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“1 minuto e 36 segundos”ou Como Escrevi Um LivroDurante a Preparação da PNA
Olá! Se estás a ler isto é porque, provavelmente, estás prestes a entrar - ou já estás metido até ao pescoço - na mesma viagem que eu. Fiz a PNA em 2019 e lembro-me perfeitamente da manhã em que aquele Decreto saiu. O que definia o regulamento da nova prova. Do tempo, curtíssimo: 1 minuto e 36 segundos por pergunta. E do receio. Da incerteza. Das dúvidas sem fim.
Esse é, talvez, o único aspeto que separa a tua viagem e a minha. O contexto. Independentemente do ano em que estiveres, sabes no que te estás a meter infinitamente melhor do que nós, a fornada de recém-licenciados em Medicina transformados em tubos de ensaio do novo modelo. Por outro lado, para quem estiver prestes a “saltar a barreira”, as coisas não estão menos ansiogénicas, com toda a logística necessária para garantir uma prova em condições de segurança em tempos de pandemia.
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Tudo o resto é igual. A viagem que fazemos por fora, estágio através de estágio, página atrás de página, movidos a café e a marcadores, já a sabemos de cor. Vemos os nossos colegas que vão uns passos mais à frente fazerem-no antes de nós: abdicar das suas sextas-feiras à noite, dos seus jantares de família, dos seus desportos de eleição, dos seus grupos de teatro ou de dança…dos seus pedaços de vida preferidos, no fundo. Daqueles que vão sustentando a responsabilidade e o esforço subjacente a fazermos o que adoramos fazer.
Eu fiz o mesmo. Mas depois de deixar todas as atividades a que ainda temos a lata de chamar “extra” apesar do papel que têm na nossa saúde mental, cheguei à conclusão que não queria deixar de escrever. Há anos que mantinha o The Nutsbook, o blog que criei durante a faculdade e onde ia publicando tudo o que escrevia quando o mundo me parecia demasiado grande ou eu demasiado pequena. Percebi que ia precisar dele mais do que nunca. E, acima de tudo, tive um pressentimento, mais tarde confirmado, de que a coisa não ia ser assim tão linear.
É que quando se apresenta no nosso caminho um desafio deste tamanho - ou seja de que tamanho for - o resto da vida não pára. O Universo não olha para nós com compaixão nem diz “Pronto, pequenino(a), tu agora ficas aqui quietinho a estudar durante o ano todo. Tens aqui a cafeteira que vai reenchendo automaticamente e vamos algaliar-te para nem sequer teres de ir à casa de banho. Também pusemos um sósia teu a tomar conta dos teus amigos, para eles não virem a correr para ti quando precisarem e já está a imprimir uma cópia de cartolina em tamanho real para poder estar presente com a família aos Domingos. Agora carrega nesse capítulo de linfoproliferativas e deixa tudo connosco”.
Não é real, pois não? E apesar de parecer desejável, acho que ninguém quer verdadeiramente entrar em coma voluntário e ventilar-se com aerossóis da bibliografia. Com isto em mente, e na esperança de fazer deste ano um processo de crescimento pessoal, fiz-me o desafio pessoal de escrever uma “série”: 14 crónicas, uma por cada especialidade da nossa bibliografia.
No fundo, sabendo que não me restava alternativa que não mergulhar naquelas páginas todas, negociei os termos da minha rendição para tirar partido dela. Quando tudo o resto está parado - viríamos a confirmar isto mais tarde com o confinamento - há a oportunidade de olharmos para dentro. De pensar no que gostaríamos de melhorar em nós mesmos. No ciclo pessoal que vamos fechar a par do profissional. Se juntarmos este propósito à realidade incontornável de estar mergulhada em linguagem médica durante mais de metade do meu dia, achei que faria sentido contar essa experiência à luz dessa linguagem.
Comecei sem grande fé no assunto, sem certeza de que iria ser capaz de correr todas as especialidades. Só mais tarde, depois da prova, é que surgiu a hipótese das reunir no livro que - por causa da pandemia - só foi lançado em Agosto, na Feira do Livro de Lisboa. Mas durante esta viagem acabei por encontrar uma nova forma de contar coisas e de as entender. Acabei por subir escadinha a escadinha à medida que ia dando voltas à matéria e por ter exatamente o ano que eu queria, dando um sentido que também fosse de aprendizagem pessoal a uma preparação que é, como todos sabemos, extremamente exaustiva e técnica.
Inesperadamente, acabei também por reunir um conjunto de estratégias e lições que revisitei vezes sem conta para superar as dificuldades de ser chamada à linha da frente de uma pandemia 2 meses depois de começar o Internato de Formação Geral. Para mim - e para vocês, qualquer que seja o vosso caminho - a lição é a mesma: temos todos, individualmente, a obrigação de procurar que a melhor época da nossa vida... seja a próxima. E como vim a descobrir, há muito para viver depois do tempo de prova chegar ao fim. Boa viagem!
Dr.ª Pilar Burillo Simões