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RODA #8
Sempre que começava a escrever um editorial, a Roda já estava pronta. Desta vez foi diferente: ansioso com esta edição, fiquei imaginando os caminhos que ela iria tomar e acabei transformando esse exercício criativo no texto de apresentação da revista. Isso bem antes de aprontar todo o resto. Fiquei pensando, por exemplo, se o Helio Flanders, tema da nossa matéria de capa, estaria disposto a falar abertamente sobre um possível conflito entre o seu debut solo em disco e sua estabelecida banda Vanguart. Se as lentes nipônicas de Kitamure Hirosuke conseguiriam apresentar uma nova visão dos prostíbulos do interior baiano e, ainda, se 12 páginas do 3X4 seriam suficientes para captar toda a arte das imagens criadas por Rodrigo Yokota. O resultado da edição do material da viagem do fotógrafo Edu Monteiro à China, o conteúdo do perfil da cantora gaúcha Duda Brack, os pitacos do Márcio Bulk, as reflexões da crônica de Alex Gomes e as palavras do cantor Cesar Lacerda, que disseca seu mais recente trabalho, da primeira à última página, também fizeram parte desse processo. Quanto ao Display, você deve pensar: “Ah, ele vai dizer que também imaginou um monte de dicas bacanas para ele”. E não é que imaginei mesmo? Agora, é só conferir o que foi gerado. Boa leitura.
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EDITORIAL
BOB COTRIM . EDITOR
EDU MONTEIRO
Sempre incansável, Edu Monteiro, atravessou o mundo para expor seu trabalho na China e aproveitou para conhecer de perto o que aquele país anda aprontando em termos de fotografia. Não satisfeito, ele também nos apresenta um ensaio feito no interior da Bahia e captado pelos olhos de um oriental.
DANIEL CHEESE-VOLPINI
Ele começou a trilhar o mundo da música no início dos anos 80, pilotando sua guitarra no lendário grupo Água Brava, ajudou a desbravar e a sedimentar o caminho de muitas bandas da época. Apaixonado por estúdio, se transformou num dos grandes engenheiros e produtores daqui. Curiosidade: um determinado disco dos anos 70 foi o deflagrador de toda essa paixão. Solta o play aí, Cheese!!
ALEX GOMES
Desde que o homem começou a se locomover alguma trilha sonora o acompanha, sejam os sons da natureza, os playlists das fitas cassetes ou, mais recentemente, os streamings. A pé, no pedal ou a motor, a música sempre pode embalar nossos caminhos. A crônica de Alex Gomes ajuda a refletir sobre um dos casamentos mais antigos e duradouros do planeta: o da música com o movimento.
LUCIANA WERNER
Lu assistiu e comenta com propriedade a performance convincente de Meryl Streep como uma autêntica roqueira no mais novo longa da atriz. Ouviu o primeiro disco do paulista André Whoong e já começou a produzir novas pautas que em breve estarão em nossas páginas. Vestiu literalmente a camisa.
MARCELO D’ALMEIDA
Toda vez que é escalado para o Display, D’Almeida quer saber logo sobre qual estilo vai ter que se debruçar. Como ele jura ser um dos responsáveis pelo lendário quebra-quebra das cadeiras do Teatro Carlos Gomes no Rio quando os Titãs apresentaram “Cabeça Dinossauro” por aqui, é lógico que a crítica de “Nheengatu ao vivo” só podia ser dele, né?
MIGUEL RIO BRANCO
Miguel começou a expor seus trabalhos em 1964 e, desde então, transita com sucesso internacional pela fotografia, artes plásticas e cinema. Ganhador, na França, em 1982, do Prêmio Kodak de la Critique Photographique, Rio Branco vem apresentando sua obra nas melhores galerias do mundo, como o Centre George Pompidou e a Magnum Gallery de Paris, entre outras. O mago das imagens usa as palavras para apresentar o ensaio de Kitamure Hirosuke.
MARCIO BULK
O banquete já foi servido, outras iguarias musicais estão por vir, mas, enquanto isso não acontece, Márcio continua encontrando tempo e vontade de sair por aí para ouvir e conhecer novas vozes do nosso cenário musical. E é sobre Ive Seixas o pitaco da vez.
IVAN COSTA
O caçador de perfis dessa vez bateu um papo com uma das maiores revelações do canto feminino brasileiro, a gaúcha Duda Brack. Ivan conta um pouco da trajetória artística dessa menina que veio para ficar. Também comenta a performance ao vivo do cantor e compositor Jards Macalé e lembra da estreia arrebatadora da baiana Pitty em disco.
SALVYANO CAVALCANTI
Artista plástico e sexagenário (ou sexyagenário, como ele mesmo alardeia), ele vive no meio de tintas e gesso, sempre embalado por uma trilha sonora. Colecionador de relíquias editoriais, ele pinça uma especial do fundo da sua estante, do período paleolítico do rock brasileiro.
COLABORADORES
Revista Roda #8 outubro 2015
Editor de Conteúdo . Bob Cotrim bobcotrim@revistaroda.com.br Editor de Imagem . Daryan Dornelles daryandornelles@revistaroda.com.br Editor de Arte . Tello Gemmal tellogemmal@revistaroda.com.br
RODA #8
Colaboraram também nessa edição Ariel Martini e Patricia Ribeiro.
RODA . CONTATO Para enviar comentários, sugestões e críticas contato@revistaroda.com.br RODA . PUBLICIDADE comercial@revistaroda.com.br RODA . REDAÇÃO Para enviar sugestões e material para review redacao@revistaroda.com.br RODA . WEB www.revistaroda.com.br RODA . SOCIAL Coordenador de Redes Sociais . Alexandre Florez redesocial@revistaroda.com.br FACEBOOK.com/revistaroda
Projeto Gráfico Ofício21
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EXPEDIENTE
Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.
...ĂŠ fotografia
arte . Rodrigo Yokota
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EDITORIAL ENTREVISTA . HELIO FLANDERS 3x4 . RODRIGO YOKOTA POR AÍ... IMAGEM CHINESA FOTOGRAFIA . KITAMURA HIROSUKE PERFIL . DUDA BRACK CRÔNICA . MÚSICA E MOVIMENTO MUITO PRAZER! . PITTY PITACOS VALVULADOS . MARCIO BULK SÓ LETRA . ROBERTA CAMPOS FRENTE VERSO . SALVYANO CAVALCANTI +++DISPLAY+++
04 10 20 34 40 58 62 66 68 70 72 74
RODA #8
POR BOB COTRIM FOTOS . DARYAN DORNELLES
Helio Flanders
10
s
É com muita certeza e segurança que o cantor e compositor Helio Flanders está encarando o lançamento do seu primeiro disco solo, chamado sugestivamente de “Uma Temporada Fora de Mim”. À frente do grupo Vanguart, ele já tinha conquistado plateias e a crítica pelo Brasil afora e agora encara esse novo desafio sabendo
exatamente
onde
ele
começa e onde termina. Nascido e criado em Cuiabá, Mato Grosso, Flanders sempre foi um garoto
envolvido
e
encantado
pelas artes, que cedo começou a se interessar por poesia e canções e que desenvolveu essa aptidão trabalhando de forma compulsiva e intensa. Aos 17 anos, quando voltou de uma viagem pela América do Sul, decidiu juntar os amigos e colocar tudo isso para fora através da música. A vinda para São Paulo, em meados de 2005, aconteceu de forma natural e espontânea, assim como toda a trajetória da banda, que escolheu trilhar um caminho mais alternativo no mercado. O talento artístico de Helio, que é reconhecido por artistas de várias gerações, está totalmente nu e exposto nesse álbum, de um jeito que ninguém nunca viu.
Como está sendo para você lançar um trabalho solo? Era um desejo antigo? Eu não diria que chega a ser um projeto antigo. Quando eu comecei o Vanguart e essa coisa de ser artista, um compositor mais do que um intérprete, era assim: um processo muito solitário e individual. Por isso, de tempos em tempos eu tenho que botar para fora. O Vanguart cada vez mais vem se tornando um processo coletivo de criação. Felizmente, e eu consigo ver cada um da banda nos arranjos, eu me completo muito ali. Mas quando eu voltava para casa e me via sozinho com o piano e suas cordas que eu amo, eu me enxergava como aquele crooner solitário, como Nelson Gonçalves, Cauby ou Sinatra. Então, é mais como retornar até um Helio que há muito eu não acessava. O Vanguart não te dá essas possibilidades? Isso acontecia quando eu cantava com a Cida Moreira, nos meus duetos com o Thiago Petit. Curiosamente, todos esses parceiros estão nesse álbum. Eu estou completo do outro jeito, mas sentia uma necessidade totalmente artística e por ser só artística me deu muita liberdade, eu fiz tudo do jeito que eu queria. Você diria que esses dois Helios, o do Vanguart e o sozinho, são distintos um do outro?
