FECHAMENTO AUTORIZADO. Pode ser aberto pelos Correios.
M A R Ç O – A B R I L 2 0 1 2 • A N O X LV • N º 3 3 5
Que (ou n
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cris tão? ão)
Rubem Amorese
Bráulia Ribeiro
Especial
Tateando no claro
religião@eu.com
Celebrando a vida com arte Março-Abril, 2012
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Michal Zacharzewski
A bertura
Passarinhos fora do ninho
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ninhada de passarinhos mal tinha saído dos ovos. Era ainda cedo para abandonar a presença, o calor e a proteção da mãe. Os pássaros nem sequer tinham aprendido a ciscar. E, muito menos, a bater as minúsculas asas e alçar os céus. Contudo, foram embora e nunca mais voltaram. Esta é a figura de linguagem que o profeta Isaías usa para se referir aos moabitas, que foram obrigados a deixar o próprio país por causa da guerra: “Como passarinhos que foram espantados dos seus ninhos, assim os moabitas andam de um lado para o outro nas margens do rio Arnom” (Is 16.2). Na verdade, toda mulher e todo homem são como passarinhos fora do ninho. É uma tristeza! Estamos distantes do lar onde nascemos. Por causa disso, estamos também confusos, perdidos, sem endereço certo, agitados, vagando por todos os lados, correndo atrás do vento. Não sabemos voltar, não conseguimos voltar e, às vezes, aturdidos e enganados, nem sequer queremos voltar. É uma situação complicada! O ninho que deixamos, muito longe de nós e há muito tempo, está lá em cima. Em vez de voarmos nas alturas, descemos para a terra. Por isso, como a corça deseja e procura ansiosamente um riacho para matar a sede, assim também a nossa alma tem sede de Deus e quer voltar ao ninho. Enquanto isso não acontece, estranhas e frequentes ondas de tristeza se abatem contra nós (Sl 42.1-11). Fora do ninho, temos uma espécie de saudade contínua de Deus, de sede contínua, de insatisfação contínua, de insônia contínua, de vazio contínuo e vivemos em um corre-corre contínuo. A nossa sede interior de Deus é como a de uma terra cansada, seca e
sem água há muito tempo. Queremos voltar ao ninho e nos encontrar com Deus (Sl 63.1-2). Agostinho, africano que se converteu em Milão, na Itália, aos 33 anos, é um dos mais conhecidos passarinhos fora do ninho. A certa altura, ele conta que percebeu a voz de Deus atrás dele: “Uma voz que me chamou a voltar, mas [que] mal pude escutá-la por causa do ruído e da falta de paz”. Depois de finalmente ouvir a voz de Deus, Agostinho escreve: “Agora, aqui estou eu! Volto à sua fonte, ardendo de calor e sem respiração. Ninguém nem coisa alguma pode me proibir de voltar. Vou beber dessa fonte e por ela encontrar minha vida autêntica”. De volta ao ninho, o bispo de Hipona lamenta o tempo perdido fora dele e confessa: “Tarde te amei, ó tão antiga e tão nova beleza! Tarde demais eu te amei! Eis que estavas dentro em mim, e eu do lado de fora te procurava! Comigo estavas, mas eu não estava contigo […]. Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste, e a tua luz afugentou a minha cegueira. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, por ti suspirei”. A mais conhecida confissão de Agostinho a respeito da necessidade interior de Deus é esta: “Porque nos fizeste, Senhor, para ti, nosso coração anda sempre inquieto enquanto não se tranquiliza e descansa em ti!”. O cardeal inglês John Henry Newman (1801–1890) exemplifica aqueles que querem o auxílio de Deus para voltar ao ninho: “Conduze-me, doce voz, pela escuridão que me cerca, sê tu a me conduzir! A noite é escura e estou longe de casa [ou do ninho], sê tu a me conduzir!”. Em muitos casos de depressão precisamos procurar um profissional de saúde; em outros, precisamos apenas voltar para o ninho!
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C arta
ao leitor
fundada em 1968
ISSN 1415-3165 Revista Ultimato – Ano XLV – Nº 335 Março-Abril 2012 www.ultimato.com.br Publicação evangélica destinada à evangelização e edificação, não denominacional, Ultimato relaciona Escritura com Escritura e acontecimentos com Escrituras. Visa contribuir para criar uma mentalidade bíblica e estimular a arte de encarar os acontecimentos sob uma perspectiva cristã. Pretende associar a teoria com a prática, a fé com as obras, a evangelização com a ação social, a oração com a ação, a conversão com santidade de vida, o suor de hoje com a glória por vir. Circula em meses ímpares Diretor de redação e jornalista responsável: Elben M. Lenz César – MTb 13.162 MG Arte: Liz Valente Impressão: Plural Tiragem: 35.000 exemplares Colunistas: Alderi Matos • Bráulia Ribeiro Carlos “Catito” Grzybowski • Carlinhos Veiga Dagmar Fuchs Grzybowski • Ed René Kivitz Jorge Barro • Lissânder Dias • Marcos Bontempo Marina Silva • Paul Freston • René Padilla Ricardo Barbosa de Sousa • Robinson Cavalcanti Rubem Amorese • Valdir Steuernagel Participam desta edição: Antônio Carlos de Azeredo Davi Chang • Klênia Fassoni • Mariana Furst Whaner Endo Publicidade: anuncio@ultimato.com.br Assinaturas e edições anteriores: atendimento@ultimato.com.br Reprodução permitida: Favor mencionar a fonte. Os artigos não assinados são de autoria da redação. Publicado pela Editora Ultimato Ltda., membro da Associação de Editores Cristãos (AsEC) Editora Ultimato Telefone: (31) 3611-8500 Caixa Postal 43 36570-000 — Viçosa, MG Administração/Marketing: Klênia Fassoni Ana Cláudia Nunes • Ariane dos Santos Ivny Monteiro • Lucas Rolim • Luiza Pacheco EDITORIAL/PRODUÇÃO/ULTIMATO ONLINE: Marcos Bontempo • Bernadete Ribeiro Djanira Momesso César • Lídia Nunes Lissândes Dias • Mariana Furst • Pabline Félix FINANÇAS/CIRCULAÇÃO: Emmanuel Bastos Aline Melo • Ana Paula Fernandes • Cristina Pereira Daniel César • Edson Ramos • Jair Avillez Luís Carlos Gonçalves • Rodrigo Duarte Solange dos Santos VENDAS: Lúcia Viana • Henife Oliveira Lucinéia Campos • Marcela Pimentel Romilda Oliveira • Tatiana Alves • Vanilda Costa ESTAGIÁRIOS: André Bontempo • Bruno Menezes Daniela Marçal • Marcos Vinícius Oliveira Raquel Bastos • Tiago Tardim 4 4 ULTIMATO 2012 ULTIMATO I I Março-Abril, Março-Abril, 2012
O dom de inefável grandeza
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eus, Jesus Cristo e o mundo não são compartimentos estanques. Ao contrário, eles se relacionam de maneira admirável. Uma única sentença diz tudo: “Deus amou o mundo tanto, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crê não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). O sujeito da frase não é o Filho de Deus, mas o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Movido unicamente pelo amor ao ser humano, Deus deu o seu Filho. Precisamos chegar à mesma conclusão de Paulo: “Agradeçamos a Deus o presente que ele nos dá, um presente que palavras não podem descrever” (2Co 9.15). (A maior parte das versões fala em “dom inefável”; outras, em “dom inexprimível”, “dom indescritível”, “dom extraordinário” e “dom de inefável grandeza”). Por ter esta característica, ninguém — nem o asceta, nem o teólogo, nem o artista — consegue medir a largura, o comprimento, a altura nem a profundidade de tal presente (Ef 3.18). Nós precisamos desesperadamente dele, mais do que de qualquer outro. A frase que define tudo já diz que o propósito desse dom é “que todo aquele que nele crê não morra, mas tenha a vida eterna”. Esta edição de Ultimato trata desse dom de inefável grandeza. Os que o conhecem e dele já se apropriaram, precisam contribuir para que outros se beneficiem dele — embora só Deus possa remover as escamas que fecham os olhos, a cera que tapa os ouvidos e tornar o dom inefável visível, audível e aceitável. Na seção “Ponto final”, você verá que não é só no escuro que precisamos tatear, mas também no claro (p. 66). Em uma pequena ou grande discussão entre marido e mulher, a voz de quem deve prevalecer? A resposta está em “Casamento e família” (p. 45). À boca miúda fala-se que o pastor de uma congregação pequena ou grande é maior do que o missionário, que anuncia o evangelho — o dom inefável — aos não alcançados. A seção “Caminhos da missão” aborda o assunto mais claramente (p. 57). Elben César
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Fran Gambín
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O toco da esperança
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ma vez chamado por Deus para ser profeta, no ano em que o rei Uzias morreu (cerca de 740 a.C.), Isaías começa a anunciar primeiro o juízo e, depois, a misericórdia do Senhor sobre a nação eleita. Durante 40 anos, o profeta fez ambas as coisas. Logo no início recebeu uma estranha ordem: “Isaías, faça com que esse povo fique com a mente fechada, com os ouvidos surdos e com os olhos cegos, a fim de que não possam ver, nem ouvir, nem entender ” (Is 6.10). Com essa mensagem, o profeta realiza a primeira obrigação que tinha: convencer o povo do pecado e do juízo que cairia sobre a nação. Essa incapacidade de ver, ouvir e entender tornaria difíceis — senão impossíveis — a conversão e a cura do povo. Porém, o profeta deveria clamar continuamente (segundo a tradição, Isaías é o herói da fé “serrado pelo meio”, do qual fala a Carta aos Hebreus). O pico do juízo divino aconteceria mais de 150 anos depois, com a destruição de Jerusalém e a deportação do povo para a Babilônia (586 a.C.). Entretanto, como o ministério do profeta era duplo, Isaías anuncia também a graça divina: “Os que restarem [os israelitas não deportados] serão como o toco de um carvalho que foi cortado” (Is 6.13). Eis o toco da esperança! Digamos que esse carvalho tivesse 12 metros de diâmetro (como um cipreste do México) e 110 metros de altura (como a sequoia gigante da Califórnia). Ainda assim ele seria cortado ao rés do chão, perderia o tronco, os ramos, as folhas e a imponência, mas não as raízes. Ficaria o toco da esperança e o carvalho cresceria outra
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vez. O juízo divino não poupa a árvore e a graça divina poupa o toco da árvore. Isaías explica: “O toco representa um novo começo para o povo de Deus” (Is 6.13). Deus nunca acaba com tudo! Ele sempre deixa o toco da esperança. Precisamos enxergar os tocos da esperança que estão nas Escrituras, na história e nos eventos. São apenas tocos, mas estão enraizados, firmes, cheios de vida e de potencialidade, que vão nos surpreender. Mesmo com uma mensagem carregada de guerras, sangue e “barulho de choro” (Is 15.8), o profeta, não apenas uma vez, mas várias, aponta para o mais solene e glorioso toco de esperança, tanto para os judeus como para os não-judeus: A aflição dos que estiverem sofrendo vai acabar [...]. O povo que andava na escuridão [sem poder ouvir, ver e entender] viu uma forte luz; a luz brilhou sobre os que viviam nas trevas. Tu, ó Deus, aumentaste esse povo e lhe deste muita felicidade […]. Tu arrebentaste as suas correntes de escravos, quebraste o bastão com que eram castigados […]. As botas barulhentas dos soldados e todas as suas roupas sujas de sangue serão completamente destruídas pelo fogo. Pois já nasceu uma criança, Deus nos mandou um menino que será o nosso rei. Ele será chamado de “Conselheiro Maravilhoso”, “Deus Poderoso”, “Pai Eterno”, “Príncipe da Paz”. […] No seu grande amor, o Senhor Todo-Poderoso fará com que tudo isso aconteça (Is 9.1-7).
A criança, o menino, o rei, o “Príncipe da Paz”, são uma só pessoa: o Senhor Jesus Cristo. Esse notável toco de esperança “representa um novo começo para o povo de Deus” (Is 6.13b). O Apocalipse também nos fala de um novo começo: “Então vi um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra desapareceram” (Ap 21.1).
John Byer
S umário
CAPA
Colunistas
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O caminho do coração Quem é (ou não) cristão?
“Se você não está atado a Cristo, você não é cristão.” Quem diz isso não é uma pessoa qualquer. Não é um exagerado nem um simplório. Essas palavras, que parecem radicais, foram pronunciadas pelo médico e pregador Martyn Lloyd-Jones. E ele tem toda razão: se você não está atado a Cristo, pela convicção e pela fé, então você, a rigor, ainda não é um cristão.
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Separação e contraste
Ricardo Barbosa de Sousa
Da linha de frente
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religião@eu.com
Bráulia Ribeiro
Meio ambiente e fé cristã
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O ambiente humano
Marina Silva
Missão integral
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A missão integral de Jesus
René Padilla
Casamento e família
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Seções 3 Abertura 4 Carta ao leitor 6 Pastorais 8 Cartas 12 Frases 12 Números 14 Mais do que notícias 20 Notícias l Lissânder Dias 38 O leitor pergunta l Ed René Kivitz 40 De hoje em diante... 41 Novos acordes l Carlinhos Veiga 42 Altos papos l Davi Chang 54 vamos ler! 56 Caminhos da missão l Antônio Carlos de Azeredo 61 especial ABREVIAÇÕES:
AS21 - Almeida Século 21; BH - Bíblia Hebraica; BJ - A Bíblia de Jerusalém; BP - A Bíblia do Peregrino; BV - A Bíblia Viva; CNBB - Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; CT - Novo Testamento (Comunidade de Taizé); EP - Edição Pastoral; EPC - Edição Pastoral - Catequética; HR – Tradução de Huberto Rohden; KJ - King James (Nova Tradução Atualizada dos Quatro Evangelhos); NTLH - Nova Tradução na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica da Bíblia. As referências bíblicas não seguidas de indicação foram retiradas da Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, ou da Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional.
