Revista Ultimato 331

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FECHAMENTO AUTORIZADO. Pode ser aberto pelos Correios.

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J U L H O – AG OSTO 2 0 1 1 • A N O X L I V • N º 3 3 1

Assembleia de Deus — 100 anos

A maior denominação evangélica do Brasil Entrevista: Russell Shedd

Avivamento é uma admissão de carência e deficiência em uma área doutrinária ou prática

REDESCOBRINDO A PALAVRA DE DEUS ANDANDO NAS PEGADAS DO NAZARENO, POR VALDIR STEUERNAGEL Julho-Agosto, 2011 I ULTIMATO

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A bertura

Deus tem saudades daqueles que o deixam!

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m certa altura da história do Antigo Testamento, na época de Jeremias, por volta do ano 627 antes de Cristo, o povo eleito se desprendeu e saiu da presença de Deus, renunciou os compromissos religiosos, pôs-se do lado de fora da aliança e da cerca que os protegia, repudiou a própria história (iniciada há mais de mil anos, com a chamada de Abraão) e desertou para o lado oposto. Não é necessário usar tantos verbos para explicar o que aconteceu. Basta dizer, em uma linguagem mais clara, que Israel apostatou da fé. Isso tem se repetido tanto na história dos hebreus como na história da igreja. A pesquisa da American Physical Society mostra que daqui a menos de 40 anos o cristianismo e as outras religiões poderão ser radicalmente extintos em nove países ricos — Canadá, Austrália, Áustria, Finlândia, Irlanda, Holanda, Nova Zelândia, Suíça e República Tcheca. Todos esses países são cristãos — alguns católicos e outros protestantes. Trata-se, portanto, de uma acentuada e generalizada apostasia, que combina com a previsão mencionada por Paulo: “O Espírito de Deus diz claramente que, nos últimos tempos, alguns abandonarão a fé [por darem] atenção a espíritos enganadores e a ensinamentos que vêm de demônios” (1Tm 4.1, NTLH). A apostasia é algo muito sério. Entre os apóstatas mais notáveis do período bíblico estão o rei Acaz (2Cr 29.19), o rei Manassés (2Cr 33.19), Demas (2Tm 4.10), Himeneu e Alexandre (1Tm 1.19-20). Há muitas razões para a apostasia. Uma delas é a força destruidora da perseguição religiosa. As ameaças, a tortura, a prisão e o martírio têm feito alguns cristãos renunciarem a fé. Às vezes apenas “da boca para fora”, mas não no íntimo. O relaxamento moral progressivo, por sua vez, pode descambar na apostasia. Daí a

exortação: “Se continuarmos a pecar de propósito, depois de conhecer a verdade, já não há mais sacrifício que possa tirar os nossos pecados” (Hb 10.26, NTLH). A intensificação dos poderes demoníacos, por meio de falsos profetas, falsos mestres, falsos cristãos e falsos milagres, pode roubar a fé de muitos. O Apocalipse diz que todos ficarão maravilhados com a cura da besta que havia sido golpeada mortalmente e, então, se porão ao lado dela (Ap 13.3). É difícil, mas pode acontecer que o apóstata venha a se arrepender e volte para o aprisco. Pela instrumentalidade dos profetas, Deus se dirige às gerações apóstatas de maneira comovente. Às vezes, ele recorda os bons tempos anteriores à apostasia: “Eu me lembro bem de como você procurava me agradar e demonstrar o seu amor, como uma jovem noiva, [e quando] me seguia fielmente, através do deserto onde planta nenhuma podia nascer” (Jr 2.2, BV). Outras vezes, ele reclama com ternura: “O meu povo cometeu dois pecados: Eles abandonaram a mim, a fonte de água fresca, e cavaram cisternas, cisternas rachadas que deixam vazar a água da chuva” (Jr 2.13, NTLH). Quando convém, ele fala mais energicamente e faz promessas de renovo: “Venham cá, vamos discutir este assunto [pois] os seus pecados os deixaram manchados de vermelho, manchados de vermelho escuro; mas eu os lavarei, e vocês ficarão brancos como a neve, brancos como a lã” (Is 1.18, NTLH). A evangelização pretende alcançar os que nunca ouviram o anúncio das boas-novas. A reevangelização, por sua vez, quer alcançar aqueles que saíram do meio de nós, mas, a rigor, ainda não eram dos nossos (1Jo 2.19). É possível que “com laços de amor e de bondade” (Os 11.4) Deus os traga de volta!

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C arta

ao leitor

fundada em 1968 ISSN 1415-3165 Revista Ultimato – Ano XLIV – Nº 331 Julho-Agosto 2011 www.ultimato.com.br Publicação evangélica destinada à evangelização e edificação, não denominacional, Ultimato relaciona Escritura com Escritura e acontecimentos com Escrituras. Visa contribuir para criar uma mentalidade bíblica e estimular a arte de encarar os acontecimentos sob uma perspectiva cristã. Pretende associar a teoria com a prática, a fé com as obras, a evangelização com a ação social, a oração com a ação, a conversão com santidade de vida, o suor de hoje com a glória por vir. Circula em meses ímpares Diretor de redação e jornalista responsável: Elben M. Lenz César – MTb 13.162 MG Arte: Liz Valente Impressão: Plural Tiragem: 35.000 exemplares Colunistas: Alderi Matos • Bráulia Ribeiro Carlos “Catito” Grzybowski • Carlinhos Veiga Dagmar Fuchs Grzybowski • Ed René Kivitz • Jorge Barro Marcos Bontempo • Marina Silva • Paul Freston René Padilla • Ricardo Barbosa de Sousa Robinson Cavalcanti • Rubem Amorese Valdir Steuernagel Notícias: Lissânder Dias Participam desta edição: Frederico Rocha Janet Susan • Russell Shedd Publicidade: anuncio@ultimato.com.br Assinaturas e edições anteriores: atendimento@ultimato.com.br Reprodução permitida: Favor mencionar a fonte. Os artigos não assinados são de autoria da redação. Publicado pela Editora Ultimato Ltda., membro da Associação de Editores Cristãos (AsEC) Editora Ultimato Telefone: (31) 3611-8500 Caixa Postal 43 36570-000 — Viçosa, MG Administração/Marketing: Klênia Fassoni Ana Cláudia Nunes • Ariane Gomes dos Santos Daniela Cabral • Ivny Monteiro • Lucas Rolim Menezes EDITORIAL/PRODUÇÃO/ULTIMATO ONLINE: Marcos Bontempo • Bernadete Ribeiro Djanira Momesso César • Gláucia Siqueira Lissânder Dias • Mariana Furst • Pabline Félix FINANÇAS/CIRCULAÇÃO: Emmanuel Bastos Aline Melo • Ana Paula Fernandes • Cristina Pereira Daniel César • Edson Ramos • Jair Avillez Luís Carlos Gonçalves • Rodrigo Duarte Solange dos Santos VENDAS: Lúcia Viana • Henife Oliveira Lucinéia Campos • Romilda Oliveira • Tatiana Alves Vanilda Costa ESTAGIÁRIOS: Bruno Menezes • Cláudia Alvarenga Jaklene Batista • Juliani Lenz 4 4 ULTIMATO 2011 ULTIMATO I I Julho-Agosto, Julho-Agosto, 2011

Geladeira estragada H

á algum tempo me encontrei com um amigo e irmão assembleiano em frente ao templo da Igreja Presbiteriana de Viçosa. Ele olhou em direção à igreja e me perguntou de chofre: “Como vai esta geladeira?”. Devo ter dado uma resposta conciliatória. Talvez tenha dito que a geladeira estava estragada e não esfriava nem congelava as ovelhas. Meu amigo não falava por mal. Sua frase exprimia um preconceito das igrejas pentecostais contra as igrejas históricas — preconceito existente também em sentido inverso. Ultimato se alegra com o centenário das Assembleias de Deus no Brasil, celebrado no mês de junho em todo o país, especialmente em Belém do Pará, onde tudo começou. Nada mais justo e oportuno do que deixar o leitor por dentro da caminhada dos assembleianos brasileiros, desde a organização de sua primeira igreja, em junho de 1911, até hoje. Temos ainda outros pratos cheios nesta edição. Em sua coluna, Alderi Matos diz que “o cristianismo tem uma concepção elevada do ser humano e afirma a dignidade e até mesmo a sacralidade da vida” (p. 61). A exortação de Catito aos casais é muito oportuna: “Nosso ‘irmão’ mais próximo é o nosso cônjuge e amá-lo significa dar a vida por ele” (p. 41). Ricardo Barbosa encoraja os que andam pelo caminho apertado: “O caminho estreito é o caminho da criação, da redenção, o caminho de Jesus” (p. 32). A propósito do PLC 122, Robinson Cavalcanti reafirma que a sexualidade deve ser entendida “como um dom de Deus, a ser exercitada no matrimônio heterossexual monogâmico vitalício”. Rubem Amorese é cauteloso ao falar do reino dos céus: “Suponho que a hierarquia do poder do reino dos céus é mantida pela submissão voluntária e a autoridade é exercida sobre aqueles que a ela se sujeitam voluntariamente” (p. 66). Valdir Steuernagel escreve da Galileia, de frente para o mar de Tiberíades. O cenário o faz recordar e dividir com o leitor momentos especiais da vida de Jesus (p. 56). Por fim, temos uma das pérolas pentecostais (p. 24), escrita em 1930 por Paulo Leivas Macalão: “Quantos pregadores mencionam ao pecador a cor e o perfume da rosa, mas se esquecem de avisá-lo dos espinhos”. Elben César


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P astorais

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Viva a fé e viva a conduta!

Ninguém deve buscar os seus próprios interesses e sim os interesses dos outros” (1Co 10.24, NTLH). O pastor de almas é muito mais comprometido com os outros do que qualquer outra pessoa. Ele precisa cuidar das ovelhas e cuidar do rebanho, como faz o pastor mencionado no Salmo 23. A diferença entre o mercenário e o bom pastor é que aquele abandona as ovelhas em situação de risco e este toma conta delas, a ponto de dar a própria vida por elas (Jo 10.11). O pastor precisa cuidar da igreja de Deus (1Tm 3.5). Diante dessa obrigação, pode parecer estranho e contraditório o conselho de Paulo a Timóteo: “Cuide de você mesmo e tenha cuidado com o que ensina” (1Tm 4.16, NTLH). Em outras versões lê-se: “Atente bem para a sua própria vida e para a doutrina” (NVI), “Mantenha-se vigilante em tudo quanto faz e pensa” (BV), “Vela por ti e pelo teu ensino” (Matos Soares), “Olha por ti e pela instrução dos outros” (EPC), “Presta atenção a ti mesmo e à doutrina” (BJ). Não há contradição alguma. Para cuidar bem dos outros, Timóteo precisava primeiro cuidar bem dele e de sua pregação. Assim ele seria bem sucedido diante de Deus e do rebanho. Antes dessa exortação, Paulo havia feito outras: “Você será um bom servo de Cristo Jesus,

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alimentando-se espiritualmente com as doutrinas da fé e com o verdadeiro ensinamento que você tem seguido” e “Para progredir na vida cristã, faça sempre exercícios espirituais” (1Tm 4.6-7, NTLH). Tudo está muito claro: Timóteo deveria juntar a ortopraxia (cuidado com a conduta) com a ortodoxia (cuidado com a doutrina). Em nenhuma outra parte da Bíblia esses dois cuidados estiveram tão próximos um do outro. O filho de Paulo na fé seria um aleijado se desprezasse a ortodoxia e se agarrasse a ortopraxia e vice-versa. O jovem pastor deveria ser “um exemplo na maneira de falar, de agir, no amor, na fé e na pureza” (isso é ortopraxia) e não ter nada a ver com “ideias tolas nem mitos e lendas absurdas” (isso é ortodoxia), como está escrito no mesmo capítulo (1Tm 4.7, 12). Timóteo deveria tratar “as mulheres jovens como irmãs, com toda pureza” (1Tm 5.2) tanto como “zelar pela pureza do evangelho que ele ficou encarregado de pregar” (1Tm 1.11). A tentação que sempre existiu é a de separar a ortopraxia da ortodoxia ou a ortodoxia da ortopraxia. A pessoa que só pensa em teologia não dará a menor importância à piedade e será seca demais. A pessoa que só pensa em piedade não dará a mínima importância à teologia e será vulnerável demais.


Nei Neves

S umário

Centro de Convenções Centenário, da Assembleia de Deus, em Belém, PA

CAPA 32 34 38 40 41 48

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O caminho do coração

Não basta dizer, é preciso fazer Ricardo Barbosa de Sousa

Da linha de frente

A linguagem de missões que prejudica o Reino, Bráulia Ribeiro

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Gunnar Vingren e Daniel Berg: os pioneiros das Assembleias de Deus

25

O “colégio de Jesus” e a educação teológica das Assembleias de Deus

26

Questões éticas sob o ponto de vista assembleiano

27

O crescimento assombroso das Assembleias de Deus no Brasil e suas possíveis razões

28

Os assembleianos não podem sobrecarregar demais e os outros não podem aliviar demais

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“Eu sou de São Cristóvão” e “Eu sou de Madureira”

Cotidiano

O leitor pergunta, Ed René Kivitz

Missão integral

O poder para a missão, René Padilla

Casamento e família

Você conhece o amor?, “Catito” Grzybowski e Dagmar Fuchs Grzybowski

Entrevista

Russell Shedd Avivamento é uma admissão de carência e deficiência em uma área doutrinária ou prática

SEÇÕES

Ética

A vontade de Deus e os desejos não realizados, Paul Freston

Reflexão

Os evangélicos e a pororoca gay Robinson Cavalcanti

Redescobrindo a Palavra de Deus

Andando nas pegadas do Nazareno Valdir Steuernagel

História

Fé cristã: o verdadeiro humanismo Alderi Souza de Matos

Ponto final

Fios de prata, Rubem Amorese

Um ponto de encontro www.ultimato.com.br

• artigos exclusivos • boletins editoriais • devocionais • estudos bíblicos • lançamentos • novidades • promoções

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Abertura Carta ao leitor Pastorais Cartas Frases Números Mais do que notícias Notícias Meio ambiente e fé cristã De hoje em diante... Novos acordes Altos papos Caminhos da missão Cidade em foco Vamos ler! ABREVIAÇÕES:

AS21 - Almeida Século 21; BH - Bíblia Hebraica; BJ - A Bíblia de Jerusalém; BP - A Bíblia do Peregrino; BV - A Bíblia Viva; CNBB - Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; CT - Novo Testamento (Comunidade de Taizé); EP - Edição Pastoral; EPC Edição Pastoral - Catequética; HR – Tradução de Huberto Rohden; KJ - King James (Nova Tradução Atualizada dos Quatro Evangelhos); NTLH - Nova Tradução na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica da Bíblia. As referências bíblicas não seguidas de indicação foram retiradas da Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, ou da Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional.

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C artas

Pascal

Eu estava descontente com boa parte das matérias de Ultimato há algum tempo, pois não estavam sendo úteis para o amadurecimento da minha fé cristã. No entanto, a edição de maio/junho foi extraordinária, especialmente a matéria de capa, Fé, razão, pecado e redenção no pensamento de Blaise Pascal. Parabéns e continuem assim. Aproveito para dizer que não é verdade que Ultimato fez ou faz campanha de ódio contra os homossexuais, como diz a carta de João Kouffi, publicada na mesma edição. A revista tem mantido de forma coerente a posição bíblica sobre o assunto. João Antonio de Almeida, Tatuí, SP A edição de maio/junho, cuja matéria de capa é sobre a pessoa e o pensamento de Blaise Pascal, é uma das melhores desde que me tornei assinante! Tão boa que meu filho de 17 anos está entusiasmado. Vitório Pinto, Magé, RJ

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A cada dia que passa a noiva (igreja) se coloca à frente do Noivo e torna-se menos cristocêntrica, mais mundana e denominacional e perde o foco. A liderança da igreja precisa falar mais a respeito do Noivo que da noiva. Aprende-se muito sobre costumes e pouco sobre princípios bíblicos irrevogáveis. Maravilhoso o artigo Pascal — Jesus Cristo é o centro para onde tudo converge (“Capa”, maio/ junho de 2011). Precisamos ler as Escrituras com sede do Noivo. Parabéns a Ultimato, que não negocia com a verdade, mas leva-a a sério. Pr. Marcelo, Duartina, SP

Cotidiano

Parabenizo Ed Rene Kivitz pelo texto lúcido sobre oração (maio/junho de 2011). É um dos mais inspirados e objetivos que li sobre o assunto ultimamente. Parabenizo também Paul Freston pelo excelente artigo sobre Gregório (“Ética”). Ultimato inspira minha vida e ministério. Obede Silva, Fortaleza, CE

Entrevista

A entrevista Islamismo e democracia não são incompatíveis (maio/junho de 2011) poderia ter sido esclarecedora. Porém, devido ao pequeno espaço concedido a Ramez Atallah, as respostas foram superficiais. Fiquei desapontado com o conteúdo. Walbervan Pontes, Fortaleza, CE

O prolongamento da dor

No texto O prolongamento da dor (“Abertura”, maio/ junho de 2011), Elben César interpreta literalmente o versículo: “O choro pode durar a noite inteira, mas a alegria vem pela manhã” (Sl 30.5). Segundo ele, a dor pode durar mais de um dia, mais de uma semana etc. Todavia, parece claro que o autor bíblico queira mostrar a possibilidade de o sofrimento se prolongar, como uma noite de sofrimento demora a passar. Porém, a promessa da graça e do alívio também se cumprirá, como o sol sempre chega, mesmo depois de uma longa noite. Djaik Neves, Jataí, GO

Em defesa da teologia

Gostei muito do artigo Em defesa da teologia (“História”, maio/junho de 2011), de Alderi Souza de Matos. Ele consegue falar de vários assuntos com profundidade. A declaração de que “a teologia é uma tarefa imprescindível e absolutamente essencial” é ousada e desafiadora. Aprendi a admirar o autor pelos artigos que ele escreve para Ultimato. Jean de Oliveira, Nova Cruz, RN

A espiritualidade cristã e a cultura narcisista

Parabenizo Ultimato por ser um canal de bênção e de reflexão sobre o cristianismo do dia-a-dia. Ao


ler o artigo A espiritualidade cristã e a cultura narcisista, de Ricardo Barbosa (“O caminho do coração”, maio/junho de 2011), lembrei-me do texto de Mateus 5.3: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus”. Interpreto este versículo assim: felizes os que se esvaziam de si mesmos e se enchem de Deus. O comportamento narcisista tem afetado os cristãos. Estes exibem o “grande eu” nos sites de relacionamentos e nos cargos que ocupam nas igrejas, os quais os enchem de orgulho, por serem seguidos e elogiados. Com isso, acabam perdendo o sentido do cristianismo. Renan Souza, Poá, SP

Altos papos

Interessante a reflexão e a aplicação feita por Manu Magalhães em Hitler, Roberto Jefferson e eu (“Altos papos”, março/abril de 2011). Faço uma única ressalva: ao dizer que Jesus, como nós, tinha sede de poder e de aceitação, ela apresenta características de Jesus que eu simplesmente não consigo encontrar nos Evangelhos, nem fazendo um esforço exegético. Quanto à primeira (sede de poder), sugiro que se leia Mateus 26.53 e João 10.18; em relação à segunda (sede de aceitação), a sugestão é João 6.67. Antônio Alves, Americana, SP

O artigo Hitler, Roberto Jefferson e eu, de Manu Magalhães (“Altos papos”, março/abril de 2011), me confrontou com o real, verdadeiro e vivo perdão de Deus, que também devemos exercer em nossos relacionamentos. Levou-me a perceber o significado do perdão de Deus na minha vida e o lugar que ele tem na vida cristã. Fabiano Portela, João Pessoa, PB

Sugestão de pauta

Gostaria que Ultimato fosse menos elitizada e falasse mais sobre a vida do povo evangélico. E também que escrevesse sobre os crentes que pregam nos trens, nas ruas, nos presídios. Continuem publicando matérias sobre homossexualismo, aborto, eutanásia e casamento. Joubert da Conceição, Duque de Caxias, RJ

Igreja Anglicana

Saiu uma reportagem, em cadeia nacional, dizendo que a Igreja Anglicana, apesar do nome diferente, é uma extensão da Igreja Católica. A informação procede? Evandro César, Carolina, MA — A Igreja Anglicana é uma igreja reformada, ou protestante, que mantém o episcopado histórico, os sacramentos e a liturgia. Tem em comum com as Igrejas Orientais e a de Roma alguns aspectos

estéticos exteriores, mas não a teologia. Ela descende da Igreja Celta autônoma dos primeiros seis séculos, localizada nas Ilhas Britânicas. Esteve, posteriormente, sob a autoridade papal, da qual se desvinculou quando da Reforma Protestante do Século 16. Está presente hoje em 165 países, com 80 milhões de seguidores, e tem a Sé de Cantuária como símbolo de unidade. Dom Robinson Cavalcanti, bispo anglicano da Diocese de Recife, PE