São duas personas distintas que eu carrego, como o próprio titulo sugere. Seria um respiro para além do caminho natural das coisas, do coletivo, digamos. Eu gosto muito do trabalho coletivo do Vanguart de mobilizar as pessoas, mas eu também gosto muito de estar sozinho com o piano, num lugar escuro, tocando para vinte pessoas. Se eu não tiver esse lado serei um músico infeliz, um artista incompleto. Portanto, estou muito feliz de estar pleno nas duas coisas. Sentiu algum desconforto, já que está acostumado a ter a banda por trás, ao encarar essa solidão artística? Eu diria que é mais uma inabilidade do novo, essa situação tem várias camadas e eu ainda me sinto um pouco incômodo de tocar, em todos os sentidos. São temas tristes demais, reflexivos demais e íntimos demais, mas, ao mesmo tempo, eu sinto que eu estou no meu lugar. Eu precisava disso. As composições são autoreferenciais? É difícil dizer, eu sou muitas pessoas (risos). É curioso você perguntar isso porque esse trabalho é sobre uma tristeza desoladora, e num determinado momento você perde um pouco o fio da meada do que é realidade e do que não é, tipo o delírio da dor. Você está se debatendo emocionalmente com um sentimento muito desconfortável, não saber
se aquela mulher você conhece ou não, o que eu estou fazendo aqui ou quem sou eu. Isso permeia o álbum. Podemos dizer que você assume um personagem para conseguir nos mostrar essa narrativa de cunho pessoal? Eu tenho tantas dúvidas entre a linha de fronteira do compositor com o “eu lírico”, talvez porque não queira enfrentar certas coisas que eu senti e falei no álbum, ao mesmo tempo que é inegável que sou eu. É um disco que fala desse delírio da falta de clareza dos próprios sentimentos misturado com todas as minhas facetas musicais. Tem um pouco sobre Cuiabá, sobre a Cida Moreira, uma cantora que foi fundamental na minha formação, o Arthur de Faria, que sempre foi meu arranjador favorito, e, para minha felicidade, ambos estão nesse projeto comigo. Isso, sim, eu posso dizer com certeza que é autoreferencial. Você é um cara de ideias musicais muito lúcidas, mas parece ter uma certa dificuldade na hora de explicar seu processo criativo. Por quê? Pois é, acho que está na hora de voltar para a análise, eu parei e voltei a escrever canções. Eu tinha cansado de ser autobiográfico e vinha tentando manter um certo distanciamento, mas com esse álbum isso não foi possível. No início de 2014 eu me vi num momento muito soli-
“ eu me enxergava como aquele crooner solitário, como Nelson Gonçalves, Cauby ou Sinatra ”
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tário e fui ficando cada vez mais recluso. Como você vê, é tudo um pouco perturbado, a criação é dolorosa. Você citou Cuiabá agora há pouco. Essa perturbação existe desde a sua infância na capital mato-grossense? Como era o Helio na infância? Eu acho que sempre tive um pouco, tem uma biografia romanceada do Augusto dos Anjos, da Ana Miranda, que foi meu primeiro poeta, que fala que o amor já é sentido na infância, mas a gente não sabe disso. Eu sentia pancadas no peito que eu associava mais a fome. Isso foi começar a se acentuar com 13 anos. Eu sempre caía nos artistas de cunho muito emocional, como Bob Dylan, Patty Smith, Joni Mitchel e Morrisey. Mas, apesar desses momentos, fui um garoto que aproveitou bastante a infância. O ambiente da sua casa lhe proporcionava todas essas possibilidades de contato com a arte? Na verdade eu morava com a minha mãe e minha irmã, o meu pai morava no Paraná e eu passava as férias lá. Meu pai era o cara dos livros, dos Beatles, do Hendrix, ou seja, foi a minha primeira porta. A minha casa não era um lugar onde se tocasse violão ou cantasse, mas eu tentei absorver tudo o que vinha na minha direção. Minha irmã é mais velha e do rock’n’roll, ela me apresentou de Black Sabbath a Nirvana, eu fui enlouquecendo com isso. Mas em que momento você arregaçou as mangas e começou a criar musicalmente falando? Quando eu tinha 12 anos, eu me apossei de um violão antigo do meu pai e comecei a ter aulas. De repente eu já estava
compondo as minhas primeiras músicas, muito fracas diga-se de passagem. Compor e principalmente tocar foi se transformando num processo compulsivo. Tanto que o primeiro álbum do Vanguart foi composto quando eu tinha 15 anos. Nessa época, as descobertas não paravam. Na poesia apareceu o Walt Whitman, que mudou a minha vida completamente e foi o meu melhor amigo durante anos, o piano do Tom Jobim, a música modal, a escola de Viena. A verdade é que esse processo nunca mais parou. E quando Cuiabá ficou pequena para você? Até os meus 20 anos eu tinha tantos lugares para ir dentro da minha cabeça que as fronteiras de Cuiabá nunca me impediram de nada. Com 17 anos, depois de voltar de quase um ano na Bolívia, eu reencontrei a cidade dos meus sonhos, como a “Youkali” da canção de Kurt Weill. Eu tinha os livros, eu tinha a música, e me bastava. Eu só senti isso em 2005, quando o Vanguart foi tocar pela primeira vez em São Paulo e acabou sendo incrível. Somente nesse momento eu vi que era hora de deixar tudo aquilo para trás. A decisão de escolher a música como um caminho de vida não suscitou dúvidas? Nenhuma outra possibilidade lhe ocorria? Uma das coisas que mais me libertaram no sentido autoral foi ter a consciência de que viver de música era muito utópico, eu nunca achei que isso aconteceria. Primeiro porque eu nunca me adequei no sentido comercial da coisa e, depois, porque eu estava em Cuiabá e era tudo muito distante. Eu dava aula de
espanhol e inglês e me virava, não tinha a ambição de ser conhecido ou reconhecido, é lógico que quando as coisas começaram a acontecer eu achei o máximo, mas na gênesis de tudo, a nossa preocupação era fazer tudo exatamente do nosso jeito. Nesse sentido, Cuiabá foi fundamental, eu não sei se isso tudo teria acontecido se nós vivêssemos em São Paulo. Mas o trabalho às vezes ganha vida própria e você perde o controle sobre ele. Foi isso que aconteceu com o Vanguart, certo? A nossa atitude, quando isso começou a acontecer, era de aproveitar o máximo que desse, porque daqui a pouco isso iria acabar. O primeiro show do Vanguart em São Paulo foi numa casa noturna da Rua Augusta que só tinha banda de rock com guitarras e nós com aqueles violões e teclados achávamos que iriam nos tacar latas na cabeça. Foi só quando terminou que a gente percebeu que a plateia tinha gostado de verdade. Três meses depois a gente voltou e um cara da MTV chamou a gente para gravar o programa “Banda Antes”. Nós já tínhamos algumas músicas, como “Semáforo” e “Cachaça”, que viriam a ser o carro-chefe do nosso primeiro disco, em 2007. Nesse meio é comum a existência de turmas, não estou falando de forma pejorativa, mas estar dentro de uma é sempre uma boa maneira de se inserir no contexto. O Vanguart faz parte dessa nova turma paulista da música brasileira? A gente sempre foi de todas as turmas e ao mesmo tempo de nenhuma, nós sempre gostamos de assistir a toda essa galera e de participar. Mas eu en-
“o amor já é sentido na infância, mas a gente não sabe disso. Eu sentia pancadas no peito que eu associava mais à fome”
