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MUITO ALÉM DA BATERIA DE ANDRÉ JUNG
MUITO ALÉM DA BATERIA DE ANDRÉ JUNG
O primeiro baterista do Titãs, que ainda tem uma longa história com o Ira!, conta um pouco sobre sua trajetória, que tem muito mais percussão do que a gente imagina
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Quem vê André Jung soltando a mão na bateria não imagina que o seu primeiro instrumento foi a flauta, quando estudou música barroca. Depois, ainda veio um flerte com o violão, uma breve história com o contrabaixo, para só então encontrar o caminho da percussão. “Já era um percussionista profissional quando achei que seria uma boa estudar um pouco de bateria”, lembra.
Esse “pouco” acabou virando muito mais do que ele poderia imaginar. A sua primeira aquisição foi aos 20 anos e o convite para integrar os novatos Titãs veio em seguida. “Quando Sonífera Ilha estourou, eu era um baterista bem recente. Tocava há uns dois anos só...”, diz. Foi o suficiente para conquistar espaço na banda.
O encontro era mais do que obra do acaso. “A bateria tomou um espaço da minha vida grande por conta desse sucesso”, conta. O ano era 1982, o rock dos lendários anos 1980 começava a tomar forma e André fincou o seu nome nessa história. No réveillon de 1985 ele se despediu da banda, para cinco dias depois subir ao palco com o Ira!, que veio a ser a sua casa por mais de vinte anos.
“O Ira! Me deu muito espaço, já que era um trio e não uma banda, diferente da formação dos Titãs. Fiquei até 2007, com 13 álbuns e 3 DVDs para contar a história”, soma. Antes de toda essa caminhada, Jung fez parte da linha percussiva da banda Sossega Leão que, nesse início da década de 1980, era tão proeminente quanto os autores de Sonífera Ilha. “O Nando Reis era o cantor da banda e, assim como eu, também teve que escolher qual caminho seguir”, relembra. Na Sossega, que tocava música afro-caribenha, André tirava o som de congas. “Queria seguir como congueiro, mas a bateria falou mais alto na época”, conta.
Uma volta no tempo
Neste final de década, Jung se juntou a uma galera e voltou para as suas raízes. Com os Trip Teasers ele se reencontrou com as congas e os bongôs, junto a músicos bem mais jovens. “Em média, eles são 18 anos mais jovens do que eu. Eles me procuraram e a gente começou a tocar sem compromisso, mais para encontrar uma linguagem e uma personalidade. A banda sequer tinha nome”, conta.
No início, como em 99% das bandas, eles começaram com músicas de outros grupos, para então enveredar para uma música própria. “Como cada um tem outra ocupação, inclusive eu, o trabalho não tem pressa, mas busca qualidade no que a gente faz. Fizemos em casa dois temas e dois clipes”, destaca André. Em casa quer dizer que eles gravaram, mixaram, produziram, no bom e velho estilo handmade. O primeiro baterista do Titãs, que ainda tem uma longa história com o Ira!, conta um pouco sobre sua trajetória, que tem muito mais percussão do que a gente imagina
E, para o ano que entra, eles já têm novidades. “Para 2020 já temos um tema em desenvolvimento, que chama “Paisana”. A Liviana Costa é quem faz o vocal e ela é ótima. É uma cantora que vai da música eletrônica a música lírica, além de escritora”, adianta.
Dos dois lados do balcão
Os bons anos de estrada fizeram de Jung um cara para lá de experiente quando o assunto é música, o que o fez ter experiências também como produtor, com nomes como Manu Gavassi e a banda Stevens. “O trabalho de produção musical tem muitas vertentes. Tem produtores que trabalham com a parte técnica, que são muito capazes de operar a tecnologia e as suas possibilidades. Outros têm um feeling muito bom e conseguem extrair o que o artista tem de melhor. Procuro usar um pouco de cada característica no meu trabalho”, explica.
Embora busque o equilíbrio no trabalho de produção, André conta que, muitas vezes, cabe a ele fazer o papel de coach. “É preciso criar uma rotina para fazer o artista se soltar, fazê-lo desabrochar. Muitas vezes, eles não têm experiência em estúdio e se sentem intimidados na gravação. É preciso criar condições para ele assumir esse desafio com a garra necessária”, comenta.
Já como artista, André acredita que é mais fácil ser conduzido. “Para ser um produtor de qualidade você precisa colecionar uma série de experiências para conhecer erros e acertos. No papel de artista, já não. Muitas vezes, a experiência te faz perder determinadas características de espontaneidade, originalidade, que a juventude tem tão forte e, com o passar do tempo, podemos perder”, diz.
Dos novatos, Jung quer mais é que eles rompam com as tradições, tragam um outro olhar, marquem a sua identidade. “Ser produzido, a gente aprende com o tempo. No primeiro trabalho, você não consegue avaliar o trabalho que você está recebendo. Fulano faz bem tal coisa, ciclano manda bem em outra coisa... Nos primeiros discos é muito comum só obedecer ou desobedecer totalmente”, ironiza. E, não, não são relações nada fáceis. “Muitas vezes, o artista tem um ciúme tão grande da sua obra, que gera um problema. O papel do produtor não é registrar, mas aprimorar as características de comunicação daquela ideia”, completa sobre o conjunto da obra.
Um olhar de fora
A saída de André do Ira!, foi conflituosa. “A gente fica um pouco na dúvida do lugar que a gente ocupa... Eu era o baterista do Ira! ou um baterista que tinha deixado uma marca? Esse recomeço teve muito receio, incertezas... Hoje, dez anos depois, posso dizer que me sinto muito bem”, conta. Ao sair da correria de ensaios, gravações, shows e tudo o que a carreira musical implica, Jung percebeu o respeito e o carinho dos músicos que acompanharam a sua caminhada. “Ouço boas palavras de músicos de todo o Brasil, que me tratam com um carinho que me deixa muito lisonjeado. Muitos dizem que tiraram músicas minhas... Eu não imaginava isso. Eu estava muito ocupado com o dia a dia, as minhas obrigações e o diálogo era bem menor do que hoje”, conta André, que ainda atua como importador da marca Pearl, o que faz com que o seu dia a dia seja repleto de encontros e, de quebra, ele ainda vê que deixou, sim, a sua marca.
Entre as suas referências, Zé Eduardo Nazário, Robertinho Silva (Clube da Esquina) e Nenê o inspiraram no início. “Nenê foi o baterista do Falso Brilhante, tocou com a Elis, em uma fase incrível do Hermeto, com o Egberto Gismonti”, diz. Quando o rock começou a tomar espaço, Franklin Paulilo (Tuti-Fruti) e o Marinho (Mutantes) foram os caras que deram o tom. “Eram os caras da Pompeia, que eu curtia muito”, conta. Depois ainda teve Charles Gavin, seu sucessor nos Titãs, e João Barone, do Paralamas. “Na música pop, mais importante do que a virtuosidade da bateria, é saber como se comportar em uma canção. É preciso bom gosto para isso, como tem o Haroldo Ferreti, do Skank”, finaliza.