Cartas da prisão

Acabo de escrever um livro: Dados Importantes da Vida de Paulo. Foram nove meses de pesquisa bíblica. Quero continuar esse trabalho, mas preciso do apoio de alguma editora. Pr. Rovilson Alves (Raio 3, cela 301, Estrada Municipal Iperó/Tatuí, km 5,5, Iperó, SP) A matéria de capa sobre sofrimento (novembro/ dezembro de 2010) foi muito marcante para mim, pois o meu sofrimento não representa quase nada se comparado ao daqueles que estiveram em campos de concentração. Graças a Deus, minha mãe, que era da Iugoslávia, conseguiu extradição durante a Segunda Guerra. Quanto a mim, estou preso desde 1995. Tenho 54 anos e estou nos caminhos do Senhor desde 1998, quando ele me tirou dos braços da morte, curou minhas feridas

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C artas (levei vários tiros) e fez de mim um novo homem. Hoje faço a obra de Deus na prisão. Mário Garcia, Riolândia, SP Quando fui preso, em junho de 2008, achei que o mundo tinha acabado para mim. Três dias depois tomei a decisão de me enforcar. Tentei por três ou quatro vezes e não consegui. Depois de tudo isso, entendi que a vida não acaba quando achamos que ela acabou. Comecei a viver um dia após o outro. Hoje sou feliz. Conheci a Palavra de Deus. José da Silva, Sorocaba, SP Quem sou eu? Um miserável pecador, ex-viciado e ex-assaltante. Sou apenas um presidiário arrependido, pagando por seus erros, esquecido pela família, abandonado pela sociedade e rejeitado por todos. E ainda condenado à morte, pois há 18 anos sou soropositivo. Por algum tempo pensei em desistir de tudo. Entrei em uma depressão profunda. Porém, Jesus me mostrou que ele é o médico e eu sou o doente. Estou condenado a 18 anos de reclusão, dos quais já cumpri 10. Na prisão concluí o ensino fundamental e o médio. Tenho orado e lido muito. Não vejo a hora de sair de cabeça erguida para pregar o evangelho. Ultimato tem abençoado muito a vida dos presos. Paulo Henrique de Almeida, Casa Branca, SP

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Oro todos os dias por vocês. Gostaria que Ultimato publicasse a seguinte reflexão: Certa vez, um homem pediu a Deus uma flor e uma borboleta. Porém, Deus lhe deu um cacto e uma lagarta. O homem ficou triste, pois não entendeu o porquê de seu pedido vir errado. Então pensou: “Também, com tantas pessoas para atender...”. E resolveu não questionar. Passado algum tempo, foi verificar o pedido que deixara esquecido. Para sua surpresa, do espinhoso e frio cacto havia nascido uma bela flor, e a horrível lagarta transformara-se em uma linda borboleta. Ele reconheceu que Deus age certo. Assim é a nossa vida. Hoje pode ser triste, mas amanhã iremos sorrir. Porque Deus é o nosso ajudador. Pr. Samuel de Moura, Itirapina, SP Sou pastor evangélico. Não vigiei o suficiente e estou preso em um presídio no Rio de Janeiro, onde faço a obra de Deus (leia Mateus 25.36). Gostaria de receber sempre a revista Ultimato. Pr. César Mesquita, Rio de Janeiro, RJ — Para o leitor compreender melhor o drama dos irmãos encarcerados, que sempre escrevem a Ultimato, sugerimos o filme Um sonho de liberdade. Ele conta a história de um banqueiro que foi condenado à prisão perpétua e que tinha a habilidade de resolver problemas do dia-a-dia dele e dos outros. A Bíblia diz: “Não se esqueçam

daqueles que estão na prisão. Sofram com eles, como se vocês próprios estivessem aprisionados com eles” (Hb 13.3).

Voz profética

Agradeço a Deus pela voz profética de Ultimato nos dias de hoje. É bom saber que ainda há cristãos que preferem combater a hipocrisia, o narcisismo, o egoísmo e proclamar a mensagem da insignificância e da irrelevância do ser humano frente aos seus méritos; e, ainda, apresentar o caminho da graça maravilhosa de Jesus, da necessidade de confissão, do quebrantamento e da humildade diante de Deus e das pessoas. Pr. Tiago Schwanz, Serra, ES

Lei Muadji

Foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, por unanimidade, o PL 1057/2007 — Lei Muadji —, que visa proteger as crianças indígenas em situação de risco. Ele abrange crianças que nasceram com deficiência física ou mental, gêmeos, filhos de mãe solteira e outros casos de crianças discriminadas, de acordo com a tradição de cada povo indígena. Em algumas etnias, elas ainda correm risco de serem rejeitadas, abandonadas na mata ou mortas por membros da própria família, devido à pressão


interna. Em algumas comunidades há relatos de mais de duzentas crianças nessas condições que foram mortas. A aprovação foi uma vitória da vida! Damares Regina Alves, assessora jurídica da Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida e conselheira do Movimento Atini — Voz pela Vida

Revistas para missionários

Enviamos os exemplares que recebemos de Ultimato a missionários que estão na Ásia, Europa, África e alguns países mais fechados ao evangelho. No Brasil, enviamos para aqueles que trabalham com povos indígenas no Amazonas. Separamos um a dois exemplares para os departamentos da base da Missão AMEM em Belo Horizonte. O conteúdo da revista é excelente e cremos que tem edificado a vida dos missionários, especialmente os que estão longe do país de origem. Angélica, Belo Horizonte, MG — Em parceria com agências missionárias, Ultimato é enviada a 342 missionários em campo.

Carta dos editores

Ricardo Gondim escreveu por 16 anos na revista Ultimato. Sua estreia foi com o artigo

A pós-modernidade, seus desafios e oportunidades, na edição de março de 1996. Seus textos logo conquistaram os leitores. Seu artigo mais recente, na edição de maio de 2011, é uma declaração de amor à literatura. Como os demais articulistas, Ricardo Gondim nunca recebeu pagamento por seus escritos. Em julho de 2008, ele esteve conosco no Encontro de Amigos, quando celebramos os 40 anos da revista, aqui em Viçosa, MG. Além de sua seção “Reflexão” na revista, a Editora Ultimato publicou três livros de sua autoria: Orgulho de Ser Evangélico — que é também título de seu artigo publicado na edição de julho de 2000 —, O Que os Evangélicos (Não) Falam e Eu Creio, Mas Tenho Dúvidas. Temos respeito e carinho pelo pastor Ricardo Gondim. Suas posições e alertas à igreja brasileira fazem parte da história ministerial da Editora Ultimato. Em meados de maio nos reunimos com o pastor Ricardo em seu escritório na Igreja Betesda, em São Paulo, quando comunicamos a ele a descontinuação de sua participação na revista. Estamos gratos a Deus pelo tempo que caminhamos juntos. Os leitores podem continuar a encontrar o pastor Ricardo Gondim em seu site (www.ricardogondim.com.br) e também em vários outros canais de comunicação que reproduzem seus escritos. Dos editores

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N ÚMEROS

F RASES

1.600.000.000

de exemplares da Palavra de Deus já foram distribuídos graciosamente pelos Gideões Internacionais ao redor do mundo, desde a sua fundação em 1899 Ultimato imagem

114

anos era a idade de Walter Breuning, o homem mais velho do mundo, ao morrer de causas naturais em um hospital americano no dia 15 de abril de 2011

“A

criação inteira, inclusive a humanidade, encontra o seu devido propósito e lugar unicamente no relacionamento vivo com Jesus Cristo. Timóteo Carriker, missiólogo

500.000

das 600 mil cidades e vilas da Índia não têm sequer um pregador do evangelho. A evangelização do país começou há dois milênios, com o apóstolo Tomé

“O

haitianos desalojados pelo terremoto de janeiro de 2010 ainda vivem sob lonas de plástico

trabalho por um mundo melhor constitui uma parte intrínseca do culto da igreja a Deus. Quando levamos a cabo ações de justiça, de paz e de dar de comer aos famintos, estamos realizando atos que engrandecem a Deus, porque eles engrandecem a dignidade de cada ser humano. Olav Fykse Tveit, pastor, secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, Suíça

15.000.000

“O

1.300.000

de crianças e adolescentes espalhados pelo mundo são órfãos de pais que morreram infectados com o vírus HIV nos últimos 20 anos

370

pessoas são infectadas com o vírus HIV a cada hora ao redor do mundo (50% delas são jovens com idade entre 15 e 24 anos)

70%

das crianças negras nos Estados Unidos são filhas de mães solteiras (há mais ou menos 60 anos elas eram entre 13% e 15%) 12

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s orçamentos das igrejas não têm espaço para missões. As finanças, sempre apertadas, há muito tempo foram comprometidas com salários e construções caras. Russell Shedd, filho de missionários e missionário no Brasil

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cuidador-mor, Jesus Cristo, deixou-se ser denominado de curador ferido. Ferido pelas feridas que curava, mas, sobretudo, para ser modelo para um bom cuidador. Cleydemir de Oliveira Santos, psicólogo, autor de Ainda Dá Para Ser Feliz

“A

vida é traumática por natureza. Nem todos os traumas podem ser evitados. Mas com fé em Deus todos os traumas podem ser superados. Ailton Gonçalves Desidério, pastor, psicólogo especializado em psicanálise

” “O

“O

homem moderno foi condenado a ser manipulado pelo excesso de comunicação, a oferta maior do que a procura. O mundo virtual é um salto sem rede no espaço. Uma bobeira pode terminar em tragédia. Carlos Heitor Cony, escritor

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o horror da dor, a prepotência diminui e é possível enxergar as próprias fragilidades. Sem reconhecer a própria fragilidade, não é possível conseguir forças para construir o consenso capaz de mudar. Dilma Rousseff, quando ministra de Minas e Energia

valor da verdade não pode ser medido pela atração que ela tem, nem pela popularidade. Se popularidade fosse critério de validade, Jesus não teria morrido. Antonio Silva Paixão, padre, por ocasião do 4° Encontro Nacional de Jornalismo em Brasília, DF

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s familiares mentem a si mesmos e para o paciente, fazendo de conta que está tudo bem e que ele, a qualquer momento, sairá daquela situação. O assistente religioso, por sua vez, tem uma conversa que pende mais para o lado transcendente, menos concreto e algumas vezes indefinido. Anísio Baldessin, capelão do Instituto do Câncer em São Paulo, SP


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Valentina Jori

+ DO QUE NOTí C IAS

Mulheres bonitas

Não existe santidade sem relação vertical com Deus

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m uma correspondência de pastor para pastor, o mais idoso escreve para o mais novo: “[Quero] que elas [as mulheres da igreja] se enfeitem”. Ao mesmo tempo que permite e encoraja as irmãs a se adornarem, o pastor idoso faz algumas restrições. Elas não devem gastar muito dinheiro com roupas de luxo, penteados complicados e jóias caras, como as de ouro e pérolas. Como cristãs, elas devem optar por um estilo de vida simples. Embora recomende também “roupas decentes e simples” para evitar a concupiscência masculina, o pastor parece mais preocupado com o desperdício de dinheiro.

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Para realçar a beleza, as mulheres devem usar outros enfeites: “Que [elas] se enfeitem com boas ações, como devem fazer as mulheres que dizem que são dedicadas a Deus”. Nada melhor do que associar a beleza exterior à interior. Afinal, na época de Davi, “não havia ninguém tão famoso por sua beleza como Absalão” (2Sm 14.25), mas que, por dentro, era como os fariseus que lavavam o prato e o copo apenas por fora (Mt 23.25). O pastor mais velho chama-se Paulo, o mais novo, Timóteo. As frases citadas são da Primeira Carta de Paulo a Timóteo, capítulo 2, versículos 9 e 10, escrita há mais de 1.900 anos.

clamor condenatório da secularização da consciência, principalmente das lideranças eclesiais da Igreja Católica, é proferido não por uma voz masculina nem por um membro do clero. Quem analisa a questão e “abre a boca” é uma mulher e leiga, a doutoranda em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Arlene Denise Bacarji. Segundo ela, o maior problema da igreja ainda não é o povo simples: “São os universitários, os intelectuais, as lideranças da igreja — agentes pastorais, clero, teólogos — que levam à quebra da plausibilidade da igreja com sua secularização da consciência, sua riqueza de ‘opiniões’, muitas vezes contrárias à própria igreja”. Na opinião de Arlene, a primeira coisa a fazer é “lembrar que Deus age na história mais do que os seres humanos pensam e mais do que eles pretendem com sua autonomia no agir, a qual faz com que a providência divina fique sem espaço a partir da modernidade”. Para resistir a essa embaraçosa situação, é preciso trazer de volta a santidade, esquecida atualmente:

“A santidade é a forma muitas vezes silenciosa de transformar os outros por meio do evangelho”. Ela começa “com o simples desejo de ser santo”. Arlene é uma entusiasta da santidade, pois esta “salva a igreja, salva o povo de Deus, salva a teologia. Somente em busca da santidade o teólogo poderá fazer teologia, unindo fé e razão, fidelidade e questionamento, pesquisa e certezas. Mas não existe santidade sem oração, sem interiorização da Palavra, sem contemplação, sem relação vertical com Deus, além da horizontal”. A autora do artigo “A secularização da consciência”, publicado no segundo semestre de 2010 na Coletânea, revista de filosofia e teologia da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro, não é pessimista: “A ação de Deus na história, principalmente na história da igreja, irá, independentemente da vontade de alguns, de poucos ou de muitos, levar a igreja, por meio dos fiéis que ouvem o Espírito Santo, ao testemunho fiel da palavra objetiva de Cristo”. Sem dúvida, a palavra da quase doutora em teologia é oportuna também para os protestantes.


+ DO QUE NOTí CIA S

Miguel Saavedra

Evitar a promiscuidade na relação gay é bom, mas não é suficiente

Os guardacostas e os jovens pastores

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elações homossexuais não promíscuas não liberam a prática homossexual. Elas continuam fora da normalidade, levando-se em conta o que está prescrito nas Escrituras Sagradas. Enquanto os cristãos consideram a Bíblia como sua regra de fé e conduta, não há absolutamente como abrir uma brecha ao relacionamento sexual entre um homem e outro homem, entre uma mulher e outra mulher, mesmo que um seja fiel ao outro e que uma seja fiel à outra. Não é necessário trazer à lembrança as muitas passagens bíblicas que condenam a prática homossexual. Basta consultar a primeira das Cartas Pastorais de Paulo. Logo no início, o apóstolo diz que “a lei é boa, se for usada como se deve”. E continua: “Devemos lembrar,

é claro, que as leis são feitas não para pessoas corretas, mas para os marginais e os criminosos, os ateus e os que praticam o mal e para os que não respeitam a Deus nem a religião”. Em seguida, Paulo menciona alguns comportamentos que devem ser corrigidos por causa das tais leis. A lista não é pequena. Os que precisam de lei para se controlarem são os assassinos, os imorais, os homossexuais, os sequestradores, os mentirosos, os que dão falso testemunho e “os que fazem qualquer outra coisa que é contra o verdadeiro ensinamento”. Por último, o apóstolo diz que “esse ensinamento se encontra no evangelho que Deus me encarregou de anunciar, isto é, na boa notícia que vem do Deus bendito e glorioso” (1Tm 1.8-11, NTLH). Não são só os parricidas, os matricidas, os demais assassinos e os

sequestradores que precisam da força da lei para serem contidos, tanto em seu próprio benefício quanto em benefício geral. A lei é boa também para os mentirosos, os que dão falso testemunho e os homossexuais (algumas traduções preferem usar os sinônimos pederastas, sodomitas ou infames). As Escrituras proíbem as relações sexuais promíscuas e, de igual modo, o relacionamento homossexual. A lei é o instrumento para prevenir desmandos. E a graça de Deus é o instrumento para fazer o que a lei não consegue fazer: dar ao pecador a possibilidade do perdão e da “metanoia” (conversão religiosa e moral). A conversão nada mais é do que a invasão da graça divina na vida humana, produzindo uma verdadeira ressurreição, não física, mas moral e espiritual.

egundo Kaiser Santos, da empresa de segurança Zapos, muitos clientes pedem que os guardacostas de suas mulheres e filhas sejam evangélicos e casados. Naturalmente eles esperam que o profissional tenha sério compromisso com Jesus Cristo e, simultaneamente, com a esposa. Trata-se de uma dupla segurança: a proteção da fé e a do casamento. Isso lembra-nos o conselho de Paulo a Timóteo: “Trate as mulheres mais velhas como mães, e as moças como irmãs, tendo pensamentos puros” (1Tm 5.2, BV). Percebe-se que a conduta irrepreensível na área do sexo é tão necessária no meio religioso quanto no secular. No entanto, o mercado da segurança privada está se abrindo cada vez mais para as mulheres. A imagem de seis seguranças femininas no cortejo da presidente Dilma Rousseff fez com que aumentasse o número de mulheres nos cursos de segurança pessoal. Julho-Agosto, 2011

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+ DO QUE NOTí CIAS

Capela de Westminster

Perguntas de ontem válidas hoje

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artyn Lloyd-Jones (1889–1981), um dos mais influentes pregadores do século 20, morreu precisamente há 30 anos. Antes de morrer pediu à esposa e aos dois filhos: “Não orem por cura, não tentem me impedir de ir para a glória”. Estava com 82 anos. Depois de ser médico assistente da casa real, em Londres, LloydJones abandonou a medicina e tornou-se pastor de uma pequena igreja presbiteriana no País de Gales. Por causa de seu estilo próprio de pregar, acabou assumindo o pastorado da Capela de Westminster, em Londres, não muito distante do Palácio de Buckingham. Seus sermões de 50 minutos a uma hora de duração (pela manhã e à noite) atraíam muita gente, inclusive não poucos universitários. Lloyd-Jones levava em alta conta a Palavra de Deus e a unção sobrenatural 16

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do Espírito Santo. Ainda há 1.600 palestras suas gravadas e disponíveis, além de vários livros de sua autoria, entre eles o pequeno Por que Deus Permite a Guerra?, Depressão Espiritual e os dois volumes de Estudos no Sermão do Monte. Neste, o pregador galês faz quatro perguntas embaraçosas ao leitor: Qual é o seu desejo supremo? Anseia pelos benefícios e bênçãos da vida cristã e da salvação, ou tem anelo mais sério e profundo? Você procura resultados terrenos e carnais, ou espera conhecer a Deus e tornar-se cada vez mais semelhante ao Senhor Jesus Cristo? Você tem fome e sede de quê? De riqueza, dinheiro, categoria, posição, publicidade? Face ao interesse pelo evangelho mais por causa de curas e prosperidade, as perguntas de Lloyd-Jones são bastante atuais.

“Vocês são irmãos e não deviam estar brigando!”

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Quando Moisés, aos 40 anos, recusou ser tratado como filho da filha de Faraó e se dispôs a tirar o povo da terra do Egito, ele viu dois israelitas brigando e, tentando apartar a briga, disse: “Vocês são irmãos e não deviam estar brigando assim! Isso está errado!” (At 7.26, BV). Os dois homens estavam sob a dura e demorada opressão egípcia. Eles esperavam por um libertador que os tirasse do Egito e os levasse para Canaã. Mesmo assim, um espancava o outro. O mais forte maltratava o mais fraco de tal modo que Moisés tentou apartar a briga (Êx 2.13). Hoje as atitudes não são diferentes. Somos irmãos em Cristo e brigamos. Participamos da Mesa do Senhor e brigamos. Lemos a mesma

Bíblia e cantamos os mesmos hinos e brigamos. Estamos todos sob a mesma graça e brigamos. Temos o mesmo perdão e a mesma esperança e brigamos. Vamos para o mundo inteiro pregar o evangelho e brigamos. Estamos sob as mesmas tentações da carne, do curso deste mundo e das forças espirituais do mal e brigamos. Somos membros do mesmo corpo — o corpo de Cristo — e brigamos. Segundo o bispo Robinson Cavalcanti, chegamos ao século 16 com apenas quatro ramos da igreja, terminamos a Reforma Protestante com uma dúzia a mais, começamos o século 19 com aproximadamente cem e atingimos a escandalosa cifra de 38 mil ao adentrarmos o século 21.