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xergo esse contexto que você cita, muito mais pelo fato de pertencermos a uma geração que já chegou no mercado com todas as possibilidades e ferramentas que a internet pode proporcionar. São Paulo foi uma escolha ou vocês foram escolhidos pela cidade? As duas coisas. Cuiabá era muito longe e caro e São Paulo nos acolheu, era como se a cidade dissesse para nós que era muito importante estarmos ali naquele momento, entende? É um lugar maravilhoso de se morar e nos deu o suporte necessário. Você sentiu essa mudança? Como um garoto do interior de Cuiabá reagiu vindo morar nessa metrópole? A primeira coisa que eu pensei foi, putz!, finalmente eu poderia assistir a todos os shows interessantes, de Rômulo Fróes a Mombojó, de Dylan a Morrissey. Para quem é daqui isso é normal, mas, para quem vinha de Cuiabá, era uma festa. Poder ir às exposições de artes plásticas e ver a arquitetura da cidade é fantástico. No momento o trabalho está me consumindo, mas, sempre que posso, eu procuro acompanhar tudo. A sua relação com a música é monogâmica ou você flerta com outras possibilidades de expressão artística? Eu fiz uma trilha sonora no ano passado e outra esse ano, agora eu estou fazendo a direção musical para um grupo de teatro muito importante aqui de São Paulo, o “Teatro de Narradores”, com o José Fernando Peixoto dirigindo. Mas e a poesia, ela também não entra nesse nicho? Eu acho que a poesia está em absolu-
tamente tudo que eu faço. Na arte, eu diria que me dedico até mais à poesia do que à própria música, no sentido de ler poesia, traduzir. Eu sempre escrevo uma letra pensando que ela pode ser simplesmente lida. Eu até me policiei no último disco do Vanguart, porque eu sentia que estava caindo num universo poético demais, então foi até um desafio, como letrista, ter que escrever de uma forma mais direta. Nesse disco solo já foi o contrário, eu quis ser bem poético mesmo. Tivesse eu que escolher uma forma de arte, eu ficaria com a poesia. O ato poético, seja numa canção ou num balé, é o que mais me emociona e me impulsiona a construir coisas, é o que me move. Como um cara com essa alma poética lida com as questões que afligem a maioria do povo brasileiro no momento? É um momento de histeria, onde está todo mundo enlouquecido, uma hostilidade gratuita em todos os lugares, existe muito ódio nas pessoas. Ódio racial, xenofobia, a liberdade individual que bate diretamente com a questão religiosa ou com o fanatismo religioso, homofobia. Enfim, é tudo muito preocupante. Eu me sinto impelido a me pro-
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“Na poesia apareceu o Walt Whitman, que mudou a minha vida completamente e foi o meu melhor amigo durante anos” nunciar a respeito, seja num show ou dando uma entrevista. É um papel nosso, é nossa responsabilidade falar disso. Mas a sua música não é panfletária nesse sentido. Qual o motivo? Eu não consigo fazer, eu não tenho essa qualidade. Nesse aspecto, o Emicida, hoje, é um cara fundamental para isso. Ele aproveita muito bem o espaço que tem para falar nas suas canções do racismo e das desigualdades sociais, é um
cara que eu superadmiro. Eu ainda não encontrei dentro de mim uma voz autoral capaz de atingir as pessoas, mas como a gente está chegando num ponto emergencial das coisas, talvez esteja chegando o momento de pedir licença para o nosso público e fazer também música com esse tipo de discurso. Essa temporada fora de você mesmo vai até quando?
Esse disco, desde a sua manufatura, foi entendido por mim de uma outra maneira. Ele é diferente até no modo de apresentá-lo para as plateias, se me chamarem para tocar em lugares grandes, não vai rolar. A mensagem dessas canções é para ser dita ao pé do ouvido e não gritadas ao microfone. Eu não lancei um disco para competir comigo mesmo, a minha prioridade segue sendo o Vanguart.
<<NA OUTRA PĂ GINA Flanders em cena com o Vanguart durante o Lollapalooza 2013 foto . Ariel Martini
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3x4 RODRIGO YOKOTA
Ano de nascimento: 1983 Cidade onde nasceu: São Paulo Cidade onde cresceu: São Paulo Cidade onde vive: Praga Uma cor: Preto Um trabalho de alguém na sua área que te marcou: “self-portrait with a black eye”, do Lucien Freud Principais ferramentas de trabalho: atualmente, lápis, guache, aquarela, digital e ,de vez em quando, spray Onde gostaria de ver o seu trabalho exposto? Gostaria de pintar em algum lugar da África Quem você convidaria para ser seu modelo vivo? Qualquer pessoa que esteja disposta Quem você gostaria que fizesse um retrato seu? Vincent Van Gogh Se pudesse levar só uma imagem para Marte, qual seria? Levaria a mesma foto que estou carregando na minha viagem pela Europa, da minha família inteira reunida, quando eu tinha apenas 1 ano e meio
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Em que momento da sua vida você se decidiu por este caminho profissional? Desde criança eu já sabia que queria seguir este caminho, nessa época, meus irmãos mais velhos já trabalhavam na área, o que me serviu de grande influência. Houve alguma mudança radical no seu trabalho durante essa trajetória? Algumas, mas uma que me marca bastante, foi em quando estudei computação gráfica em Hokkaido, Japão, e tive minha primeira aula de desenho, isso aconteceu tarde, Eu já tinha produzido alguns trabalhos e exposições e achava que tinha meu próprio estilo. Percebi o quanto devia estudar e entender o que e como eu queria fazer, acredito que reiniciei minha trajetória naquela época. Quais são as suas maiores influências? É quase impossível escolhe-las, pq são tantas e cada uma me influencia de forma diferente, mas vou escolher aqui, três pintores que tenho analisado com mais frequência atualmente. O Russo, Ilya Repin, o americano Richard Schmid, e o britânico James Hart Dyke, além desses artistas e muitos outros, basicamente tudo que eu vejo, sinto e vivo serve de influência para meu trabalho. Seus trabalhos são desenvolvidos dentro de uma técnica especifica ou você se utiliza de todos os recursos disponíveis em prol da sua arte? Atualmente, a maioria tem sido feito em técnicas especificas, mas eu curto quando preciso me utilizar de outros recursos.
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Até que ponto essa “fidelidade a uma técnica” pode engessá-lo, artisticamente falando? Não acredito que a técnica pode engessar alguém, com tal fidelidade você só pode ficar cada vez melhor nela, o que engessa são outras coisas. Qual o papel da tecnologia na concepção e resultado na sua arte? Tenho feito trabalhos digitais que me tomariam um tempo muito maior se não fosse a tecnologia, mas quando pinto pra mim, prefiro ficar no analógico, mas mesmo assim a tecnologia está presente, na confecção de materiais do tipo, tubos de tinta, papéis e pincéis.
Quais são seus temas preferidos, aqueles que você mais gosta de trabalhar? A figura humana com certeza é um dos meus temas preferidos, mas tenho arriscado bastante na paisagem e um pouco de abstrato. Costuma trabalhar várias peças ao mesmo tempo ou prefere começar e terminar um projeto isoladamente? Já trabalhei das duas formas, mas atualmente tenho optado mais por trabalhar em uma de cada vez. Que outros artistas você acompanha com interesse? Essa é tão difícil quanto as maiores influências, mas vou escolher então o brasileiro Roger Cruz, o espanhol Aryz, e o koreano JunGi Kim.
Arte e comércio podem conviver sem conflitos conceituais? Arte e comércio talvez sim, seres humanos, acredito que não, mas a esperança é a última que morre. Qual o preço da sua inspiração? Para saber isso, vai precisar me mandar email com proposta e eu mando o orçamento.
