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TITANIUM - TITA LIMA

TITANIUM - TITA LIMA

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A FORÇA DE QUEM ENCONTRA O PRÓPRIO CAMINHO

Por Fernando de Freitas

É um álbum de libertação. Tita Lima se redesenha como cantora no seu último trabalho, cuja produção arrastou-se por 5 anos em função das mais variadas intempéries. O título (e trocadilho com o próprio nome) se refere exatamente à resistência necessária para que ele fosse lançado. Dentre os muitos acontecimentos que marcaram esse período, um acidente de carro, cuja gravidade paralisou por mais de um ano as atividades de Tita, e fez com que a cantora precisasse de titânio em diversos ossos de seu corpo.

De titânio também é a vontade de Tita, que abandonou a cena paulistana para viver no deserto californiano, uma nova vida que marca o álbum, que oscila entre a saudade e a esperança. Pode-se ir mais longe, e interpretá-lo como um recado para aqueles que a relacionam com seu pai Arnolpho Lima Filho, o Liminha, produtor de inúmeros artistas e sucessos da música Brasileira, entre eles os Titãs (banda essa cuja gravação do disco Cabeça Dinossauro a cantora lembra de frequentar). A partir do título é possível pensar todo o álbum, porém, se trata de um trabalho tão próprio, de produção tão cuidada, que se levar apenas pelo título seria injusto.

O TRABALHO COM MIRANDA

Com dois álbuns anteriores (11:11 e Possibilidade), Tita fazia uma MPB que se enquadrava dentro da cena e tradições. Porém, nas primeiras conversas com o lendário produtor Carlos Eduardo Miranda (muito conhecido pelo programa Ídolos), a direção do trabalho começou a mudar. “Ele disse que eu devia assumir essa minha veia pop”. Assim surgiram as linhas de baixo pop bem marcadas. Aquele pop bom com soul e rhythm’n’blues, balançante que guia os instrumentos”.

Assim a mão do produtor, que a conhecia desde pequena, ajudou em sua primeira libertação, e sua intervenção foi tão intensa em diversas músicas que ela o trouxe para a gravação em São Paulo, no Plug-in Estúdio.

“Em Solitária solidão, Adrian Quesada, da banda Echocentrics, escreveu a base e o Miranda desconfigurou o arranjo original totalmente. A música tem uma vibe dark e de revolta, a letra fala sobre um dia chuvoso e sobre as chuvas em São Paulo, que destroem casas e alagam bairros, deixando muita gente desabrigada e sem nenhum suporte. Já El Amor del Perro por la Paloma, que é música do meu pai, era pra ser uma bossa, mas Miranda mudou o arranjo trazendo uma vibe pop anos 80. A letra fala sobre amores platônicos, é a paixão de um cachorro que sonha em ter asas para voar e ter um romance com uma pomba”, conta Tita sobre as intervenções do produtor nas composições que ela trazia.

O álbum, ou pelo menos o núcleo, foi gravado em três dias. Sem a bateria, que seria acrescentada posteriormente nos Estados Unidos, Miranda comandou uma equipe de músicos para gravar teclados, baixo e guitarras, sem mencionar, claro, a voz de Tita. Assim também ficaram marcados em outras faixas os arranjos de Miranda que a cantora faz questão de ressaltar. “Com Você sabe muito bem o que me resta foi amor à primeira escuta. A versão que Miranda e eu fizemos teve influência de Korguis 1970 , everybody‘s got learn sometimes. E a letra, por coincidência, fala, também, sobre o autoconhecimento e o aprendizado de cada um em situações de vulnerabilidade. E em Novidade, música de Ricardo Kudla, minha e do Cris Cado fizemos a letra da parte em inglês, que encaixou perfeitamente. Ela fala sobre estar no pico da meia idade, feliz e satisfeito com a rotina, rodeado por experiências e pessoas incríveis. Sobre focar no positivo para se ter beleza e abundância diariamente. Nos arranjos de Miranda, adoro os teclados e a guitarra dessa música!” .