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N OTíCIAS por Lissânder Dias

Um levantamento realizado em abril pelo Public Opinion Fund (Fundo de Opinião Pública) constatou que 82% dos russos se dizem cristãos, enquanto apenas 13% afirma não acreditar em nenhuma divindade. Este resultado torna a Rússia o país europeu que mais crê em Deus, duas décadas após o colapso do regime soviético ateu. Porém, segundo a pesquisa, 50% dos russos pertencem à Igreja Ortodoxa Russa, enquanto 27% deles não fazem parte de nenhuma instituição de fé organizada. Entre os jovens de idade entre 18 e 24 anos, o número de cristãos não filiados é de 34%. “Seria mais correto descrever a Rússia como um país de crentes, mas não um país de pessoas religiosas”, diz Mikhail Tarusin, chefe do departamento de sociologia do Instituto de Projetos Públicos, em Moscou. “Nós fomos um Estado oficialmente ateu por 74 anos, e levaremos algum tempo para nos recuperar disso. Acho que a porcentagem de pessoas realmente religiosas não passa de 20%”, afirma Tarusin. 18

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Milhares de evangélicos em protesto contra a exploração sexual infantil Milhares de evangélicos foram às ruas para participar das Marchas contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes realizadas em doze cidades brasileiras. Em dez delas a manifestação ocorreu exatamente no dia 18 de maio, o dia nacional de combate ao problema. Os manifestantes se reuniram em praças, percorreram Participantes da Marcha contra a ruas, visitaram Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em São Paulo a câmara acendem velas, simbolizando municipal, casos de abuso e exploração fizeram manifestações culturais, oraram, se uniram a outras organizações e prefeituras e divulgaram o Disque Denúncia 100, para casos de abuso e violência sexual de crianças. A mídia nacional repercutiu bem as manifestações. Pelo menos nove matérias e entrevistas foram veiculadas em canais de televisão. Somadas todas as manifestações, inclusive as realizadas em conjunto com prefeituras e organizações nãogovernamentais, cerca de 97 mil pessoas

(entre evangélicos e não-evangélicos) participaram das marchas e passeatas. As cidades que aderiram ao movimento foram: São Paulo, SP, Manaus, AM, Curitiba, PR, Londrina, PR, Fortaleza, CE, Recife, PE, Belo Horizonte, MG e Cuiabá, MT. A manifestação faz parte da Campanha de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Turismo, liderada pela Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS). A rede chama a atenção da população para o risco de intensificação do problema com a chegada da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, em 2014. “Estamos nesta mobilização há nove meses. Estou grata a Deus e a todos que participaram. Valeu o esforço pelas crianças! Valeu o esforço pelo reino de Deus! Nós vencemos!”, diz Débora Fahur, uma das coordenadoras da RENAS. Gustavo Felício

Rússia é o país da Europa que mais acredita em Deus

Sociedade Bíblica vai lançar Bíblia com notas sobre pobreza e justiça A Bíblia Sagrada Pobreza e Justiça será lançada pela Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) em setembro no Encontro Nacional da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS). A publicação traz versículos em destaque e cinquenta tópicos com temas ligados à pobreza e justiça, organizados em um roteiro que estimula a pesquisa, a imaginação e a meditação.

No texto introdutório, os editores incentivam o leitor a encontrar também outros textos relacionados ao assunto. Ainda na introdução lemos que: “Deus tem um interesse apaixonado pela justiça, a fim de combater a pobreza. A preocupação com os pobres e a ênfase na conduta honesta e justa fluem pela Bíblia como um rio”. No dia 10 de junho, a SBB vai comemorar a marca mundial inédita de 100 milhões de Bíblias impressas em sua gráfica.


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N OTíCIAS

Anglicanos No dia da sua morte, David Wilkerson marcam 2ª diz que não há acidentes Wilkerson, pastor norte-americano, “O pranto durará algumas negras e terríveis conferência Davi fundador do mundialmente conhecido noites, mas no meio dessa escuridão logo se ministério de recuperação de dependentes ouvirá o sussurro do Pai: ‘Eu estou contigo. global para químicos “Desafio Jovem” e autor de um Verás que tudo era parte do meu plano. dos livros evangélicos mais populares, A Não foi um acidente. Deixe que eu lhe discutir Cruz e o Punhal, morreu em um acidente abrace nessa hora de dor’”. de carro no dia 27 de abril, no Texas, Em mensagem publicada dois dias futuro da Estados Unidos. Enquanto tentava fazer após a morte de David, seu filho Gary ultrapassagem, teve seu veículo afirmou: “A última missão do meu pai na denominação uma atingido por uma carreta que vinha na terra foi defender os mais pobres entre os

Fontes: The Christian Science Monitor, CIM, SBB, RENAS, FCA 20

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direção oposta. Wilkerson tinha 79 anos. Sua esposa, Gwen, também estava no carro, mas passa bem. A pastoral de Wilkerson, publicada em seu site oficial, no dia da sua morte, consola todos os que “passam pelo vale da sombra da morte”. Imaginando a voz de Deus aos que sofrem, Wilkerson escreveu:

pobres. Ele fundou o projeto Please Pass the Bread (Por Favor, Dê-me Pão), que está salvando milhares de crianças por meio de 56 programas em oito países. Se meu pai tivesse vivo hoje, ele nos convidaria a entregar a nossa vida a Jesus, a amar a Deus profundamente e a nos doar às necessidades do próximo”.

O que os missionários fazem nas férias? e sua família ‘recarreguem as baterias’ Cerca de cinquenta missionários transculturais se reuniram para a 6ª consulta antes de voltar ao campo”, diz Renata, missionária no Senegal. do Cuidado Integral do Missionário, Na consulta, os participantes definiram realizada entre 13 e 15 de maio, em Assis, um termo que explica melhor o tempo de SP. O objetivo foi discutir a qualidade do retorno ao país de origem do missionário: tempo gasto durante o período de licença, Licença para Atualização e Renovo (LAR). quando retornam temporariamente à terra Eles natal. É comum ouvir a reclamação acreditam que com de que os este termo missionários não será mais têm muito tempo fácil para descansar e comunicar cuidar da saúde às igrejas porque precisam e agências divulgar o como o trabalho realizado missionário em igrejas e para Participantes da 6ª Consulta Cuidado Integral do Missionário pode gastar mantenedores. seu tempo “Ter momentos em casa. de refrigério, estar com familiares e amigos, A consulta foi promovida pelo Cuidado ir ao culto somente para participar — Integral do Missionário (CIM), um louvar a Deus, desfrutar da comunhão dos departamento da Associação de Missões irmãos e ouvir a Palavra — são atividades Transculturais Brasileiras (AMTB). importantíssimas para que o missionário Arquivo CIM/AMTB

A Fellowship of Confessing Anglicans (Fraternidade de Anglicanos Confessantes — FCA), que se reuniu em abril deste ano em Nairóbi, no Quênia, decidiu convocar uma nova Conferência Global sobre o Futuro do Anglicalismo (GAFCON II). O evento vai acontecer em 2013 e será precedido por um encontro de lideranças em Nova York, em 2012. A primeira conferência aconteceu em 2008, em Jerusalém. Na ocasião, os participantes assinaram a Declaração de Jerusalém, um documento que reafirma o apoio à chamada “fé ortodoxa”. Entre as afirmações, o documento declara “reconhecer que Deus criou o ser humano como homem e mulher e o imutável padrão de matrimônio cristão entre um homem e uma mulher como o lugar apropriado para a intimidade sexual é a base da família”. A Igreja Anglicana sofre atualmente com divisões por causa de temas controversos, como a ordenação de homossexuais.


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Assembleia de Deus — 100 anos

A maior denominação evangélica do Brasil

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om um pouco de exagero, de cada dez brasileiros, um é assembleiano. Hoje, é possível que o número de membros da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, somado com os outros muitos ministérios independentes, chegue a 15 milhões. No final de julho deverá haver um acréscimo de 100 mil novos assembleianos, que serão batizados em todo o país como parte da comemoração do primeiro centenário da denominação. As Assembleias de Deus são, de longe, a maior denominação do Brasil — 50% dos evangélicos. Julho-Agosto, 2011

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Gunnar Vingren e Daniel Berg os pioneiros das Assembleias de Deus no Brasil

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viajou para lá em 1902, com 18 anos, e Gunnar, no ano seguinte, com 24. Os dois se conheceram em uma igreja sueca em Chicago, no ano de 1909, dez anos depois da morte do famoso evangelista Dwight L. Moody, Daniel Berg e Gunnar Vingren que viveu naquela cidade. A essa altura, Gunnar já tinha feito teologia em um seminário batista sueco e pastoreava uma igreja em Menominee, no Michigan, e Daniel trabalhava em uma quitanda Inauguração do templo da Assembleia em Chicago. Em de Deus, em Belém, PA (1926) uma conferência realizada na Primeira Igreja Batista Sueca de Da Suécia para os Estados Unidos e Chicago, Gunnar passou pela daí para o Brasil experiência do chamado batismo com o Espírito Santo e falou em línguas. A Gunnar Vingren e Daniel Berg partir daí, começou a pregar a doutrina nasceram em uma época difícil pentecostal; porém, metade da igreja na história da Suécia. Entre 1867 de Menominee não o quis mais como e 1886, quase 450 mil suecos pastor. Assumiu, então, o pastorado de deixaram o país por causa da outra igreja batista sueca, dessa vez em escassez de alimentos e de empregos. A maioria imigrou para o meio-oeste South Bend, na fronteira de Indiana com Michigan, e a transformou em dos Estados Unidos. Era a chamada uma igreja pentecostal. Uma de suas “febre dos Estados Unidos”. Embora ovelhas era Adolf Ulldin, que, pouco a situação tivesse melhorado, Daniel 22

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depois, anunciou-lhe o que ouvira da parte de Deus a respeito de seu ministério além-mar. Por inspiração do Espírito Santo, Daniel foi visitar Gunnar em South Bend e ali ouviu a mesma profecia, que também foi dirigida a ele. Em obediência à orientação recebida, ambos viajaram para Nova York e lá encontraram, de fato, o navio Clement, que sairia na data indicada por Adolf: 5 de novembro de 1910. Por falta de recursos, compraram uma passagem de terceira classe. Duas semanas depois, com miseráveis 90 dólares no bolso, desembarcaram em Belém do Pará, sem saber uma palavra em português e sem alguém para recebê-los no porto. Assim começou a obra das Assembleias de Deus no Brasil. Verão de janeiro a dezembro Enquanto as denominações protestantes históricas começaram seu trabalho na região Sudeste (congregacionais, presbiterianos, metodistas e salvacionistas), no Rio Grande do Sul (luteranos e episcopais) e na Bahia (batistas), a Assembleia de Deus começou no extremo Norte do país. Os missionários pioneiros eram todos suecos, ao contrário do que acontecia da Bahia para o Sul, onde quase todos eram americanos e britânicos. O Pará é 2,7 vezes maior que a Suécia, que tinha, na época, mais de 5,5 milhões de habitantes. Em vez das precisas quatro estações, com as quais estavam acostumados, Gunnar


e Daniel encontraram aqui um verão contínuo. Na Suécia, eles adoravam participar da festa que celebrava a volta do verão, entre os dias 19 e 26 de junho, dançando a noite toda ao redor de mastros com enfeites coloridos. Os dois jovens missionários chegaram ao Pará exatamente quando começou o declínio da economia na Amazônia, devido à queda da produção de borracha, provocada pelos mercados asiáticos. Gunnar e Daniel eram muito diferentes no aspecto físico e nos dotes pessoais. Cinco anos mais jovem, Daniel tinha muita saúde e resistência física. Era “um ganhador de almas incomum”, como diz Geziel Gomes. Praticava com sucesso a colportagem (venda de Bíblias) e o evangelismo pessoal de casa em casa, quase de ilha em ilha, e “de enfermaria em enfermaria”, quando já tinha 78 anos e estava internado em um hospital na Suécia. Além da mala cheia de Bíblias e folhetos, carregava sempre o violão, ao som do qual cantava hinos em português e em sueco para evangelizar. Em compensação, Gunnar era mais preparado e se tornou, naturalmente, o líder do trabalho. Ele era quem mais pregava, quem mais batizava e quem ia consolidando e ampliando a obra com a organização de novos pontos de pregação e congregações. Morreu trinta anos antes de Daniel, quando faltava um mês e meio para completar 54 anos. “A mensagem completa do evangelho” Os missionários evangélicos do século 19 foram, em parte, beneficiados pela chamada pré-evangelização, realizada pela Igreja Católica Romana nos 300 anos anteriores à sua chegada ao Brasil (de 1549 a 1855). Os missionários pentecostais foram muito beneficiados pela evangelização realizada pelos missionários evangélicos nos 55 anos anteriores ao início de seu trabalho (de 1855 a 1910). Em alguns poucos casos, o trabalho das Assembleias de Deus começava com a pentecostalização de

uma igreja evangélica já existente, como aconteceu com a Igreja Batista Sueca de South Bend, no início de 1910. Em outros casos, começava com alguns crentes que deixavam suas congregações de origem para abraçar a “novidade” pentecostal. Foi o que aconteceu em Belém do Pará e em muitos lugares por esse Brasil afora, especialmente nos primeiros anos. Todavia, a maior parte da membresia das Assembleias de Deus procedia das trevas da ignorância religiosa e das trevas do pecado e da incredulidade. Gunnar Vingren, Daniel Berg e a geração de pastores nacionais que surgiu com eles não anunciavam apenas Jesus. Pregavam “a salvação em Jesus e o batismo com o Espírito Santo”. Esta era “a mensagem completa do evangelho”. Tal pregação certamente encontrava guarida entre os cristãos que, à semelhança dos discípulos de Éfeso, nem sequer sabiam da existência do Espírito Santo (At 19.2), por culpa da omissão de seus pastores. Encontrava guarida também entre os cristãos cujos pastores atribuíam toda honra ao Espírito Santo sem, contudo, usar a nomenclatura teológica dos pentecostais. O folheto de 27 páginas de Raimundo Nobre Por certo período houve muito desgaste emocional e de tempo por causa do atrito entre as denominações plantadas na segunda metade do século 19 e as Assembleias de Deus. Houve atitudes precipitadas, exageros e falta de amor de ambas as partes. O encarregado da congregação batista de Belém, Raimundo Nobre, acolheu os dois suecos no porão de sua casa e permitiu a participação deles nos cultos, o que redundou na divisão da igreja. Aborrecido e preocupado com a situação, Raimundo escreveu um folheto de 27 páginas contra a pregação de Gunnar e Daniel, e mandou imprimir 20 mil exemplares, que foram enviados para as igrejas evangélicas de

todo o Brasil. Gunnar ensinava que a prova do batismo com o Espírito Santo era falar em línguas. Anos depois, a declaração de fé oficial das Assembleias de Deus amenizou a questão, afirmando que falar em outras línguas conforme a vontade soberana de Deus é evidência do batismo com o Espírito. Da parte dos pentecostais, havia muita ênfase em línguas, revelações, curas e milagres. Daniel chamou de milagre o fato de um peixe ter pulado para dentro do barco quando os passageiros estavam com muita fome. Cem mil batizados em 36 anos A primeira igreja pentecostal foi organizada há exatos cem anos, em 18 de junho de 1911, seis meses depois da chegada dos dois suecos ao Pará, com o nome de Missão da Fé Apostólica, o mesmo nome dado por William Seymour à igreja da rua Azuza, em Chicago, cinco anos antes. O nome Assembleia de Deus foi adotado seis anos e meio depois, em janeiro de 1918. Nenhuma denominação evangélica experimentou um crescimento tão rápido e tão grande como as Assembleias de Deus. Nos quatro primeiros anos (1911-1914) houve 384 batismos “nas águas”. No final da primeira década, a nova denominação estava estabelecida em sete estados das regiões Norte (Pará e Amazonas) e Nordeste (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas). Na década de 20, os assembleianos ocuparam os demais estados do Norte e Nordeste e começaram o trabalho nas regiões Sudeste (Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e Sul (Paraná e Rio Grande do Sul). Em 33 anos de história (de 1911 a 1944), já estavam instalados em todos os estados da Federação. Na ocasião da 8ª Convenção Nacional das Assembleias de Deus, realizada em São Paulo, em 1947, o Brasil já era contado como o terceiro país em número de crentes pentecostais em todo o mundo, com 100 mil fiéis batizados. Julho-Agosto, 2011

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Mais do que nunca, o verdadeiro profeta de Deus nos nossos dias é aquele que faz o que Deus quer que seja feito. Owe Lindeskär, pastor da Igreja Filadélfia, em Estocolmo (1993)

Deus chama quem quer, quando quer e como quer Arquivo CEMP/CPAD

Pérolas pentecostais

Há muitas igrejas novas que pensam que barulho produz poder, mas a Palavra de Deus nos ensina que é o poder de Deus que gera barulho. Humberto Schimitt, pastor da Assembleia de Deus de Porto Alegre (2001) O trem que está indo para a cidade celestial trafega sobre dois trilhos: o trilho de sangue [aquele que foi construído com o sacrifício de Jesus] e o trilho de fogo [aquele que foi construído no dia de Pentecostes]. Nils Kastberg, missionário sueco (1930) A igreja que pratica a cura divina tem de viver em maior consagração e santificação do que aquela que não a pratica. Frida Vingren, esposa de Gunnar Vingren (1930) Quantos pregadores mencionam ao pecador a cor e o perfume da rosa, mas se esquecem de avisá-lo dos espinhos. Paulo Leivas Macalão, presidente da Convenção Geral de 1937 (1930) O livro de Atos pode ser resumido em três palavras: ascensão, descensão e extensão do evangelho. Cristo subiu, o Espírito Santo desceu e nós propagamos o evangelho. Myer Pearlman, teólogo pentecostal e escritor de origem judaica (1932) Qualquer religião que nega a salvação do homem por meio do sangue de Jesus é uma religião falsa. Bernhard Johnson Jr., fundador da Escola Teológica das Assembleias de Deus (1970) Um grande vazio existe na vida da igreja e nas igrejas. Essa é a questão que não pode ser indefinidamente adiada. Tornou-se coisa comum lamentar a ausência e a ênfase acerca do Espírito Santo na teologia e na vida da igreja. Donald Gee, na abertura da Conferência Mundial Pentecostal, em Helsinque, Dinamarca (1965) O método audiovisual divino [“Vocês são o sal da terra” e “Vocês são a luz do mundo”] deve ser usado [na evangelização] para que os homens não somente ouçam, mas também vejam. Ângelo Estevam de Souza, líder da Assembleia de Deus em São Luiz do Maranhão (1981) 24

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Caderno de música de Gunnar Vingren

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americano Ashbel era filho de médico. Os suecos Gunnar e Daniel eram filhos de sitiante e jardineiro, respectivamente. Os três nasceram em lares evangélicos e foram criados no temor do Senhor: Ashbel era presbiteriano; Gunnar e Daniel, batistas. A vida de Ashbel foi afetada por um avivamento religioso ocorrido em Harrisburg, na Pensilvânia, na primeira metade de 1855; as vidas de Gunnar e Daniel, por um avivamento ocorrido em Chicago, por volta de 1909. Como consequência, os três se consagraram ao Senhor. O que chamou a atenção de Ashbel para missões transculturais foi um sermão de seu professor de teologia sistemática, Charles Hodge, pregado na capela do Seminário Teológico de Princeton, uma cidadezinha entre Nova York e Filadélfia, no estado de Nova Jersey, na primavera de 1855. Ashbel tinha então 22 anos. O que chamou a atenção de Gunnar e Daniel para missões transculturais foi uma profecia de um patrício e irmão na fé chamado Adolf Ulldin, proferida na cozinha da casa deste em South Bend, uma cidade no extremo norte do estado de Indiana, no verão de 1910. Naquele ano, Gunnar tinha 31 anos e Daniel, 26. Os três eram solteiros e sentiram


claramente o chamado de Deus para exercerem seus ministérios no Brasil. O que levou Ashbel a se decidir pelo Brasil foi o desafio a ele apresentado pelo secretário da Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. O que levou Gunnar e Daniel a se decidirem pelo Brasil foram os detalhes da visão de Adolf Ulldin: Deus os estava chamando para um lugar, em alguma parte do globo, que se chamava Pará, de clima muito diferente, e a viagem seria em um navio que sairia de Nova York em 5 de novembro daquele ano. Depois de pesquisarem em uma biblioteca, os dois jovens suecos descobriram que o Pará era um estado do Norte do Brasil. Os três, ainda solteiros, vieram para o Brasil: Ashbel desembarcou no Rio de Janeiro em agosto de 1859; Gunnar e Daniel desembarcaram em Belém do Pará, meio século depois, em novembro de 1910. Em obediência às indicações do Senhor, o americano Ashbel Green Simonton fundou a Igreja Presbiteriana do Brasil, e os suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg fundaram as Assembleias de Deus no Brasil. Até hoje há quem julgue fantástico demais o chamado de Gunnar e Daniel. Entre estes estão os membros das denominações históricas. Até hoje há quem julgue racional demais o chamado de Ashbel. Entre estes estão os membros das denominações pentecostais. O certo, porém, é que Deus é soberano e fala “muitas vezes e de muitas maneiras” (Hb 1.1), até mesmo por meio de uma jumenta (Nm 22.28). O que se requer, em todos os casos, é a autenticidade do processo, que o tempo se encarrega de mostrar, como explicou ao Sinédrio o sábio Gamaliel (At 5.33-39).

