compreender de que forma actuar em algumas situações específicas que podem ocorrer (por exemplo, saber como accionar um internamento compulsivo caso tal venha a ser necessário). Um dos principais diferenciadores de outcome nestes doentes, para além da pobreza, que é um factor de muito mau prognóstico, é um bom suporte familiar. Por isso, para além dessa informação, apoios sociais às famílias que necessitem devem ser uma prioridade.
Na sua opinião, para além do tratamento farmacológico, existe mais algum tratamento complementar que poderá trazer benefício na qualidade de vida do doente?
Claro que sim. Em nenhuma área da psiquiatria o tratamento deve ser meramente farmacológico, embora haja doenças - e a esquizofrenia é uma delas - nas quais o tratamento farmacológico é sem qualquer dúvida a mais importante ferramenta. A psicoterapia pode ser útil em doentes que se encontrem clinicamente estáveis, mas serão essenciais uma alimentação equilibrada e exercício físico regular - os doentes que sofrem de esquizofrenia apresentam uma esperança média de vida muito inferior à da população geral e maior propensão para sofrer de doenças metabólicas. Será também essencial, dado o peso que a canábis tem nos primeiros episódios desta doença, que se trabalhe com os doentes o afastamento do consumo de drogas, dando especial enfase à informação acerca dos riscos que essa substância acarreta.