Não vou me deixar controlar!
Carlos “Catito” e Dagmar Grzybowski
Reflexão
46 Profetismo — item esquecido da missão integral
Robinson Cavalcanti Redescobrindo a Palavra de Deus
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O indivíduo, a família e o evangelho
Valdir Steuernagel
História
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O legado de Constantino
Alderi Souza de Matos
Ética
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A primavera árabe e os cristãos (parte 1)
Paul Freston Cidade em foco
58 Templo urbano: lugar e não lugar Jorge Henrique Barro
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Um ponto de encontro www.ultimato.com.br Março-Abril, 2012
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Culpa e mancha Surpreendente a matéria de capa Como se livrar da culpa e da mancha (janeiro/fevereiro de 2012), que chega em momento oportuno. Precisamos aprender a usar o único caminho que nos livra da culpa e da mancha do pecado. Vale lembrar Provérbios 28.13: “Quem esconde os seus pecados não prospera, mas quem os confessa e os abandona encontra misericórdia”. Que Ultimato continue trazendo textos como este, para enriquecimento e advertência de todos os comprometidos com a verdade de Deus para os homens. Oraci do Amaral, Jundiaí, SP
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Gostei da matéria de capa Como se livrar da culpa e da mancha, mas as frases “veem-se cristãos paupérrimos e angustiados devido a cobranças de dízimos” e “imposição legalista da cobrança de dízimos nas igrejas” dão a entender que o dízimo é uma prática opressora. Antes, o dízimo é uma bênção! Ele proporciona um importante exercício de gratidão, além de ser uma forma de afirmar a nossa dependência de Deus e um dos meios pelos quais temos o privilégio de investir na obra cristã. Dizimar é uma prática que a Bíblia ensina e encoraja. O que considero abusivo é a cobrança de ofertas que relaciona a quantia ofertada ao tamanho da fé da pessoa. Em algumas igrejas, os membros são coagidos a ofertar grandes quantias sob a acusação de que, se não o fazem, demonstram que não têm fé. E muitos ofertam com medo de, se recusarem, não serem abençoados. Esse é um tipo de “bullying espiritual”, que deve ser combatido. Clarice Rinco, Belo Horizonte, MG Não quero beber mais É maravilhoso constatar como atua a multiforme graça divina em sua ação regeneradora. Acolho esse testemunho (“De hoje em diante”, janeiro/ fevereiro de 2012) como estímulo a nunca
deixar de anunciar o evangelho aos que sofrem com o alcoolismo. A Palavra de Deus é viva e eficaz o tempo todo, para todas as pessoas. Essa bendita e infalível Palavra não retorna a Deus (sua origem) sem antes produzir os efeitos para os quais foi liberada. Elias Fernando, Campo Grande, MS Usaremos o texto Não quero beber mais (“De hoje em diante”, janeiro/fevereiro de 2012) em uma das reuniões para tratamento de dependência química. Parabéns a Ultimato! Antonio Carlos Silva Junior, Juiz de Fora, MG Li agradecida o artigo da seção “De hoje em diante” (janeiro/fevereiro de 2012). Há nove anos encontrei Deus, recuperação e solidariedade em uma sala de alcoólicos anônimos. Lucinéa de Campos, Viçosa, MG Conflitos de símbolos e mandato cultural Felizmente, nestes tempos de fé equivocada, ainda existem pessoas que têm a autenticidade e a fibra para dizer o que pensam e o que acham ser o melhor para o povo de Deus. Quero salientar o artigo de Robinson Cavalcanti (“Reflexão”, janeiro/fevereiro de 2012), que nos
traz séria e alarmante realidade: a cegueira dos que se dizem responsáveis pela evangelização em não perceber que o cristianismo está sendo varrido dos ambientes públicos e substituído pelos adversários históricos, que, como sempre, sabem usar “uma balança e duas medidas”. Os responsáveis, que se dizem encarregados pela divulgação da palavra do reino, estão cada vez mais acomodados, mornos e apáticos, deixando as “ovelhas” à mercê dos lobos sorrateiros, que com persistência pretendem dispersar todo o rebanho. Ninguém mais tem coragem de subir nos telhados e gritar; antes, se escondem no fundo da despensa, preocupados, talvez, com seus cargos e com receio de melindrar os corruptores da obra de Deus. Abílio Nardelli, Rio do Sul, SC O leitor pergunta Vivemos dias de extremos eclesiásticos. A saúde do povo é tratada por alguns de modo reducionista: ou espiritualizam os agravos ou os entregam nas mãos da ciência, para que resolva os problemas da gestão do cuidado integral do ser criado à imagem e semelhança do Criador. Na realidade, o cuidado, de integral, só tem o nome, pois está
reduzido a atos sociais, psíquicos e físicos, que desconsideram a espiritualidade do ser. Conquanto já existam cientistas estudando neuroteologia ou bioteologia, para entender o papel da fé na cura de doenças, estamos longe de aprender sobre saúde integral. Espero que nosso Deus levante em nosso meio líderes que se dediquem a interagir com o setor de saúde, para que a gestão do cuidado se faça coerente com a visão integral do ser. Dércio, São João do Meriti, RJ Abertura de alma O artigo Abertura de alma (“Especial”, janeiro/ fevereiro de 2012) dispensa defesa. Porém, em que pese o desafio de Jesus pela unidade (Jo 17) e a necessidade de busca pela expansão do reino de Deus na terra, dizer que se tem inveja ou ciúme de posturas notoriamente fora das Escrituras não é legal. Elben César se mostra simpático a um “cristianismo” hostil aos protestantes, sectarista e exclusivista. A Igreja de Jesus Cristo será sempre multifacetada. Contudo, até que Jesus volte, não é possível aceitar tudo em nome da unidade. Antonio Carlos Silva, São Bernardo do Campo, SP
Precisamos acordar e entender que o reino de Deus é maior que as denominações. O “vento sopra onde quer”. David Livingstone, Guarapuava, PR Dois pesos e duas medidas Com cálculos simples verifica-se que houve um crescimento de 233% no número de mesquitas no Brasil, de 350% no número de pontos de oração e de 5.456% no número de muçulmanos em terras brasileiras — e isto no período de 2000 a 2011, ou seja, apenas 11 anos! É um crescimento médio anual de 49% no número de muçulmanos. Enquanto isso, vemos a igreja cristã no Brasil diminuindo e inundando-se de vexames e vergonha. É hora de a igreja brasileira acordar e se unir — este é o segredo. O Islã cresce cada vez mais devido à união e às ações missionárias mundo afora. Vitor Hugo Cid, São Paulo, SP Boas novas aos pobres Excelente o artigo Boas novas aos pobres, de René Padilla (“Missão integral”, janeiro/fevereiro de 2012). Padilla foi feliz ao chamar o texto de Lucas 4.18-19 de “manifesto” programático de Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os
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C artas pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor”. Por que não adotamos este “manifesto” em nossas igrejas e em nossas vidas, sendo imitadores de Jesus? Wilson de Oliveira Júnior, Recife, PE Evangelização por proximidade Às vezes, leio o sumário de Ultimato e depois a minha atenção se dirige para a seção “Ponto final”. Foi o caso com a edição de janeiro/ fevereiro de 2012. Li e reli o excelente artigo Evangelização por proximidade, de Rubem Amorese, e deu uma vontade enorme de novamente meditar no prólogo do Evangelho de João. Eugene H. Peterson o traduz assim: “A Palavra tornou-se carne e sangue, e veio viver perto de nós. Nós vimos a glória com nossos olhos, uma glória única: o Filho é como o Pai, sempre generoso, autêntico do início ao fim”. Eude da Rocha, Bauru, SP Não quero ser indeciso A meu ver, um problema ligado ao complexo ato de decidir (Não quero ser indeciso, “De hoje em diante”, setembro/outubro de 2011) é a ausência de discernimento ou a minúscula
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quantidade dele. É imprescindível discernir e decidir. Discernir para decidir. Porém, como fazê-lo se as mínimas (ou aparentemente mínimas) coisas da vida se apresentam envoltas em mistérios diante dos quais o homem, embora seja a imagem e semelhança do Criador, confunde-se, hesita, espanta-se? José Medeiros, Conselheiro Lafaiete, MG Homossexualismo A carta de Luciano Silva (“Cartas”, novembro/ dezembro de 2011) deixou-me consternado pela realidade à qual os homossexuais acabam sendo submetidos quando frequentam uma igreja evangélica, tendo que ouvir referências nada agradáveis a respeito de sua condição. Fiquei mais consternado ainda pelo fato de Luciano ter sido induzido à homossexualidade por um pastor evangélico. Tudo isto nos revela dois importantes fatos: primeiro, que não temos tido a sensibilidade desejável para abordarmos um tema tão delicado; segundo, que também temos os nossos porões, onde a luz não penetra e o inominável se esconde. Fiquei esperando que pelo menos o final da carta fosse feliz, o que não aconteceu. Seria ótimo se não tivéssemos que nos preocupar com aquilo que fazemos ou com o modo como nos comportamos,
bastando pedir a Deus, até mesmo à revelia da nossa consciência, que todas as nossas ações contrárias a sua Palavra fossem miraculosamente lançadas para longe de nós. Infelizmente, não é assim que funciona. O ponto de vista de Deus é o que ele externou nas primeiras páginas das Escrituras. Caim não havia procedido bem e, por isso, não pôde contar com a aprovação de Deus, que lhe disse: “Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn. 4.7). A Palavra de Deus nos revela o que é pecado, mas é nossa a responsabilidade de identificálo em todas as suas variantes e lutar para que ele não crie raízes em nossas vidas. Christiano da Silva Neto, Belo Horizonte, MG Quando o medo de engordar supera o medo de morrer Ao ler Ultimato durante o plantão hoje tive a dádiva de ver o testemunho e a foto da doutora Cristiane Zambolim (“Especial”, setembro/outubro de 2011), a qual conheci em Viçosa, em 1994. A imagem da adolescente emagrecida e frágil dos meus arquivos
cerebrais foi substituída pela de agora: linda, vitoriosa e segura. É maravilhoso perceber que acima de toda a avançada (e limitada) medicina existe um Deus que realiza curas e milagres impossíveis aos nossos olhos. A Deus toda a honra e glória! Marcos Pavione, Aracaju, SE Cartas da prisão Tenho 40 anos e estou encarcerado na Penitenciária 1 de Serra Azul. Apaixonei-me por Ultimato quando alguns irmãos daqui nos mostraram a revista. Nunca mais deixei de lê-la. Na penitenciária, é muito difícil ter paz, pois a superlotação e os processos esquecidos nos fóruns deixam-nos quase em depressão. Tenho dificuldade de conversar com dois de meus filhos, frutos do primeiro e do segundo casamentos, uma menina de 18 anos e um adolescente de 16. Quero evangelizá-los por meio de Ultimato. Ambos têm tendência homossexual. Porém, em nome de Jesus, conseguiremos ajudá-los. Meus outros três filhos menores estão com minha esposa atual. Pedro Gonçalves, Serra Azul, SP São poucos os que se lembram dos encarcerados, como a Bíblia ordena. Muitos
nos enxergam como o lixo da sociedade. Porém, alguns estão saindo da prisão e sendo usados por Deus. Estou aguardando uma vaga desde o segundo semestre de 2011 para estudar. Andrey da Silva Borges, Serra Azul, SP
Fale conosco
Francamente, não sei como uma revista com uma tiragem de 35 mil exemplares, com a qualidade que tem, com os colunistas que tem, com o preço de assinatura que tem, consegue abençoar tantos necessitados. Fico impressionado! Não vou escrever: “Passou a época da colheita, acabou o verão, e não estamos salvos” (Jr 8.20). Prefiro escrever: “Passou a época da colheita, acabou o verão... e eu fui sustentado pela graça de Deus e pelo amor de Jesus, e me mantive como habitação do Espírito Santo”. Samuel Lourenço Filho, Rio de Janeiro, RJ
Inclua seu nome completo, endereço, e-mail e número de telefone. As cartas poderão ser editadas e usadas em mídia impressa e eletrônica.
— Os seguintes encarcerados gostariam de receber cartas: William César A. Siqueira (Raio 3, Cela 139, Penitenciária Casa Branca — Caixa postal 19, 13700-970 Casa Branca, SP) e Sílvio Carlos Monteiro Gomides (Cela 1, Anexo 1 — Rua Adolfo Bertodott, 330, 12912-100 Bragança Paulista, SP).