POR AÍ... POR EDU MONTEIRO FOTOS . EDU MONTEIRO
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IMAGEM CHINESA
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Em menos de um ano expus duas vezes na China, em dois dos principais festivais internacionais de fotografia que acontecem por lá. Estes eventos são um espelho do momento que vive o país e refletem o embate entre a tradição e a ocidentalização radical. Logo na chegada, em alguns aeroportos, damos de cara com um McDonald’s no desembarque, ao mesmo tempo em que vemos pessoas usando roupas típicas que nos transportam daquele contexto para um tempo remoto. Estes festivais acontecem geralmente em cidades no interior, e, conforme vamos nos afastando da cidade grande, paisagens impactantes surgem no
caminho, vilarejos e templos convidam para um mergulho em uma cultura milenar. O primeiro festival de que participei tem o nome da cidade onde acontece “Lianzhou Foto Festival”. Eu e os outros convidados internacionais chegamos à noite para a abertura do evento, que aconteceu na praça principal da cidade. Nela estava a maior tela de led que já vi em toda minha vida, montada para alcançar um público formado pelos habitantes da cidade e povoados ao redor, mas que despertaria inveja na produção de qualquer megashow. Falando em show, fomos recebidos como popstars, dando autógrafo e atraindo a atenção pelo nosso aspecto exótico. O turismo internacional em muitas cidades do interior ainda é uma novi-
dade. Nesse tipo de exposição, o lugar todo se transforma em uma grande galeria, as fotos se espalham por mostras nas ruas. Antigas fábricas e outras estruturas são transformadas em galerias, com projetos de iluminação e expografia impecáveis, o que reforça este encontro entre o antigo e o novo. O tema do Lianzhou Foto Festival foi “Encontros Encenados”. Expus minha série “Autorretrato Sensorial” em um antigo granário transformado em galeria com uma montagem perfeita, integrando uma série de exposições individuais dedicadas à fotografia latino- americana, com fotógrafos
brasileiros, argentinos e uruguaios. Ao todo participaram 43 convidados estrangeiros e 67 fotógrafos chineses. Para os fotógrafos estrangeiros, o fato do evento acontecer em uma cidade tradicional do interior foi um dos pontos altos. Se perder nas ruelas com seu sons, cheiros e um visual totalmente diferente do habitual excitava os sentidos. Os chineses, apesar da difícil comunicação e do jeitão meio marrento, são simpáticos com os estrangeiros, valendo tudo para se comunicar: mímica,
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tradutor no celular... Uma das experiências mais engraçadas foi participar de um karaokê, que começa na happy hour e vai até meia-noite. São salas de diversos tamanhos, conforme a quantidade de pessoas no grupo, e eles adoram. Enchem a cara e cantam músicas superromânticas, bem melosas. Outro aspecto marcante é a comida. No café da manhã se come noodles, sopas, tofu e chá. Café preto e pãozinho só se der sorte de pegar um hotel com café continental. Os pratos são bastante temperados, usam muito gengibre e carnes desidratadas; pato, frango, gado e até cachorro (sério mesmo). Mas é uma comida muito saborosa e equilibrada. Outra iguaria apreciada é a pata de galinha, que estão em pratos típicos e até saquinhos industrializados tipo salgadinho. Se um chinês encher seu prato com patinhas, é sinal de que ele gostou de você e quer impressioná-lo. Nesses festivais geralmente são montados cafés superdescolados, com uma pequena livraria para agradar aos estrangeiros. Os livros de fotografia, os fotolivros, também marcam forte presença. Editoras jovens, como a Jiazazhi (jiazazhi.com), subvertem a formalidade com projetos gráficos inovadores e a aposta em novos fotógrafos. A China vive um momento de intensa produção fotográfica, marcada pela passagem de uma fotografia mais documental para uma geração mais conectada, que assume os riscos de apresentar imagens provocativas com nítida inspiração ocidental. Flagrantes do dia a dia da juventude chinesa estão muito presentes, o que transmite a necessidade latente pela busca de uma identidade que concilie a tradição com o novo, capitaneada por uma geração que tem suas redes internacionais e acesso ao outro lado da muralha imposta pela mão de ferro do governo.
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Em Dali, a cidade turística onde realizei a exposição “Saturno” no DIPE (Dali International Photography Exhibition), era fácil perceber essa nova China que se apresenta através das novas gerações. O próprio turismo interno é um fenômeno bem recente, que surge com a abertura cultural e o aumento do poder aquisitivo da população. Jovens vestindo as famosas grifes ocidentais, bonés, paus de selfie e scooters com a bandeira inglesa para visitarem os históricos templos da cidade histórica davam o tom dessas mudanças. Neste festival, os números eram ainda mais impressionantes: foram montadas cerca de 300 exposições para permanecerem apenas uma semana. Muitas das exposições
aconteciam nas ruas para atrair os olhares turísticos. Foi um evento tão grande que ficava impossível conferir em uma semana toda a programação, envolvendo exposições, palestras, feira de arte com galerias de fotografia chinesa, feira de produtos fotográficos e muito mais. A cidade não atrai tantos turistas por acaso, é um local histórico repleto de templos e banhada por um grande lago. Com a intensa abertura para o turismo nacional e internacional, diversos bares e cafés descolados recebem os viajantes com cervejas artesanais, café expresso, bicicletas para alugar e wi-fi. Apesar dos diversos bloqueios do governo, que
proíbe o acesso ao google, facebook e instagram, entre outros, a população consegue driblar a censura com novos aplicativos. Participar de festivais internacionais de fotografia é uma forma fascinante de conhecer o mundo, estabelecer redes internacionais, perceber a produção local e global, conciliar diversão e arte. Eles acontecem pelo mundo todo e são uma interessante plataforma de turismo. Afinal, a fotografia é uma linguagem universal que precisa apenas do olhar. A China investe pesado nestes eventos, como uma estratégia cultural, política e econômica para divulgar a imagem do país pelo mundo.
PERFUME QUEIMADO RODA #8
FOTOS . KITAMURA HIROSUKE
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Algo em surdina surge a cada momento. Fantasmas entre o sexo e a morte, pedaços de sedução que divagam entre mundos perdidos. A sexualidade é transparente, fugidia, e se esfumaça debaixo de nossos dedos. Como definir essa sexualidade em lugar onde o corpo é tudo, material e consumível? E aqui ela se torna fantasmagórica. Como nos contos japoneses de sempre, existe um outro mundo, mas ele está aqui junto a nós. Estas imagens se tornam passagem de tempo, imateriais, fora de qualquer época. O interessante na criação, na arte, fica na individualidade reafirmada de cada um. Isto está cada vez mais difícil em um mundo dominado por propaganda, publicidade, marketing. Cada vez menos aparece o retrato daqueles que criam através de sua obra. Tudo é business, nada é pessoal. Aqui, no que é visto, tudo é pessoal, vivido e sentido. São diferenças essenciais onde hoje a imagem fotográfica se torna cada vez mais tecnicamente distante do que é mostrado. Mas em arte o que têm de ser mostrado é a alma e não o tema. Aqui, os temas se diluem e se misturam. Não ficamos presos a um lugar ou um momento no tempo, passamos para outra fase. Uma fase que nos faz ir para outro espaço, um outro mundo, um limbo. Porém no fundo aparecem peles, dedos, seios, sexos, roupas que se transformam em máscaras, oferendas, luzes e suores baianos mostrados por um japonês que um dia chegou em Salvador. MIGUEL RIO BRANCO
RODA #8
É O título do primeiro disco da cantora Duda Brack, “É”, não poderia ser mais perfeito para essa gaúcha de 21 anos, que aportou no Rio aos 18 e tem o dom da afirmação. Nascida e criada em Porto Alegre (RS), desde pequena gosta de cantar, apesar de ter crescido num ambiente onde a música não era tão presente. Considerada uma criança excêntrica, se destacava nas apresentações musicais do colégio por ser muito performática. Nessa época, a mãe até tentou colocá-la no balé e no sapateado, mas ela não se encaixava direito nessas atividades, era como se intimamente já soubesse que seu caminho artístico seria traçado de forma mais singular. Aos 15 anos, a adolescente começou a passar por mudanças que a fizeram ter certeza do queria. “De verdade, eu não sei decodificar exatamente o que
aconteceu, foram várias coisas juntas, mas uma delas foi marcante. Por conta do trabalho, meu pai nessa época foi trabalhar em Shangai, na China, e eu fui visitá-lo. Nunca tinha feito uma viagem assim, foi a primeira vez que eu tive um choque de realidade, de cultura, e quando voltei, alguma coisa tinha me modificado e a vontade de cantar era uma urgência”, lembra Duda. A dificuldade de se adequar ao mundo sempre a direcionou para um caminho menos convencional, foi através da música e da arte que ela encontrou a melhor maneira de dialogar com as pessoas. De volta ao Brasil, com a decisão de seguir firme na carreira de cantora, Duda começou a mergulhar nesse universo. Passava horas ouvindo MPB, um processo que ela chama de musicalização. “A primeira coisa que me fundiu a cuca foi Tom Jobim.
