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UMA ARTISTA QUE TOCA BAIXO EM UMA BANDA DE ROCK
UMA ARTISTA QUE TOCA BAIXO EM UMA BANDA DE ROCK
Carol Navarro encara sua atuação e responsabilidade ao entrar na vida das pessoas com o que produz.
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Por Fernando de Freitas
“Foi por tesão que comecei a fazer música” diz Carol Navarro, “mas, atualmente, não quero somente ser a baixista do Lipstick ou do Supercombo. Quero poder fazer muitas outras coisas que me dão tesão”. E, embora não tenha nenhum projeto paralelo com a estrutura atual da banda, ela fundou e acompanha um grupo de mulheres musicistas, podendo, neste ponto da carreira, aconselhar as que estão iniciando. Também ataca eventualmente de DJ na noite, apresenta palestras sobre os assuntos que lhe afetam e ainda assume o papel de empreendedora e empresária junto de seus colegas de Supercombo.
Sua atitude é clara, como musicista ela se expressa de uma forma que é possível e lhe dá prazer. É a busca de um caminho próprio. Mas não é uma musicista como outras, cujo trabalho é empregar seu talento tocando com uma banda de jazz numa noite, noutra com uma de samba, gravar com uma banda de rock num dia de sertanejo no outro. Ela olha para si mesma como uma artista, que toca baixo em uma banda de rock e tem nisso sua principal, mas não única ocupação.
O caminho de Carol começou quando um professor da escola de música em Santo André, cidade da grande São Paulo onde nasceu, juntou cinco meninas para tocarem juntas em aula de prática de banda. Esse grupo se tornou a base do que tornaria o Lipstick, a banda em que ela ficou por dez anos. “Nós começamos a querer tocar fora da escola, então passamos a frequentar a cena da cidade. A nossa vocalista acabou indo para uma outra banda, que estava começando um trabalho autoral e eu convidei uma menina da escola” e, aos poucos, a carreira foi tomando forma. “Quando acabou o colégio, eu já estava tocando com o Lipstick. Os meus amigos começaram a fazer faculdade e eu tocando na noite, viajando. Comecei a estudar no Conservatório de São Caetano, mas nunca fiz faculdade propriamente dita”.
O Lipstick assinou com um selo de uma gravadora, que prometeu cuidar delas. Mas “cuidar delas”, nas palavras de Carol, acabou significando uma atitude condescendente que era agravada pelo fato de sua banda ser formada por mulheres. Se por um lado, ela se sentia confortável em lidar com assuntos “pouco artísticos” como ECAD, royalties, divisão de lucros, por outro, o desconforto apenas crescia com a sensação de falta de controle do próprio ganha-pão. Quando isso acontece, outros sentimentos afloram e, quando se tornou insustentável, recebeu o convite para entrar no Supercombo.
Ali a estrutura era outra. O controle era outro. A ponto de hoje a banda contar com seu próprio selo. “A primeira vez em que alguém chamou minha música de produto foi um choque. Era uma coisa, mano, isso é minha arte. Depois fui entendendo que tem um lado que é minha arte. Tem outro que ela se torna um produto que preciso vender” e, desse jeito, Carol mistura gírias do mundo musical com jargões do mundo de negócios para explicar que seu dia a dia “não é só ir lá e fazer o gig. É show numa noite, borderô no dia seguinte, show no outro, estrada, borderô na volta”.
Mas, nessa estrutura, ela se desenvolveu como artista. Após a gravação de dois álbuns com o Supercombo, o ambiente parecia mais propício para Carol mudar algumas coisas. Ela aproveitou o momento em que abriram o novo selo para levar todo mundo junto ao estúdio. Os álbuns anteriores eram gravados em partes, pois, segundo ela, “eles são ótimos produtores” e era gravado tudo de forma caseira. Com todos juntos, ela também colocou mais de si nas canções. Era hora de a banda assumir responsabilidade sobre o que produzia, a música passou a ter mais esperança ao tratar da tristeza. Mas também os temas políticos e sociais passaram a aparecer, reflexo de sua atuação fora dos palcos amplificados. E, em certo ponto, marcou posição: o lugar de fala da mulher é dela, certas músicas ela deveria cantar, ela não queria que outro homem a representasse no que lhe dizia respeito.