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671.000
“J
esus é o insondável amor voltado para o carente, é o Príncipe da Paz para um mundo beligerante, o Rei dos reis para uma nação em desgoverno, o impecável justo para vergonha dos corruptos, a luz do mundo resplandecente na vereda tenebrosa, a verdade em antítese à falsidade, a vida radiante para a morbidez do espírito, o portal da esperança para o desvalido. Kléos Magalhães Lenz César, pastor presbiteriano
crianças brasileiras entre 10 e 14 anos ainda não estavam alfabetizadas em 2010. Dez anos antes, eram 1,2 milhão
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votos a favor e nove contrários foi o resultado da votação realizada na Câmara de Representantes dos Estados Unidos sobre a permanência da frase In God we trust há cinquenta anos gravada nas notas de dólar e em edifícios públicos
5.000
folhetos da Sociedade Bíblica do Egito salientando o conselho de Paulo — “Não se entristeçam como aqueles que não têm esperança” (Ts 4.13) — foram distribuídos na Catedral Copta do Cairo, no dia do funeral em massa dos cristãos que foram mortos no segundo domingo de outubro de 2011
214.000.000
de pessoas vivem longe de seus países de origem, em busca de sobrevivência econômica, de segurança e liberdade política e religiosa, de desenvolvimento pessoal e profissional e de uma melhor qualidade de vida. O número deve aumentar nas próximas décadas e já é uma das megatendências do século 21 12
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”
er reformado hoje não significa voltarmos a Lutero ou Calvino. Significa, isso sim, voltar às Escrituras. Editorial do Brasil Presbiteriano, novembro de 2011
”
“A
mera aversão [ao homossexualismo] não constitui, por si só, um crime. O que não é legítimo é transformar uma aversão em instrumento de discriminação ou violência. Não porque isso seja um crime homofóbico. Mas porque isso é simplesmente um crime. João Pereira Coutinho, jornalista da Folha de São Paulo
”
“A
prendemos com Jesus que não podemos ser um corpo social estranho ao mundo. Não temos o direito de nos separar socialmente dos outros homens e mulheres. Nossa separação foi moral e espiritual. Fomos retirados do mundo, purificados de sua imundícia, fortalecidos pela graça e devolvidos, inseridos no mundo, para servi-lo graciosamente pelo testemunho, posição e ações concretas que beneficiem os homens. Luiz Fernando dos Santos, pastor da Igreja Presbiteriana Central de Itapira, SP
Arquivo pessoal
norte-coreanos cristãos estão detidos em acampamentos para presos políticos e 10 mil estão escondidos na Coreia do Norte. Quando um norte-coreano se torna cristão, tem que enfrentar perseguição, prisão e possivelmente a morte
Ultimato Imagem
30.000
”
“A
apostasia é um comportamento condenável, a partir do ponto de vista religioso, mas constitui um tema estritamente privado sob o ponto de vista dos direitos humanos. Refere-se unicamente ao homem e à sua consciência. Abderrazak Sayadi, professor da Universidade de Manouba, em Tunis, Tunísia
”
“S
empre existem tentações ao longo do caminho percorrido pelo missionário! Tentação de frivolidade ou de proselitismo, tentação de confusão da obra missionária com a busca de interesses políticos, tentação de inculcar o evangelho sem qualquer respeito pela liberdade daqueles que são os seus destinatários. Jean-Marc Aveline, diretor do Instituto Católico do Mediterrâneo
”
“S
em dúvida, o islamismo foi frequentemente usado tanto para justificar o autoritarismo como para legitimar a contestação, o que é bastante paradoxal. Bertrand Badie, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris
”
“A
credito que a própria sociedade irá conduzir a Igreja a uma grande reflexão e talvez essa situação [do celibato], tão forte no seio da Igreja Católica, seja um sinal para que as mudanças ocorram. José Edson da Silva, padre casado, presidente do Movimento das Famílias dos Padres Casados
”
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+ DO QUE NOTí C IAS “Não forcem os seios a aparecer ou desaparecer: deixem que eles cresçam naturalmente”
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a República dos Camarões (na costa ocidental da África), um país majoritariamente cristão, é possível encontrar mães e outras mulheres da família que “engomam” os seios das meninas quando se tornam moças. Segundo dados de uma pesquisa realizada em 2010, aproximadamente 24% das adolescentes do país já passaram por essa experiência. Não relacionada à fé ou a questões de ordem religiosa, esta prática tradicional na África Ocidental e Central — chamada pela agência alemã GTZ de mutilação feminina — tem o propósito de esconder os seios das jovens para protegê-las de olhares libidinosos, encontros sexuais prematuros, ameaças de estupro, gravidez indesejada e abortos. A operação consiste em passar algo quente (pedras, paus de malhar cereais e até martelo) nos seios das mulheres, diariamente, até obter o resultado desejado. Para conscientizar os responsáveis por essa prática,
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um grupo de adolescentes produziu uma campanha de televisão que expõe o problema. Um dos anúncios diz: “Comprimir os seios de jovens meninas é muito perigoso para a saúde. Não force os seios a aparecer ou desaparecer: deixem que eles cresçam naturalmente”. Apesar da compreensível preocupação das mães em proteger as filhas adolescentes da vida sexual prematura, da licenciosidade, da gravidez e do consequente afastamento das atividades escolares, a mutilação dos seios não é justificável. Além de causar sérios danos físicos e psicológicos, é uma ofensa e um desrespeito ao ser humano, uma prática criminosa e contrária à criação. É lamentável que no contexto camaronês — e de alguns outros países da África Ocidental e Central — os seios não sejam reconhecidos como parte do projeto de Deus para o corpo da mulher (nem pelos que os mutilam nem pelos que abusam sexualmente das meninas
e mulheres). Além de ser a parte do corpo feminino que alimenta os bebês, não se pode negar que eles o adornam e despertam no outro sexo amor e paixão. No Cântico dos Cânticos, o amado descreve a beleza física da amada. Ele se refere aos olhos, aos cabelos ondulados, aos dentes brancos e bem alinhados, aos lábios vermelhos, mas não deixa de falar dos seios dela: “Os seus seios parecem duas crias, crias gêmeas de uma gazela, pastando entre os lírios” (Ct 4.5). No poema, ele volta a elogiá-los mais adiante (7.3) e acrescenta: “Os seus seios são para mim como cachos de uvas” (7.8). A própria amada diz desinibidamente: “Eu sou uma muralha e os meus seios são as suas torres” (8.10). Naturalmente, essa intimidade não pode ser profanada ou prostituída, como se vê claramente em outro livro atribuído ao mesmo autor dos Cânticos: “Beba das águas da sua cisterna, das águas que brotam do seu próprio poço
[...]. Seja bendita a sua fonte! Alegre-se com a esposa da sua juventude. Gazela amorosa, corça graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer, e sempre o embriaguem os carinhos dela. Por que, meu filho, ser desencaminhado pela mulher imoral? Por que abraçar o seio de uma leviana [ou, “os encantos da mulher de outro homem”]?” (Pv 5.15-20). Não se alcança um comportamento sexual responsável e correto (monogâmico e hétero) com providências desequilibradas, como mutilação, castração, cinto de castidade, celibato obrigatório e fuga para o deserto. Na esfera pessoal, isso depende de uma decisão constantemente reafirmada de negar-se a si mesmo, quando se trata de comportamento ilícito. No âmbito social, depende de iniciativas de famílias e sociedade que criem condições favoráveis à prática saudável do sexo, o que incluiria esforços contra o abuso e a mutilação.
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+ DO QUE NOTí CIAS
A propósito de “minha casa, minha vida”
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a primeira metade do século 8 antes de Cristo, o profeta Amós, falando em nome de Deus, deu uma má notícia aos ricos perdulários de Israel: “Destruirei as casas de inverno e as casas de verão, as casas luxuosas, as casas enfeitadas de marfim, todas elas serão destruídas” (Am 3.15). A profecia se cumpriu poucos anos depois, quando a Assíria invadiu o país no ano 722 antes de Cristo, sob o comando de Salmaneser V (2Rs 17.3-6). Hoje, a má distribuição da riqueza continua em
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o topo de uma coluna na Piazza di Spagna, em Roma, há uma estátua de Maria, inspirada na mulher do Apocalipse, “vestida do sol, com a lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça” (Ap 12.1). Bento XVI estava
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várias partes do mundo, sobretudo no Brasil. Nos Estados Unidos há americanos comprando abotoaduras de 500 dólares e, no Brasil, há mulheres comprando colares de dezoito voltas e 100 diamantes por 85 mil reais. Com o valor de cada colar daria para se construir seis casas de padrão popular de 56 metros quadrados (sala, dois quartos, banheiro, cozinha e área de serviço) para alguns dos milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, sem acesso a casa, terra, saneamento básico, trabalho, educação e saúde
pública. Com 2 milhões de dólares que uma socialite brasileira gastou para decorar um quarto na mansão que construiu na Riviera Francesa, daria para construir 1.600 quartos de casal ou erguer uma vila de 266 casas para abrigar mais de mil pessoas que perderam suas moradias com as chuvas de janeiro deste ano. Com os 57 milhões de dólares que um cantor inglês despendeu em dois anos, daria para se construir uma cidade de 7.600 casas populares para 30.400 habitantes, o que corresponderia a uma cidade trinta vezes mais populosa que
Borá, município brasileiro com o menor número de habitantes, no interior de São Paulo. Amós não foi o único a condenar a autoindulgência dos ricos. Depois dele, na segunda metade do século 8, o profeta Isaías avisou: “Ai de vocês que compram casas e mais casas, que se tornam donos de mais e mais terrenos! Daqui a pouco não haverá mais lugar para os outros morarem e vocês serão os únicos moradores do país. [...] As grandes e belas mansões serão destruídas, e ninguém ficará morando nelas” (Is 5.8-9).
nesta praça no dia anterior ao 157° aniversário da promulgação da imaculada concepção de Maria (8 de dezembro de 2011). O papa não economizou palavras para descrever a importância da mãe de Jesus. Para ele, Maria supera a morte e a mortalidade porque é a “plenitude associada à vitória de Cristo, seu Filho, sobre o pecado e a morte”. A intercessão de Maria, afirmou o papa, é essencial, “especialmente neste momento difícil para a Itália, para a Europa e para várias partes do mundo”.
No dia seguinte ao da comemoração, 9 de dezembro, não em Roma, mas em Lyon, na França, nas janelas de muitas casas havia uma vela acesa e grandes cartazes ostentavam duas palavras apenas: “Obrigado, Maria”. Nesse Festival de Luzes, como é chamado o evento, celebrado ano após ano, o bispo auxiliar da Diocese de Lyon, explicou: “A salvação vem de Cristo, único Salvador de todos”, portanto, “a graça da Imaculada Conceição vem de Cristo por antecipação”. Essas festividades relembram a bula Ineffabilis Deus, definida por Pio IX no dia 8 de dezembro de 1854, segundo a qual “a santíssima
Virgem Maria, no primeiro instante da sua concepção […] foi preservada imune de toda mancha do pecado original”. Se estivesse naqueles dias em Roma e Lyon, Maria teria pedido a palavra para declarar pública e modestamente, como Paulo e Barnabé fizeram em Derbe, na Ásia Menor: “Por que vocês estão fazendo isso? Não me divinizem! Eu sou apenas um ser humano, como vocês” (At 14.15). Ou falaria como o anjo que disse a João quando este caiu aos seus pés para adorá-lo: “Não faça isso! Sou servo como você e como os seus irmãos que se mantêm fiéis ao testemunho de Jesus. Adore a Deus!” (Ap 19.10).
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+ DO QUE NOTí CIAS
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omente na Espanha, no decorrer de 2010, 314 crianças foram retiradas do ventre materno a cada dia. Foram 113.031 abortos provocados durante o ano, segundo o ministério da saúde daquele país. Em números absolutos, houve um aumento de 1.550 abortos em relação ao ano anterior. Para contrabalançar essa epidemia, a americana Abby Johnson, ex-diretora de uma clínica de abortos no Texas, lançou o livro Sin Planificar, na Universidade CEU San Pablo, em Madri, cinco dias antes do último Natal. Depois de trabalhar durante anos em uma clínica especializada em abortos, Johnson mudou de opinião e de profissão de uma hora para outra e declarou que o aborto se converteu em um vírus que está se infiltrando na sociedade. Para ela, os que financiam ou trabalham em centros que praticam o aborto deveriam se dar conta da humanidade da criança destruída. Em seu livro, Abby Johnson explica que mudou de lado definitivamente porque, ao realizar um aborto, percebeu pela ultrassonografia que o feto de treze semanas reagia contra o processo, retorcendo-se violentamente. A criança 18
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queria permanecer onde estava. Isso aconteceu em setembro de 2008, quando ela estava com 28 anos. Não é apenas a pessoa que está sendo formada na barriga da mãe (Sl 139.13) que sofre: “Normalmente, o aborto deixa a mulher com sequelas de dor, culpa e sobrecarga emocional que, em muitos casos, podem durar a vida inteira”. Johnson acrescenta que o “efeito dominó” não termina aí. De algum modo, toda a família e as pessoas próximas também sofrem com o aborto. Casada com um ex-luterano e mãe de uma menina de 6 anos, Johnson trabalha hoje com a organização americana Unidos pela Vida. A recente experiência de Abby Johnson coincide com a experiência mais remota de outra americana que também mudou de ideia e fechou a clínica de abortos fundada em Jackson, no Mississipi. Trata-se de Beverly A. McMillan, médica especializada em ginecologia e obstetrícia.