O “colégio de Jesus” e a educação teológica das Assembleias de Deus

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ão foi fácil mudar a mentalidade das Assembleias de Deus quanto ao preparo formal de seus pastores e líderes. Em uma reunião realizada na Assembleia de Deus em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, em maio de 1943, com a presença de 93 obreiros, o missionário Lawrence Olson propôs a abertura de institutos bíblicos, escolas teológicas e seminários pelo país. Paulo Leiva Macalão, pastor da Assembleia de Deus em Madureira, afirmou que seria perigoso investir na educação teológica do obreiro. Segundo ele, a muita sabedoria, o muito estudo e o intelectualismo poderiam esfriar espiritualmente a alma. Cinco anos depois, na Convenção Geral de 1948, realizada em Natal, RN, o assunto voltou ao plenário e encontrou várias objeções. Para Francisco Pereira, “um instituto bíblico é uma fábrica de pregadores, sendo que, segundo Efésios 4.11, o ministério é dado pelo Senhor”. O pastor Eugênio Pires argumentou: “Temos uma escola, a de Jesus, que não pode nem deve ser orientada por determinada pessoa”. O missionário sueco Gustavo Nordlund aproveitou a ocasião para afirmar que não sentia falta de um seminário por causa do “colégio de Jesus”, onde começou e ainda permanecia. Passados 18 anos, na Convenção Geral de 1966, realizada em Santo André, SP, o pastor João Pereira de Andrade e Silva declarou que “o melhor educandário é o colégio do Espírito Santo”. O pastor Anselmo Silvestre, de Belo Horizonte, reafirmou que em um seminário os candidatos correm o risco de ficarem com a cabeça cheia e

o coração vazio. O último a falar foi o pastor Antônio Petronilo dos Santos: “Os institutos bíblicos desejam realizar um trabalho psicológico nas Assembleias de Deus no Brasil”. Petronilo afirmou ainda que eles são desnecessários, pois, “nestes 55 anos, as Assembleias de Deus no Brasil cresceram imensamente sem o concurso dos institutos bíblicos”. Foi o missionário sueco Gustav Bergström, naturalizado americano que, na Convenção Geral de 1937, pediu a criação de uma escola bíblica anual, com duração de pelo menos dois meses, para todos os obreiros e aspirantes ao ministério. Uma delas só aconteceu oito anos mais tarde, em Belém do Pará, com 101 alunos. Essas escolas foram os primeiros seminários teológicos pentecostais informais com cursos de curta duração. Mais tarde, começaram a surgir outros em todo o país. O mais antigo é o Instituto Bíblico das Assembleias de Deus (IBAD), em Pindamonhangaba, SP, fundado em 1958, que já formou mais de 5 mil alunos e alunas. O Instituto Bíblico das Assembleias de Deus no Amazonas (IBADAM), com sede em Manaus, e a Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus (EETAD), em Campinas, SP, foram fundados em 1979. O primeiro já formou mais de 1.500 alunos, e o segundo, mais de 40 mil (graças ao programa de educação por extensão e à distância, com quatrocentos núcleos espalhados pelo Brasil e outros dez países). O campus da EETAD ocupa uma área de 53 mil metros quadrados. Em junho de 1989, surgiu a Escola de Missões da Assembleia de Deus no Brasil (EMAD), hoje sediada em Campo Limpo Paulista, SP. Julho-Agosto, 2011

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Capa A partir de 1983, recomendava-se oficialmente que os candidatos ao “santo ministério”, entre outros requisitos, fossem “qualificados teologicamente para o manejo da Palavra”. A essa altura, o pastor Walter Brunelli, então diretor do Instituto Bíblico de Santos, já havia advertido à Convenção de 1981: Sofremos hoje problemas de infraestrutura, por não ter havido no passado uma preocupação com a educação teológica. A ênfase demasiada na obra do Espírito Santo talvez tenha originado o conceito de que era desnecessária qualquer preocupação nesse sentido. Creio que caímos num tipo de pietismo que levou as pessoas a dizerem coisas exageradas e a quererem que o Espírito Santo as endossassem. Deveria haver um equilíbrio, e só mesmo um conhecimento mais apropriado da Palavra de Deus pode levar os obreiros a esse estado de equilíbrio.

Na verdade, tanto os assembleianos como os membros das denominações históricas precisam de ambos: do “colégio de Jesus” e dos seminários teológicos. Hoje, 100 anos após a chegada dos primeiros missionários, todos os grandes ministérios das capitais e das cidades grandes abriram escolas ou seminários teológicos. Muitas dessas instituições estão buscando o reconhecimento do MEC. Na escola superior de teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie estudam quinze alunos das Assembleias de Deus. Na pós-graduação em ciências da religião há outros dois. Há de se registrar também que em agosto de 2005 começou a funcionar a Faculdade Evangélica de Ciências, Tecnologia e Biotecnia, da Convenção Geral das Assembleias de Deus, oferecendo a princípio quatro cursos: administração de empresas, comércio exterior, direito e teologia. Essa faculdade já obteve o seu reconhecimento pelo MEC. 26

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Questões éticas sob o ponto de vista assembleiano Em agosto de 1999, líderes assembleianos de todas as regiões do país reuniram-se no Rio de Janeiro para discutir o posicionamento das Assembleias de Deus no Brasil frente a certas questões difíceis e polêmicas. As resoluções a seguir foram acatadas pela Convenção Geral e publicadas no jornal Mensageiro da Paz e na revista Obreiro.

Aborto Foram rechaçadas as interrupções de gestação por motivos egoístas ou razões eugênicas. O aborto provocado é crime, pois a vítima não pode defender-se. Ele não seria configurado como transgressão à Palavra de Deus em três casos: por motivos naturais, acidentais ou terapêuticos (para salvar a vida da mãe). Homossexualismo Tanto o homossexualismo masculino quanto o feminino são abominação ao Senhor. Hermafroditismo Embora não exista na Bíblia nenhum caso semelhante e em nossos dias haja poucos portadores desse distúrbio (uma anomalia genética que dota uma pessoa de órgãos sexuais masculino e feminino simultaneamente), não há nenhum problema para a igreja em receber pessoas nessas condições: pelo contrário, devese incentivar o tratamento para a definição do sexo predominante. Luta armada Segundo a Bíblia, não constitui pecado o cristão participar de uma guerra servindo nas Forças Armadas de seu país. Porém, se for o caso de uma guerra injusta, as opiniões se dividem.

Eutanásia Essa prática é pecado, pois o dever do cristão é amenizar o sofrimento e não deixar a cargo dos médicos a responsabilidade de decidir sobre a vida ou a morte de uma pessoa. Deve-se empregar esforços para preservar a vida, mesmo que seja a de um moribundo. Deus não ouviu as orações de Elias e Jonas, quando eles lhe pediram a morte. Pena de morte O Novo Testamento concede ao Estado o direito de estabelecer a pena capital. Neste caso, ela não pode ser considerada pecado, desde que seja feita a justiça. Todavia, a prática da pena de morte não é o melhor meio punitivo, nem uma medida essencial ao cristianismo. O ideal seria que as igrejas se pronunciassem não favoráveis à pena capital. Em casos de crime hediondo, a prisão perpétua seria mais indicada. Homossexualismo Tanto o homossexualismo masculino quanto o feminino são abominação ao Senhor. Sexo Deus fez o sexo para ser desfrutado no âmbito exclusivo do matrimônio e este deve ser venerado. Sexo fora do casamento é inadmissível para um cristão, pois é sinônimo de fornicação, quando se dá entre pessoas solteiras, e de adultério, quando envolve pessoas casadas.


Nhandejara Aguiar

O crescimento assombroso das Assembleias de Deus no Brasil e suas possíveis razões Igreja Assembleia de Deus em Belém, PA

As Assembleias de Deus crescem por causa da importância dada à pessoa e à obra do Espírito Santo. Seus membros levam a sério o revestimento com o poder sobrenatural do Espírito para testemunhar e realizar o trabalho do Senhor, como Jesus mesmo ordenou (Lc 24.49; At 1.4-5). “O Espírito Santo é a razão do avanço da igreja”, lembrou José Wellington Bezerra da Costa, na abertura da Convenção Geral de janeiro de 2003, no Estádio Rei Pelé, em Maceió, AL. Porém, pode acontecer, às vezes, de os assembleianos se lembrarem mais do batismo do que da plenitude do Espírito, mais do poder do que do fruto do Espírito. (Ver O poder para a missão, de René Padilla, pág. 40) As Assembleias de Deus crescem por causa do seu ardor evangelístico. A evangelização faz parte da cultura assembleiana. Na Convenção Geral de 1981, realizada no Estádio Felippe Drummond (conhecido como “Mineirinho”), em Belo Horizonte, MG, o missionário Bernhard Johnson declarou que as maiores necessidades das Assembleias de Deus no Brasil são “preservar a agressividade evangelística que as tem caracterizado e preservar a doutrina”. O mesmo disse

Alcebíades Pereira Vasconcelos, de Manaus, AM: “Mais do que nunca, a Assembleia de Deus precisa arrepender-se e, ajoelhada, confessar a Deus o seu pecado de omissão evangelística”. Na mesma oportunidade, o missionário John Peter Kolenda lembrou que o alvo de qualquer despertamento religioso é a evangelização e aproveitou para dar uma alfinetada: “Quando estamos preocupados com a evangelização, não se oferecem tantas oportunidades para a contenda”. As Assembleias de Deus crescem por causa da oração. Para ganhar 50 milhões de almas para Cristo, preparar 100 mil novos obreiros e estabelecer 50 mil novas igrejas na chamada “década da colheita”, foi necessário “levantar um exército de 3 milhões de intercessores”, conforme foi dito na Convenção de 1990. A prática da oração é outro ponto forte entre os assembleianos. Em 1943, houve um forte apelo para as igrejas começarem a orar todos os dias, pela manhã, das 4 às 5 horas e das 5 às 6 horas, em favor de um avivamento no país. Nesse mesmo ano lançou-se o Círculo de Oração, uma reunião de oração semanal que começava de manhã e durava até às 16 horas.

Depois de algumas décadas, o Círculo de Oração passou a ser uma atividade mais desenvolvida pelas mulheres, em um dia útil da semana, à tarde. As Assembleias de Deus crescem porque começaram com missionários pobres (imigrantes suecos nos Estados Unidos) e se infiltraram nas camadas mais desfavorecidas do país. Seus obreiros sabem falar a linguagem dos pobres e oferecem não só salvação para a alma, mas também esperança de cura para o corpo. Chamam a atenção para o sobrenatural (o fenômeno de línguas estranhas, a expulsão de demônios, o dom de profecia e os possíveis milagres de cura). As classes sociais que eles atingem têm menos resistência ao evangelho, menos satisfações a dar, menos distrações para tomar o tempo da religião. Além de tudo, elas acreditam fervorosamente na existência de Deus e enxergam com mais facilidade suas próprias carências pessoais e familiares, sociais e afetivas. Pelo menos era assim até pouco tempo. O país deve às Assembleias de Deus e a várias outras igrejas evangélicas a diminuição do analfabetismo e a recuperação de marginais. Julho-Agosto, 2011

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Os assembleianos não podem sobrecarregar demais e os outros não podem aliviar demais

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o dia 4 de junho de 1946, há exatamente 65 anos, a Assembleia de Deus em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, no que diz respeito aos usos e costumes, resolveu, por unanimidade, entre outras coisas, o seguinte: 1. Não será permitida a nenhuma irmã membro dessa igreja fazer sobrancelha, usar cabelo solto, cortado, tingido, com permanente ou outras extravagâncias de penteado, conforme usa o mundo; que se penteiem simplesmente como convém às que professam a Cristo como Salvador e Rei. 2. Os vestidos devem ser suficientemente compridos para cobrir o corpo com todo o pudor e modéstia, sem decotes exagerados; e as mangas devem ser compridas. 3. Recomenda-se às irmãs que usem meias, especialmente as esposas dos pastores, anciãos, diáconos, professores de escola dominical, e as que cantam no coro ou tocam. 4. As irmãs [da sede e das congregações a ela filiadas] que não obedecerem ao que acima foi exposto serão desligadas da comunhão por um período de três meses. Terminado este prazo, e não havendo obedecido à resolução da igreja, serão cortadas definitivamente por pecado de rebelião. 5. Nenhuma irmã será aceita em comunhão se não

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obedecer a estas regras de boa moral, separação do mundo e uma vida santa com Jesus. Essas regras de comportamento, exclusivamente femininas, lidas quatro meses depois na convenção geral daquele ano, causou estranheza e desconforto. Soube-se mais tarde que as resoluções da igreja em São Cristóvão foram influenciadas pelas críticas que ela recebeu da Assembleia de Deus de Madureira, também no Rio de Janeiro. Naquela época, os crentes de Madureira, que já observavam todas as regras, consideravam as irmãs de São Cristóvão muito “liberais” em sua forma de se vestir e se pentear. Além do mais, a igreja de São Cristóvão havia sido pastoreada por dois missionários suecos (Gunnar Vingren e Otto Nelson), tidos como os mais rígidos em matéria de vestimentas. Quase 30 anos depois, a Convenção Geral de 1975 aprovou, também por unanimidade, que todas as igrejas do país a ela filiadas se abstenham do seguinte: 1. Uso de cabelo comprido pelos membros do sexo masculino. 2. Uso de traje masculino por parte dos membros ou congregados do sexo feminino. 3. Uso de pintura nos olhos, unhas e na face. 4. Corte de cabelo por parte das irmãs (membros ou congregados). 5. Sobrancelhas alteradas. 6. Uso de minissaias e outras roupas contrárias ao bom testemunho de vida cristã.

Na mesma oportunidade, a conferência desaconselhou o uso de aparelho de televisão, “tendo em vista a má qualidade da maioria dos programas”, e de bebidas alcoólicas. Desde o princípio houve regras quanto aos costumes nas Assembleias de Deus, mas elas nunca haviam sido colocadas de forma oficial. Segundo o presidente da convenção, havia “a necessidade de mantermos de pé não somente nossas doutrinas, mas também os costumes usados em nossas igrejas sobre vestuário”. Na abertura da Convenção de 1993, o presidente José Wellington Bezerra da Costa conclamou a todos “para que fechassem as portas para os costumes malévolos que, sutilmente, introduzem o mundo, a carne e o pecado na Igreja do Senhor”. Na mesma assembleia, o pastor da Assembleia de Deus de São Luís do Maranhão chamou a atenção dos convencionais para que retornassem ao “velho método”, considerado por muitos ultrapassado, porém usado pelo Espírito Santo na igreja primitiva, com resultados surpreendentes. Dois anos depois, na Convenção de 1995, o pastor de Indaiatuba, SP, chegou a propor a exclusão de todos os pastores e igrejas consideradas “liberais”, e que só ficassem os considerados “conservadores”. Em agosto de 1999, o 5° Encontro de Líderes das Assembleias de Deus (ELAD), realizado na sede da Convenção Geral, no Rio de Janeiro, discutiu o posicionamento da denominação em relação aos costumes e a outras questões. O grande trunfo dessa reunião foi mostrar a diferença entre doutrina e costumes:


Esse mesmo documento lembra que “doutrina é o ensino bíblico normativo, terminante, final, derivado das Sagradas Escrituras como regra de fé e prática da vida para a igreja e seus membros”. Os costumes, por sua vez, “são em si sociais, humanos, regionais e temporais, porque ocorrem na esfera humana, sendo inúmeros deles gerados ou influenciados pelas etnias, etariedade, tradições, crendices, individualismo, humanismo, estrangeirismo e ignorância”. Segundo Paulo Romeiro, pastor assembleiano ordenado nos Estados Unidos em 1984, “os usos e costumes não estão mortos. Há muitos pastores, obreiros e igrejas que lutam para mantê-los, enquanto outros lutam para bani-los”. Os assembleianos não podem sobrecarregar seus adeptos colocando sobre eles regras concernentes aos usos e costumes. Os outros cristãos, por sua vez, não podem abrir mão das coisas essenciais. A essa conclusão chegaram os apóstolos e presbíteros do famoso concílio de Jerusalém (At 15.1-21). Porém, tanto uns como outros só terão sucesso verdadeiro se apelarem para a renovação interior provocada pela santificação progressiva, e não por força da lei. (Veja Mulheres bonitas, pág. 14)

“Eu sou de São Cristóvão” e “Eu sou de Madureira”

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Nei Neves

á quase 40 anos alguém gritou que as Assembleias de Deus no Brasil corriam perigo e que esse risco deveria ser proclamado. Por causa dele, os servos de Deus, em vez de toscanejar, deveriam se precaver e se colocar em prontidão. O alerta foi dado no Mensageiro da Paz, órgão oficial da denominação, em janeiro de 1973, por João Pereira de Centro de Convenções Centenário Andrade e Silva, duas vezes diretor da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD). Na época, a preocupação era como o eloquente Apolo não passavam com os ventos de doutrina, as inovações de dois jardineiros. Tudo o que você pode diversas, a aceitação de costumes que “não ter é um pedaço de pau para furar o chão nos são lícitos”, a falta de santidade etc. e nele plantar a semente, ou um balde João Pereira dizia que o perigo estava d’água com que regar as plantas. Nada às portas. E estava mesmo. Ele era e mais. De fato, nós mesmos nada somos. é o mesmo que rondava a igreja de Por isso precisamos uns dos outros. De Corinto: a grande quantidade de partidos nada adianta plantar, se não houver quem dentro da comunidade. Provavelmente, regue. De nada vale regar, se ninguém o pastor John Phillip, preletor inglês plantou. Somos, isto sim, cooperadores. especialmente convidado para pregar Juntos formamos uma grande unidade durante a Convenção com Deus”. Geral de 1981 — no As palavras de João Estádio Jornalista Felipe Pereira e de John Phillip Drummond (conhecido foram proféticas, tanto por “Mineirinho”), em para ontem como para Belo Horizonte, MG —, hoje. Antes, o atrito era pressentiu o problema. entre os megaministérios: Na abertura da reunião, “Eu sou de São Cristóvão”, ele abordou o assunto “Eu sou de Madureira”, Placa de sinalização turística alusiva A liderança segundo o “Eu sou de Belém”, “Eu ao centenário das Assembleias de Deus no Brasil conceito bíblico e baseousou do Brás”. Hoje, ele é se exatamente no terceiro personalizado: “Eu sou capítulo da Primeira Carta de Paulo de José Wellington”, “Eu sou de Manoel aos Coríntios. Phillip referiu-se aos Ferreira”, “Eu sou de Samuel Câmara”, “Eu partidos existentes naquela igreja: o grupo sou de Silas Malafaia”. Antes, era dentro fundador (“Eu sou de Paulo”), o grupo das quatro paredes da denominação. intelectual (“Eu sou de Apolo”), o grupo Hoje, é público (usam-se inclusive os tradicionalista (“Eu sou de Pedro”) e o programas evangélicos de televisão). Em grupo dos falsamente piedosos (“Eu sou de sã consciência, nenhum asssembleiano Cristo”). O pregador visitante terminou sua tem condições de repetir o que John mensagem assim: “Tanto o grande Paulo Phillip disse há trinta anos no Mineirinho: Nhandejara Aguiar

Quanto à origem, a doutrina é divina e o costume é humano. Quanto ao alcance, a doutrina é geral e o costume é local. Quanto ao tempo, a doutrina é imutável e o costume é temporário. A doutrina bíblica gera bons costumes, mas bons costumes não geram doutrina bíblica. Igrejas há que têm um somatório imenso de bons costumes, mas quase nada de doutrina. Isso é muito perigoso! Seus membros naufragam com facilidade por não terem o lastro espiritual da Palavra.

