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O Natal e a Multimorbilidade

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A nossa entrevista é com o médico especialista em Medicina Geral e Familiar, Filipe Prazeres, também docente convidado da FCS-UBI e doutorado em Medicina na temática da Multimorbilidade nos Cuidados de Saúde Primários.

O que é multimorbilidade? E porque é que um estudante de medicina deve estar informado sobre este tema?

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Até ao momento ainda não existe uma definição inteiramente consensual e aceite por todos. A isto acresce o facto da multimorbilidade ser frequentemente confundida com comorbilidade; conceitos cuja diferença importa esclarecer. A definição usualmente apresentada de multimorbilidade é a presença na mesma pessoa de mais do que uma doença crónica, sendo que nenhuma das doenças de que a pessoa sofre é considerada principal ou mais importante do que as outras, tanto na perspetiva do doente como na dos profissionais de saúde. Por seu lado, na comorbilidade existe uma doença central à qual as outras se associam; um exemplo paradigmático é o da diabetes e das suas comorbilidades.

Todo o estudante de medicina deve ser versado em multimorbilidade. E esta afirmação é suportada por duas grandes razões, a primeira é a sua elevada prevalência que chega a ser superior à da asma, hipertensão e diabetes, e a segunda é o negativo impacto nos doentes e o seu peso no sistema de saúde.

Qual o impacto da multimorbilidade nos doentes e o seu peso no sistema de saúde?

Para responder a esta questão proponho um simples exercício mental. Imaginemos um doente que sofre de uma qualquer doença crónica e o modo como tratamos essa doença, e a essa doença adicionamos uma outra e o seu tratamento e depois outra e ainda outra, e em algum momento da vida este doente ainda irá sofrer de doenças agudas que também vão precisar de ser tratadas, rapidamente chegamos à conclusão de quão penosa é a multimorbilidade para o doente (e seus cuidadores), para o médico e para o sistema de saúde.

Aqui, na Beira Interior, a realidade da multimorbilidade é a mesma que a nível nacional?

A inexistência de dados desagregados nos estudos publicados sobre multimorbilidade em Portugal impossibilitam o conhecimento da real prevalência da multimorbilidade na região da Beira Interior. Contudo, o Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico, desenvolvido entre 2013 e 2016 mostrou-nos que a prevalência na região centro é de 27.7%. Previsivelmente, esta poderá ser ainda superior na Beira Interior, associada ao envelhecimento da população residente nesta região do país.

Qual o impacto das festividades, como o natal, na procura dos cuidados de saúde primários por parte dos portugueses?

Na minha experiência como médico de família, verifiquei que em momentos de festividades se observa uma diminuição ligeira dos pedidos de marcação de consulta por motivo de doença não aguda e um aumento dos pedidos de consulta por situação de doença aguda. De salientar que na altura do natal não são só os conhecidos “exageros” característicos das épocas festivas que originam idas aos centros de saúde, mas também as infeções respiratórias de etiologia viral frequentes nesta época do ano, e que várias vezes levam a descompensações nos doentes com multimorbilidade. No corrente ano de 2020 prevê-se vir a existir um aumento ainda mais significativo da procura devido ao papel dos cuidados de saúde primários no controlo da COVID-19.

Sendo o natal uma época de “exageros”, existe um risco acrescido para este tipo de doentes? Existem algumas indicações, de um modo geral, que os doentes com multimorbilidade possam seguir, principalmente nesta altura?

Considerando que em Portugal os doentes adultos com multimorbilidade que frequentam os cuidados de saúde primários sofrem frequentemente de patologias do foro cardiometabólico e mental, não será de estranhar que muitos destes doentes tenham indicação dos seus médicos assistentes (dos cuidados de saúde primários, mas também hospitalares) para limitar a ingestão diária de líquidos, controlar o seu peso, tomar as devidas precauções para evitar quedas, evitar certos alimentos ricos em sal e/ ou açúcar, reduzir a ingestão de bebidas alcoólicas, praticar exercícios de fortalecimento muscular, entre outras. O não cumprimento destas medidas nas épocas festivas poderá levar a descompensação aguda das doenças crónicas de que sofrem. O meu conselho para os doentes com multimorbilidade nesta altura do ano é o bom e velho ditado: tudo em excesso faz mal!

Qual o grau de relevância da questão da multimorbilidade para a população portuguesa?

A multimorbilidade é frequente na população portuguesa. Cerca de 38% sofre de multimorbilidade. Esta prevalência é ainda superior na população adulta que frequenta os cuidados de saúde primários – 72,7%, verificando-se uma associação entre níveis educacionais baixos e rendimento económico insuficiente e maior prevalência de multimorbilidade. Consequentemente, uma elevada percentagem da população portuguesa encontra-se em risco de desorganização e fragmentação dos cuidados médicos e polifarmácia.

Quais as suas recomendações para a prevenção da multimorbilidade?

Em tempos de pandemia por COVID-19, altura em que a saúde mental da população portuguesa se encontra algo fragilizada, eu colocaria a prevenção e tratamento da depressão como a primeira recomendação para a prevenção da multimorbilidade. A depressão aumenta o risco de multimorbilidade, segundo literatura internacional. Depois seria impossível não reforçar a necessidade de cumprir um estilo de vida saudável.

Em 2060 qual prevê que seja o peso da multimorbilidade na sociedade? Quais os padrões de multimorbilidade nessa altura?

Se nada for feito até lá, o peso da multimorbilidade será devastador para a sociedade. Em 2060 cerca de 30% da população europeia terá 65 ou mais anos, aproximadamente o dobro de 2016. E se atualmente e de um modo geral, uma em cada quatro pessoas sofre de multimorbilidade, dentro de 20 anos esta prevalência duplicará. Precisamos de maior apoio nas várias linhas de investigação no âmbito da multimorbilidade, na sua prevenção, mas também no desenho de guidelines centradas na pessoa com multimorbilidade e não centradas nas doenças, para apoiar na gestão daqueles que atualmente já sofrem de multimorbilidade.

(Adaptado )

Inês Roseta

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