Herb Collingridge
A humanidade da criança (não nascida) destruída
Em seu período de residência na Clínica Mayo, em Chicago, em 1969, McMillan teve que tratar de mulheres com febre, sangramento, úteros inchados e sensíveis, vítimas de abortos clandestinos, o que a tornou aborcionista por convicção. Ela recebeu com alegria a decisão da Suprema Corte que legalizou o aborto em 22 de janeiro de 1973. À época, a médica era agnóstica e tinha tudo o que desejava (casamento estável, três filhos saudáveis, uma carreira médica promissora, roupas à vontade, uma boa casa, um carro novo). Contudo, sentia-se deprimida e chegou a pensar em suicídio. Depois
de ler o livro O Poder do Pensamento Positivo, de N. V. Peale, McMillan comprou uma Bíblia e leu em pouco tempo todo o Novo Testamento. “À medida que lia a Bíblia nos meses seguintes, me sentia cada vez mais desconfortável em fazer abortos”, afirmou a médica. Por causa disso, ela deixou a prática, embora continuasse como diretora da clínica até 1978. Por ter crescido na fé e se tornado membro de uma igreja evangélica, McMillan desligou-se de qualquer atividade ligada ao aborto. Ela mesma explica: “Quando entendi a santidade da vida humana antes do nascimento, mudei de ideia sobre o aborto”.
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Jovens africanos estudam o livro de Atos em pequenos grupos
Dois mil jovens africanos celebram a obra missionária Mais de 2 mil jovens africanos se reuniram na virada do ano no Quênia para a Conferência Missionária Commission, que acontece a cada três anos e é promovida pela Aliança Bíblica Universitária do país. A maior parte dos participantes era formada por universitários e recém-graduados quenianos. O tema foi “Assim como o Pai me enviou, eu envio vocês”. “Tivemos muitos testemunhos (bem escolhidos e desafiadores), excelente ensino bíblico baseado no livro de Daniel, palestras e ensino voltado para o desafio missionário. Havia muito louvor: um grupo já
Evangélicos se mobilizam para Rio+20 Mais de dezesseis organizações evangélicas se preparam para participar da Rio+20, a conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável que acontece de 20 a 22 de junho no Rio de Janeiro, RJ. Tearfund, A Rocha Brasil e Rede FALE estão à frente do processo. No final de março acontece a segunda reunião de preparação. As organizações estão trabalhando para lançar duas campanhas por 20
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formado, um coral que se formou ali mesmo e que crescia a cada dia e grupos musicais dos países representados. Foi uma alegria contagiante”, conta a brasileira e professora de missiologia Antonia Leonora van der Meer (Tonica), única mulher que pregou na plenária do evento. O livro de Atos foi a base para os estudos bíblicos em pequenos grupos de doze pessoas. Segundo o diretor do Commission, Simon Kande, 1.663 pessoas assinaram o compromisso de se envolver com missões. Na última noite houve um apelo para que aqueles que quisessem consagrar suas vidas à obra missionária se apresentassem. A princípio foram dez, depois mais de trinta, até que pelo menos 2 mil jovens se levantaram. ocasião da conferência: a primeira são cartões postais (Ore&Envie) com pedidos de oração e uma mensagem para autoridades governamentais; a segunda é o Carbon Fast, que consiste em orar e realizar ações diárias em favor do meio ambiente durante as seis semanas que antecedem o domingo de Páscoa. Este mesmo grupo realizou palestras sobre cristianismo e meio ambiente durante o Fórum Social Temático na última semana de janeiro em Porto Alegre, RS. + Notícias sobre a Rio+20, no portal ultimato.com.br
Missões com os pés latinos Catiuska Perez
Antonia Leonora van der Meer
por Lissânder Dias
Diretores da FTL trabalham nos preparativos do CLADE V
Novecentos participantes de mais de trinta países. Estes são os números esperados pela Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL) para o 5º Congresso LatinoAmericano de Evangelização (CLADE 5), que acontece de 9 a 13 de julho em San Jose, na Costa Rica. Os CLADE’s fazem parte da caminhada histórica de reflexão sobre a missão integral na América Latina e pretendem refletir sobre o papel dos cristãos no contexto do continente. “Esperamos chamar a atenção da Igreja na América Latina para a nossa realidade, nossos problemas atuais e para o modo como estamos respondendo a eles. Devemos nos confrontar em meio a esta sociedade de morte e refletir sobre a maneira como estamos levando a mensagem de vida pregada por Jesus”, afirma Juan Carlos Morales Serrano, gerente operacional do evento. Desde setembro de 2011, núcleos da FTL, igrejas, movimentos e grupos de amigos estão sendo encorajados a estudar o Caderno de Participação, um livreto com estudos bíblicos sobre o tema do evento: “Sigamos a Jesus Cristo em seu reino de vida! Guia-nos, Espírito Santo!”. Espera-se formar pelo menos trinta grupos de estudo em diversos países do continente. + Notícias sobre o Clade 5, no portal ultimato.com.br
Ateus querem construir templo Dez mil Bíblias em áudio no Nordeste
Os ateus liderados pelo filósofo Alan de Botton querem construir um “templo para ateus” no centro financeiro de Londres, Inglaterra. O projeto prevê a construção de uma torre de 46 metros de altura para representar, segundo o filósofo, os milhares de anos de vida humana na terra e para celebrar o “novo ateísmo”, um contraponto à abordagem mais “agressiva” de ateus como Richard Dawkins (o polêmico autor do livro Deus, Um Delírio). A parte exterior do templo será marcada por um código binário que denota a sequência do genoma humano. De Botton acredita que os templos são uma boa ideia para fortalecer nas pessoas o senso da vida. “Você pode
Feira internacional vai reunir livreiros cristãos De 2 a 6 de maio acontece em São Paulo, SP, a 1ª Feira Literária Internacional Cristã (FLIC), que espera reunir cerca de 5 mil pessoas por dia. A iniciativa é da Associação de Editores Cristãos do Brasil (ASEC), que reúne 36 editoras
construir um templo para tudo o que é positivo e bom”, afirmou ao jornal britânico The Guardian. O templo começará a ser construído no final de 2013, caso seja aprovado pela prefeitura. Dawkins critica a ideia e diz que é mau uso de dinheiro. Para ele, um templo para ateus é uma contradição. “Não precisamos de templos”, diz. Curiosamente, o reverendo anglicano George Pitcher celebrou a ideia. “Este templo mostra que há um sentido de transcendência humana, que existe algo maior do que a nossa existência visceral”, disse. + no blog do Guilherme de Carvalho ultimato.com.br/blogs
evangélicas brasileiras. Com discurso otimista, a ASEC acredita no aquecimento deste segmento do mercado de livros (um aumento de 14,4% nas vendas em 2012) e aposta na realização da feira como um excelente balcão de negócios entre editoras, livrarias e consumidores. A associação quer também promover na FLIC uma discussão de alto nível sobre a literatura cristã e o cristianismo no Brasil. Para isso, haverá bate-papos com autores, encenação
A Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) quer doar 10 mil Novos Testamentos em áudio para apoiar as ações evangelizadoras dos obreiros que atuam em lugarejos com alto índice de analfabetismo no Sertão Nordestino. Para isso, lançou uma campanha de arrecadação. O alvo é arrecadar 100 mil reais. Até janeiro a SBB havia conseguido pouco menos de 10 mil. Para o pastor Eude Martins, coordenador da campanha, há um grande índice de analfabetismo na região e a população gosta muito de rádio e de ouvir CD. Segundo ele, “mesmo faltando televisão em algumas residências, não falta aparelho de rádio com CD player acoplado”. A ideia é formar grupos de audição nos lares ou nas igrejas.
de contos e histórias, sarau literário, congressos e cursos em geral nas áreas de teologia, família, liderança, mulheres, infantil e infanto-juvenil, juventude, missões, artes, ação social etc. Pela primeira vez o público poderá votar no Prêmio Arete, uma premiação que elege as melhores publicações do universo editorial evangélico brasileiro. Os vencedores serão anunciados durante o evento. + Notícias sobre a FLIC, no portal ultimato.com.br
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[Capa]
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uem diz isso não é uma pessoa qualquer. Não é um exagerado nem um simplório. Essas palavras, que parecem radicais, foram pronunciadas pelo médico e pregador Martyn Lloyd-Jones, do púlpito da Capela de Westminster, no centro de Londres, na primeira metade do século 20. Como se verá nesta matéria de capa, Lloyd-Jones tem toda razão: se você ainda não está atado a Cristo, pela convicção e pela fé, então você, a rigor, ainda não é um cristão. É necessário que você admita isso, humilde e honestamente, tendo ou não rótulo de cristão, sendo católico, protestante, carismático ou neopentecostal. Pode ser que você esteja atado apenas ao Cristo do evangelho da prosperidade, do evangelho social e da teologia liberal, mas não ao Verbo feito carne.
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O Jesus que tomou sobre si os nossos pecados e nos trouxe perdão, que morreu e ressuscitou, que está sentado à direita do Pai, que colocou debaixo dos pés os estragos da queda e do pecado e que voltará em poder e muita glória — esse é o único Jesus. Não há outro. Fora do Jesus do Antigo e do Novo Testamentos, qualquer outro seria vulgar e mesmo desnecessário. A cristologia bíblica é fantástica, coerente, convidativa, redentora e gloriosa. Agarre-se a esse Jesus e não a outro. Só é possível conhecer Jesus Cristo como ele de fato é, removendo as escamas que estão nos olhos e o véu que se interpõe entre nós e ele. Essa operação vem de cima (de Deus) e não de baixo (do ser humano). Ela desce e não sobe. É graça pura, que pode ser suplicada!
Marcin Krawczyk
Se você não está atado a Cristo, você não é Cristão
nome
O acima de qualquer outro nome
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aulo não diz que o nome de Jesus será o mais importante de todos os nomes. Ele já é o nome mais exaltado desde a ressurreição e a ascensão. Mesmo antes da plenitude da salvação. Muitos fatos são responsáveis por isso. Para datar os acontecimentos anteriores ao nascimento de Jesus, os historiadores escrevem o ano acompanhado da sigla “a.C.” (antes de Cristo). Para datar os acontecimentos imediatamente posteriores, usam “d.C.” (depois de Cristo). Para fornecer qualquer documento, os escrivães colocam o ano seguido da expressão “da era cristã”. Por chamarmos de domingo (o dia do Senhor) o primeiro dia da semana, quer saibamos ou não, quer creiamos ou não, relembramos de sete em sete dias um dos pilares do cristianismo: a ressurreição de Jesus. Mesmo desconhecendo o solene significado da cruz, ela é o símbolo religioso mais exposto. Mais do que a estrela de Davi, do judaísmo, o crescente lunar, do islamismo, a palavra OM, em sânscrito, do hinduísmo, a roda viva, do budismo, e o torii, dos xintoístas. A cruz está em todo lugar — nas igrejas, nos cemitérios, no alto dos morros, nos nichos, nos monumentos, nas pinturas, nos adornos, nas tatuagens. Mais da metade do credo dos apóstolos refere-se a Jesus Cristo. A declaração “creio em Jesus” é a mais antiga, a mais conhecida e a mais repetida de todas as confissões de fé da igreja cristã por quase dois milênios. As Escrituras Sagradas são o mais antigo, o mais
traduzido, o mais vendido e o mais lido best-seller, que testifica de Jesus tanto no Antigo Testamento como no Novo. A maior de todas as declarações de amor, a mais divulgada e a mais decorada em qualquer lugar onde haja pelo menos um cristão, diz respeito a Jesus: “Porque Deus amou tanto o mundo, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). O Natal (que aponta para o fato de que o Verbo se fez carne) e a Sexta-feira da Paixão (que aponta para a ruptura do véu que separava o Criador da criatura) são os feriados mais consagrados e mais internacionais do calendário ocidental. A cerimônia religiosa mais repetida em todos os círculos cristãos desde que foi instituída (na véspera da crucificação) — celebrada por alguns todos os dias e, por outros, todos os domingos, todos os meses ou todos os anos — rememora a pessoa de Jesus Cristo e seu sacrifício vicário (“Façam isso em memória de mim”). Chama-se Santa Ceia, Eucaristia ou o partir do pão. Jesus é o filme mais traduzido — para mais de 1.060 línguas e dialetos —, mais projetado e mais visto — por mais de 200 milhões de pessoas — da história. O que ainda não aconteceu é o momento em que todas as criaturas no céu, na terra e no mundo dos mortos vão cair de joelhos e declarar abertamente que Jesus Cristo é o Senhor (Fp 2.10-11). Março-Abril, 2012
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A imagem visível do Deus invisível
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nquanto o Evangelho de Mateus e o Evangelho de Lucas começam a história de Jesus contando o seu nascimento, as primeiras palavras do Evangelho de João são bem resumidas: “No princípio [o mais remoto de todos os princípios] era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1.1). Com apenas dezessete palavras (no original grego) o apóstolo nos leva às alturas e nos faz viajar no tempo. De acordo com esse prólogo, entendemos a declaração de Jesus que deixou os fariseus enraivecidos: “Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu sou!” (Jo 8.58).
João assimila de tal modo a eternidade de Jesus que acrescenta, sem pestanejar, mais duas informações solenes: “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3) e “o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14). Jesus é o único cuja história não tem início no dia do nascimento nem no dia da concepção. Quando se fez carne, ele entrou no tempo e tornou-se visível, audível e palpável. O propósito da descida de Jesus do nível mais alto para o nível mais baixo é fazer-nos subir deste para aquele.