Duda Brack
POR IVAN COSTA FOTOS . DARYAN DORNELLES
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Depois vieram Djavan, Caetano Veloso e Gal Costa, que foi a primeira grande referência de voz feminina que eu tive. Hoje em dia eu curto de tudo um pouco, como Fiona Apple e Radiohead”, avisa. Apesar do berço gaúcho, que conta com uma cena musical intensa, só mais tarde, quando já estava morando longe do Sul, ela acabou se aprofundando nessa cena e agora tem até planos de fazer algo com a obra do compositor conterrâneo Vitor Ramil. Apaixonada pelo Rio de Janeiro, Duda sempre dava um jeito de passar as férias na casa de familiares naquela cidade e acabou construindo um laço forte com o lugar. A amizade com compositores da sua geração que também estavam buscando seu espaço fez germinar uma das características mais marcantes de sua ainda breve carreira: a vontade de ser autêntica cantando o ineditismo desses autores. Em 2011, ela passou no vestibular para licenciatura em musica na UNI-Rio e mudou-se de vez para o Sudeste. O pulo da gata aconteceu quando ela interpretou e ganhou, com a canção “Because Ousa”, de autoria de Dani Black e João Guarizo, o Festival Nacional da Canção, em 2013. Esse período, participando de vários festivais, foi importante para Duda se solidificar como intérprete, escolher um repertório e também conseguir juntar o capital necessário para investir no próprio projeto musical, o seu primeiro disco. “No fim de 2013, eu já estava com a minha banda formada e com o disco praticamente elaborado. Aí eu resolvi chamar o Bruno Giorgi (produtor do álbum) para me ajudar a formatar tudo definitivamente no estúdio”, conta.
Estilo . Elson Bemfeito
Mesmo com um Beleza primeiro disco . Amanda Schon elogiadoAssistente na praça performances ao de e fotografia . Rogério Belorio vivo chamando a atenção do público e da crítica desde os temposAgradecimentos de colégio, . Estudio Híbrido, Joana Passarelli, ela garante que ainda tem uma Folic, Escudero, Checklist, Aramis, certa dificuldade para digerir tudo Jorge Bischoff, Fill Sete que está acontecendo. “Eu tentei não criar muitas expectativas em relação a isso, minha preocupação sempre foi prezar o que eu acreditava estética e artisticamente. Não pensei mercadologicamente falando, eu queria era fazer um trabalho que me representasse de forma absoluta e sincera. Para minha surpresa, ele está sendo super bem recebido. As críticas ao disco foram muito generosas e os shows têm ficado lotados, com gente do lado de fora”, comemora. Apaixonada pelo palco, onde se sente realmente à vontade, Duda Brack não gosta de fazer muitos planos para seu futuro profissional e gosta de viver o momento, mas não descarta a possibilidade de atuar como atriz. “Como eu tenho uma ligação muito forte com a performance, acho que atuar acaba sendo um caminho natural. Nunca fiz, mas tenho muita vontade de experimentar teatro e cinema. Hoje, eu estou completamente envolvida e plena com meu projeto musical, sem tempo de me dedicar como eu gostaria. Mas seria uma grande realização conseguir fazer pelo menos um filme”, declara ela, que é fã incondicional de Almodóvar e não fica nada a dever às musas do cineasta espanhol. Quem sabe ele não a escolhe para uma das suas futuras produções? Fica a dica.
CRÔNICA RODA #8
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POR ALEX GOMES FOTOS . IVAN COSTA
A questão principal aqui é construir um conhecimento novo para você. E vamos construir juntos esse conhecimento. Na espinha dorsal, temos o esqueleto e o tema principal: sons e movimento. Depois dessa espinha dorsal, percebemos os órgãos internos, as ligações, por fim a pele, a aparência final do bicho-conhecimento que construímos juntos, através da ferramenta texto, a melhor para desafios racionais. Então, vamos por partes. Vou dividir o conhecimento novo em dois lados, porque nós humanos temos dois lados, o de dentro e
MÚSICAeMOVIMENTO o de fora. Teremos assim um pouco do tudo que há no mundo juntando sons e movimento. E o outro lado é o ser movimento, ouvindo sons. Rodamos pelo mundo de avião, trem, ônibus, carro, moto, à pé e de bicicleta. Ouvir e ver são dos cinco sentidos os mais ligados. Mais irmãos em ação. Você pode até incluir um terceiro, por exemplo, comer, ao andar e ouvir música. Ou o sentido do tato, ao fazer isso tudo abraçado com sua companhia. Se o perfume dela for um pouco forte, ou seu
sanduíche for de bacon, temos os cinco sentidos numa só viagem. Não se preocupe com pane cerebral, a cabeça tem no mesmo espaço do cérebro as condições de processar tudo junto. Sinestesia. Pessoas que perdem a visão, por exemplo, usam aquela massa cinzenta que ficou inútil para outros sentidos progredirem. Mas entre visão e audição reside a maior amizade, é fato para os cientistas. Os neurônios sensoriais respondem a informações vindas de órgãos específicos
dos sentidos. Mas não pense que essa especialização é muito rigorosa. Descobriu-se que neurônios visuais respondem melhor a sinais luminosos fracos caso sejam acompanhados por sons, o que sugere que eles são ativados também por informações provenientes dos ouvidos. O cérebro é bombardeado com informações sensoriais, mas apenas uma parte chega à consciência. Muitos desses sinais são eliminados por filtros cerebrais, que retiram as distrações, como
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a música, por exemplo, numa situação de foco. Somente os sinais ricos em detalhes e sem defeitos chegam ao processamento cerebral como percepções conscientes, quase sempre as imagens. Além disso, visões e sons que não percebemos podem influenciar nosso comportamento, como as mensagens subliminares em propagandas ou mensagens musicais. Hoje em dia é comum vermos oito em dez pessoas se locomovendo pelas ruas ouvindo música nos celulares e MP3, mas nem sempre foi assim. Andar e ouvir música, esse hábito no mundo moderno foi definido e atualizado por um invento de 1928, no sul dos Estados Unidos. Uma certa noite quente de verão dois jovens chamados William Lear e Elmer Wavering
levaram de carro suas namoradas até um local onde havia uma majestosa vista do rio Mississipi, na cidade de Quincy, no estado de Illinois, para ver o pôr do sol. A velha conversa de ver a corrida de submarinos. Mas faltava alguma coisa além do pôr do sol. Havia o boom das rádios, novidade tecnológica, depois da eletrola, a popular vitrola da vovó. Mas carro não tinha rádio nem vitrola. Lear havia servido na Marinha americana como operador de rádio na Primeira Guerra Mundial e não demorou para que desmontassem um rádio doméstico para tentar fazê-lo funcionar num automóvel. Os protótipos que se seguiram eram nada promissores, havia interferências das partes elétricas no motor, havia
problemas de corrente e voltagem. Mas eram americanos persistentes com aquele espírito da época, de fazer coisas extraordinárias, financiadas pelo advento da Bolsa de Valores, então em alta. Foi quando apareceu Paul Galvin. Ele produzia um produto chamado “eliminador de bateria”, um dispositivo que possibilitava que rádios que funcionavam a bateria funcionassem com corrente alternada residencial. Galvin foi então a um banqueiro local para pedir um empréstimo. Para facilitar as coisas, mandou seus funcionários instalarem um rádio no Packard do banqueiro. Boa idéia, só que o rádio não funcionou e meia hora depois de instalado o Packard do banqueiro pegou fogo e Galvin não conseguiu o empréstimo.
Mas ele já estava convencido da ideia além da razão. Foi com seu Studebaker até Atlantic City, a cerca de 1.300 quilômetros, para mostrar o rádio na convenção da Associação dos Fabricantes de Rádio de 1930. Já estamos na crise da quebra total da Bolsa de Valores, começa a grande Depressão americana. Sem ter como comprar um estande, ele estacionou o carro fora do prédio da convenção e aumentou o volume do rádio de maneira que os participantes do evento pudessem ouvi-lo. A idéia deu certo, pois ele conseguiu pedidos suficientes para colocar o rádio em produção. Naquele tempo muitas empresas do ramo de fonógrafos e rádios usavam o sufixo “ola” em seus nomes comerciais — Radiola, Columbiola e Victrola
eram os três maiores então. Galvin decidiu partir para o mesmo esquema, e como seu rádio era para ser usado num veículo a motor, resolveu chamá-lo de Motorola. Em 1933, a Ford comprou o invento e consagrou a empresa de Galvin, Lear e Wavering. Desde então virou hábito popular viajar ouvindo música, antes privilégio de navegantes das classes de luxo nos transatlânticos e trens de antanho, equipados pelas eletrolas. O cinema reforçou o hábito com os road movies e suas fantásticas trilhas sonoras. Seja feita a honra aos beatniks e sua literatura de estrada, origem do comportamento rock’n’roll. Com o cinema já não era preciso viajar para ver as imagens e os sons juntos, bastava ficar na poltrona.