NOVAS PARCERIAS E SAUDADE DO BRASIL

Quando de mudou para os Estados Unidos, Tita primeiro se juntou à banda Echocentrics, no Texas, depois mudou-se para a Joshua Tree, cidade no deserto Californiano. Tendo vivido entre São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, o cenário mais árido e isolado também marca o disco. Seja por meio da sonoridade, seja por meio dos temas.

É também uma marca de troca de parcerias. Tita se retirou da cena paulistana onde circulava entre os irmãos Tulipa e Gustavo Ruiz e a cantora Tiê, por exemplo, nas casas da Vila Madalena para uma cena inteiramente nova e com novos parceiros.

E foi nos lá nos Estados Unidos que conheceu o brasileiro Peter Pedro, de quem fala com o maior carinho. Com ele escreveu uma música sobre uma saudade estranha chamada Sweet Sunday. “Ele me deu a base, a bateria e o syntch, aí coloquei a slide guitar e a percussão, o trombone também é dele. A letra fala sobre saudade de um grande amigo, daqueles para quem você telefona no domingo quando está triste ou saudosa, mas esse amigo, na época, havia me bloqueado nas redes sociais a mando da nova esposa que era super ciumenta e a letra fala sobre um possível reencontro que nunca aconteceu”. É dele também uma música importante para recuperação de Tita do acidente que sofreu durante o processo de mixagem do disco. “Go Beyond é tudo que precisava ouvir após o meu acidente. Durante os dias de dores, aprendi a meditar e a colocar minha mente em lugares lindos aos pra onde meu corpo não podia ir”.

Foi também Peter Pedro que a ajudou a retomar o trabalho no álbum quando mais um fato a abateu, o falecimento de Miranda. Foi preciso reunir forças novamente para continuar, pois ela havia reassumido o projeto devagar e respeitando seus limites físicos, quando perdeu seu amigo e produtor.

Tita também aproveitou o melhor que seu espírito cosmopolita pode lhe proporcionar: compôs com Ili Naldekova, musicista brasileira/búlgara radicada em Los Angeles, a faixa Bittersweet. “Eu tinha a base e o refrão na cabeça prontos e mandei para Ili, que escreve lindamente em inglês. Gravamos literalmente tudo em um take, eu queria que fosse assim, a primeira valendo! A música fala sobre a contradição de ter um relacionamento à distância”. O mesmo aconteceu em Beijo os seus lábios e Cais, em que ela trabalha com pessoas de diversas nacionalidades. “Essa letra (beijo os seus lábios), foi um poema escrito por Silvia Vasconcellos que, para mim, tratava do assassinato de um amante. A original dizia “sangue escorrendo” e eu cantei “sangue esquentando” porque não me sentia confortável com a imagem que a letra me trazia. A base é de Baron Rétif & Concepción Perez, amigos do produtor francês Fulgeance. Os barítonos sax e clarinete foram todos tocados lindamente por Eva La Flamme. Cais escrevi indo para uma festa de réveillon em Paraty, na ilha do Sapeca, aquelas festas históricas que a gente nunca esquece. Eu tinha vinte e poucos anos, não era mãe ainda, era livre como uma pluma e estava entre amigos maravilhosos. Uma das minhas viagens de ácido que deixam as cores mais vivas e os sentimentos mais aguçados. Eu guardei o refrão na cabeça e usei quando Evan Laflame e Bosq me trouxeram um loop como base”.

Ao final, temos um álbum em que ouvimos Tita liberta por suas escolhas. Talvez ela tenha pago o preço, mas a recompensa é grande. É, sem sombra de dúvida, seu trabalho com mais personalidade. É um resultado de tudo que ela fez e colocou de si durante sua jornada como musicista, seus amigos, sua experiência com Tom Zé, ser filha de quem é, tudo isso está lá, não como aparência, mas parte da estrutura metálica que constitui sua obra. Se fosse no Brasil, seria tijolo e cimento, mas ela está lá e é feita de titânio.

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