Quando o Verbo se fez carne, ele somou a natureza humana à natureza divina e tornou-se tanto “Filho de Deus” como “Filho do homem”. Ele não deixa de ser Deus quando toma a forma humana (Fp 2.1-8) nem deixa de ser homem quando ressuscita dentre os mortos (Lc 24.39-43; Jo 20.27). Por sua natureza divina, Jesus está acima das leis cósmicas e não debaixo delas. Assim, realiza muitas coisas impossíveis ao homem. Por sua natureza humana, experimenta coisas que não combinam com a sua divindade, tais como ter fome, sede, sono e se sentir cansado. Ao se fazer carne, Jesus passou a ser “a imagem visível do Deus invisível” (Cl 1.15)!
O primeiro clarão da salvação
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mais antiga promessa a respeito de Jesus foi feita pelo próprio Deus, pouco depois da criação dos céus e da terra que agora existem, e imediatamente após a queda do ser humano: “De agora em diante, você [a serpente] e a mulher [a mãe de todos os seres humanos] serão inimigas. O mesmo ocorrerá entre a sua descendência [as potestades do ar] e a descendência dela [Jesus]. O descendente da mulher [Jesus] esmagará a sua cabeça [a cabeça da serpente], e você [serpente]
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ferirá o calcanhar dele [de Jesus]” (Gn 3.15). Essa curta e enfática promessa é conhecida como “o germe da promessa messiânica”, “o primeiro clarão da salvação”, “o protoevangelho”. Entre os muitos descendentes da mulher, apenas um se encaixa perfeitamente na primeira profecia da história da religião. Ele descende só da mulher, sem a participação de homem algum, e recebeu o nome de Jesus, que quer dizer: “O Senhor é a salvação”.
É inegável que desde então e ao longo da história tem havido entre a serpente e a humanidade, entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, inimizade, hostilidade, antagonismo, incompatibilidade, rivalidade, atrito e repulsa mútua. Daquele dia em diante o clima é de guerra e não de paz. De guerra total, pois ninguém está de fora apenas assistindo, acompanhando, filmando. De guerra cósmica, pois envolve extraterrestres (anjos e demônios). Não há outro pronunciamento tão explicativo para a nossa conturbada história como esse.
Jesus é o único a fazer o que fez
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Michael Faes
a noite em que foi traído e instituiu a Santa Ceia, em uma reunião reservada, em certo cenáculo de Jerusalém, Jesus se abriu com os discípulos: “Se eu não tivesse realizado obras que ninguém mais fez, [aqueles que me viram ou ouviram] não seriam considerados culpados. Mas agora, eles as viram, e mesmo assim odeiam a mim e ao meu Pai” (Jo 15.24). Ele é o único a fazer o que fez. Além dele, quem mais... andou sobre o mar? com uma só ordem fez parar o vento, os relâmpagos, os trovões e a tempestade do mar? com uma só palavra fez secar uma figueira? transformou 600 litros de água em vinho da melhor qualidade? multiplicou cinco pães e dois peixes para satisfazer mais de 5 mil estômagos e ainda fez sobrar doze cestos? cura toda sorte de doenças, desde uma simples febre até um paralítico de nascença? é capaz de reimplantar, fora de um centro cirúrgico, uma orelha decepada? consegue parar um cortejo fúnebre e ordenar ao morto que saia do caixão? tem poder para fazer viver outra vez um morto já sepultado e em estado de putrefação? no tempo e no espaço torna a viver, por seu próprio poder, e abandona o túmulo por conta própria? Porém, a unicidade de Jesus vai além disso. Quem mais... amou como ele amou? falou com tanta autoridade como ele? perdoou como ele? sofreu como ele?
se deu aos outros como ele? suportou desafios, escárnios e injustiça como ele? deu a vida como oferta pelo pecado como ele? é imatável como ele? derramou voluntariamente a alma na morte como ele? proferiu palavras tão duras sem pecar como ele? não se apegou aos seus direitos como ele? se esvaziou como ele? se humilhou sendo obediente até a morte e morte de cruz? A unicidade de Jesus continua. Quem afinal é... o pão da vida? a luz do mundo? o bom pastor? a ressurreição e a vida? o caminho, a verdade e a vida? a videira verdadeira? o único mediador entre Deus e os homens? o nosso intercessor junto ao Pai em caso de pecado e culpa? a propiciação pelos nossos pecados? São até aqui 32 interrogações a respeito da unicidade de Jesus. Outras poderiam ser formuladas. O que importa é que todas têm uma só resposta: Jesus Cristo! Março-Abril, 2012
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Em Cristo não somos caloteiros
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Shi Yali
m poucas palavras, o teólogo brasileiro Alfredo garante que Deus perdoou todos os pecados e “riscou essa Borges Teixeira (1878–1975) explica o sacrifício condenação que pesava sobre as nossas cabeças, anulando-a vicário do Filho unigênito de Deus: “A Jesus foram completamente e pregando-a na cruz sobre a sua própria imputados os pecados dos homens e aos homens cabeça” (Cl 2.14). foi imputada a justiça de Jesus”. O fato é que para livrar o pecador da culpa, da dívida, Há uma dupla transferência: a culpa pelos nossos pecados da vergonha, do fardo — o Cordeiro de Deus assumiu do passado, do presente e do futuro passa para Jesus e a consciente e voluntariamente a culpa, a dívida, a vergonha e justiça dele é transmitida a nós. Há uma substituição: Jesus o fardo do pecador contrito e sofreu o castigo que era dele. recebe em nosso lugar O complicado a justa retribuição que cerimonial provisório nossos pecados merecem. do Antigo Testamento O resultado é a eliminação perdeu o valor por definitiva e irrevogável um sacrifício melhor, da nossa culpa pelo perfeito e único. cumprimento da punição Porque o sangue de que ela merece. Esse gesto touros e bodes não de maravilhosa graça pôde, de modo algum, proporciona a libertação da tirar os pecados de culpa do pecado. Quando ninguém. Jesus, ao o pecador conhece e aceita entrar na história, a oferta de salvação, é salvo declara: “Estou aqui, ó e deixa de ser réu. Deus, para fazer a tua O livramento, embora vontade”. E porque planejado antes da Jesus Cristo fez o que fundação do mundo Deus quis, nós somos (1Pe 1.20) e da queda purificados do pecado, do homem e anunciado por meio da oferta de o Cordeiro de Deus assumiu consciente progressivamente no seu corpo uma vez por e voluntariamente a culpa, a dívida, a Antigo Testamento, se todas (Hb 10.5-14). vergonha e o fardo do pecador contrito concretiza na Sexta-Feira Para ser salvo sem da Paixão, entre o meioa obra vicária de dia e as três horas da tarde, Cristo, o ser humano em uma colina fora dos muros de Jerusalém, chamada de precisaria obedecer à lei de Deus sem nem um deslize Lugar da Caveira, Calvário ou Gólgota (em aramaico). Entre sequer, o que nunca aconteceria. Ou, então, pagar a dívida os acontecimentos misteriosos e aterrorizantes que se deram contraída pela desobediência, o que ninguém conseguiria durante ou logo após a crucificação de Jesus (escuridão, nem nesta vida nem nas chamadas reencarnações. Deus tremor de terra e abertura de túmulos, dos quais saíram não aceita boas obras como pagamento da dívida. A única alguns mortos), o mais significativo foi o rompimento do solução está na obediência ativa e passiva à lei divina, que véu do templo, que se rasgou de cima a baixo (Mt 27.51). Cristo realizou no lugar do pecador. Alfredo Borges Teixeira Este sinal demonstra o sucesso do sacrifício expiatório de explica que a obediência ativa de Cristo consiste no fato de Jesus e confirma todos os seus sete “Eu sou”, notadamente, o ele nunca ter pecado e a obediência passiva de Cristo consiste “Eu sou a porta” (Jo 10.7), “Eu sou o bom pastor” (Jo 10.14) no fato de Jesus ter sido obediente até a morte vicária, por e “Eu sou o caminho” (Jo 14.6). meio da qual a cortina que separava o absolutamente santo Por causa da morte vicária, João Batista apresenta Jesus do absolutamente pecador se rasgou. Essa obediência é o como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” cobertor da salvação, ou o manto da justiça, com o qual (Jo 1.29); o apóstolo João assevera que “o sangue de Jesus, fomos eficazmente cobertos. Em Cristo não somos mais o seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1.7); e Paulo caloteiros! 26
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A cruz cravejada de notas de débito
O que Deus perdoou? Todos os nossos pecados Todas as nossas falhas Todos os nossos deslizes O que Deus fez? Aboliu, anulou, apagou Cancelou, deixou de lado, destruiu Eliminou, fez desaparecer, reduziu a nada Removeu, riscou, suprimiu O que Deus cancelou? O documento contrário a nós A condenação que pesava sobre nós O título da dívida que havia contra nós O documento manuscrito que era contra nós O comprovante da nossa dívida
Amondo Szegi
Que fim Deus deu ao título de dívida? Depois de anular Depois de cancelar Depois de remover Depois de riscar Deus encravou tudo na cruz! Fonte: Colossenses 2.14 em diferentes versões
Jesus no “Livro das Coisas Melhores”
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Epístola aos Hebreus, escrita antes da destruição de Jerusalém, no ano 70, é endereçada não a uma igreja ou a uma pessoa, mas “aos hebreus”, cristãos de origem judaica da diáspora. Foi escrita por alguém que conhecia bem o Antigo Testamento, talvez Paulo, Barnabé ou Apolo. Outros nomes cotados seriam Lucas, Priscila, Silas e Epafras. Essa epístola, a terceira maior das 21 epístolas (junto com a de 2 Coríntios), “podia ser chamada o ‘Livro das Coisas Melhores’, visto que as duas palavras gregas traduzidas por ‘melhor’ e ‘superior’ ocorrem quinze vezes na carta”.1 Fala-se em uma melhor aliança, em um melhor santuário e em um melhor sacrifício. O tema é a total supremacia e suficiência de Cristo. O autor tinha em vista dois sérios perigos: o retorno dos hebreus ao judaísmo ou a tentativa deles de judaizarem o evangelho. O capítulo mais conhecido (talvez o único) é o capítulo onze, que enumera os heróis da fé. Logo no início, no primeiro capítulo, há algumas referências à proeminência de Jesus. A NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje) chama-o de Filho por sete vezes. Jesus é o porta-voz de Deus: “Antigamente, por meio dos profetas, Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados, mas nestes últimos tempos ele nos falou por meio do seu Filho” (v. 2).
Jesus é o dono de tudo: “Foi ele quem Deus escolheu para possuir todas as coisas” (v. 2 ). Jesus é o criador do universo: “Foi por meio dele que Deus criou o universo” (v. 2). Jesus é o próprio Deus: “O Filho é a perfeita semelhança do próprio Deus” [a expressão exata de seu ser] (v. 3). Jesus é o sustentador de tudo: “Ele sustenta o universo com a sua palavra poderosa” (v. 3). Jesus é o purificador do pecado: “Depois de ter purificado os seres humanos de seus pecados, sentou-se no céu, do lado direito de Deus, o Todo-poderoso” (v. 3). Jesus é superior aos anjos: “Deus fez com que o Filho fosse superior aos anjos e lhe deu um nome que é superior ao nome deles” (v. 4). Jesus é o enviado de Deus: “Quando Deus enviou ao mundo o seu primeiro Filho, ele disse: ‘Que todos os anjos o adorem’” (v. 6). Jesus é o soberano Senhor: “Sente-se do meu lado direito, até que eu ponha os seus inimigos como estrado dos seus pés” (v. 13). Nota 1. Bíblia de Estudo NVI
+ Jesus na edição 271, no portal ultimato.com.br/revista/271 Março-Abril, 2012
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Não creio que...