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Nhandejara Aguiar

“Juntos formamos uma grande denominações dentro de uma unidade com Deus”. mesma denominação. Nesses 100 anos de história, Em junho, duas a unidade sempre foi difícil nas comemorações separadas do Assembleias de Deus (bem como centenário foram realizadas em outras denominações). De na mesma cidade, onde tudo vez em quando, havia um clamor começou, Belém do Pará: uma no em favor da unidade, como o dia 10, no Centro de Convenções do pastor Altomires Sotero da e Feiras da Amazônia, e a outra Cunha, que, na Convenção Geral no dia 16, no Estádio Olímpico de 1971, propôs que a liderança do Pará (Mangueirão). de Madureira visitasse a igreja Na primeira comemoração, de São Cristóvão e vice-versa, presidida por José Wellington “para selar a paz”, o que de fato Bezerra, a tensão diminuiu com aconteceu. Nessa ocasião, “houve a presença de Samuel Câmara, perdão e abraços e muita alegria”. pastor da Assembleia de Deus de Contudo, 18 anos depois, em Belém. Na segunda, presidida por setembro de 1989, aconteceu a Samuel Câmara, ela foi de igual maior e mais importante divisão modo reduzida pela presença de das Assembleias de Deus no José Wellington. Brasil, com o desligamento do A reconciliação dos diferentes Ministério de Madureira e suas grupos pode ser difícil. Porém, convenções. de acordo com É consenso Alfredo Borges, que as divisões “quando Deus assembleianas exige do homem nunca coisas que aconteceram ele [com suas por questões próprias forças] doutrinárias, não poder fazer mas por disputas sem uma graça 1988 – ano de inauguração do templo de campos especial, ele da Assembleia de Deus em Belém, PA territoriais ou mesmo, junto por cargos. Essa com a ordem é a opinião de Paulo Romeiro, providencia ao mesmo tempo que desenvolve uma pesquisa essa graça”.2 Em meio ao barulho das sobre os movimentos pentecostais comemorações, seria bom ouvir o brasileiros para a Universidade apelo de Paulo endereçado a duas Presbiteriana Mackenzie. ovelhas na mesma situação dos Segundo o assembleiano assembleianos: “E agora eu quero Gedeon Freire de Alencar, diretor suplicar àquelas duas estimadas pedagógico do Instituto Cristão senhoras, Evódia e Síntique: “Por de Estudos Contemporâneos favor, com a ajuda do Senhor, e doutorando em ciências da vivam em harmonia” (Fp 2.2, religião (PUC-SP), “uma igreja BV). (Veja Vocês são irmãos e não que nunca teve uma direção deviam estar brigando, pág. 16) nacional instituída, abriu espaço para figuras isoladas se Notas fortalecerem”1. O problema 1. ALENCAR, Gedeon Freire. Assembleias é complexo e pecaminoso, de Deus; origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte porque envolve uma rivalidade Editorial. p. 131. entre os megaministérios e 2. TEIXEIRA, Alfredo Borges. Meditações seus pastores presidentes. Os cristãs. São Paulo: Editora Metodista, 1967. p. 187. chamados “ministérios” são como 30

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As Assembleias de Deus não aceitam a teologia da prosperidade

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ois anos antes da organização da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e por ocasião da Convenção Geral das Assembleias de Deus de 1975, o pastor Francisco Assis Gomes declarou que era “necessário ter muito cuidado com certos grupos pentecostais, por causa das doutrinas que anunciam”. Foi uma palavra oportuna, pois uma dessas doutrinas inaceitáveis é a teologia da prosperidade, que tomou conta de todas as igrejas neopentecostais do país. A esse propósito, Ultimato perguntou a Paulo Romeiro, autor do livro Supercrentes; o evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade, diretor da Agência de Informações Religiosas (AGIR) e professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, se as Assembleias de Deus, eventualmente, poderiam fazer alguma abertura para a teologia da prosperidade. Obtivemos a seguinte resposta: Embora as Assembleias de Deus sejam oficialmente contra a teologia da prosperidade, não conseguem barrar, totalmente, a influência dessa vertente doutrinária no seu bojo. Por ser muito grande e pela grande difusão da teologia da prosperidade na mídia evangélica, torna-se difícil filtrar tudo o que passa pelos púlpitos de suas igrejas e pelas suas publicações. Já existem pregadores assembleianos que estão constantemente usando na televisão os jargões da teologia da prosperidade, tais como “eu profetizo”, “eu declaro”, “eu determino”, “eu decreto”, “eu sou profeta de Deus para a sua vida” etc. Muitas de suas pregações são mensagens motivacionais ou de autoajuda. Como já expus, o gigantismo da denominação dificulta o patrulhamento doutrinário em todas as esferas de sua atuação.


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CAMINHO DO CORA çãO

Ricardo Barbosa

Não basta dizer, é preciso fazer

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uitos gostariam que o Sermão do Monte terminasse com a conhecida “lei áurea” — “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7.12). E o mais famoso sermão de Jesus terminaria com um bom resumo de tudo o que ele havia acabado de ensinar. Porém, Mateus não termina assim. Ele segue com uma recomendação e conclui com uma pequena parábola, na qual Jesus deixa claro o que ele espera dos seus ouvintes. Uma forma de entender a conclusão desse sermão são os pronomes: “nem todo o que me diz”, “aquele que faz a vontade do meu Pai”, “hão de dizer-me”, “apartai-vos de mim”, “ouve as minhas palavras”. Eles nos levam a considerar quem ensina, e não apenas o que se ensina. São essas palavras que formarão o texto que definirá o julgamento, que terá como fundamento o que as pessoas fizeram com suas palavras. Jesus começa sua recomendação dizendo: “Entrai pela porta estreita” (v. 13). Não é simplesmente um convite, mas um imperativo. No final do sermão, Jesus afirma que existem duas portas e dois caminhos. Um deles leva à morte; o outro, à vida. Jesus reconhece, com tristeza, que são poucos os que entram pelo caminho estreito (v. 14). O caminho estreito é o herdado. É o caminho da criação, da redenção, o caminho de Jesus. Não é algo imposto a nós, é o caminho que Jesus trilhou e que agora nos convida a trilhar. O

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caminho largo é o imposto. Chega a nós pela imposição da maioria, da propaganda, daqueles que não suportam seguir sozinhos pelo caminho da perdição e da destruição. O caminho largo não é congruente com aquilo que fomos criados para ser. O caminho estreito é o do reino preparado para nós antes da fundação do mundo. Jesus não diz que quem não andar pelo caminho estreito será punido. É o próprio caminho largo que nos conduz à morte. Seguir pelo

A casa que cai é composta por crentes que consideram as palavras de Jesus bonitas para se ouvir, boas para se falar e ensinar, mas irreais para serem praticadas caminho largo ou procurar entrar pelo estreito é uma escolha que fazemos. O caminho estreito envolve o ouvir e o fazer. Na parábola dos dois construtores, a diferença não está no ouvir — ambos ouviram. A diferença está no fazer. Existem duas opções: ouvir as palavras de Jesus e não praticá-las ou ouvi-las e praticá-las. A casa que cai é composta por crentes que consideram as palavras de Jesus bonitas para se ouvir, boas para se falar e ensinar, mas irreais para serem praticadas. Como diz C. S. Lewis em O Grande Abismo: Só há duas espécies de pessoas no final: as que dizem a Deus: “Seja feita a tua vontade”, e aqueles a quem Deus diz: “A tua vontade seja

feita”. Todos os que estão no inferno foi porque o escolheram. Sem essa autoescolha não haveria inferno. Alma alguma que desejar sincera e constantemente a alegria irá perdêla. Os que buscam encontram. Para aqueles que batem, a porta é aberta.

Jesus afirma na conclusão do sermão que “nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (v. 21). Existe uma diferença entre os sinais do poder e da ação de Deus e os sinais de que pertencemos a ele. Deus pode expulsar demônios usando qualquer pessoa. Os milagres são sinais do poder de Deus, não de que pertencemos a ele. Os sinais de nosso pertencimento são os frutos da obediência, do praticar aquilo que Jesus ensinou. São estes os frutos que Jesus espera encontrar naqueles que dizem: Senhor, Senhor! Fé em Jesus não é fé real enquanto não fazemos o que ele nos manda fazer. Nosso problema com o Sermão do Monte é mais com aquele que ensina do que com o ensino em si. Confiamos neste Senhor? Cremos que ele é bom? Estamos seguros de que ele realmente sabe o que necessitamos? Se não confiamos nele, vamos achar suas palavras bonitas de se ouvir e boas para se falar — mas não reais para se viver. O julgamento para aqueles crentes que ouvem, mas não praticam, será a ausência da comunhão divina: “Nunca vos conheci”. Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.


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DA

LI NHA DE F R ENTE

Bráulia Ribeiro

A linguagem de missões

que prejudica o Reino

É

a apoteose da conferência missionária. O público é internacional. Delegados de todos os continentes da Terra estão presentes, adorando a Deus a plenos pulmões. Estou sentada ao lado de um casal africano bem vestido, com turbantes e bijuterias artesanais. Estamos unidos e temos uma emoção de reino, de estarmos cumprindo o plano de Deus para a humanidade. As culturas diferentes são uma bênção para o reino, não um tropeço. Os povos do mundo se completam na sua diversidade. Estamos diante do trono. O louvor termina e nos sentamos. Começa um filme para a promoção de um ministério de misericórdia na África. Em alta definição desfilam crianças com costelas expostas, mães com seios vazios, miséria, fome, doenças, falta de esperança, vergonha. Abaixo minha cabeça. Não consigo mais olhar nos olhos dos africanos ao meu lado. A sensação de igualdade do reino se foi. Tudo o que sobra são os ricos e os pobres, os escolhidos e os não-escolhidos, os que podem dar e os que só recebem de cabeça baixa. Na hora da oração pergunto ao casal: — Como vocês se sentem depois disto? A mulher me responde: — Infelizmente, para sobreviver, me acostumei... Alguns anos já se passaram. Muitas missões já mudaram seu paradigma de “países receptores e países enviadores” para “todos em todo lugar”. Porém não

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fizemos ainda muito progresso quanto a nossa linguagem. As tribos ainda são “primitivas”, a África é uma ferida sangrenta, muçulmanos são mouros terroristas e a China é o gigante desajeitado que inspira desconfiança. Mesmo que alguns possam argumentar que os estereótipos tenham algo de verdade, quando cremos no reino concordamos com a imago Dei. A imagem de Deus nas pessoas e nos povos tem que ser o pressuposto

A imagem de Deus nas pessoas e nos povos tem que ser o pressuposto que usamos para vê-los que usamos para vê-los. E deve ser mais forte do que as concepções terrenas. Quando preconceitos nos guiam, esperamos o pior, duvidamos, superprotegemos. Se entendermos o valor e a capacidade conferida pela imago Dei, seremos levados a outro nível de relacionamento. Esperar o sonho de Deus ser expresso nas pessoas e nos povos nos conduz ao respeito, à mutualidade, a parcerias verdadeiras, ao reino. Lembro-me de um pastor amigo me dizendo que a maior parte das cartas missionárias que recebia poderia ser intitulada “Meu sofrimento”. Para fazer minha luz brilhar mais forte, pinto as trevas ao meu redor mais

densas. “Admire quão santo sou à luz de quão terrível este povo é”. Esse é um hábito comum desde o missionário que descreve a comida horrível e exótica que comeu entre os selvagens até o pastor que enfatiza o testemunho de pecado das ovelhas antes de se juntarem à sua maravilhosa igreja. Jesus não era assim. Ele encontrava beleza, fé e generosidade onde aparentemente não havia nenhuma. Ele louvou os fariseus na frente dos judeus que os desprezavam, honrou mulheres diante de homens que não lhes davam valor, contou a história do publicano que alcançou perdão em contraposição ao religioso que não o obteve, se gabou da fé do centurião, o epítome do antiDeus para o judeu de sua época. O povo-alvo para Jesus era honrado, cheio de fé, corajoso e honesto. Jesus trabalhou para gerar entre as pessoas respeito e apreciação mútua. Como mudar o hábito de usar essa linguagem missionária baseada em preconceitos e que não promove o reino? A regra continua sendo a mesma proposta por Jesus: “O que você não quer que seja feito a você, não faça aos outros”. Se você não quer que seu país seja referência de malandragem, promiscuidade sexual e corrupção política, então não estereotipe o país, a cultura, o comportamento moral e a economia de seu próximo (Fp 4.8). Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua-Kona, no Havaí, com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia. É autora de Chamado Radical. braulia_ribeiro@yahoo.com


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AMBIENTE E fé cristã

Marina Silva

Liz Valente

Ainda sem cuidar

Causa estranheza que aqueles que creem no dever de respeitar a terra porque ela pertence a Deus tenham votado sim ao Código Florestal

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stamos vivendo um momento importante na história de nosso país. Uma das principais leis de nosso ordenamento jurídico, o Código Florestal, está em discussão no Congresso Nacional. Este momento enseja a expressão de cosmovisões de todos os envolvidos no debate e é impressionante o que vem à luz. Embora esteja claro em Gênesis 2.15 que o ser humano foi autorizado a lavrar e cuidar do jardim onde foi posto, em geral só se dá ouvidos para o lavrar. É como se fosse uma herança cultural pela metade. Desenvolvemos o domínio sem o cuidado.

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Na maior parte do Brasil o mesmo modelo de cultivo da terra vem sendo usado desde o descobrimento. São 500 anos de uma tecnologia muito baixa, que significa a derrubada, a queima e a exploração até que o solo se esgote. Esse modelo tem se agravado devido à contaminação das águas com agrotóxicos e às emissões de gases de efeito estufa. A remoção de vegetação das encostas, topo de morros e margens de rios é feita sem nenhum senso de proteção. O resultado são rios assoreados, encostas que desabam sobre casas, plantações e estradas, e muitas vidas perdidas a cada ano. Além da alteração no regime das chuvas, pois as florestas têm um papel fundamental no equilíbrio climático. O Código Florestal não diz respeito apenas às áreas rurais. Há áreas de proteção permanente (APPs) também em regiões urbanas. Ainda temos na memória as cenas de destruição e dor do deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói, e da pousada em Angra dos Reis, ou das enchentes em São Paulo, onde as calhas dos rios imprensadas por construções em local inadequado transbordaram e trouxeram tantas perdas para quem já tem tão pouco. Se o texto aprovado na Câmara, que seguiu para debate no Senado, ficar como está, vai permitir que toda essa situação se agrave muito. O projeto anistia quem desmatou ilegalmente as áreas de florestas que deveriam, pela sua importância ecológica para toda a sociedade, ser preservadas. Beneficia especialmente os grandes produtores, desobrigando-os da recomposição da reserva legal e da APP, e cria condições

para que novos desmatamentos possam acontecer e sejam legalizados. Com isso, todos os esforços feitos pelo poder público e pela sociedade para barrar a destruição de nossos ecossistemas naturais caem por terra. Esse retrocesso está camuflado no texto, em uma redação capciosa, de modo que somente advogados especialistas na questão ambiental conseguem compreender o verdadeiro objetivo da lei, que é isentar o setor rural e outros setores econômicos da obrigação constitucional de preservar o meio ambiente e conservar nossas florestas para as atuais e futuras gerações. Há parlamentares que não comungam da cosmovisão cristã, no entanto orientaram seu voto pelo princípio de usar com cuidado. Causa estranheza que aqueles que creem no dever de respeitar a terra porque ela pertence a Deus — como está escrito em Levítico 25.23 — tenham, com poucas exceções, votado sim a esse texto, que é alinhado com os interesses de setores resistentes a entender que sem a proteção do meio ambiente não haverá futuro para o Brasil. A Câmara dos Deputados votou essa importante lei sem a dimensão do cuidado, fazendo o país retroagir ao modelo agrícola do século 19, quando tínhamos pouca informação científica sobre o regime das águas, as necessidades do solo, a engenharia das chuvas, os efeitos dos gases poluentes no clima. Tomara que o tempo de discussão no Senado possa recolocar nosso país no século 21 e que a voz do Senhor seja ouvida na terra. Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV/AC.


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Cotidiano —

Ed René Kivitz

o leitor pergunta

Sou casado há 12 anos e atualmente vivo um conflito muito grande. Sei que o casamento é para a vida toda, mas minha situação é a seguinte: não temos intimidade há vários anos, dorminos em quartos separados e minha esposa não gosta de discutir nossa situação nem quer buscar ajuda de terceiros. Já fiz algumas tentativas de terapia com piscólogos, ministério de casais da igreja e não deu certo. Posso me divorciar? E se vier a fazê-lo, poderei me casar novamente? Meu irmão, acolho sua dor e tristeza em oração por você e sua esposa. A orientação do Novo Testamento é interpretada basicamente de três maneiras. Primeiro há os que entendem que o divórcio é permitido apenas nas situações que se encaixam no casuísmo bíblico: imoralidade sexual (Mt 19.9) e abandono pelo descrente (1Co 7.10-16); em ambos os casos, os divorciados devem permanecer sem se casar novamente. Outros acreditam que, se o divórcio for justificado pelas duas cláusulas de exceção bíblicas citadas, o novo casamento é permitido. Uma terceira maneira de entender a orientação bíblica afirma que nem Jesus nem Paulo estavam definindo situações em que o divórcio e o novo casamento eram permitidos, mas apenas respondendo às situações específicas do seu contexto social e histórico. Jesus faz pelo menos três afirmações a respeito do tema: o ideal é que não haja divórcio: “No princípio não era assim; o que Deus uniu, não separe o homem”; a Lei de Moisés autoriza o divórcio “por causa da dureza do coração”; e o divórcio não deve ocorrer por qualquer motivo, “apenas em caso de imoralidade sexual”. O apóstolo

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ra a p a t n u g r e nvie sua p

edrenekivitz@ultimato.com.br Paulo, ao orientar uma comunidade nascente, que enfrenta dificuldades com os cônjuges não-convertidos, afirma que a opção pelo divórcio deve partir do não-cristão. Tanto para Jesus como para Paulo o princípio é: “Considere o divórcio como algo que fere o propósito original de Deus e opte por ele apenas em caso extremíssimo”. Nessa terceira maneira de interpretar, consideraríamos que o divórcio e o novo casamento são permitidos quando o processo de divórcio não é leviano, isto é, quando o divórcio é uma medida extrema de preservação da dignidade dos cônjuges e/ou da família. Em qualquer situação, entretanto, as pessoas divorciadas devem se arrepender do pecado da “dureza de coração” e abrirem-se para a graça de Deus, que oferece nova oportunidade para uma nova vida.

Meu nome é Maria Raquel e gostaria de saber sua opinião sobre o sacrifício de Jesus pelos nossos pecados. Como posso acreditar em um Deus que mata seu próprio filho? Maria Raquel, você tocou em uma questão essencial ao Evangelho de Jesus Cristo. Já ouvi pessoas ensinando que Jesus não morreu pelos nossos pecados. Sua morte teria sido a consequência de uma vida dedicada em amor radical. Isto é, Jesus não pretendia nem

desejava morrer, mas seu compromisso de amor pelo ser humano fez com que ele aceitasse a morte como contingência inevitável. Nesse caso, ela não seria necessária para a salvação e redenção do universo. Creio que o equívoco dessa compreensão está em desconsiderar diversos textos bíblicos que apontam para o propósito eterno de Deus em relação à morte de Jesus Cristo na cruz: Jesus é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29); “sabendo que não foi com coisas corruptíveis que fostes resgatados, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, o qual foi conhecido ainda antes da fundação do mundo” (1Pe 1.18, 19); “Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13.8). Também já ouvi que Deus não pode matar seu Filho para satisfazer a justiça da lei, pois nesse caso a lei se tornaria o padrão de sua relação com o universo criado, e não mais o amor. Porém, o discernimento cristão da Santíssima Trindade não permite falar de um deus que mata outro na cruz, mas de apenas um Deus que morre na cruz e aplica a lei contra si mesmo, em um ato de amor eterno por suas criaturas, sem sacrifício de sua justiça. Como diz o antigo hino: “em [Deus] concilia-se a santa justiça/ que não pode a culpa deixar sem castigo/ com a compaixão que por graça recebe/ e exime de culpas o réu pecador”.

Ed René Kivitz é pastor da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. É mestre em ciências da religião e autor de, entre outros, O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia.

