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Plenária: Prof. Dr. José António Silva

PLENÁRIA

FIBROMIALGIA: MENTE NO CORPO PROF. DR. JOSÉ ANTÓNIO SILVA

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José António Pereira da Silva é médico licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1982, onde leciona desde 1993. Doutorado em Medicina e Reumatologia pela Universidade de Londres em 1993. Atualmente, detém o grau de especialista em Medicina Interna e Reumatologia, dirigindo o Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário de Coimbra e assumindo o lema: “promover a felicidade mediante serviços de excelência”. Sublinha: “Os doentes aceitam que a felicidade é uma arma terapêutica se lhes for demonstrado por que têm dores.”

Faz parte do European Board of Rheumatology, onde já presidiu, e da European League Against Rheumatism. Tem vários artigos científicos publicados em revistas de renome, cujas áreas de interesse incluem a fibromialgia: “Há muitos anos que tenho um interesse pela fibromialgia e pela sua relação com a felicidade”, conta o médico, refletindo a necessidade de um apoio continuado para que os doentes afetados por esta doença possam sair do ciclo vicioso stress-dor-stress. Sendo assim, em 2019, fundou o Instituto Virtual de Fibromialgia, “MyFibromyalgia”, um projeto que visa servir de apoio na gestão desta doença, através da divulgação dos mecanismos que estão na base desta patologia, bem como das inovações que permitam controlar a mesma. Lidera ainda diversos projetos de investigação em outras áreas como artrite reumatoide, osteoporose, lúpus, esclerose sistémica progressiva, entre outros, contando com a publicação de inúmeros artigos científicos de relevo.

Texto de: Rodrigo Martins e Melissa Amarante

Acredita que a fibromialgia ainda é uma doença desconhecida e incompreendida pela sociedade?

Acredito, de facto que a FM é pouco conhecida e quase completamente incompreendida pela sociedade, quer no sentido lato do termo, quer no sentido do pequeno núcleo social em que cada doente se move: família, amigos, colegas de trabalho, serviço públicos, ... Essa incompreensão contribui de forma muito relevante para o sofrimento destes doentes. Reconheço, contudo, que isso está longe de traduzir apenas ignorância ou má-vontade: nem a doença nem os doentes são fáceis de entender...

Como devemos abordar uma pessoa que acredita sofrer de fibromialgia? Como podemos chegar ao diagnóstico?

Há critérios de diagnóstico relativamente simples de aplicar e que exigem a associação de dor inexplicada em várias áreas corporais e uma combinação de outros sintomas, incluindo perturbações do sono e/ou fadiga, au ainda depressão, cefaleias, dores abdominais e/ou perturbações concentração e memória. A maior dificuldade reside em suspeitar do diagnóstico perante quadros clínicos que podem ser muito variados e em que, com frequência, coexistem outras causas de dor. Reconhecer que a

“Acredito, de facto que a FM é pouco conhecida e quase completamente incompreendida pela sociedade, quer no sentido lato do termo, quer no sentido do pequeno núcleo social em que cada doente se move: família, amigos, colegas de trabalho, serviço públicos... Essa incompreensão contribui de forma muito relevante para o sofrimento destes doentes...”

FM te um espectro de intensidade - todos temos um certo grau de “Fibromyalgianess” que influencia, de forma mais ou menos decisiva e dominante, a apresentação das nossas queixas músculoesqueléticas. Sem sensível ao sofrimento, mesmo quando a doença subjacente é obscura, é a atitude mental mais necessária neste contexto.

Quais as principais diferenças entre a abordagem tradicional e a adotada pelo instituto MyFibromyalgia®?

Em MyFibromyalgia® damos uma importância decisiva ao auto-conhecimento e à gestão do stress na estratégia de controlo da FM. Temos uma firme convicção de que níveis elevados de stress e hipervalorização de “ameaça” são características nucleares desta doença, que afetam a sobremaneira da intensidade dos sintomas. Temos também experiência de que os fármacos, que constituem a base da abordagem comum, são muito pouco eficazes para a esmagadora maioria dos doentes. Em MyFibromyalgia® começamos por dar ao doente um modelo explicativo da doença que lhe permita compreender as suas nuances e flutuações relacionando-as com o seu estado de espírito. Trabalhamos depois com o paciente para desenvolver mecanismos de controlo do stress e promoção do bem-estar psicológico: Acreditamos que é possível Contruir Felicidade e (assim) Controlar a Fibromialgia. Temos, felizmente, muitos exemplos de sucesso com esta estratégia, apesar das dificuldades que ela encerra.

A fibromialgia é uma doença ainda muito estigmatizada na sociedade. De que forma este estigma afeta os pacientes? E como podemos contribuir para a desconstrução do mesmo?