eu Não cr
eio
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esus estava com Deus desde o princípio e que o mundo foi feito por ele; Maria tenha engravidado sem ter relações sexuais com o carpinteiro ou com outro homem; Jesus era Deus e homem ao mesmo tempo ou alternadamente. Ele não era um ser humanizado nem divinizado. Era simplesmente um ser humano, igual a nós: nasceu, viveu e morreu; Jesus era o Cordeiro de Deus que tira o pecado. Nem mesmo creio em pecado. Pode haver equívocos, erros, falhas e insucessos, mas nunca pecado. Pecado é uma palavra inventada pelo cristianismo para meter medo; Jesus é imatável. Essa palavra nem sequer existe. Ele não foi jogado precipício abaixo em Nazaré nem apedrejado em Jerusalém, porque em ambas ocasiões ele apenas fugiu com ajuda dos discípulos; A água tenha sido transformada em vinho e que os pães e peixes tenham sido multiplicados. Pode ter havido algum truque ou coisa inventada para promover o Nazareno e enfraquecer o poder do Império Romano; Jesus tenha dado vista aos cegos, audição aos surdos, fala aos mudos, cura aos doentes; Uma mulher permaneceu menstruada por doze anos nem que Jesus estancou o sangue dela. Se houve uma ou outra cura de doenças mais leves foi por causa do aparato armado por Jesus e os discípulos. Foi uma questão psicológica; Jesus tenha ressuscitado a filha de Jairo, o filho da viúva de Naim e o irmão de Maria e Marta. Além de impossíveis, essas coisas nunca aconteceram;
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Jesus tenha patinado sobre a superfície líquida do mar da Galileia. Creria se houvesse inverno rigoroso naquela região e naquela época do ano capaz de congelar a água do lago. A tempestade estava passando e ele aproveitou para dar a impressão de que era maior do que as forças da natureza; Jesus tenha tornado a viver três dias depois de sua morte e sepultamento nem que tenha aparecido em vários lugares por um espaço de quarenta dias. A guarda inventou o drama da
ressurreição, tendo em vista a grande soma de dinheiro que receberia do Sinédrio. A mentira dos guardas foi a notícia da ressurreição e não a notícia de que o corpo de Jesus teria sido levado para um lugar ignorado pelos discípulos. Jesus foi enterrado em uma cova rasa e permaneceu para todo sempre no mundo dos mortos (que os judeus chamam de Hades); Jesus foi assunto aos céus e que uma nuvem o tenha encoberto, nem que ele tenha se assentado à direita de Deus para então arrumar os estragos
o i e r c eu
O credo dos apóstolos* (Apenas o parágrafo que se refere a Jesus Cristo)
Em português Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao Hades; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu aos céus; está assentado à mão direita de Deus Pai Todo-poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Em latim Credo in Iesum Christum, Filium Eius unicum
Liz Valente
Em espanhol Creo en Jesucristo, su único Hijo, Nuestro Señor
provocados pela chamada queda do homem nem, ainda, que há de voltar “em poder e muita glória” para julgar. Nada disso aconteceu nem vai acontecer. Não existe esperança em um morto que a morte levou irreversivelmente Não há Apocalipse. Se a humanidade não evoluir por conta própria, as coisas vão continuar perenemente como estão. A realidade é muito melhor do que a fantasia! Pode ser difícil achar alguém
que verbalize todas essas negações. Talvez, para a maioria dos descrentes, uma ou duas delas bastem para não levar a sério as afirmações da fé cristã. Ainda bem que o testemunho do cristão pode balançar a dificuldade de crer do não cristão, contribuindo para levá-lo à fé. Afinal, os seguidores de Jesus são (ou deveriam ser) o sal da terra e a luz do mundo, para que os demais vejam as suas boas obras e estas glorifiquem a Deus (Mt 5.16).
Em inglês I believe in Jesus Christ, his only Son, our Lord Em francês Je crois en Jésus Christ, son Fils unique, notre Seigneur Em alemão Ich glaube Und an Jesus Christus, seinen eingeborenen Sohn Em coreano 그 외아들 우리 주 예수 그리스도를 믿사오니, Em japonês 我はその独り子、我らの主、イエス・キ リストを信ず。 * Uma declaração de fé usada pelos cristãos desde meados do segundo século e repetida até hoje por todos os cristãos (católicoromanos, grego-ortodoxos e protestantes). Março-Abril, 2012
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Uma pedra de granito no alicerce para prevenir desabamentos
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alvez a mais solene das de granito, verá implacavelmente o profecias messiânicas de deslizamento, o desmoronamento, Isaías seja esta: “[Porque] a destruição de toda esperança, de vocês estão confiando todo o conteúdo da fé religiosa. É em mentiras e pensam que a por isso que essa pedra é também desonestidade os protegerá [da terrível chamada “pedra de tropeço” (Is 8.14; desgraça], o Senhor Deus diz: ‘Estou Rm 9.32; 1Pe 2.8). Ela pode nos fazer colocando em Sião uma pedra, uma tropeçar ou mesmo cair na escalada da pedra preciosa que eu escolhi, para salvação, sem que haja possibilidade ser a pedra principal do alicerce’. de retrocesso. Nela está escrito Resta saber quem isto: ‘Quem tem fé é a pedra angular, Em qualquer não tem medo’” (Is a primeira pedra, a 28.16). pedra de absoluta tempo, quem A pedra à qual o confiança que sustenta levar essa texto se refere não é todo o edifício da qualquer pedra. As salvação. A resposta pedra a sério, diferentes versões é óbvia: “A pedra jamais terá usam uma grande fundamental desse medo ou será quantidade de edifício [a igreja] é o sinônimos e dizem próprio Jesus Cristo” abalado que se trata de (Ef 2.20). uma pedra angular, Pedro estava básica, escolhida, absolutamente certo estabelecida, experimentada, firme, disso quando, cheio do Espírito fundamental, preciosa, principal, Santo, declarou ao Sinédrio judaico: provada, segura, sólida, testada e “Jesus é aquele de quem as Escrituras valiosa. É uma pedra de granito (BJ), Sagradas dizem: ‘A pedra que vocês, um bloco escolhido (EPC), “uma os construtores, rejeitaram veio a ser pedra para ser a principal pedra do a mais importante de todas’, [pois] a alicerce firme e precioso sobre o qual salvação só pode ser conseguida por se pode construir em segurança” meio dele” (At 4.11-12). (NBV), uma pedra “para alicerce Em vez de ser a tremenda pedra de seguro” (NVI). salvação, Jesus pode ser a tremenda Em qualquer tempo, lugar e pedra de tropeço para os descrentes, circunstância, quem levar essa pedra os de dura cerviz, os guias religiosos a sério, quem nela crer, nela confiar, vazios e irresponsáveis, os teólogos nela se apoiar, jamais terá medo, liberais, os reencarnacionistas e os será abalado, ficará desiludido ou cristãos apenas de nome. vacilará. Porém, quem não conhecer ou levar em consideração esse bloco Nota: Sobre as versões da Bíblia citadas, ver pág. 7. 30
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tudo muito simples. O primeiro clarão da salvação está em Gênesis, o primeiro livro da Bíblia. O segundo está em Apocalipse, o último livro da Bíblia. O primeiro clarão é uma promessa anunciada; o segundo, uma promessa cumprida. O primeiro clarão vem depois da criação do céu e da terra; o segundo culmina com a criação de novos céus e nova terra. O primeiro clarão fornece uma pálida imagem de Jesus (diz-se apenas que ele é “o descendente da mulher”);
O último clarão da salvação
o segundo fornece uma gloriosa imagem de Jesus (ele é o Rei dos reis, o Senhor dos senhores). O primeiro clarão é como o momento da concepção; o segundo, como o momento do parto. Apertados entre um momento e outro estão o desenvolvimento e a história da salvação, que nem todos enxergam. No primeiro clarão a serpente é ameaçada (o descendente da mulher esmagará a cabeça da serpente); no segundo, o diabo, a antiga serpente, é jogado no lago de fogo e enxofre para ser atormentado para todo o sempre, de dia e de noite (Ap 20.10). No Apocalipse, isto é, na “revelação de Jesus Cristo” (Ap 1.1), ou no levantar da cortina (desvelamento da imagem de Jesus), começa o último ato da história da salvação. O Jesus do Apocalipse não é o desfigurado, o desprezado e rejeitado, o varão de dores, o oprimido e afligido, o Cordeiro levado para o matadouro, o crucificado, o transpassado, o ensanguentado, não é simplesmente o rei dos judeus, não tem uma coroa de espinhos na cabeça nem uma cana seca na mão! No Apocalipse, Jesus é o primeiro a se levantar da morte para não morrer mais; é mais importante do que qualquer
rei da terra (1.5); é o que vem com as nuvens (1.7); é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim de todas as coisas; o Senhor Todo-Poderoso (1.8); é o vivente que morreu, mas que agora está vivo para sempre; o que tem as chaves da morte e do inferno (1.18; 2.8); é o santo e verdadeiro, que tem a chave de Davi para abrir o que ninguém pode fechar e fechar o que ninguém pode abrir (3.7); é a fonte primitiva da criação de Deus (3.14); é aquele que permanece à porta e que está batendo sempre (3.20); é o Leão da tribo de Judá, que venceu e se mostrou digno de abrir o livro e quebrar os sete selos que empurravam a história para frente (5.5); é aquele que é digno de receber o poder, e a riqueza, e a sabedoria, e a força, e a honra, e a glória e o louvor (5.12); é aquele de quem vem a nossa salvação (7.10); é aquele que enxuga toda lágrima dos olhos de suas ovelhas (7.17); é o Rei de todos os reis e Senhor de todos os senhores (17.14); é a candeia que ilumina a nova Jerusalém (21.23); é a brilhante Estrela da Manhã (22.16). Esse último ato de salvação nunca termina, o último clarão da salvação nunca se apaga, pois Jesus nunca se retira do palco da salvação! Março-Abril, 2012
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CAMINHO DO CORA çãO
Ricardo Barbosa
Separação e contraste
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ou de uma geração que ouviu falar muito sobre santidade. Na minha juventude havia uma preocupação sincera com a necessidade de se viver uma vida santa. Livros como Em Seus Passos o Que Faria Jesus? e a constante pergunta se Jesus faria o mesmo no meu lugar funcionavam como uma forma de freio moral. A luta contra os três grandes inimigos da santidade — o diabo, o mundo e a carne — era levada a sério. A vontade de resistir-lhes era grande. A luta era incansável. A busca pela santidade trouxe, para muitos, um tipo de paranoia, uma preocupação com a “perfeição” moral que negava o prazer. Isto levou alguns a abandonarem a fé, a fim de preservar a sanidade. Outros, sem abandonála, tornaram-se cínicos em relação ao discurso moralista cristão. As mudanças sociais dos anos 60 e 70 questionaram a herança cristã vitoriana, promovendo uma mudança de paradigmas. A partir dos anos 80, o tema da santidade perdeu força e interesse. Em seu lugar, entrou a preocupação com a “saúde espiritual”. Cresceu a busca por uma espiritualidade mais humana, centrada no bem-estar pessoal e no reconhecimento do prazer como expressão saudável da fé. Se o velho modelo era fundamentado na renúncia e no sacrifício, o novo foi construído sob o alicerce do prazer e da aceitação. Entramos no século 21 e percebemos que “saúde espiritual” tornou-se sinônimo de “saúde emocional” e substituto para a salvação por meio do arrependimento e da fé. Sentir-se bem e ter saúde emocional e espiritual é o 32
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que importa. O discurso cristão não é mais contracultural. O mundo e a carne deixam de ser inimigos. Ser cristão significa sentir-se bem e ajustado com a cultura secularizada. Contudo, o chamado para sermos santos permanece central para a vida cristã. Mesmo que nossa compreensão seja limitada ou condicionada por modelos culturais, a identidade cristã repousa sobre o fato de que Deus é santo e, porque ele é santo, somos chamados a ser santos como ele. E o que isso quer dizer?
Conversão significa responder ao chamado de Cristo, renunciar o mundo e viver como povo santo de Deus O reverendo J. I. Packer afirma que a santidade envolve separação e contraste. A vida de Jesus ilustra bem isto. Por um lado, ele afirma que seu reino não é deste mundo (separação). Por outro, a forma como vive representa um enorme contraste com a cultura da época. Ser santo é ser separado do mundo. Não uma separação alienada ou esquizofrênica, mas sim uma separação que intensifica o contraste entre o mundo e o reino de Deus. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, Deus chama e separa um povo para ser seu, um povo sobre o qual ele reina e governa. O profeta Jeremias reafirma o significado da aliança, dizendo: “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois
daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31.33). O apóstolo Pedro faz coro, dizendo: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia” (1Pe 2.9-10). Conversão significa responder ao chamado de Cristo em obediência e fé, renunciar o mundo e viver como povo santo de Deus. Isto requer separação e contraste. É por esta razão que Jesus disse aos discípulos que, se eles fossem do mundo, o mundo os amaria; porém, como eles foram chamados do mundo para Cristo, o mundo os odeia como também o odiou (Jo 15.18-19). Viver como Cristo viveu implica participar do mesmo sofrimento e das mesmas alegrias. Jesus afirmou: “O servo não é maior que o seu Senhor”. A esperança para o mundo repousa neste povo separado por Deus. Um povo cuja vida, relacionamentos, conduta, ética, moral, expõem o contraste entre a humanidade pretendida por Deus e revelada em Jesus Cristo e a forma como o mundo e a cultura se estruturam sem Deus. Este contraste traz esperança para alguns, tensões para outros e, inclusive, incompreensão e perseguição. Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.