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M ISS ã O

IN TEGR AL

René Padilla

Liz Valente

O poder para a missão

A continuação da missão de Jesus depende da poderosa presença dele com os discípulos por meio do seu Espírito

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Grande Comissão em Mateus 28.16-20 começa com uma afirmação da soberania universal do Senhor Jesus Cristo, prossegue com o mandato de fazer discípulos e termina com uma promessa relativa ao poder que tornará possível o cumprimento da missão: “Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (v. 20). Os que escutaram tal promessa foram os onze discípulos convocados por Jesus Cristo para se reunirem com ele no monte da Galileia (v. 16), ou seja, trata-se do corpo apostólico. Nele toda a igreja estava representada. Só assim entendemos que a promessa tem vigência “até a

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consumação dos séculos” (v. 20). Consequentemente, podemos nos apropriar dela hoje, como discípulos de Cristo. Jesus Cristo anuncia essa promessa, como no caso da afirmação de sua soberania universal e do mandato para fazer discípulos, justamente antes de desaparecer da vista de seus seguidores. A partir daquele momento já não estaria com eles corporalmente. Então, em que sentido ele estaria ? Embora não seja dito, há base para se afirmar que o Senhor se faria presente entre seus discípulos por meio de seu Espírito. No cenáculo, em seu discurso de despedida pouco antes da crucificação, ele havia dito isso aos discípulos (ver João 16.5-8; 12-15). No lugar da presença corporal de Jesus Cristo, os discípulos poderiam contar com a presença do Espírito Santo, e para um duplo propósito. Primeiro, para convencer o mundo de sua necessidade espiritual e, por conseguinte, de sua necessidade de Deus. Segundo, para que os discípulos recebessem o ensinamento relativo a Jesus Cristo, o ensinamento indispensável para crescer na experiência de aprender a obedecer ao Senhor em tudo. A continuação da missão de Jesus Cristo “até a consumação dos séculos” não dependeria dos discípulos abandonados à própria sorte, mas da poderosa presença de Jesus com eles por meio do seu Espírito.

As outras quatro versões da Grande Comissão reiteram a promessa da presença do Espírito relacionada com a missão de fazer discípulos — implicitamente em Marcos 16.15-18 e em Lucas 24.46-49, e explicitamente em João 20.22-23 e Atos 1.8. O relato da primeira etapa do cumprimento dessa promessa é o tema do livro de Atos dos Apóstolos, que na realidade é o livro de Atos do Espírito Santo. Não é coincidência que o livro que narra a difusão do evangelho de Jerusalém a Roma — o coração do império — comece com a descrição do derramamento do Espírito (capítulo 2) e mostre repetidamente a ação do Espírito por meio dos discípulos, primeiro no mundo judeu (capítulos 2-7) e logo no mundo gentio (capítulos 8-28). Porém, todo esse relato é exatamente a narração de “todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas” (Atos 1.1-2). O mesmo Jesus continuou atuando, no poder do Espírito, mediante seus discípulos. A missão de fazer discípulos que aprendam a obedecer ao ensinamento do Senhor em todos os aspectos da vida requer a participação humana, mas é essencialmente a mesma missão de Jesus Cristo por meio de seu Espírito. Traduzido por Wagner Guimarães

C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? .


Carlos “Catito” Grzybowski e Dagmar Fuchs Grzybowski

Casamento

e família

Você conhece o amor?

a psicologia e a psiquiatria, ciências a princípio dedicadas a estudar a conduta humana e suas disfunções, parecem reticentes ao considerar o amor como um termo de investigação ou interesse. A palavra amor simplesmente não é aceita nos meios científicos. [...] No princípio do

século, Sigmund Freud se negou a tratar o tema, dizendo que não possuía suficiente conhecimento para fazê-lo. [...] Todavia algumas correntes psicológicas têm chegado ao outro extremo: o cientificismo. Em uma revista de psiquiatria, um autor comentou que o amor é: “Um estado alterado de consciência que tem rasgos marcados de psicose temporal; um estado mental indefinível, incontrolável e irracional”.1

Os dicionários trazem definições vagas para o termo, que variam da ideia de compaixão à da libido. A Bíblia, em suas várias traduções, apresenta 32 palavras distintas entre hebraicas, gregas e aramaicas para “amor”. Assim, quando alguém fala que “acabou o amor” eu fico pensando a que essa pessoa realmente se refere. Gosto, particularmente, de uma definição de amor da Bíblia que está em 1 João 3.16. O autor afirma que conhecemos o amor quando damos nossa vida pelo nosso irmão. Penso que nosso “irmão” mais próximo é nosso cônjuge e amá-lo significa dar a vida por ele. Não em um literalismo barato e irrealizável. Dar a vida não significa apenas se jogar na frente de um carro para evitar que o outro seja atropelado. A possibilidade de acontecer uma situação semelhante a essa ao longo da vida é mínima. Nossa vida na Terra nada mais é que uma quantidade indefinida de tempo que Deus dispõe para cada um. Então, dar a vida significa abrir mão do tempo que tenho para meu usufruto e doá-lo ao meu cônjuge. E isso é contracultura, pois a sociedade nos ensina a sermos autocentrados

Hector Landaeta

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o longo de quase 30 anos de experiência profissional como terapeuta de casais e de famílias, não foram poucas as vezes em que me deparei com casais em processo de separação, com a seguinte alegação para o término do relacionamento: “Eu não (o/a) amo mais!”. Nossa sociedade, sob o lema “você precisa ser feliz”, inculca nas mentes a máxima hedonista de que a felicidade é resultado de um bemestar pessoal, individual e exclusivo. Na maioria das vezes, para o mundo assentado sobre o capital, isso se traduz em conforto material e acúmulo de bens; parece absurda a ideia de uma felicidade relacional, interpessoal e inclusiva. Assim, se vive o matrimônio como uma “república conjugal”, onde se dividem espaços, tarefas e deveres financeiros, e se desfruta do prazer no uso sexual do outro — mas não se constrói a ideia do “reino do nosso”. Lamentavelmente, o modelo individualista está muito presente entre os casais cristãos. E a ideia de se buscar a felicidade por meio desse modelo logo resulta na eliminação de tudo que possa causar desconforto ou ser empecilho — inclusive o cônjuge. Justificam-se separações e divórcios com a ideia de que “não existe mais amor”. Entretanto, perguntamos: o que é o amor? Brenson Lazán afirma:

Nosso “irmão” mais próximo é nosso cônjuge e amá-lo significa dar a vida por ele

e egoístas. Um exemplo clássico que costumo citar em palestras e encontros que ministro para casais é o do marido que no domingo à tarde quer assistir a partida de futebol de seu time predileto e a esposa lhe pede um favor. Dar a vida, neste caso, significa abrir mão do meu tempo de lazer e utilizá-lo em favor do meu cônjuge. Isso é sacrifício, é morte! Morte sacrificial! Somente assim vamos aprender o que é o “verdadeiro amor”. O amor com o qual Cristo nos amou. Lembrando sempre que “não há ressurreição sem morte!”. Nota 1. BRENSON LAZÁN, Gilbert. El Reino de lo Nuestro. Bogotá: Editorial Solar, 1980.

Carlos “Catito” e Dagmar são casados, ambos psicólogos e terapeutas de casais e de família. Catito é autor de Como se Livrar de um Mau Casamento e Macho e Fêmea os Criou, entre outros.

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DE

HOJE EM DIANTE...

Não quero ser preguiçoso nem me meter na vida alheia

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Arjun Kartha

partir de hoje, com a ajuda de Deus, vou arregaçar as mangas e mandar a preguiça embora. Estou completamente desmoralizado perante a família, a igreja e a sociedade. Ninguém me entrega uma responsabilidade, ninguém espera algo de mim, ninguém confia em mim. Preciso mudar de vida e recuperar a minha dignidade. Enquanto os outros são relativamente prósperos, eu não tenho conseguido o que preciso nem o que desejo. Oro muito e trabalho pouco. Sou como uma porta que gira nas dobradiças, mas, de fato, não sai do lugar. Sou um sonhador e não um trabalhador. Sou motivo de zombaria. Certo dia ouvi alguém dizer que, de tão preguiçoso, eu preciso de alguém para tirar a comida do prato e pôr na minha boca! E também que eu teria dito com os meus botões: “Se eu sair de casa, o leão me pega”. Minha decisão de hoje foi despertada quando acidentalmente li este provérbio de Salomão: “Preguiçoso, observe bem as formigas, olhe os seus caminhos e seja sábio

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[porque] elas não têm supervisor, nem oficial, nem governante para dar ordens, e, mesmo assim, trabalham durante o verão, ajuntando provisão para o inverno” (Pv 6.6-8, BV). O impacto dessa passagem bíblica me tirou da indolência crônica e me pôs a caminho. Vou dormir menos, sonhar menos, pestanejar menos — vou sair de casa para o trabalho, mesmo que haja um leão do lado de fora. Obrigo-me a tomar essa corajosa e já tardia decisão porque, estando ocupado, não terei mais tempo para me intrometer na vida alheia e perturbar a paz e a ordem dos outros. Não foi por acaso que li a palavra acusatória de Paulo aos crentes de Tessalônica: “Alguns de vocês estão vivendo na ociosidade, recusando-se a trabalhar, e gastando o tempo metendo-se na vida alheia” (2Ts 3.11, BV). Até então, eu não tinha percebido essa intimidade entre a preguiça e o intrometimento. Ainda não sei qual é pior. Na verdade, não me interessa, pois, deixando de ser preguiçoso, deixarei também de ser intrometido. Com o auxílio de Deus, matarei os dois vícios com uma cajadada só!


Carlinhos Veiga

Moda de Viola

Susana

Wesley e Marlene

Susana de Oliveira

Engana-se quem acha que Wesley e Marlene estão parados. Desde que o grupo MILAD (Ministério de Louvor e Adoração) encerrou suas atividades, o casal se ligou à equipe ministerial da Rádio Transmundial e continuou a rodar o país levando suas canções. Nessa nova fase já produziram pelo menos três novos CDs. O último é Moda de Viola, um antigo sonho da dupla de gravar músicas de raiz. Reúnem um repertório com canções belíssimas de Stênio Március, Silvestre Kuhlmann, João Alexandre, Jônatas Reis, entre outros. Convocam a viola caipira, o acordeom e o violão e lançam um trabalho que vai embalar o coração de quem é ligado no som da terra. A produção executiva é da Rádio Transmundial. A produção musical é de Guilherme Vasques, filho do casal, que também canta e executa algumas violas. Para adquirir, www. transmundial.com.br/ publicacoes.php3.

Mineira de Belo Horizonte, Susana tem uma voz doce e um jeito todo seu de cantar. Musicalmente se identifica como uma “matéria misturada de tons brasileiros” e de outros diversos cantos deste mundo. Iniciou-se na música aos 8 anos de idade, estudando piano, vindo depois a se interessar pelo violão, época em que começou a compor suas primeiras canções. Este é o seu primeiro CD e traz doze canções, todas de sua autoria. O projeto gráfico merece uma menção especial, pois foi muito bem concebido pela agência Imaginar. As belas fotos são de Marcus Castro. A essa altura do campeonato, por causa das novas formas de divulgação, geralmente o material gráfico tem sido tratado com certo descaso. Susana, ao contrário, caprichou! Para conhecer e adquirir o seu CD, visite www.susanadeoliveira. com.br.

N OVOS

ACORdES

Casamarela

Traspassado

O segundo trabalho do Crombie era aguardado com certa ansiedade pelo público em geral. Pois chegou o Casamarela! O novo CD foi lançado no Som do Céu deste ano, em edição limitada. Traz quatorze canções belíssimas e muito bem produzidas pelo grupo que mantém basicamente a mesma formação do primeiro trabalho. Dessa vez eles gravaram no QG Estúdio, no Rio de Janeiro, com masterização de Carlos Freitas (Classic Master). A produção fonográfica foi de Junior Castanheira. A banda permanece com o mesmo estilo, mas é clara a evolução sonora e o cuidado nas composições e nos arranjos. Estão mais maduros e introspectivos. Destaque para as canções “Sobre o vento”, “Dolores”, “Primeiro samba” e “Moonshine”. Para conhecer mais, visite www.crombie.com.br. Contatos pelo e-mail oscrombie@gmail.com.

Sankorban se apresenta como uma banda que faz rock no cerrado. É formada pelo trio Dim Dutra (guitarra, violão e voz), Hugo Machado (baixo) e Eduardo Argolo (bateria), que estão juntos há 18 anos. E seguem firmes na estrada. A temática das canções gira em torno do evangelho e sua mensagem de poder e transformação, mesclada com temáticas contemporâneas e uma pitada de temas da região Centro-Oeste, como na canção “Césio 137” e “Curare” (um tipo de substância paralisante usada pelos indígenas). O estilo é o fusion rock, ou ainda o Indian Rock, como sugere o álbum. Mesclam estilos e ritmos: em “Lança”, por exemplo, fazem uma pegada com cara de baião. O CD foi produzido por Gustavo Vazquez e co-produzido por Luís Maldonale, no estúdio Rocklab, em Goiânia. Contatos com a banda pelo e-mail sankorban@gmail.com.

Crombie

Sankorban

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Frederico Rocha

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Janet Susan

C AMINHOS

DA MISSã O

Um profissional a serviço do Rei inteligente, responsável e capaz chorasse. A notícia era que os que sobreviveram ao cativeiro e estavam em Jerusalém passavam por grande sofrimento e humilhação. O muro da cidade havia sido derrubado, e suas portas destruídas pelo fogo (Ne 1.3). Por que Neemias sentiu tanta tristeza por pessoas que moravam em outro país, longe dele e distante do conforto do palácio Neemias não só chorou e orou. Ele também real? Por que tanto se preparou, pensou, planejou e agiu choro? Porque esse era seu povo; e a cidade que estava em ruínas, a cidade de Deus, a cidade santa. O le vivia tranquilo, lugar para o qual seu povo e os povos executando diligentevizinhos deveriam levantar os olhos e mente seu serviço na dizer: “Ali é onde Deus mora no meio corte real. Havia subido do seu povo”. Jerusalém — a glória de de cargo e tornara-se Deus. o homem em quem o rei confiava E hoje, como Deus vive entre os totalmente — o copeiro que escolhia e provava o vinho do rei para certificar-se povos da terra? O que é a glória de Deus entre as nações? Somos nós, de que este não havia sido envenenado seus filhos e filhas. É a nossa união, a (pois as intrigas caracterizavam a corte igreja que representa Cristo no mundo. da Pérsia). O emprego tinha riscos, Porém, será que nós, quando ouvimos mas também privilégios; responsabilisobre a situação da igreja no nosso país, dades, mas também certa liberdade, se no mundo, nos sentamos e choramos? considerarmos que ele pertencia a um Passamos dias lamentando e jejuando povo “escravo”. Neemias estava “bem como Neemias? Onde está o nosso de vida”. choro, a nossa preocupação com a Porém, chegou uma notícia aos glória de Deus? ouvidos dele que lhe tirou a paz e o Neemias não apenas chorou e orou. deixou tão triste que ele se sentou e Ao buscar a Deus, ele atentou para chorou. Ela fez com que um homem

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o chamado do Senhor para a vida dele. Neemias, cujo nome significa “o Senhor consola”, percebeu que Deus tinha um propósito ao lhe conceder dons de administração e liderança, e também uma posição de privilégio como funcionário na corte real. Ele entendeu que havia chegado um momento importante na sua vida, em que Deus o chamava para servi-lo, para deixar a situação de conforto e de segurança em que estava e ir para outro país, a fim de trabalhar, servir, levar consolo a outros. Neemias não só chorou e orou. Ele também se preparou, pensou, planejou e agiu. No momento propício ele apresentou ao rei Artaxerxes um plano completo da obra missionária que desejava executar. Pediu permissão para sair do emprego atual (Ne 2.5), visto para poder viajar (Ne 2.7), oferta de materiais necessários para a obra (Ne 2.8), e foi para Jerusalém com a bênção do rei da Pérsia liderar a obra de reconstrução do muro da cidade de Deus. Um profissional a serviço do Rei na obra missionária, que se preocupou com a glória de Deus entre as nações. Neemias usou todo o conhecimento, os dons e as capacidades que Deus lhe tinha concedido para levar outros a conhecer, servir e glorificar a Deus. Quer ser um profissional a serviço do Rei? Ore ao Deus dos céus como Neemias orou (Ne 2.4) e responda ao Rei (Ne 2.5). Janet Susan é coordenadora de pessoal da Interserve BrasilCEM (Centro Evangélico de Missões), em Viçosa, MG.


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E NTRE V IST A

Russell Shedd

Avivamento é uma admissão de carência e deficiência em uma área doutrinária ou prática

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or causa de suas muitas viagens para pregar, tanto em conferências de grande porte quanto em igrejas pequenas e pobres de várias denominações evangélicas por esse Brasil afora, muitos brasileiros conhecem Russell Philip Shedd, simpático missionário americano. Em 2012 ele irá completar 50 anos de ministério no Brasil. Nascido na Bolívia, onde seus pais eram missionários, e casado com Patrícia, sua ex-aluna em um colégio evangélico do Alabama, o doutor Shedd, como é conhecido, embora já tenha completado 80 anos e tenha tido um sério problema de saúde no final de 2010, ainda está em atividade. Seu ministério atual é dar cursos intensivos em escolas teológicas, fazer preleções e mensagens em congressos, igrejas e encontros, além de continuar a escrever livros. No momento, ele está

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trabalhando em um livro sobre autoridade e poder. Nesta entrevista, Shedd diz que, com a abertura do sexto selo, o pavor tomará conta de todo o mundo, levando qualquer pessoa, inclusive os ateus, a dobrar o joelho e confessar que Jesus é o Senhor. Em sua carta à igreja de Éfeso, Jesus pediu que a comunidade se arrependesse e voltasse a fazer “o que faziam no princípio” (Ap 2.5). Ao longo da história, a igreja visível também tem precisado voltar atrás? Certamente. O declínio das igrejas é visto repetidas vezes ao longo da história. A própria Reforma foi uma volta parcial ao início, especialmente na compreensão da doutrina da salvação. Voltar atrás é virtude ou covardia? Voltar atrás é claramente virtude, se se volta para a santidade com arrependimento e contrição. Não foi essa a

atitude de Davi depois do seu adultério e homicídio? Voltar atrás é a mesma coisa que se converter? Pode ser um caso contrário. Uma pessoa genuinamente convertida, habitada pelo Espírito Santo, filha de Deus, pode cair em tentação, durante um período de frieza. Como no caso de Pedro, que negou a Jesus, mas voltou. Acredito que ele foi verdadeiramente um discípulo de Cristo antes e depois da negação. O que é mais difícil: voltar atrás depois de um desvio de comportamento ou depois de um desvio de fé? Dependendo do tipo de desvio, a volta depois de uma queda feia cria uma vergonha tão grande no desviado que ele não tem coragem de se mostrar mais na comunidade. A volta de um desvio da fé individual não é difícil, enquanto um desvio doutrinário que se implantou


numa igreja ou denominação pode ser quase impossível. Será que a Igreja Católica, tendo mudado a fé neotestamentária durante mil anos, teria facilidade de voltar? A história de Reforma mostra com que dificuldade se retorna à simplicidade da fé. Para a igreja experimentar um avivamento, ela e seus pastores precisam voltar atrás em algo? Avivamento é uma admissão de carência e deficiência numa área doutrinária ou prática. Para reconhecer e voltar para o primeiro amor, para voltar para uma vida dedicada ao amor prático ou retomar um compromisso com missões, os líderes e o próprio povo têm de voltar atrás. No que diz respeito a Maria, a Igreja Católica precisa dar um passo para trás e a igreja protestante, um passo para frente? Nada mais importante a dizer do que

Arquivo pessoal

Israel antes da volta de Cristo voltará atrás e aceitará seu Messias crucificado e ressurreto recomendar a leitura do livro Quem é Jesus, de Gerald Bray (capítulo 2, “A anunciação”, p. 21-30). Tanto a doutrina da imaculada Conceição como a assunção de Maria têm pouca base bíblica para nossa fé. Os protestantes liberais, que negam a veracidade e infalibilidade das Escrituras, também geralmente negam o nascimento virginal de Jesus. Quem crê na inspiração divina das Escrituras não tem como negar que Maria foi a mãe de Jesus, concebido pelo Espírito Santo. Assim, Jesus Cristo é o Filho do Homem e o Filho unigênito de Deus (Jo 1.18). Paulo afirma que “todo o Israel será salvo” (Rm 11.26). Isso significa que a nação eleita voltará atrás e reconhecerá Jesus como o Messias esperado? Ainda que alguns intérpretes não entendam esse texto bíblico dessa

forma, penso que, de fato, Israel, antes da volta de Cristo, voltará atrás e aceitará seu Messias crucificado e ressurreto. Paulo também afirma que ao nome de Jesus todo joelho se dobrará e toda língua confessará que ele é o Senhor (Fp 2.10-11). Em algum momento, ainda futuro, o mundo inteiro voltará atrás quanto a Jesus? Entendo que esse texto seguramente mostra que todos reconhecerão quem é de fato o Senhor Jesus, mas não quer dizer que todos serão salvos. Um ato de adoração como esse, predito por Paulo, surgirá pela evidência do fato de que Jesus Cristo é o Filho de Deus. O pavor que encherá os corações (conforme o sexto selo, em Apocalipse 6) levaria qualquer pessoa, inclusive ateus, a dobrar o joelho e confessar que Jesus é Senhor.