O mundo é ciclíco, vive dando voltas, retornamos a uma mudança de eras, nos hábitos de andar e ouvir música também. A era da total liberdade de escolha, do playlist automático, da tribo de estilo, da alta produtividade de música e músicos independentes, o mercado indie. A opção existe hoje em todos os locais, algumas ruas têm música ambiente, os elevadores, os pedestres com seus aparelhos cada vez menores e celulares pendurados como brincos de alienígenas. Filmes, TV, shows, internet, festivais, religiões. A música está literalmente em todo lugar. E assim provamos desse corpo feito de sons e movimento.
MUITO PR RODA #8
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POR IVAN COSTA FOTO . DARYAN DORNELLES
RAZER! Em 1977, enquanto nossa eterna rainha do rock nacional Rita Lee se preparava para um voo mais pop em sua carreira (depois de três discos seminais para o gênero no país), nascia em Salvador, na Bahia, uma menina que lançaria um disco que pode ser considerado um legítimo herdeiro da primeira fase discográfica da carreira solo de Rita. “Admirável Chip Novo”, de Pitty, é um cartão de visita dos mais pungentes. E m b a l a d o p e lo m egassu c esso “Máscara”, o álbum explodiu em todo território brasileiro e deu a sensação de que a longa espera em torno de uma autêntica voz roqueira feminina, havia chegado ao fim. Autora da maioria absoluta das músicas, Pitty parecia prever que canções como “Equalize” e “Teto de Vidro” seriam entoadas efusivamente em todo canto por legiões de jovens rebeldes que se identificavam com os temas. O álbum, produzido por Rafael Ramos, trazia uma faixa interativa com o vídeo clipe de “Máscara”, e suas gravações em estúdio apresentaram a cozinha original da banda que acompanhava a cantora nos shows, com exceção do baixista Joe, que foi substituído por Dunga. As pontuais participações de Liminha, Paulinho Moska e Jaques Morelembaum são aquele toque diferencial e necessário para que um disco chegue no patamar de clássico.
PITTY
Ano de lançamento . 2003 Produção . Rafael Ramos Direção Artística . João Augusto Gravado e Mixado . Rodrigo Vidal no Estúdio Tambor (RJ) Assistente de Gravação e Mixagem . Jorge Guerreiro Assistente de Produção . Tatiana Horácio Pré Produção . Pitty e Duda Machado Masterização . Ricardo Garcia no Magic Master (RJ) Fotos . Christian Gaul Projeto Gráfico . Mate Lelo Faixas: Teto de Vidro Admirável Chip Novo Máscara Equalize O Lobo Emboscada Do Mesmo Lado Temporal Só de Passagem I Wanna Be Semana que Vem Músicos: Pitty (Voz e Vocais) Peu (Guitarras e Violões) Dunga (Baixo) Duda Machado (Bateria). Participações Especiais: Equalize Liminha Temporal Paulinho Moska, Rick Ferreira, Sasha Amback e Jota Moraes Ricardo Amado (Violino) Jaques Morelembaum (Cello).
PItaCOS valVUlaDOS
POR MARCIO BULK
PÁSSAROS NA GARGANTA
RODA #8
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Rio de Janeiro, 18 de julho de 2015. Oi Futuro Ipanema, 20 horas. Era a segunda noite do show de lançamento de “Trovões a me atingir”, o novo álbum de Jair Naves. Eu estava bastante curioso para vê-lo no palco. Havia entrevistado o músico há uns dois anos e, na época, não consegui ir à sua apresentação. Sua figura e sua sonoridade sempre me despertaram interesse. Afinal, Naves é um dos artistas mais originais do atual cenário brasileiro: vindo de uma cena indie rock bastante singular, conquistou um espaço que o fez ser associado a uma geração de artistas nitidamente influenciados pela MPB. Entretanto, mesmo com essa suposta proximidade, Naves ainda soa como um “estranho no ninho” ao desenvolver um trabalho sensível e visceral que, esteticamente, destoa de todos os seus possíveis pares. Ou seja, a expectativa em relação ao show era grande. E o moço não decepcionou: canções desconcertantes, peito aberto e sangue nos olhos. Honestidade hardcore. Coisa rara, mesmo. Deslocando o foco, pouco antes de entrar no teatro, encontrei com o curador Jorge LZ, que, tendo visto a apresentação na noite anterior, me pediu para ficar atento à backing vocal de Naves. “Ok, ficarei”, respondi. Avistei a moça: discreta, afinada, uma voz bonita, mas, até aí, nada demais. O show ia transcorrendo e já havia algumas centenas de pulgas atrás de minha orelha: afinal, o que havia de tão fantástico naquela figura?! E aí veio “B.”, a música de encerramento. A moça, calmamente, se encaminhou para a boca de cena e assumiu os vocais. Era uma canção bonita e sua voz remetia a alguma cantora folk, Joni Mitchell talvez. Doce, levemente rascante. E a canção seguia, crescia. Sua voz, mesmo em uma melodia ascendente, tornava-se mais pesada e rude. Veio à cabeça PJ Harvey, Cássia Eller... Mas não parou por aí: movimentando braços e tronco vigorosa e repetidamente, a menina parecia estar em transe. A música crescia ainda mais e sua voz subia e se tornava mais dramática. E veio Gal, veio Dalva. Mas uma Dalva noise, uma Dalva insana. Arrebatadoramente insana. Comecei a sorrir desconcertado e, entre os dentes, balbuciei algumas dezenas de palavrões. Fiquei sem ar. Acredito que tenha dado pequenos saltos da cadeira. Juro.
Tenho 44 anos, sabe? Nesta idade, a gente imagina que não vai mais se apaixonar com tanta frequência. Arroubos românticos? Esqueça, neném. Mas, love, love will tear us apart again. E again e again e again. E que bom! Que vitória! Estômago revirado, olhos brilhando, uma alegria palpável quase explodindo o peito. Foi essa a reação que tive ao ouvir essa moça. Naquela mesma noite, fui apresentado a ela: Ive Seixas. Finalmente havia descoberto seu nome. Cheguei em casa e baixei seu EP (“Andorinha só”, lançado em 2014) e o single “Praia no inverno” (2015). Um som bom, de quem ainda está em busca de um caminho próprio, com uma leve sensação de “você não perde por esperar”. Na conversa que tivemos dias depois, soube que mora em Resende (sul do estado do Rio), e que, para minha surpresa, sua formação musical passava pela escuta de bandas e artistas como Hole, Nirvana, Sonic Youth, Patti Smith, Stooges, Mercenárias, Bauhaus, Joy Division, Siouxsie and The Banshees, Iron Maiden... enfim, nada (ou quase nada) de folk ou MPB. Além disso, Ive me falou que estava prestes a fazer uma longa viagem pelo país cantando em praças e outros espaços públicos, vivendo apenas do que recebesse ao passar o chapéu. Totalmente mambembe. Totalmente roots. Totally Amanda Palmer! Algo corajoso e... romântico. Trocamos algumas ideias e ficou decidido que, no futuro, faremos algo juntos. Não sei exatamente qual será o seu próximo trabalho, se irá lançar um single, um EP ou um álbum duplo (vá saber!). Também desconheço qual direção artística irá tomar. Mas espero ouvi-la novamente e me sentir como no show de Naves: deslumbrado, aparvalhado, pasmo. Afinal, como diz R. Barthes, “a espera é um encantamento”. E eu espero, espero, espero...
AMIÚDE Me diz onde estão teus sonhos Onde me encontro dentro de você Sou teu, basta estar seguro Das dores, de tudo, não vai me perder Me encontro em qualquer lugar Perdido pra você me achar Nas coisas que me esqueço e invento Me encontre em qualquer lugar Há tempo pra me encontrar Me mostre a saída que eu entro
Roberta Campos Todo Caminho é Sorte Lançamento . Deck Ano . 2015
Vou te encontrar onde estiver O tempo é nós dois, você em mim Sou teu, basta estar seguro Das dores, de tudo, não vai me perder...
PRA MORRER DE AMOR Não Sem Não Sem
cor que mude bater o sol há dor que cure o amanhecer
Sem você, sem a luz que me cobre Sem você, sem o ar que me move Seja como for Pra morrer de amor sou livre Cada um escolhe O que quer viver Eu prefiro as curvas Antes de você...