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Bráulia Ribeiro
DA
LI N H A DE FRENTE
religião@eu.com
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idicularizar a religião é hoje esporte popular. O irônico é que até pastores e profissionais religiosos se especializam em maldizêla. Não sem razão, pois o estado atual do evangelicalismo brasileiro provoca náuseas. Porém, a onda de revolta contra a religião não é apenas nossa. O debate, que tem ar virtuoso, circula o Ocidente e é alimentado por vídeos virais e pelas mídias sociais. O jovem que aparece em um vídeo no youtube, em uma praça, dizendo que odeia a religião, mas ama Jesus tem jeito de herói. Pergunto-me se existe mesmo virtude nessa conversa. Haveria a possibilidade de dar alguma resposta a Jesus e ao seu amor sem que ela tomasse uma forma social? O debate é, no mínimo, inócuo. Não conduz a nenhuma atitude transformadora, mas a um orgulho excludente. O Brasil de hoje precisa levar a sério a religião. Os protestantes atuais, dados à iconoclastia e à difamação indiscriminada uns dos outros, odeiam esta palavra e tudo o que se relaciona com ela. A verdadeira espiritualidade vem sendo proclamada como uma abstração de tudo. Abstrai-se o viver em comunidade, pois a forma igreja já não corresponde ao ideal; assim como se abstrai o servir, o adorar, a mensagem da salvação e a Bíblia. Só eu e você não somos abstraídos. Aliás, continuamos humanos e cheios de necessidades não abstratas. Temos de entender que a não forma é uma forma. Pregar um evangelho sem forma cultural alguma, sem nenhuma proposta institucional, é torná-lo vazio,
irrelevante, incapaz de dialogar com a sociedade. Se nos sábados à noite vamos à casa do Zé para beber vinho, fumar charutos e discutir questões bíblicas, esta é a nossa igreja. Fumar charutos e beber vinho passam a ser nossas práticas religiosas. A casa do Zé ou da Maria se institucionaliza e se torna nosso “templo”. Assim é o ser humano, assim se forma a cultura. É arrogante pensar
Negar a importância dos símbolos, dos cheiros, dos sons da mensagem sublime de Deus, manifesta na religião, é negar a nossa condição humana que essa pseudo não forma é melhor do que uma proposta atual ou histórica. Quando entendemos a verdadeira natureza do evangelho, percebemos que a religião cristã não é a grande inimiga. Antes, o vazio dela o é. Jesus não pregou a rejeição às formas culturais da religião, mas a encheu de graça e significado. Ao fazê-lo, virou o establishment religioso de cabeça para baixo. Não porque os odiasse, mas porque os amava. Quando entendemos este amor, passamos a colecionar as graças mais diversas encontradas por toda parte e em todas as formas religiosas. Passamos a nos compadecer dos homens que tentam reproduzir o sublime tanto nas igrejasgaragens como nas catedrais. A graça se torna história coletiva e toma a forma da casinha de madeira
que hospedou a primeira Assembleia de Deus fundada no Brasil ou da catedral Metodista, de concreto cinza, ainda imponente, e que diz ao bairro Liberdade, em São Paulo: “Ele se importa”. A graça se torna memória nos hinos antigos e coletiva quando sai de mim e é formalizada no plural, no serviço religioso. Negar a importância dos símbolos, dos cheiros, dos sons da mensagem sublime de Deus, manifesta na religião, é negar a nossa condição humana. O Verbo se fez carne. Para que continue se fazendo carne hoje, ele nos chama como somos: seres culturais. Seres que sinalizam a mensagem divina por meiox de ideias, rituais, hábitos, projetos arquitetônicos, propostas de ressocialização, conversas, pregações, músicas, pinturas, esculturas. Tudo o que faz parte da vida humana pode ser transformado em mensagem divina. Este processo de divinização coletivizada se chama religião. É preferível, então, se ter religião a ser religioso. O religioso é aquele que faz da forma o seu deus. Pergunto-me se não é isto que muitos dos que protestam contra a religião estão fazendo. O Deus que advogam é tão pequeno que não pode se misturar à história e à sociedade humana e sair incólume. Jesus é diferente. Senta-se humildemente na igreja-garagem ou levanta-se com voz impostada para pregar nas catedrais, sempre ocupado em tocar vidas. Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua-Kona, no Havaí, com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia. É autora de Chamado Radical. braulia_ribeiro@yahoo.com
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leitor pergunta
Ed René Kivitz
Liz Valente
Envie sua pergunta para: edrenekivitz@ultimato.com.br
Sexo
Prosperidade
Você é a favor do sexo antes do casamento? Queria saber se posso fazer sexo com minha namorada. — Lucas, 19 anos
O pastor da igreja que frequento quer fazer um congresso sobre prosperidade. O que devo fazer?
Lucas, a primeira coisa que me ocorre dizer é que quem pergunta se pode, não pode. É isso que ensino para os jovens na igreja onde sou pastor. A primeira referência ao assunto na Bíblia está em Gênesis 2.24. “Deixar pai e mãe” implica autonomia, isto é, tornar-se adulto, plenamente responsável por suas ações e respectivas consequências. “Unir-se à sua mulher” (ou cônjuge) indica um relacionamento integral, com implicações não apenas físicas, mas também psicoemocionais, espirituais e sociais, que envolvem inclusive questões econômicas. “Tornar-se uma só carne” indica a prática do sexo, não apenas relacionado ao prazer lúdico do amor, mas também à perspectiva de gerar filhos. O sexo é para pessoas adultas, emancipadas, responsáveis e que se assumem integralmente para uma vida comum. Isso chamamos de casamento. A relação entre um homem e uma mulher deve caminhar para a integralidade. Há muita gente casada no cartório que ainda não abandonou pai e mãe, não se entregou totalmente ao outro e muito menos assumiu o outro em termos integrais. São dois estranhos vivendo sob o mesmo teto e dormindo na mesma cama, mas com vidas paralelas. Vivem em pecado, distantes do propósito de Deus para o caminho entre um homem e uma mulher. Há também muita gente praticando sexo, mas vivendo aquém do propósito de Deus. São apenas dois corpos que se encontram, mas sem qualquer implicação ou perspectiva de intimidade e afetividade nas dimensões psicoemocional e espiritual, as quais denominamos amor. Sexo sem amor é caminho de dissolução, que leva os praticantes a um estado de incapacidade de amor denso e à vivência de “amores aguados”, sem possibilidade de vinculação profunda e entrega completa. O ideal cristão implica o desafio constante de integrar sexo, amor e casamento.
O que fazer quando a igreja não atende mais às expectativas, necessidades ou critérios bíblicos e teológicos mínimos considerados indispensáveis por você? São pelo menos três as opções: 1. A maioria das igrejas tem donos, quer sejam pastores que a sustentam com seu carisma pessoal e personalista, ou famílias fundadoras que geralmente constituem o núcleo de liderança em modelo feudal. A substituição da liderança comunitária é um processo lento, que pode levar anos, e até depender da mudança de gerações. Há basicamente dois motivos que justificam a substituição de uma liderança eclesiástica: falta de integridade (pecados varridos para debaixo do tapete) e heresias (desvios doutrinários de acordo com o consenso da comunidade); 2. Mudar de igreja nem sempre é a solução. Até mesmo pela falta de opção. É o famoso “trocar seis por meia dúzia”; 3. Cair em uma espécie de clandestinidade dentro da própria comunidade em questão, sem afrontar ou se rebelar contra a liderança instituída: desenvolver relações de serviço mútuo e engajamento em ações diaconais informais. Longe de ser o ideal, é um mal menor. Em casos extremos, nada a fazer senão buscar outro ambiente para a experiência coletiva da fé. Triste cenário. Extraordinário desafio esse (inegociável) de viver em comunidade.
Ed René Kivitz é pastor da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. É mestre em ciências da religião e autor de, entre outros, O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia www.edrenekivitz.com
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HOJE EM DIANTE...
Não vou tomar o nome de Deus em vão
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e eu jurar por Deus que a partir de hoje não tomarei o santo nome dele em vão, já estarei fazendo o que não devo. Jesus ampliou o terceiro mandamento da lei de Deus proibindo qualquer tipo de juramento, seja pelo céu, que é o trono de Deus, pela terra, que é o estrado onde ele descansa os pés, ou por Jerusalém, que é a cidade do grande rei. De acordo com o ensino do Mestre, devo dizer simplesmente: “Sim, eu farei” ou “não, eu não farei” (Mt 5.34-37). Sendo assim, devo apenas afirmar cuidadosamente: “De hoje em diante, com o auxílio de Deus, não vou usar o nome dele aventureiramente”. Reconheço que pronunciar o nome de Deus não é brincadeira. Ele não é para ser mencionado a torto e a direito nem é para ser repetido mecanicamente; não é uma interjeição, nem panaceia, nem talismã. Estou ciente de que não devo
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“tomar carona” no nome de Deus para prometer alguma coisa, receber algo, me valorizar ou ser ouvido. Tomarei cuidado com certas expressões, como “Deus me falou”, “Deus me mostrou”, “Deus me enviou”. Ao meu redor quase todos mencionam o nome de Deus sem o menor respeito, em novelas, programas humorísticos, anedotas, brincadeiras, piadas, pornochanchadas, charges, mentiras etc. O nome mais alto, mais santo, mais solene aparece de maneira totalmente profana na televisão, no rádio, no teatro, na música e nas rodas de bebedores. Eu não posso agir dessa maneira em casa ou no templo, antes ou depois de orar: “Pai Nosso, que estás nos céus, santificado [e não profanado] seja o teu nome” (Mt 6.9). Preciso levar em consideração que esse mandamento foi escrito pelo dedo do próprio Deus — não no fino pó que cobre as calçadas, nem em uma cerâmica ou tabuleta de madeira, mas
em duas tábuas de pedra (Êx 31.18). Frente a esse mandamento, não me permitirei usar expressões rotineiras que tomam o nome de Deus em vão, como “Valha-me Deus”, “Deus me livre”, “Deus me acuda”, “Deus me é testemunha” etc. Embora quebrassem outros mandamentos, os judeus eram tão ciosos dessa terceira obrigação que só falavam o nome de Deus uma vez por ano, no grande Dia da Expiação. Contudo, somente uma pessoa podia pronunciá-lo (o sumo sacerdote). Não, de hoje em diante “trancarei” a minha língua para não usar de forma leviana e fútil o majestoso nome de Deus. Essa decisão inclui a citação de seu nome em orações formais e adoração hipócrita. Antes de me chegar aos lábios, o nome de Deus estará de fato no meu coração (Is 29.13). Ademais, não posso me esquecer da cláusula que diz: “O Senhor não deixará impune quem pronunciar o seu santo nome em falso” (Êx 20.7).
Carlinhos Veiga
Rapha Sousas Rapha Sousas integra a Vila do Louvor, ministério da JOCUM voltado para as artes, estabelecido em Piratininga e Pompéia, SP. É um movimento artístico interessante. Já passaram por lá os conhecidos Beto Tavares, Raphael Costa (grande guitarrista), Danni Distler, entre outros. Rapha é compositor e cantor pop. Este é o seu primeiro trabalho. Ele define melodia como “a arte de construir caminhos imaginários na vida, na esperança de traduzir o futuro em sons presentes”. É isso que deseja levar com sua música. Com um total de sete faixas, o CD traz composições próprias, duas em parceria e uma canção de Marcela Fernandes, que também faz participação especial. Produção de Amauri Muniz e do próprio Sousas. Ouça esse som em myspace.com/raphaelsousas
Brasileirar
Sérgio Carvalho Nos anos 80 e 90, Sérgio Carvalho participou de vários festivais na região de onde vem — o Centro-Oeste brasileiro —, algo muito comum à época. Quase 30 anos depois, ele reúne algumas composições e lança seu primeiro CD. As canções descrevem momentos especiais na vida do autor e da nação. A faixa título, “Brasileirar”, é inspirada no movimento dos caras pintadas, do começo dos anos 90, que pediu o impeachment presidencial: “Um novo quadro surgirá! Com muita fé e esperança, que são os novos tons: Brasileirar!”. Destaque ainda para as canções “Segredo de caminhar” e “Tens”. Gravado e mixado no Estúdio Melodia, em Brasília, o CD contou com a produção de Ronan Barros. A arte gráfica é de Rodrigo Paiva e as fotos, de Karina Viveiros. Contatos pelo e-mail sergiocarvalho2001@gmail.com
ACORdES
Felipe Silveira Felipe Silveira
Finalmente saiu o aguardado trabalho de Felipe Silveira. Esperamos que seja o primeiro de muitos. Com arranjos na medida certa, o CD é sonoramente limpo. Os competentes Osmário Marinho (bateria), Sidiel Vieira (baixo acústico) e João Alexandre (violão) — pai de Felipe — somaram-se ao piano do rapaz, que revela grande maturidade e sensibilidade nas composições e arranjos. Há canções em parceria com Jorge Camargo, Stênio Marcius, João Alexandre e Diego Venâncio. Ademir Júnior (sax) e Bruno Mangueira (guitarra) fazem participações mais que especiais. Um CD que precisa ser ouvido, necessariamente, com tempo e dedicação, na quietude. Como toda boa arte, não é para ser consumido, mas fruído. A produção é de Davi Heller, do Toca de Barro Produções.
