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A percussão criativa de Orlando Bolão

A PERCUSSÃO CRIATIVA DE ORLANDO BOLÃO

A felicidade expressa sobre o palco que transparece em sua batida

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Por Fernando de Freitas e Ian Sniesko

São Paulo tem dessas coisas, o Jazz nos Fundos fica ao lado do tradicional Bar do Biu. Os Correios chamam de Jardim América ou Cerqueira César, a alguns quarteirões da Vila Madalena, mas todo mundo sabe que é em Pinheiros. O Bar do Biu é um restaurante de comida nordestina que atrai gente interessante das artes, da música, do cinema, do teatro, das letras, jornalistas e intelectuais de toda sorte. A comida é boa, a cerveja gelada e nada sofisticado. Já o Jazz nos Fundos é uma das principais casas de música de São Paulo, seu público também é interessantíssimo e parte dele também poderia transitar no restaurante ao lado.

O show de Orlando Bolão é um desses acontecimentos próprios de um retrato paulistano (ou de cidades cosmopolitas e contraditórias). À exceção do próprio percussionista, é difícil saber quem é plateia e quem será o próximo convidado a subir no palco. No espaço intimista da casa, Guga Stroeter conversava com amigos antes de subir ao palco para tocar, Graça Cunha, após mostrar sua voz, voltou a circular entre o público e o DJ Dudão surgiu sabe-se lá de que canto do bar.

Era um show entre amigos para amigos. O percursionista baiano sorria e se divertia, com o microfone na mão, contava dos amigos, explicava dos ritmos. Com uma leveza que poucas vezes um músico mostra ao estrear um álbum. A noite foi daquilo que propõe a música de Bolão: felicidade.

MÚSICA PARA TODOS

Quando um ritmista lidera uma banda, a tendência é de uma música generosa. No jazz os exemplos são muitos, como Gene Kruppa e Chick Webb. Os grandes bateristas e percussionistas são generosos, pois sabem a importância que tem na sustentação de uma banda e o seu barato (ou boa parte dele, pelo menos!) é poder dar a base em que os outros músicos podem se destacar. Os fora de série sabem o momento exato de elevar seu brilho sobre a banda e voltar.

Foi com essa cumplicidade e olho no olho que Bolão comandou a noite com a banda dos seus sonhos para o show: Cuca Teixeira na bateria, Augusto Albuquerque no baixo, Webster Santos na guitarra, Agenor Lorenzi nos teclados e no naipe de metais Rubinho Antunes (trompete), Tércio Guimarães (sax) e Paulinho Malheiros (trombone).

E o espírito generoso também se estendeu ao público, a música tocada na noite era acessível a todos os ouvidos. Cada nota, por mais estudada, por mais planejada que fosse, era uma nota longe do hermetismo instrumental. Aquela música não é feita para poucos, para nichos ou ouvidos específicos, é música para ser tocada em qualquer lugar e a qualquer hora. Até Miles Davis e seu cool jazz ganham roupagem suingada e alegre diante da mixação do DJ Dudão e dos tambores de Orlando. O vibrafone sequer causa estranhamento na performance dançante se Guga Stroeter à frente do palco como convidado. Happiness parte agora para apresentações pelo Brasil e pelo mundo. A começar por Salvador. A Revista 440Hz deixará seu leitor informado nas redes sociais.

O ÁLBUM HAPPINESS

Contando com participações de peso, o percussionista Orlando Bolão apresenta seu mais recente trabalho: Happiness. Influenciado pela cultura brasileira, altamente miscigenada, o músico explora sons percussivos inusitados produzidos através de objetos do cotidiano. O álbum também deixa em evidência, propositalmente ou não, influências do jazz e do reggae.

A primeira faixa de Happiness já desperta forte curiosidade no ouvinte e deixa clara a proposta do disco. É interessante perceber a importância do berimbau para a harmonia da composição, e como ela trabalha em conjunto com os metais em movimentos de tensão e relaxamento precisos. Na segunda parte da música, o piano nos dá uma agradável e inesperada surpresa.

Em algumas faixas, Orlando se utiliza também da alta maleabilidade sonora dos sintetizadores, que colorem as faixas e trazem uma atmosfera moderna e misteriosa para as composições. Outro ponto de destaque são as guitarras: o instrumento, que normalmente demanda toda atenção para si, no álbum é usado sem excessos ou virtuosismo desnecessário, algo que traz mais precisão à mensagem que a música quer passar.

Sem dúvidas, Happiness é um daqueles discos que dispensam rótulos. Além do mais, o trabalho emana a miscigenação e traz consigo uma mistura de texturas e sons que proporcionam uma verdadeira viagem sonora que parte dos ritmos brasileiros para conquistar o mundo.

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