Apesar de não esconder a admiração a seus colegas de banda - “Os caras são incríveis, ninguém chega com um riff para desenvolver! Quando vemos, os caras chegam com a música pronta. Arranjo de guitarra, levada de bateria, linha de baixo, timbres. As demos já são pré-gravações muito qualificadas!” -, o momento de Carol como artista a movia a ocupar um papel mais ativo. “Nesse álbum, com todo mundo lá, eu me senti mais a vontade para brigar para timbrar meu baixo de um jeito diferente, para alterar uma linha ou outra de baixo que eu achasse necessária”.
VONTADE DE FAZER DIFERENÇA
Dizer que Carol é do ABC paulista significa muita coisa. A região é polo da indústria automotiva e, guardadas as devidas proporções, uma espécie de Detroit brasileira encostada na capital do Estado. As coincidências não se encerram com o chão de fábrica da Ford: o ABC é a casa de uma classe média operária intimamente ligada às variações econômicas do país. Não por acaso, também é celeiro de muitas bandas e músicos de rock. A música que o ABC e a periferia de São Paulo produziu a partir da década de 80 é a contraposição ao desbunde do pop- -rock bem produzido, de classe alta e intelectualizado que predominou nas rádios e que, ainda hoje, é a grande referência de rock nacional. Apenas como exemplo, a banda Garotos Podres é de São Bernardo do Campo e o guitarrista Andreas Kisser é de Santo André, tendo se mudado para Belo horizonte para tocar com o Sepultura.
Três décadas depois, a reminiscência desse espírito está em Carol Navarro. Não há qualquer toque de deslumbre em sua posição de artista. Seu lugar no palco é transitório e ela se vê na plateia representada pelas pessoas que vão assisti-la, da mesma maneira que o seu público a vê sobre o palco. A relação de identificação é a mesma. E, ao saber que poderia estar ela mesma na plateia, sente-se responsável por sua música, “as pessoa ouvem as nossas músicas e se identificam, ela vêm nos dizer que aquela música ajudou em um momento ou em outro da vida, para mim se tornou importante transmitir uma mensagem positiva”.
A estética, o contexto, as condições mudaram, mas o espírito de transformação social é exatamente o mesmo. Vem da consciência de que entre o artista e o público só há a diferença de escolha de ofício.
PAPO DE GEAR
“Meu primeiro baixo eu comprei de um amigo. Era um Phoenix que custou 150 reais”, conta Carol com um certo carinho àquele instrumento. Passou a endossar algumas marcas, até que chegou o momento em que quis ter a liberdade de escolher seu instrumento. Quando encontrou um baixo Itália usado, foi paixão instantânea.
O encontro com o baixo da marca californiana coincidiu com um momento em que a banda ganhou popularidade e Carol costumava taggear a marca nas redes sociais. A fábrica, que nunca teve representantes comerciais na América do Sul, percebeu um crescimento de popularidade na região diretamente relacionado à artista e, para surpresa dela, a convidaram para fazer parte dos artistas da casa. Para se ter uma ideia, ela divide, de igual para igual, a página de abertura da marca com Jeffrey Foskett, guitarrista dos Beach Boys e, ainda que seu contrato tenha se encerrado e a marca nunca tenha se estabelecido no Brasil, a marca mantém boas relações com Carol e tem muito orgulho de estar relacionada à artista.
São muitas as fotos de Carol com os modelos Imola e Maranello e é bem possível que eles tenham marcado a estética visual e musical dela nos últimos anos. Mas também é possível encontrar vídeos dela com um Yamaha em punhos. Mas sua mais nova paixão, e talvez a paixão de todo baixista em algum momento, é o Hofner Violin preto que ela adquiriu recentemente. Como o corpo é oco e extremamente leve, ela ri: “parece até um brinquedo”.
O caminho já ficou claro: para além dos modelos tradicionais, depois que encostou o Yamaha com o qual tocou muitos anos, “acho que não vou ter Fenders ou Gibsons, minto, acho que um Mustang talvez eu tenha um dia”.
Carol também se empolga com os pedais. Atualmente, a banda usa pedais da Moeer e está experimentando pedais da Pink Snow Effects, que parecem divertir especialmente a baixista por conta dos fuzz. Assim, a sonoridade varia entre escolhas de efeitos de prateleira e outros handmade, o que combina com a própria proposta estética da banda, que está entre o pop e o alternativo.