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Paul Freston

É TICA

A vontade de Deus

e os desejos não realizados

A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra.”

Essa afirmação — uma das poucas janelas que temos para a vida emocional de Jesus — é feita quando os discípulos voltam da cidade trazendo alimentos. Jesus, que parece estar sob o impacto da conversa com a mulher samaritana, responde: “Uma comida para comer tenho eu, vocês não a conhecem” (Jo 4.32). Um contraste entre o que motivava os discípulos na vida e o que motivava Jesus. É significativo que não passa pela mente dos discípulos que Jesus poderia ter feito um milagre para se alimentar. Pensam logo na hipótese de alguém ter trazido comida para ele (v. 33). Foi falta de fé por parte deles? Não. Eles

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sabiam que os milagres não eram feitos a qualquer hora, por um capricho. Não eram usados para satisfazer fins pessoais (a tentação de transformar pedras em pães). Se Jesus não usava seus poderes divinos para satisfazer a si mesmo, por que esperamos que ele o faça para satisfazer a nós? Jesus tinha desejos não-realizados (como a fome, nesse caso); porém, ele dizia: “Não; o propósito da minha vida não é simplesmente satisfazer os meus desejos”. Podemos ir mais além, pois às vezes os desejos se reintroduzem sutilmente, sob a desculpa de que estamos servindo a Deus. Entretanto, Jesus, com a missão mais importante que alguém já teve, não exigiu perfeitas condições de trabalho, comida sempre na hora, colaboradores competentes, momentos de paz. Ele tolerou o cansaço, a sede, a fome, a

incompetência, a incompreensão, a oposição. E tudo isso quando poderia ter usado os recursos de sua sociedade missionária celestial para remediar a situação. Só há uma exceção a esse padrão: o curioso incidente de Mateus 17.24-27, quando Jesus aparentemente faz um milagre para pagar o imposto do templo. O incidente indica uma atitude de desprezo diante da ganância dos dirigentes da religião oficial. A “necessidade” de sustentar a elite político-religiosa não se iguala à necessidade de comer depois de uma longa caminhada. Jesus tinha singeleza de propósito — fazer a vontade de Deus. Na cruz, pôde dizer: “Está consumado” (Jo 19.30). O que significa o fato de que a “comida” dele era fazer a vontade de Deus? Significa que ele se


alimentava disso, que era a condição básica de sua sobrevivência. Se não o fizesse, definharia como quem não come. Oportunidades de servir, mesmo em momentos de cansaço e fome, eram o que lhe dava forças. Não vivo tal versículo. Fazer a vontade de Deus só é básico para mim em certos momentos; em outros, não. Porém, para Jesus, era o tempo todo. Assim como ganhar dinheiro o é para certas pessoas — nunca perdem uma oportunidade. Ou como aproveitar a chance de uma conquista sexual. Ou como nunca deixar passar a chance de espalhar uma fofoca. Que morte: “Minha comida consiste em fazer a

Jesus não tinha uma atividade febril, ditada pelas circunstâncias. Ele tinha uma missão, não uma reação vontade de outra pessoa!”. Isso é bem diferente de incorporar o reino de Deus como mais um interesse na vida. Exige um “jejum” de nossos próprios projetos, para que a fome do projeto de Deus apareça. Jesus é capaz disso, porque vê a Deus como “aquele que me enviou”. Será que, quando alguém pergunta: “Quem é Deus para você?”, penso logo em responder: “É quem me enviou”? Minha relação com ele é de enviador e enviado? Outro texto em que Jesus revela algo de sua vida interior é Lucas 12.49-50: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra e bem quisera que já estivesse a arder. Tenho, porém, um batismo com o qual hei de ser batizado; e quanto me angustio até que o mesmo se realize!”. Como é que Jesus, uma pessoa equilibrada e sempre disponível, poderia se angustiar? O equilíbrio

cristão, porém, não é o ideal budista de impassibilidade. Não depende de “estar de bem com a vida”. Um forte senso de missão e de necessidade pode coexistir com a calma e com a disponibilidade. “A vontade daquele que me enviou” nem sempre é algo agradável. Imaginemos Jesus dizendo essa frase no jardim do Gestsêmani!A sua “comida”, naquela circunstância, devia parecer envenenada. Será que Jesus era um “viciado em trabalho”? Não. Para ele, o trabalho não era um fim em si mesmo, mas um meio de fazer a vontade do Pai. Jesus não disse: “Minha comida consiste em me realizar por meio do trabalho”. Não tinha uma atividade febril, ditada pelas circunstâncias. Ele tinha uma missão, não uma reação. Nosso problema é que não temos — salvo em raros momentos — uma ideia tão clara de nossa missão como Jesus tinha. Ele pôde dizer: “Está consumado”, porque a sua missão se relacionava com a cruz como clímax. E nós? Em geral, não temos consciência de um projeto tão específico como ponto culminante de nossa missão. Posso assumir um projeto, mas quem me garante que não se tornará mera obstinação? Por isso, temos de nos propor a “realizar a obra de Deus”, mas sempre com autocrítica, sabendo que a obra de Deus pode não ser exatamente o que nós queremos fazer, muito menos o que acabamos realizando. Portanto, que tenhamos tolerância para com os projetos cristãos dos outros, modéstia quanto à nossa própria atividade e cautela no uso da frase “a vontade de Deus” para justificar as nossas decisões. Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é professor colaborador do programa de pós-graduação em sociologia na Universidade Federal de São Carlos e professor catedrático de religião e política em contexto global na Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, Ontário, Canadá. Julho-Agosto, 2011

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Robinson Cavalcanti

Peter Alexander Robb

R EFLEXÃO

Os evangélicos e a pororoca gay

V

ive-se sob o impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em legalizar as uniões homoeróticas. Uma Assembleia Constituinte soberana, tanto na intenção como na redação, restringiu esse instituto a um homem e uma mulher. Igualmente o Código Civil. A decisão do STF contrariou a intenção e o texto do legislador. A função legisferante é competência do Legislativo, mas as Medidas Provisórias (MP), os decretos e as portarias deslocam essa função para o Executivo, fragilizando a democracia. Vem crescendo essa indesejável função legisferante também por parte do Poder Judiciário, nas “interpretações” de evidente viés ideológico. Uma

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corte de militantes é outro risco para a democracia e para a segurança jurídica dos cidadãos. Outras “interpretações” não tardarão, impondo uma camisa de força sobre a liberdade do Legislativo quanto a essa matéria, como a PLC 122 — um atentado à liberdade de expressão e à liberdade religiosa. Ela foi aprovada na Câmara dos Deputados, ausentes todos os deputados evangélicos, e nenhum advogado representando qualquer organização protestante se fez ouvir no STF. Os escombros do Muro de Berlim caíram sobre as ideologias contemporâneas e o vazio foi preenchido pela chatice do “politicamente correto” (puritanismo de esquerda), pela defesa do multiculturalismo contra valores universais, pela cultura da morte,

pelo relativismo pós-moderno e pela a agenda GLSTB, enquanto prospera o hedonismo consumista egoísta e alienante. Afirmei: “Pobre geração, que a única utopia que lhe restou foi a defesa da sodomia!”. A articulação internacional dos homossexuais e das elites secularistas foi a mais conhecida pela humanidade, com uma plataforma: descriminalização, retirada do rol das enfermidades (decisão política e não científica), legalização, paralisação dos oponentes sob a pecha de “homofobia” e, por fim, criminalização dos “homofóbicos”. Afirma-se o caráter natural, inevitável e irreversível dessa “orientação” (predestinação erótica). Igrejas demoraram a perceber a nova “revolução cultural”, e com um déficit


de estudo sobre a sexualidade, se sentem ameaçadas e acuadas ou, pelo liberalismo teológico, legitimam o homossexualismo para a ordenação dos seus ministros e a bênção de uniões. O que se iniciou na Europa e na América do Norte chegou ao Brasil, como sempre: “As aves que aqui gorjeiam, gorjeiam como lá”. Em 1998 votei, com a maioria (mais de 80%) dos bispos anglicanos de todo o mundo, na Conferência de Lambeth, a Resolução 1.10, afirmando a sexualidade como um dom de

a crise do anglicanismo é, em muito, decorrente da rebelião da minoria contra essa resolução. Em carta-aberta ao Senado, defendi a dignidade de toda pessoa humana, os direitos civis de todos os cidadãos, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa e a posição contrária à criação de um ente familiar homoerótico e à criminalização dos heterossexuais que não aceitam a normalidade do homossexualismo (heterofobia). Tenho afirmado que todo discurso científico é uma descrição da natureza caída (depravação total), que a inclinação/tentação homoerótica é uma das manifestações da queda, uma enfermidade espiritual, um desvio de conduta, um pecado, como tantos outros, que demanda, igualmente, arrependimento e novidade de vida. O sangue de Cristo lava todos os pecados, e o poder do Espírito Santo, pela igreja como comunidade terapêutica, ou pelos instrumentos científicos disponíveis, pode fazer nova todas as coisas, transformando-as à imagem do caráter de Jesus. Fui tachado de “retrógrado” e “homofóbico”. Seria discriminatório com os homossexuais se os tratasse de forma diferente dos demais pecadores. Não querem ser considerados

Seria discriminatório com os homossexuais tratálos de forma diferente dos demais pecadores Deus, a ser exercitada no matrimônio heterossexual monogâmico vitalício, reconhecendo vocações especiais para o celibato e a existência de pessoas com tendências homoeróticas, a serem acolhidas e escutadas pastoralmente, sob o princípio de ser a sua prática contrária ao ensino das Sagradas Escrituras. Os Cânones da Diocese do Recife acolheram esses princípios;

pecadores, celebrando o “orgulho” da sua condição em “paradas” financiadas com o dinheiro do contribuinte, qualquer que seja o partido nas diversas esferas do poder estatal. Além do ensino e da pastoral interna, temos um mandato cultural, a necessidade de evangelizar a cultura, o dever de expor e propor os direitos e os deveres naturais, os valores do reino e a busca do bemcomum na esfera pública, o exercício do profetismo, a pecaminosidade universal e a possibilidade universal de perdão, reconciliação, conversão e santificação. Devemos pregar nos templos e nos espaços públicos (os “areópagos”) o que as Escrituras ensinam, e o consenso dos fiéis o entendeu por 2 mil anos. Não podemos aceitar o veto do espírito do século, ou revisar conceitos (não preconceitos), “humanizar Deus” buscando respeitabilidade, ou abandonar os ex-homossexuais. As “pororocas” da história passam. A Igreja permanece. O “evangélico” protestantismo já não é tão amplamente “evangélico” assim. Além do fundamentalismo, o liberalismo é um desafio concreto. Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica, A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada e Anglicanismo — identidade, relevância, desafios. www.dar.org.br

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A PALAVRA DE DEUS

Valdir Steuernagel

Sergio Roberto

R EDESCOBRINDO

Andando

nas pegadas do Nazareno

O

mar da Galileia se descortina diante dos meus olhos. O dia está bonito, a água é límpida e as pequenas ondas chegam despretensiosamente à praia, em ritmo cadenciado. Era assim no tempo de Jesus e assim continua sendo até hoje, quando revisito o sentido desse lugar. É claro que tudo está diferente. Como em tantos outros lugares do mundo, esta e outras cidades da Galileia estão cheias de arranha-céus e de hotéis turísticos à margem do lago. Porém, o mar não mudou. Olhando para ele, lembro-me que Jesus andou por essas águas, o que foi relevante para os seus dias. A relevância de ontem é também a de hoje, independentemente de estarmos na Galileia ou em outro lugar. No mar sereno, vejo as pequenas ondas chegarem à praia novamente e penso: É assim que Deus chega perto de nós, novamente, e o faz em todos os mares, vales e montanhas da nossa vida. Ontem ele caminhou pelas praias da Galileia e andou sobre as suas águas. Foi há muito tempo, mas a memória dos seus feitos 56

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e a realidade da sua presença ainda permanecem, por mais diferente que seja a língua que se fala, a roupa que se veste ou a comida que está sobre a mesa. Eu agradeço por ele ter estado aqui ontem e por estar aqui e em toda parte hoje, com sua palavra encarnada e seu Espírito vivificador. Tenho o privilégio de escrever este texto olhando para o mar onde Jesus gastou parte significativa do seu tempo de vida ministerial. Molho os pés na água e lembro-me que nos arredores desse mar Jesus curou enfermos, libertou pessoas de demônios e ensinou o povo as verdades do reino de Deus. A presença, a palavra e o toque de Jesus traziam às pessoas — a maioria pobres, doentes e cansadas — um encontro com o sentido da vida, a alegria de viver, a paz nas relações humanas, e o próprio significado do shalom de Deus. Já estive em Israel antes. Dessa vez, porém, ao andar pelos lugares onde Jesus viveu e ministrou, sou tomado de profunda gratidão. Jantamos em Magdala, terra de Maria Madalena, e passamos por Gadara, onde Jesus curou o endemoninhado.

Porém, confesso que tenho dificuldade de enxergá-lo caminhando entre os pobres, pequenos e doentes, como fez no seu tempo, anunciando-lhes a palavra presencial da salvação. Afinal, esse lugar tornou-se um centro de grande atividade turística, onde tudo é motivo para um bom negócio. Sei que para o pobre daqui o turista pode viabilizar a sobrevivência. Porém, tudo parece produzido e editado, inclusive a parte do cristianismo. Em Cafarnaum, sobre a suposta casa da sogra de Pedro — a quem Jesus curou — construíram uma igreja. No lugar onde ele provavelmente pregou o Sermão do Monte, há outra igreja suntuosa. O diálogo entre o episódio original e a arquitetura atual parecem denunciar que enfeitamos Jesus de tal forma que corremos o risco de não nos encontrarmos com ele, que é o sentido e a necessidade mais profunda de toda a nossa vida. O que acontece é que apenas os turistas com dinheiro podem visitar a “terra prometida”. Então chego a Nazaré. Nesta cidade grande e povoada há, em um pequeno pedaço de terra, uma vila reconstruída para que se experimente “a Nazaré onde


Jesus viveu”. Nela, algumas ovelhas seguem as ordens do pastor, uma mulher chamada Ana produz e tece os fios de algodão, e o carpinteiro José trabalha com ferramentas iguais às usadas por Jesus. Essa foi a experiência que mais me marcou. Sua simplicidade e o seu jeito de ser gente me mostraram uma vez

Sua simplicidade e o seu jeito de ser gente me mostraram uma vez mais o que significa a encarnação de Jesus mais o que significa a encarnação de Jesus e o seu incalculável valor para um mundo cansado, desagregado, opresso e doente. As ovelhas pastando, Ana em seu cotidiano e José com um pedaço de madeira na mão recebem a presença de um Jesus que se torna um deles e um de nós, para nos mostrar que Deus não nos esqueceu e nos possibilita um encontro com ele e com o caminho da salvação. Na pequena vila de Nazaré foi mais fácil vê-lo e ouvi-lo a me chamar para ser dele. Não seria esse o sentido da vocação dos discípulos, chamados a estar com ele e a segui-lo? Eles prontamente o fizeram. “Abandonaram o barco e, deixando tudo, o seguiram.” Em Nazaré foi mais fácil vê-lo por entre os caminhos

pedregosos abraçando crianças, curando enfermos, sorrindo para um solitário e anunciando, ao expulsar o demônio, que o reino de Deus é chegado. Daqui a alguns dias irei embora de Israel e logo estarei na África, em contato com a nossa gente que serve às crianças e aos pobres em lugares onde a fé é absolutamente minoritária, como aqui, onde os cristãos são em torno de 1% da população. O que fazemos na África fazemos também em Israel — cuidamos dos pobres. Em ambos queremos ser testemunhas do amor de Deus, que em Jesus nos mostrou um caminho sobremodo excelente: amar a Deus de todo o nosso coração e ao próximo como a nós mesmos. Jesus, o Nazareno, fez isso por aqui, faz isso conosco e nos convida a fazê-lo em seu nome mundo afora. Aliás, para me encontrar com esse convite e com esse desafio de Deus para mim, eu nem precisava molhar os pés no mar da Galileia, pois ele me encontrou junto aos “meus próprios mares”, como diz o belo hino: Tu vieste à beira do lago, Não buscaste nem prata nem ouro Queres somente que eu te siga. Senhor, olhaste em meus olhos E sorrindo disseste meu nome Lá na areia deixei o meu barco Junto a ti buscarei outro mar. Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro Pastoral e Missão, em Curitiba, PR. É autor de, entre outros, Para Falar das Flores... e Outras Crônicas.

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Jorge Henrique Barro

Afonso Lima

Cidade em foco

População Brasileira — Censos de 2000 e 2010

O Brasil urbano

É

comum se aceitar que o processo de aceleração da urbanização no Brasil se deu a partir de 1950, pois ela só começou quando a indústria se tornou o setor mais importante da economia nacional. A passagem de uma economia agrárioexportadora para uma economia urbano-industrial ocorreu no século 20 e intensificou-se a partir de 1950. Iniciou-se, assim, o processo de metropolização, que diz respeito à concentração demográfica nas principais áreas metropolitanas do país. Graças a ele, o Brasil é hoje majoritariamente urbano, como comprovam os números do censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). População do Brasil — Censo 2010 Rural 29.852.986 16%

Urbana 160.879.708 84%

Quando se compara o censo de 2000 com o de 2010, chamam a atenção o 58

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aumento de 20.933.524 do total da população brasileira (cerca de 2 milhões por ano nos últimos 10 anos) e a diminuição de 1.999.225 habitantes das áreas rurais. Para chegar a esses números o IBGE percorreu todo o território nacional (cerca de 8 milhões de quilômetros quadrados). A tarefa que envolveu 5.565 municípios, aproximadamente 58 milhões de domicílios e 314.018 setores censitários.1 Proponho algumas reflexões a partir dos dados. É necessária uma eclesiologia que olhe com cuidado para a rede de pobreza extrema nacional. O aumento do total da população brasileira e a diminuição da quantidade de pessoas nas áreas rurais certamente intensificarão a rede de extrema pobreza nacional. De acordo com Antônio Márcio Buainain, professor do Instituto de Economia da Unicamp, “no plano mais estrutural o governo tem dois reptos: de um lado, elevar os investimentos públicos necessários para dar sustentação à expansão da economia, tarefa que vai bem além de construir estádios e reformar aeroportos para a Copa e a Olimpíada; e, de outro, erradicar ou

Total

169.799.170

2000

2010

190.732.694

+20.933.524

Rural

31.845.211

29.852.986

- 1.999.225

Urbana 137.953.993 160.879.708 +22.925.715 Masc.

83.576.015

93.390.532

Fem.