Imagine o leitor que sofria dores como as que estes doentes descrevem, “terríveis”, “horríveis”, pelo corpo todo, para a qual ninguém encontra uma causa. A isto juntam-se uma insónia crónica e um cansaço acentuado, frequentemente ao nível da exaustão, que o impedem de realizar as suas atividades sociais e profissionais ao nível que desejaria. Está cansado de correr médicos e ninguém lhe dá um diagnóstico, embora sugiram que “está tudo na sua cabeça”, como se você se pudesse livrar-se dela.... Os exames realizados, e são muitos, são todos normais. Os medicamentos mostram-se inúteis... o sofrimento não o larga, cada vez mais profundo e incapacitante. Imagina alguma coisa mais dolorosa em cima disto do que ter que enfrentar a desconfiança e o desdenho dos outros, da família, dos colegas e até dos profissionais de saúde? Só porque não vê nada no seu corpo? Como podemos combater o estigma: começando por nós mesmos! Respeito, é a palavra-chave. Reconhecer que ninguém conhece as dores de ninguém e, logo, ninguém tem o direito de duvidar que elas existem e têm a intensidade que o doente lhe atribui. O facto de não conseguirmos explicar cabalmente a origem dessas dores demonstra uma falha da Medicina, não uma “culpa” do doente!

Como é que aprendemos e ensinamos a ser mais felizes?

Muitas pessoas são felizes por natureza – tiveram sorte no dia da distribuição dos cérebros e saiulhes um levezinho por natureza. Esses felizardos nunca desenvolvem fibromialgia e têm dificuldade em entender que seja preciso um plano ou esforço para ser feliz... Mas, e os outros? Os outros precisam de um plano... Definir a felicidade como objetivo central e vida, compreender o que os impede de a atingir e que caminhos poderão conduzir lá. Antes de mais nada é preciso querer, verdadeiramente, ser feliz. Essa decisão é essencial e não é fácil para quem tem um cérebro preocupado e perfecionista, o espírito cheio de deveres e obrigações, incapaz de desfrutar completamente das belezas da vida... Conhecemos doentes para quem bastou este click para que tudo acontecesse com naturalidade e até espantosa rapidez. Para a maioria é um processo de desenvolvimento pessoal progressivo, lento mas enormemente facilitado pelos recurso que hoje temos, desde o apoio de profissionais, a Apps d em editação e mindfullness...

Considera que este tipo de ensinamentos poderia ser útil para outro tipo de doenças, nomeadamente nas perturbações de ansiedade e depressão?

Não tenho qualquer dúvida. Acredito mesmo que a influência vai bem além destes distúrbios de índole afetiva, para incluir patologia de todos os foros, da Cardiologia à Gastroenterologia, da Neurologia à Oncologia: em todas as áreas há evidencia de que a atitude mental e os níveis de stress influenciam os processos patológicos e as respostas à terapêutica de forma decisiva. Mesmo que não afetem a doença poderão afetar o sofrimento – ora é o sofrimento e não a doença que dá dignidade e nobreza à Medicina. Esta é uma dimensão tristemente ignorada nos cursos de medicina. Tenho a esperança de que as próximas décadas testemunharão um avanço decisivo da Medicina nestes campos da interação mente-corpo.

Na sua opinião, o apoio entre pares é uma ferramenta importante para as pessoas que sofrem de fibromialgia?

Acredito que sim, ainda que isso não dispensasse a mudança de atitude da sociedade e, em especial, dos profissionais de saúde sobre a doença. Creio, contudo, que também as associações de doentes precisariam de desenvolver um novo entendimento da fibromialgia e da melhor forma de ajudar os doentes: focar o trabalho comum nos aspetos negativos da doença e na procura de benefícios sociais contribui, a meu ver, para reforçar o estigma e a desesperança, aumentando o sofrimento.

Qual considera ser o papel do suporte social no curso desta doença? Por norma, considera que os doentes recebem o apoio suficiente por parte da família ou que as suas queixas são desvalorizadas?

Abordei a questão da família do contexto social ao longo das questões anteriores. Interessa-me também a questão do apoio social no sentido do direito às baixas e reformas. Estes doentes são fortemente discriminados pelas juntas de avaliação médica, em virtude da ausência de sinais ou exames complementares que permitam, comprovar a doença e aquilatar do grau de incapacidade. Compreendo a dificuldade e o dilema em que uma doença desta natureza coloca ao Médico forçado pela natureza das suas funções a desconfiar do seu doente... Penso que faria sentido que a avaliação da incapacidade nestas circunstâncias deixasse de caber aos Médicos, que a não podem fazer de forma objetiva, e passasse para o foro da investigação por agentes sociais ou policiais que sondariam o dia-a-dia do indivíduo como forma de estimar o seu grau real de incapacidade.

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