Só letra
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...ĂŠ arte
FRENTE
OSREV POR SALVYANO CAVALCANTI
ROCK . A Hist贸ria e a Gl贸ria Jornal de M煤sica e Som n# 17 Editora TSF Maracatu Final da d茅cada de 70
RODA #8
Disp
play
Faixa a Faixa Discos Vitrola Download
DVD / Blu-Ray Na Tela Palco Livros Play
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Faixa a Faixa
1. ALGO A DOIS Um desafio que coloquei pra mim nesse disco era fazer canções com uma linguagem mais imediata, pop. Essa canção reflete esse desejo com bastante força e clareza. É uma canção solar, simples e direta, cuja potência se revela justamente aí. Ela é também a mais “agitada” de todo o álbum, mas já mostra com clareza os caminhos estéticos que escolhi para este trabalho. 2. TOURO INDOMÁVEL No ano passado, fui convidado pela cantora Tamy Macedo para fazer um show no Uruguai. O show foi ótimo, o país é maravilhoso e a estada foi muito gostosa. No meu último dia por lá, o marido dela, Francisco Vervloet, me mostrou uma canção que me impressionou muito. A junção de elementos diversos das músicas brasileiras com melodia profundamente elegante e sinuosa me fez criar um amor imediato por ela. Uma semana depois, já no Brasil, eu fiz a letra dessa canção, que fala bastante sobre mim e sobre as características astrológicas que me norteiam. 3. 21 Fiz essa canção como presente de aniversário para os 21 anos da Victoria Vasconcelos, minha namorada. É uma canção sobre a possibilidade de enxergar a vida na sua esfera mais imediata, potente e inesperada. Se deixar levar por isso. Tornar este acaso mais iluminado e leve. Em suma, essa canção quer dar um conforto para o ouvinte, fazê-lo enxergar mais “sins” no vão da vida.
POR CÉSAR LACERDA
4. OLHOS Essa canção foi feita à época das manifestações de junho de 2013. É uma parceria com o compositor mineiro Luiz Rocha. A ideia que gira aqui diz sobre um amor que nasce em meio ao caos; a singeleza de um sentimento que brota como flor no asfalto. Perfura as superfícies mais duras, trágicas, assombrosas, e acorda reluzente, atravessa a escuridão, festeja a vida e o amor. 5. GUARAJUBA Guarajuba é uma praia que fica na Bahia; um desses paraísos tropicais brasileiros onde nos sentimos estranhamente envolvidos por uma percepção distinta do tempo. Essa é uma canção sobre isso, sobre o tempo, a compreensão que temos dele quando sentimos saudade de alguma coisa, quando vivemos a saudade. Sobre o fato de que essa preguiça do tempo se choca diretamente com o imediato de que somos tomados. Uma canção curta que expõe esse dilema que ataca os nossos sentidos. 6. PARALELOS & INFINITOS Eu havia lido o livro “Amor em Segunda Mão”, da portuguesa Patrícia Reis, e havia ficado maravilhado com essa metáfora: “paralelo e infinito” (o encontro do mar com o céu). Quis compor uma canção sobre isso e tentei levar essa percepção para a esfera amorosa. Fiz, por fim, uma canção sobre o momento primeiro do amor, sobre o surgimento desta palavra numa relação; o receio e o deslumbramento convivendo num mesmo plano espiritual.
foto . Daryan Dornelles
7. LOVE IS Durante muito tempo guardei em mim uma sensação especial após assistir ao filme “La Science des Rêves”, do Michel Gondry, com trilha maravilhosa do Jean-Michel Bernard. A ideia de um amor conduzido por um universo pueril, fragilizado por essa atmosfera infantil. Fiquei muito tocado com isso, por enxergar em mim diversos sentimentos semelhantes. O medo e a mágica da vida caminhando lado a lado e o amor a conduzir tudo. Essa é uma canção onírica, repleta de sentimentos e sentidos desses mundos. Tentei criar uma atmosfera musical que sublinhasse tudo isso, bastante influenciado pela música do Bernard. 8. QUISESTE EXPOR TEU CORPO A NU Essa canção tenta refletir sobre diversas questões tocantes à vida dos casais, com uma reflexão bastante pessoal sobre uma questão geracional. Tento falar ali sobre possessão, ciúme, a exposição, o machismo, o perdão, a liberdade. Enfim, uma forma de compartilhar a minha intimidade para, através disso, enxergar a intimidade do mundo.
PARALELOS & INFINITOS César Lacerda 2015 Jóia Moderna
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Discos MAGLORE III Deck
O agora trio baiano (antes era um quarteto) consegue estabelecer uma relação muito íntima com a chamada maturidade artística neste terceiro disco. As composições inspiradíssimas de Teago Oliveira e Rodrigo Damati reafirmam um talento, já demonstrado nos álbuns anteriores, de fazer um tipo de música que achamos já ter ouvido em algum lugar, impressão desfeita no momento em que notamos a forte autenticidade contida em canções como “O Sol Chegou”, “Se Você Fosse Minha” e “Serena Noche”. Um é pouco, dois é bom e três é melhor ainda.
DIO & BACO DIO & BACO Independente
A arte da capa já dá uma boa ideia do projeto Dio & Baco da dupla Suely Mesquita e Eugenio Dale, uma transmutação sonora feita com muita personalidade e bom gosto. O repertório, quase todo inédito, é um passeio dionisíaco por ritmos e melodias, onde tudo pode e tudo deve ser aproveitado até o último gole. Destaque para as belas canções “Bora”, “Fulana” e a inevitável “Até que Chova Dinheiro”. Aceite esse convite e se embriague.
MARIANA AIDAR PEDAÇO DUMA ASA Pomelo Produções
O quarto disco da cantora Mariana Aidar é, sem sombra de dúvida, o mais denso da sua carreira, densidade essa que em nenhum momento dificulta sua audição. Recheado de texturas, o canto cada vez mais seguro de Mariana encontra poesia certeira nas composições de Nuno Ramos. A feliz parceria entre os dois, que já proporcionou belos espetáculos nos palcos, se consolida de vez com “Pedaço de uma Asa”.
THIAGO DELEGADO VIAMUNDO Lei de Incentivo / Governo de Minas Gerais
Verdadeiro exemplar da ótima música instrumental brasileira, “Viamundo” é um álbum que pavimenta a trajetória de Thiago Delegado e o consolida no posto de novo expoente do gênero no país. Com ótimas participações de Aline Calixto, Leila Pinheiro e João Donato em “ Malandrote”, “Se Acontecer” e “ A Camisa do Donato”, respectivamente, o terceiro disco do requisitado violinista mineiro é rico em composições e arranjos. Vale ouvir. POR EQUIPE RODA
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POR BOB COTRIM
Vitrola
A VIRGEM DE SAINT TROPEZ Trilha Sonora (1975) Polysom
Assim como o artista Benício, que com seus cartazes antológicos acabou se transformando na imagem que nos remete às pornochanchadas dos anos 70, Hareton Salvanini também poderia ter sua música diretamente relacionada com esse movimento cinematográfico. Autor de algumas produções musicais do gênero e da publicidade do início da citada década, tem no longa “A Virgem de Saint Tropez” (produção franco-brasileira de 1975), filmada no balneário francês e no Rio de Janeiro e dirigida Zygmunt Sulistrowisky, seu trabalho mais reconhecido. Recheado de temas instrumentais, compostos por Hareton e Beto Ruschel, o álbum traz 14 faixas e tem na música tema, “You Can’t Run Away For Your Destiny”, a única cantada do álbum, a interpretação de Edu França, que mais tarde ficou conhecido por estas praias como o cantor popular Dudu França. Uma boa oportunidade para relembrar ou conhecer um pouco do som que embalava a nudez de muitos pelos e uma certa ingenuidade da época.
LADO A
1. Annie ( You Can’t Run Away From Your Destiny)
2. Espairecendo
3. Ansiedade
4. São Paulo
5. Panorama
6. Amazônia
7. Saint Tropez
LADO B
1. Quarto de Hotel
2. Copacabana Rock
3. Dois e o Mar
4. Perseguição (A Virgem de Saint Tropez)
5. Seios
6. Despedida
7. Não Podes Fugir do Teu Destino (Saint Tropez)
POR LUCIANA WERNER
Digital
http://www.deezer.com/album/11020944
ANDRÉ WHOONG 1985 (2015) Rosa Flamingo
1. Vila Ipojuca 2. Parece 3. Vou parar de beber 4. Coisas 5. Acho que só você 6. Botas 7. Amigos 8. Deixa pra lá 9. Cicatriz 10. Ócio criativo 11. Pensei bem 12. Vem aqui
Depois de firmar sua forte parceria com a cantora Tiê, chegou a hora de André Whoong se lançar em voo solo. O ano de seu nascimento, 1985, foi escolhido para dar nome a essa estreia. Cantor, compositor e músico de mão cheia, Whoong não decepciona, conseguindo soar com personalidade peculiar. As canções “Vou Parar de Beber”, “Parece” e “Botas”, essa com participação da parceira, são os maiores destaques dentro do repertório majoritariamente composto pelo artista paulista. Capitaneado pela produtora Rosa Flamingo, com produção executiva de Tiê e musical de Whoong e Fabio Pinczowiski, o álbum vislumbra um bom caminho solo para André.