86.223.155

97.342.162

+ 9.814.517

pelo menos reduzir consideravelmente a pobreza extrema em que vivem cerca de 16 milhões de brasileiros, segundo recente estimativa do IBGE”.2 A eclesiologia brasileira dará conta dessa realidade? Os “sem-igreja” ficarão de fato sem igreja? Mesmo que o censo 2010 ainda não tenha disponibilizado os dados sobre a religião no Brasil, é sabido que entre 1950 e 2000 o número de brasileiros que se declararam semreligião aumentou de 0,5% para 7,4% da população. Espera-se, portanto, um novo aumento no censo de 2010. É possível que já tenhamos cerca de 20 milhões de pessoas no Brasil que se declarem sem-religião. “A religião foi perdendo sua plausibilidade, deixando de ser hegemônica. O sagrado que permeava a vida das pessoas, influenciando-as no seu dia-a-dia, vai sendo superado por outras formas racionalistas de encarar a realidade. Para Luckmann, um dos efeitos da secularização pode ser a privatização da religião e suas instituições, que, pela variedade de valores que oferecem ao consumidor, [fazem surgir] o que o autor chama de religião invisível”.3 Por que a igreja


brasileira não acorda para esse gigante chamado secularização? Jovens buscam a fé sem a igreja. O que dizer da nova forma de religiosidade crescente entre os jovens brasileiros, os crentes sem religião, que valorizam a fé, mas não se vinculam a uma igreja? Segundo José A. Paz, “a novidade reside precisamente nos crentes sem religião. ‘O espírito buscador do jovem não procura uma instituição religiosa que o enquadre, mas uma doutrina em que ele se encontre’, declarou a antropóloga Regina Novaes para a IstoÉ. A concepção de que a fé só poderia ser vivida dentro de uma religião ou de uma igreja passa a ser questionada pela juventude... para o jovem brasileiro, ter fé é mais importante do que seguir uma doutrina. Segundo [a] matéria da IstoÉ, ‘os símbolos religiosos antes difundidos na igreja e no âmbito familiar circulam mais por outras áreas de domínio público’, como nos blogs, nas camisetas, nas feiras, na moda. Sem dúvida, um desafio para as igrejas históricas, pentecostais, neopentecostais, na busca de jovens para suas fileiras”.4 Por que os pastores e as conferências missionárias não se preocupam em estudar a cidade como campo missionário? Preserva-se uma prática pastoral rural para uma realidade urbana, tanto na metodologia quanto na linguagem, nas estratégias, no estilo de pregação, na forma de exercer a liderança e no cuidado com as pessoas. Muitas conferências missionárias não têm mais

um caráter reflexivo, mas lucrativo. Apela-se para os resorts, os hotéis, a comida, e a conferência torna-se um pano de fundo. As igrejas realizam conferências missionárias, mas permanecem no modelo de missões (no plural — transcultural) e não missão (no singular — missional, natureza da igreja). Missões é uma das atividades da igreja missional. Barth afimou: “Uma igreja que conhece sua missão não poderá nem quererá, em nenhuma de suas funções, persistir em ser igreja por amor de si mesma”.5 Já passou da hora de a cidade fazer parte da agenda de nossas reflexões. As margens do Ipiranga já não são mais plácidas. Os nossos bosques — dos centros urbanos — já não têm tanta vida. Os guetos, becos e favelas mostram que não estamos deitados eternamente em berço esplêndido. A justiça não é uma clava forte, antes, se assemelha mais a uma cana fácil de se esmagar. E a igreja, também não foge à luta? Notas 1. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/ topwindow.htm?1. Acesso em 17/05/11. 2. O Estado de S. Paulo, 17/05/11. 3. ARAÚJO, Sérgio e SEBATINI, F. Sobre secularização. “Caminhos”. Revista do Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás. Goiânia, p. 261-273, 2004, v. 2. 4. Disponível em: http://www.alcnoticias.net/interior. php?lang=689&codigo=11769. Acesso em 07/01/11. 5. BARTH, K. Esbozo de dogmática. Milão: Editorial Sal Terrae, 2000. p. 169-170.

Jorge Henrique Barro é diretor da Faculdade Teológica Sul Americana e vice-presidente da Fraternidade Teológica Latino Americana (continental).

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H ISTÓRI A

Alderi Souza de Matos

Fé cristã: o verdadeiro humanismo

O

humanismo é um conceito que tem assumido diferentes sentidos nos últimos séculos. Na época do Renascimento, significou a valorização do ser humano, da vida no mundo e das conquistas da humanidade. Isso se manifestou de maneira especial na redescoberta dos clássicos e em um rico florescimento da literatura, da ciência e das artes. Dois ou três séculos mais tarde, com o advento do Iluminismo, surgiu o chamado “humanismo secular”, em que essa afirmação do valor da vida e do ser humano foi acompanhada de uma forte rejeição de qualquer realidade transcendente ou espiritual. Tal mentalidade exerce poderosa influência na cultura pós-moderna contemporânea. Existe também o que se denomina “humanismo cristão”. O cristianismo tem uma concepção elevada do ser

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humano e afirma a dignidade e até mesmo a sacralidade da vida. Todo indivíduo reflete a imagem do Criador e tem um lugar privilegiado no cosmos (Gn 1.26; Sl 8.5). Jesus Cristo, em seu ensino e exemplo, insistiu na importância de valores como a justiça, a solidariedade, a misericórdia e, acima de tudo, o amor (Mt 22.37, 39). Ao longo dos séculos, essas convicções geraram imensos benefícios para indivíduos, comunidades e nações. É verdade que a história também tem testemunhado manifestações negativas associadas com o cristianismo, as quais, todavia, representam uma traição dos valores e ideais mais caros da fé cristã. É bastante reveladora uma comparação entre a herança cristã e outras cosmovisões. A ciência Não se pode negar que, nos últimos séculos, os avanços da ciência têm contribuído em muito para beneficiar

a vida humana. Nos campos da medicina, da biologia, da química e da engenharia têm ocorrido descobertas e invenções que elevaram sensivelmente a qualidade de vida de um grande número de pessoas. Porém, as concepções filosóficas que servem de base para a ciência moderna contribuem para a desumanização ao questionarem a singularidade e o valor supremo da pessoa humana. Nunca a humanidade esteve tão ameaçada pelo cientificismo, a concepção de que a ciência tem uma explicação última da realidade, de que ela pode resolver todos os reais problemas do mundo e, pior ainda, de que os métodos científicos devem ser estendidos a todos os domínios da vida humana. Duas áreas em particular, nas quais pode se manifestar essa soberba da ciência, são a biologia evolutiva e a cosmologia. O evolucionismo transformado em dogma afirma que


a humanidade é um acidente fortuito na trajetória impessoal do universo. Assim, tudo — os valores, os comportamentos, as virtudes e a própria religiosidade — passa a ser explicado em termos mecanicistas. As teorias da formação do universo com frequência também insistem na insignificância e na virtual falta de sentido da existência humana, fruto de processos físicos e químicos aleatórios ao longo de incontáveis eras. Essa mentalidade pode contribuir para uma atitude de banalização da vida e de relativização de valores outrora fundamentais. As ideologias Uma ideologia pode ser conceituada como o conjunto de afirmações, teorias e objetivos que constituem um programa sociopolítico. O século 20 presenciou o surgimento de algumas das ideologias mais opressivas da história, entre as quais merecem destaque o nazismo, o fascismo e o comunismo. O nazismo ou nacional-socialismo, com todo o

seu horror, desapareceu enquanto sistema político, embora, de modo preocupante, continue a inspirar indivíduos e organizações. O fascismo, seu irmão gêmeo, também foi superado enquanto filosofia de governo, mas seus pressupostos continuam vivos e

Todo indivíduo reflete a imagem do Criador e tem um lugar privilegiado no cosmos

florescentes em muitas áreas da cultura moderna (ver O Fascismo Moderno, de G. E. Veith Jr.). Quanto ao comunismo, apesar de seu trágico legado ao longo do

século 20, continua a seduzir grandes contingentes de pessoas. Todas essas ideologias tiveram o propósito declarado de lutar pela liberdade e a igualdade, mas acabaram se revelando autoritárias e violadoras dos direitos humanos, substituindo antigas formas de opressão por outras mais virulentas. O socialismo, especialmente em suas versões latino-americanas atuais, apresenta algumas tendências extremamente perigosas, que poderão resultar em tragédia no futuro. No Brasil, a crescente ideologização da política tem gerado efeitos deletérios como o crescimento desmedido do estado, a conivência com a corrupção e a crescente interferência na consciência individual, exemplificada pelo esforço partidário-estatal de impor uma visão particular de moralidade sexual na legislação e na educação. A religião Pela magnitude das paixões que desperta e do poder que concentra,

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a religiosidade também pode se tornar um instrumento de desumanização, de violação da dignidade humana. Como já foi apontado, o cristianismo, em suas diferentes tradições (católica, ortodoxa e protestante), teve, ao longo da história, manifestações de cumplicidade com o mal, contradizendo os princípios mais essenciais de seu fundador. As cruzadas, a inquisição e os pogroms contra os judeus medievais são exemplos disso. Hoje, o mundo está sendo assolado pelo fenômeno assustador do fundamentalismo religioso militante, no qual, em nome de Deus e da fé, são cometidas as mais horríveis atrocidades, despertando em muitos uma aversão ainda mais intensa contra qualquer espécie de religiosidade. Como todos sabem, a religião em que isso alcança maior expressão na atualidade é o islamismo. Tal fato é especialmente lamentável tendo em vista que, em

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séculos anteriores, os muçulmanos não somente deram extraordinárias contribuições culturais, mas se destacaram por sua considerável moderação em relação a outros grupos. Todavia, os líderes e a imprensa ocidentais deveriam ser mais cautelosos em seu constante esforço de dissociar as ações dos fundamentalistas dos princípios do verdadeiro islamismo. Por razões históricas e doutrinárias, a religião islâmica tem uma propensão para a intolerância. Sua concepção teocrática, de controle de todos os aspectos da vida e da sociedade, faz com que, por exemplo, mesmo em nações não governadas por fundamentalistas, haja grande cerceamento dos direitos e das atividades de outros grupos religiosos, particularmente cristãos. Conclusão De todas as tradições e correntes de pensamento e vida, provavelmente a fé cristã é a que maiores contribuições tem oferecido em prol da valorização e da defesa da dignidade humana,

em âmbito mundial. Desde o início, os cristãos se empenharam na proteção da criança, da mulher e da família. Suas escolas, hospitais e outras instituições dignificaram a vida de muitos indivíduos e comunidades. O humanismo cristão centrado no respeito, na solidariedade, na justiça e no amor tem permeado, mesmo que imperceptivelmente, a cultura, a legislação, as instituições públicas e os valores éticos de muitas nações. No entanto, o mundo pós-moderno, com seu relativismo subjetivista e seu abandono de referenciais sólidos, corre o risco de mergulhar novamente na barbárie, como tem sido vaticinado por muitos observadores, inclusive seculares. Importa que os cristãos não descansem sobre os louros do passado, mas renovem seu compromisso com o evangelho, em todas as suas implicações, nos dias desafiadores em que vivemos. Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil. asdm@mackenzie.com.br


ler!

Zsuzsanna Kilian

Vamos

A Comunidade do Rei; uma reflexão sobre a igreja que Deus quer

Dicionário Analógico da Língua Portuguesa; ideias afins

Howard Snyder 216 páginas ABU Editora, 2004 www.ultimato.com.br

Francisco Ferreira dos Santos Azevedo 800 páginas Editora Lexikon, 2010 www.lexikon.com.br

(2ª edição atualizada e revista)

A igreja é um dos capítulos mais fracos da teologia evangélica contemporânea. O assunto preferido desta, provavelmente por influência do individualismo, é a salvação pessoal, com muito pouca referência à dimensão comunitária. O livro A Comunidade do Rei, escrito pelo teólogo e também missionário no Brasil por vários anos, Howard Snyde, corrige essa deficiência de abordagem teológica por meio de um enfoque sério no ensino bíblico sobre a igreja como manifestação concreta do reino que Jesus Cristo introduziu na história por sua própria pessoa e obra, e que ele consumará em sua segunda vinda. Esta obra de Snyder, enriquecida por uma rica bibliografia de autores evangélicos latinoamericanos é, sem dúvida, uma das mais valiosas contribuições à eclesiologia contemporânea.

Com quantas palavras se pode dizer a mesma coisa ou quase a mesma coisa? Quais possuem o mesmo sentido e podem enriquecer uma frase, um poema ou um artigo? Todos os afeitos à escrita fazem essas perguntas, dada a sua aversão à repetição. Repetir palavras pode parecer um desconhecimento da língua para a qual se escreve, o que é um pecado imperdoável para o escritor, cuja ferramenta mestra é a língua. Não saber usá-la é desqualificar-se como arauto da língua. Daí a importância do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa; ideias afins, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Trata-se de um livro extenso e intenso. Nele descobrimos, por exemplo, maneiras diferentes de usar o termo passatempo, mencionado por Chico Buarque de Holanda na introdução à obra. Para passatempo temos, segundo ele, “desenfado”, “espairecimento”, “entretém”, “solaz”, “recreio”, “filistria”. A primeira edição do dicionário foi lançada em 1950; a nova, já com a nova ortografia, no final de 2010.

C. René Padilla, presidente emérito da Fundação Kairós, em Buenos Aires, Argentina

Ariovaldo Ramos, articulista e conferencista, ministro na Comunidade Cristã Reformada, em São Paulo Julho-Agosto, 2011

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Livres da Tirania da Urgência

Charles E. Hummel 144 páginas Editora Ultimato, 2011 www.ultimato.com.br [O leitor escolhe a capa]

Cristo, a quem importa seguir e obedecer. Muitas vezes, sem perceber, tornamo-nos reféns da tirania da urgência, que — sutil, progressiva e intencionalmente — lança suas teias para nos embaraçar e tornar nossa caminhada pesada, cansativa e improdutiva. O autor não somente denuncia a opressão, mas também aponta estratégias para sairmos, com a ajuda e direção do Espírito Santo, do labirinto emaranhado. Hummel diz que uma vida em liberdade e alegria é alcançada por aqueles que passam tempo na presença do Pai em oração e meditação na Palavra. Assim como a pausa faz parte de uma boa música, o descanso, segundo a Palavra, faz parte de uma vida projetada pelo Senhor. A leitura desse livro pode ser libertadora. Afinal, a agenda, ou melhor, a vida é uma só e vale a pena ser bem vivida. Rodolfo Montosa, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Londrina e fundador do Instituto Jetro, organização interdenominacional sem fins lucrativos que visa contribuir com as igrejas nas áreas de gestão ministerial e liderança cristã

Livres da Tirania da Urgência, de Charles Hummel, nos ajuda a entender que administrar a agenda traz em si o desafio de administrar a própria vida. Seus insights são preciosos e suas orientações, muito úteis. De maneira prática ele nos ensina sobre a arte de dizer não, lembrandonos da dura verdade de que “você é a pessoa indispensável somente até o momento em que diz não”. Entender os valores que devem nortear as prioridades de nossas ocupações, assim como buscar em Deus sabedoria e discernimento para as melhores decisões quanto ao uso do tempo são ensinamentos abordados pelo autor. De maneira lúcida e profética, Hummel afirma que não somos servos do relógio, mas nosso Senhor chama-se Jesus

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A Grande Lacuna; a omissão que compromete a missão

Richard Stearns 336 páginas Garimpo Editorial, 2010 www.garimpoeditorial.com.br

O livro impressiona pela quantidade e diversidade de recomendações. São dezoito, de Bono Vox (vocalista


da banda U2) a Jim Wallis (presidente da Sojourners), passando por Max Lucado, Eugene Peterson, Bill Hybels e Madeleine Albright (ex-secretária de Estado americana). O autor é presidente da Visão Mundial dos Estados Unidos. Formado pela Universidade Cornell e com MBA na Wharton School da Universidade da Pensilvânia, Stearns escreve para vários jornais e revistas dos Estados Unidos. Começou a carreira profissional na área de marketing, na Gillette Company, e trabalhou em outras grandes empresas. O autor intercala habilmente dados biográficos, textos bíblicos e relatos da intervenção de igrejas em contextos de pobreza e injustiça. A “grande lacuna” a que ele se refere em seu texto é bem ilustrada pela história relatada no início do livro: “Quando Jim Wallis estudava na Trinity Evangelical Divinity School, ele e alguns de seus colegas fizeram uma pequena experiência. Percorreram todos os 66 livros da Bíblia e sublinharam cada passagem e versículo que tratasse de pobreza, riqueza, justiça e opressão. [Depois cada um desses versículos foi recortado da Bíblia]. Esses temas eram tão centrais nas Escrituras que a Bíblia que sobrou ficou em frangalhos. [...] Há quase 2 mil versículos nas Escrituras que tratam da pobreza e da justiça. Quando Jim discursava sobre essas questões, ele segurava seu livro esfarrapado no ar e proclamava: ‘Irmãos e irmãs, essa é a nossa Bíblia norte-americana; ela está cheia de lacunas. Por que não aproveitamos [...] e começamos a recortar todas aquelas passagens às quais não prestamos nenhuma atenção, todos aqueles textos bíblicos que simplesmente desconsideramos?’”. Klênia Fassoni

A Mortificação do Pecado

John Owen 216 páginas Editora Vida, 2001 www.editoravida.com.br

Ninguém discursa melhor sobre a mortificação da natureza pecaminosa do que John Owen. Nascido em 1616 e morto em 1683, ele completou o mestrado aos 19 anos e foi ordenado pastor aos 21. Na década de 1640, foi capelão de Oliver Cromwell, o principal líder do Parlamento inglês, além de deão e vice-reitor (a partir de 1652, quando tinha 36 anos) da maior faculdade de Oxford. Com cerca de 20 anos Owen passou pela experiência de tremenda convicção do pecado descrita em Romanos 7, o que o ajudou a descobrir que sozinho não poderia vencer suas inclinações pecaminosas. Preparou uma série de sermões sobre o assunto e pregou sobre ele na Christ Church, em Oxford. Em 1656, aos 40 anos, reuniu todo o material e publicou o livro A Mortificação do Pecado, traduzido para vários idiomas e publicado no Brasil pela Editora Vida, em 2001. Para Owen, fora do auxílio do Espírito Santo, “todos os demais meios de mortificação são vãos, todas as ajudas nos deixam indefesos. Imprescindivelmente, só o Espírito Santo realiza a mortificação dos nossos pecados”. Deixar de empregar diariamente o Espírito e nossa nova natureza, continua Owen, “é negligenciar o socorro excelente que Deus providenciou contra nosso maior inimigo” (o pecado residente). Mais de 350 anos depois de escrito, este pequeno livro pode ajudar-nos a redescobrir o auxílio do Espírito Santo na luta contra o pecado. Elben César

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P ONTO

FINAL

Rubem Amorese

Fios de prata E

m um desses tranquilos domingos, após a escola de prata (a versão celestial para as “cordas humanas”), dominical, eu conversava com um irmão sobre laços de autoridade e submissão muito frágeis e de fácil as cordas que amarram uma pessoa a outra. ruptura. Suponho que a hierarquia de poder no reino Falávamos sobre as “cordas humanas” e os “laços de é mantida pela submissão voluntária. E a autoridade amor” de Oseias 11.4. O irmão achava a conversa muito é exercida sobre aqueles que a ela se sujeitam — espiritual. Pelo seu sorriso, percebi que “espiritual”, para voluntariamente. ele, era sinônimo de ingenuidade ou romantismo. Penso, então, em como estruturar um “reino de — Lá em casa as coisas são resolvidas de outra amor” em meu lar, ou em minha igreja, e imagino que forma — disse ele. Aliás, se eu fosse Deus, teria dado “armas” eu usaria para “aprisionar” aqueles que amo, um jeito na “pouca vergonha” de de modo a garantir que seus corações Gômer [a esposa do profeta Oseias, jamais se encantem por “outro apresentada como exemplo para a alguém” ou sintam-se infelizes ao infidelidade de Israel]. meu lado. Logo me dou conta de que Curioso com a desenvoltura do afetos não podem ser comprados ou Deus construiu uma irmão, perguntei: domados. Isso não seria uma relação imensa estrutura — E o que você ganharia com de amor, mas de poder. de poder, chamada isso? Tem certeza que na base da Não seria o reino de Deus, mas reino dos céus, por força conseguiria o amor de Gômer? o do inimigo, onde a liberdade é Ele respondeu: enganosa, se é que ela existe; a luz se meio de sutis fios — Bem, o amor talvez eu não transforma em trevas e o amor, em de prata conseguisse, mas evitaria um belo dominação; a submissão voluntária “par de chifres”. Isso ela não me é substituída pelo temor servil. botava, de jeito nenhum. Mulher Nesse reino, a paz se confunde com minha anda “na linha”. o imobilismo, e a esperança, com a A essa altura já formávamos uma roda, com pessoas resignação. perguntando sobre as relações entre pais e filhos, Em contraste, quase posso ouvir meu Rei a expandir pastor e ovelhas e até entre Deus e os anjos. Neste seus domínios sobre a terra: “Filho meu, dá-me o teu caso, as coisas fugiram ao controle, com perguntas do coração”. Ou então: “Eis que estou à porta e bato; se tipo: “Como Deus mantém a ordem em seus exércitos alguém abrir a porta...”. celestiais? Ainda hoje manda Miguel para disciplinar os Sim, o reino dos céus é semelhante a alguém que anjos inquietos?”. coleciona belas pérolas e, ao achar uma de grande valor, Fiquei quase feliz ao perceber que a rodinha não decide entregar sua própria liberdade para deixar-se esperava respostas profundas, mas sim entretenimento. amarrar, mais e mais, por frágeis fios de prata. O assunto tomou outra direção e fui salvo! Entretanto, não deixei de pensar no assunto. Tenho Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja a impressão que Deus construiu uma imensa estrutura Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários — nem leigos, nem santos. ruben@amorese.com.br de poder, chamada reino dos céus, por meio de sutis fios 66

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