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POR MARCELO D’ALMEIDA
DVD . Blu-Ray
TITÃS NHEENGATU AO VIVO Som Livre
Lançado no ano passado, “Nheengatu”, décimo quarto trabalho de estúdio da banda, trouxe de volta aquela pegada que há tempos estava adormecida. Era inevitável, portanto, que o show homônimo merecesse um registro ao vivo, principalmente em se tratando de Titãs, umas das bandas brasileiras com maior reconhecimento de público e crítica em relação às apresentações ao vivo. Renovados visualmente (a sacada do uso de máscaras estilizadas é genial) e energizados por um repertório que, além de atualíssimo, resgata a ira de outrora, esse show é a oportunidade perfeita para o reencontro com fãs antigos e mais radicais e um cartão de visitas para o jovem público, ávido por novos hinos de protesto. Através da direção concisa de Joana Mazzucchelli para o DVD, um a um, petardos como “Fardado” e “Cadáver sobre cadáver” (entre as músicas mais novas), além de “Televisão” e “Bichos Escrotos” (já consagradas), são disparados contra o sistema para delírio da audiência. Com Paulo Miklos e Toni Bellotto nas guitarras, Sérgio Brito no teclado e no baixo e Branco Mello no baixo, os “novos” Titãs provam que o pulso ainda pulsa e a vida ainda pode ser uma festa. Confira.
Na Tela
A simples presença de Meryl Streep ao lado de sua filha, a também atriz Mamie Gummer, por si só já seria um bom motivo para assistir ao filme “Ricki and The Flash - De Volta Para Casa”, de Jonathan Demme, que tem bons momentos e cumpre seu papel de entretenimento. No longa, Meryl é Ricki, uma cantora de rock cinquentona que, bem mais jovem, troca o marido, três filhos e uma vida confortável pela música. Com a grana contada, ela se afasta de vez da família, até que o exmarido (Kevin Kline) pede ajuda para tirar a filha, Julie (Gummer), da depressão em que mergulha depois de ser abandonada pelo marido. O roteiro criado por Diablo Cody (“Juno”, Oscar de roteiro original em 2008) a partir de uma história recorrente, não consegue resolver bem algumas das situações apresentadas e não alimenta como
POR LUCIANA WERNER
deveria a força que os personagens poderiam ter. As apresentações de Ricki e sua banda rendem momentos altos do filme, pois Meryl - que se preparou durante meses para o papel e aprendeu a tocar baixo e guitarra - solta sua bela voz em canções como “I Still Haven’t Found What I’m Looking For” (U2), “My Love Will Not Let You Down” (Bruce Springsteen), “American Girl”(Tom Pretty) e “Bad Romance”(Lady Gaga). Além de Rick Springfield na guitarra (que interpreta o namorado da roqueira), ela é acompanhada por uma banda e tanto - o baterista Joe Vitale, o tecladista Bernie Worrell e o baixista Rick Rosas, que tocaram com artistas do calibre de Etta James, Eagles e Crosby, Stills & Nash. Boa música e uma baita performance de “Lady Streep”. Para redimir qualquer falha.
RICKI AND THE FLASH . DE VOLTA PARA CASA Sony Pictures 2015
DRAMA MUSICAL . 101 MIN DIREÇÃO . JONATHAN DEMME
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Palco JARDS MACALÉ 09/09/2015 CASA DA GÁVEA RIO DE JANEIRO
Um dos mais representativos artistas da MPB, Jards Macalé não é dos mais assíduos em cima dos palcos. Portanto, quando essa oportunidade aparece é bom não desperdiçar. A Casa da Gávea, no bairro de mesmo nome, é um espaço que se consolidou pela veia teatral, mas vem abrindo cada vez mais suas portas para a música. Numa cidade de poucos palcos, isso é muito bom. No show, Macalé não demorou muito para ganhar a plateia, tanto que muitos optaram por assistir ao concerto sentados no chão, ao pé do cantor, em vez de ocupar as cadeiras. Acompanhado de seu inseparável violão, ele foi dissecando o melhor de seu repertório naquele malemolente jeito de cantar. Teve “Decisão”, “Mal Secreto” e “Flor da Pele”. Todos embarcaram na viagem, inclusive o artista em questão, que ao anunciar a despedida percebeu que havia deixado “Vapor Barato” de fora e tratou de incluí-la, para deleite de todos. Foi algo como um sarau na varanda da casa de Macalé. Palmas para ele!!! POR IVAN COSTA
POR LUCIANA WERNER
Livro
VIDAS SECAS GRACILIANO RAMOS ILUSTRAÇÕES . ELOAR GUAZZELI ROTEIRO . ARNALDO BRANCO Editora Galera
O casamento entre uma obra relevante de um dos nossos mais renomados autores com a linguagem dos quadrinhos é a confirmação de que o clássico e o contemporâneo podem conviver em harmonia. O lançamento da Editora Galera para “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, com ilustrações de Guazzelli, adequadas à ambientação do texto, e o roteiro adaptado de Arnaldo Branco pode ser o início feliz desse projeto. Uma forma eficaz de apresentar esses trabalhos ao público mais jovem, que muitas vezes é ignorado pela falta de uma linguagem mais familiar. A história, que foi publicada pela primeira vez em 1938, continua atual por tratar prioritariamente de um assunto que ainda assola nosso país, a desigualdade social e a miséria extrema de uma parcela da nossa população. O universo criado pelo escritor que ganhou o mundo pelas telas de cinema e pelos palcos afora está aqui muito bem representado. O ilustrador/artista plástico Eloar Guazzelli e o cartunista/ilustrador Arnaldo Branco poderiam firmar uma parceria frutífera e trazer para nós outros exemplares da nossa vasta literatura.
Play
THE ALLMAN BROTHERS Live at Fillmore East . 1971 por Daniel Cheese-Volpini guitarrista , produtor e engenheiro de áudio
RODA #8
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Bem, na realidade, foram dois os momentos de despertar pra um novo caminho Aos 13 anos, em 1973, o disco do Johnny Winter “And Live” tocando “Jump Jack Flash”, um murro determinante pra minha entrada no mundo da música e, com a minha voraz curiosidade juvenil , o começo de prazerosas pesquisas. Eu queria saber de tudo e foi um momento bacana, pois era agregador. No colégio, fiz ótimos amigos em várias tribos: progs, heavys, rockers, bluseiros... Mas pra mim era tudo música, arte, só que até então ainda não tinha vislumbrado a paixão maior: tocar guitarra.
Aí que entra o segundo disco, talvez o principal, a bússola, o guia, o oráculo. Com o “The Allman Brothers Live at Fillmore East”, gravado em 71, veio a decisão. Um álbum duplo ao vivo, registro único de um encontro perfeito e memorável entre Duane, Gregg, Betts, Jai, Oakley, Trucks. Que me apresentaram um caminho musical de altíssima qualidade e elegância, com as guitarras soando de todas as formas possíveis, mostrando que a fusão do rock/blues/jazz elevaria a música a patamares poucas vezes alcançado. “Statesboro Blues” , “Stormy Monday” , “In Memory of Elizabeth Reed” alcançaram um nível tão grandioso de execução, paixão e energia que era impossível não ser arrebatado. Mas a música “Whipping Post” me mostrou que tudo era permitido: o improviso, a jam, a reunião perfeita entre uma banda. Daí resolvi ser músico. É claro que ouvi essa faixa até furar o vinil e, como a minha curiosidade era enorme, descobri que no final começaria uma outra música chamada “Mountain Jam”... Do disco “Eat a Peach” , que fora lançado após a trágica morte de Duane. Juntando “Whipping”+ “Mountain Jam” são 55 minutos de pura magia, reunindo todos os elementos de grandiosidade dos Allman Brothers. Mesmo que tenham se passado 40 anos, esse disco ainda é fonte pura de inspiração. Uma audição obrigatória, eu diria.
...é música