Fontes da vida Ramon Goulart
Ramon havia desistido de gravar, depois de lançar quatro trabalhos autorais. É sempre assim. O artista independente é um eterno incompreendido. Porém, movido por sonhos, recomeçou a compor e sentiu-se desafiado a gravar algo novo. E aí está um CD eletro soul. Para os arranjos, ele bebeu nas fontes de Ed Mota, George Benson, Stevie Wonder e outros “monstros”. A banda tem uma “pegada” black soul consistente, semelhante à dos anos 80, mesclada com uma parafernália tecnológica atualíssima. Ramon adverte os que ainda ouvirão o trabalho a não comparar Fontes da vida com nada: “Apenas ouçam, leiam os textos bíblicos relacionados e ouçam Deus falando com vocês”. A produção do CD é do próprio Ramon, que também fez os arranjos. Saiba mais pelo site www.ramongoulart.com.br
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Yucel Tellici
Melodia
N OVOS
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Davi Chang
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Marina Silva
M EIO
AMBIE NTE E fé cristã
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Brasil passou a última semana de janeiro vendo escombros em reportagens televisivas sobre o resgate das vítimas do desabamento dos três prédios no centro da cidade do Rio de Janeiro. Além de sofrermos com as famílias e torcermos por um final feliz para cada espera, perguntamos, em escala nacional, qual seria a causa da tragédia. Aos poucos a causa foi ficando clara, pois nenhum fenômeno natural estava em sua raiz. Não foi desabamento por chuvas nem movimento de terras subterrâneas. O colapso da estrutura de um dos prédios, provocado por falha humana, era a explicação. No mesmo período vimos outras imagens de escombros. Dessa vez, nas notícias sobre a ação do governo do estado de São Paulo na desocupação de áreas pertencentes à massa falida da empresa do Grupo Naji Nahas, em Pinheirinho, São José dos Campos. Seis mil pessoas foram desalojadas pela polícia. Máquinas destruíram casas sem que seus moradores pudessem retirar delas um garfo sequer, deixando atrás de si destruição, desolamento, pedaços estraçalhados de bens. De novo a causa não foi ventania, furacão ou outra razão natural, mas a atuação de instituições oficiais. De tais escombros se eleva uma mensagem, uma reflexão. O Salmo 115.16 diz que Deus nos deu este planeta. No-lo deu pleno de vida (Gn 1.22) e de recursos para satisfazer nossas necessidades (Gn 1.29-30) e encarregou-nos de
cuidar dele (Gn 2.15). Fez-nos corpo e espírito (Gn 2.7), portanto, com capacidade criativa, que nos permite criar sobre e com a criação. Assim, temos no planeta o ambiente natural e aquele que brotou dos artifícios humanos. Estes os cientistas chamam de cultura material. Quanto a eles, temos a seguinte recomendação: “Quando edificares uma casa nova, Os cristãos, que têm como guia a farás um parapeito, no Bíblia, são admoestados e educados eirado, para que não ponhas quanto ao cuidado com o planeta culpa de sangue na tua casa, se alguém de algum modo energética, biodiversidade, cidades, cair dela” (Dt 22.8). água e oceanos. E também temas de Os primeiros escombros revelam natureza técnico-econômica, tais como nosso pouco cuidado com o ambiente desenvolvimento sustentável, produção que produzimos, com as normas e consumo sustentável, inovação técnicas, com a segurança, com a tecnológica para sustentabilidade. O durabilidade do que fazemos. Os cuidado com as pessoas será expresso segundos, denunciam o pouco cuidado em temas como, segurança alimentar, com as pessoas, com seus direitos, com migrações, trabalho decente e sua felicidade. Falhamos na ética do erradicação da pobreza. cuidado na criação de nosso ambiente A ONU se move por valores da humano. civilização humana, por princípios Foi um mau começo para o país que erigidos na convivência laica. Qual não vai sediar no Rio de Janeiro, entre 13 e 24 de junho de 2012, a Conferência das será a responsabilidade dos cristãos, que têm como guia a Bíblia, na qual Nações Unidas sobre Desenvolvimento passagens inteiras nos admoestam e Sustentável, apelidada de “Rio + 20”. Esse será um grande evento para se falar educam quanto ao cuidado? Tomemos esta como exemplo: “Acaso não vos sobre o cuidado com o planeta, com basta pastar os bons pastos, senão que os recursos naturais e com as pessoas, pisais o resto de vossos pastos aos vossos e para o qual se espera a participação pés? E não vos basta beber as águas do governo de mais de 100 países, claras, senão que sujais o resto com os além de membros da sociedade civil. vossos pés?” (Ez 34.18). Serão debatidos temas ambientais, como segurança climática, segurança Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC. Março-Abril, 2012
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Biju Joshi
O ambiente humano
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René Padilla
A missão integral de Jesus
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asta um estudo superficial de como Jesus desenvolveu seu ministério terreno para comprovar que para ele todas as necessidades humanas eram uma oportunidade de serviço. Nos Evangelhos não há a menor evidência de que ele pusesse as necessidades espirituais acima das corporais nem estas acima daquelas. Segundo o testemunho de Mateus, “percorria Jesus todas as cidades e aldeias da província da Galileia, ensinando nas sinagogas deles, e pregando o evangelho do reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo” (9.35). Seu ensinamento, de um alto conteúdo ético, se resume no Sermão do Monte (Mt 5–7) e deixa claro que o que Deus requer de seus filhos não se limita a deveres religiosos na área da relação com ele, mas se estende a todos os aspectos da vida humana, sem exceção. Além da relação com Deus, abarca a relação com o próximo e com a criação de Deus. Como sugere o Pai-Nosso, se orienta para o cumprimento da vontade de Deus na terra da mesma maneira como essa boa e soberana vontade se cumpre no céu. O ministério de Jesus inclui, portanto, o ensino da lei de Deus e dos valores do reino: paz, justiça, reconciliação, atitude em relação aos bens terrenos. Vinculada estreitamente com o ensino, a proclamação do reino de Deus é um aspecto essencial do ministério de Jesus. Com efeito, o 44
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estudo deste conceito nos Evangelhos nos permite afirmar, sem medo de errar, que este foi o tema fundamental da pregação de Jesus. Não é à toa que a expressão reino de Deus (ou seu equivalente reino dos céus, no Evangelho de Mateus) se repete com tanta frequência nos Evangelhos. O de Marcos capta a importância desta proclamação quando resume as boas novas anunciadas por Jesus nestes termos: “O reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no
Para Jesus todas as necessidades humanas eram uma oportunidade de serviço evangelho” (1.15b). Em um ambiente de expectativas messiânicas, como o que reinava entre os judeus naquele tempo, Jesus anuncia o cumprimento das profecias do Antigo Testamento. Não em termos do advento de um messias conquistador que vem libertar a nação de Israel de seus opressores, mas sim em sua própria pessoa e obra. Ele é o rei-servo que veio para estabelecer um reinado de paz e justiça! Como ele mesmo afirma no sermão inaugural (baseado em Isaías 61.1-2), na sinagoga de Nazaré da Galileia, no começo de seu ministério, referindo-se ao Messias enviado por Deus para anunciar boas
novas aos pobres, proclamar liberdade aos cativos, dar vista aos cegos, por em liberdade os oprimidos e pregar o ano aceitável do Senhor: nele se cumpre esta Escritura na presença de seus ouvintes. E estes experimentam a presença do reino em suas vidas, na medida em que respondem a ele em arrependimento e fé. O ensino e a proclamação do reino de Deus são acompanhados pela ação de Jesus em termos de cura de toda enfermidade e de toda dor. Os quatro Evangelhos demonstram essa maravilhosa liberação de poder milagroso em resposta às necessidades corporais de multidões submetidas à pobreza, sobretudo na província da Galileia. É óbvio que para Jesus o corpo humano não é menos digno de atenção e cuidado que o espírito. Se algo está claro a partir da descrição do ministério de Jesus é que para ele a unidade do ser humano é uma premissa fundamental e, consequentemente, a missão de Deus aponta para a restauração da totalidade da pessoa em comunidade, segundo o propósito que estabeleceu originalmente na criação. Assim, hoje tomamos parte nisso como continuadores da missão integral de Jesus, na medida em que orientamos nosso ministério para a satisfação de necessidades humanas de pessoas indivisíveis. Traduzido por Wagner Guimarães
C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? .
Carlos “Catito” e Dagmar Grzybowski
C a s a m ento
e fa m í l i a
Não vou me deixar controlar! mão na frente da boca?”. Acreditamos que o outro precisa ter a mesma percepção da realidade que nós e nos frustramos quando isso não acontece. O perigo é deixar esta frustração crescer e transformar-se em mágoa. Não só nos frustramos como também tentamos impor ao outro a nossa aprendizagem, querendo transformá-lo “à nossa imagem e
Passado o momento inicial de lua-de-mel, o casal precisa definir rotinas e acordos para a convivência semelhança”. Assim, entramos em embates intermináveis com o objetivo de convencer o outro de que estamos certos e ele, errado. Isso gera desgaste emocional e não produz mudança alguma. A alternativa é abrir-se a um diálogo fecundo, desarmado e humilde, com a convicção de que “eu percebo a realidade desta forma, mas posso estar errado”. É preciso ouvir o outro sem querer responder prontamente. Há uma impossibilidade neurológica de ouvir alguém e pensar em uma resposta simultaneamente. Quando em um diálogo começamos a refletir sobre o que vamos responder, paramos de ouvir de imediato. O diálogo é útil para criarmos juntos uma nova alternativa, que não é necessariamente a minha, aprendida
Ry Young
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ovens recém-casados têm medo de serem controlados e dominados pelo cônjuge. Receiam a despersonalização ou a perda de identidade. Na realidade, o que ocorre no início do casamento é uma fase de intensos ajustes que provoca desestabilização momentânea, a qual chamamos etapa de “volta à realidade”. Passado o momento inicial de luade-mel, o casal precisa definir rotinas e acordos para a convivência. Desde microacordos, como o lugar correto de deixar o sapato quando se chega em casa, até macroacordos, como o estilo de vida que querem desenvolver. Para cada detalhe é necessário um acordo específico. Alguns deles são simples de ser alcançados, pelo fato de os nubentes virem de estilos e formas de pensar semelhantes. Todavia, existem áreas em que as aprendizagens de cada um com as famílias de origem foram divergentes. Todos nós avaliamos a realidade e desenvolvemos códigos de ética próprios a partir das vivências com nossa família de origem. É dentro dela que aprendemos o que é certo ou errado, bonito ou feio etc. Cada família tem usos e costumes únicos. Apesar disso, acreditamos que todos que têm costumes distintos dos nossos estão errados — e isso inclui nosso cônjuge. Certa vez, alguém me disse a respeito do cônjuge: “Como ele não sabe que é errado bocejar sem colocar a
na minha família, nem a do outro, aprendida na família dele, mas algo diferente, que será a nossa forma única e exclusiva de lidar com determinada realidade. Nos encontros de casais que ministramos,1 propomos exercícios de diálogo para desenvolver os acordos. Percebemos, então, que muitos têm dificuldade de sentar relaxadamente com o cônjuge para conversar — embora consigam falar (e muito) em grupo e expor com clareza um ponto de vista. Talvez, o impedimento seja, de fato, o receio — que citamos no início — de ser controlado pelo cônjuge. Esta é a segunda etapa do ciclo do casamento. Na próxima edição veremos o que ocorre quando um cônjuge insiste em convencer o outro a “engolir sua argumentação”. Nota 1. Programa de Enriquecimento Matrimonial (PEM). Para mais informações, acesse: www.eirene.com.br
Carlos “Catito” e Dagmar são casados, ambos psicólogos e terapeutas de casais e de família. Catito é autor de Como se Livrar de um Mau Casamento e Macho e Fêmea os Criou, entre outros.
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R EFLE XÃO
Robinson Cavalcanti
Profetismo — item esquecido da missão integral
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missão integral da Igreja não é uma corrente teológica contemporânea, mas a explicitação do conteúdo da missão, conforme o exemplo e o ensino de Jesus Cristo. Ao longo da história, aspectos dessa missão têm sido sub ou superenfatizados. A Igreja legitima a própria existência como agência missionária na totalidade da missão a ela confiada, na diversidade de dons e vocações dos integrantes e nas possibilidades e oportunidades de cada conjuntura. A missão integral inclui cinco itens: evangelismo (kerigma), comunhão (koinonia), ensino (diakonia), serviço e profetismo (estes na diakonia). Denominados “avenidas da missão” pela Conferência de Lambeth de 1988 dos bispos anglicanos, eles são assim definidos: 1) proclamar o evangelho do reino 46
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de Deus; 2) batizar e integrar os convertidos a uma comunidade de fé; 3) ensinar todo o conselho de Deus; 4) despertar no coração dos fiéis respostas de misericórdia às necessidades humanas; 5) denunciar as estruturas iníquas da sociedade, defender a vida e a integridade da criação. A missão integral foi esquartejada contemporaneamente pela polarização entre o “evangelho individual” e o “evangelho social” e seus derivativos, como o fundamentalismo e a teologia da libertação. O Brasil foi, depois, afetado por essa polarização parcializante e mutilante. Conservadores não têm problema com o evangelismo, a integração a uma igreja ou o ensino. Porém, nem sempre estiveram livres do reducionismo de uma “graça barata”, do sectarismo ou de ensinos de escassa (ou nenhuma) base bíblica. Alguns aceitam a
necessidade do serviço como “isca” para o evangelismo ou como forma opcional e bondosa de “caridade”, enquanto outros pensam que a responsabilidade social é do governo ou que os problemas sociais decorrem apenas de pecados individuais, e a conversão é o que interessa. A dimensão profética é ignorada ou negada, seja pelo pessimismo escatológico prémilenista e pré-tribulacionista, seja pelo adesismo acrítico aos sistemas políticos e econômicos (“obedecer às autoridades”), seja pela sacralização destes sistemas pela “civilização ocidental” ou pelo destino manifesto de um país “escolhido” como ensaio da nova humanidade. Liberais tendem a não se envolver com o evangelismo, visto pejorativamente como “proselitismo”, além de desnecessário para uma soteriologia universalista (todos salvos) em que o batismo e a
vinculação à Igreja são algo bom, mas opcional, pois “Jesus veio para trazer o reino e não para criar a Igreja”. Para eles, esta é uma instituição transitória, e o ensino deve ser plural e especulativo, pois a Bíblia é uma literatura religiosa humana plena de erros e a verdade revelada absoluta não existe; ensiná-la é fomentar alienação, intolerância, misoginia, sexismo e homofobia. Quanto ao serviço, alguns o acham necessário enquanto uma sociedade utópica não virar tópica, e outros o combatem por ser um
A missão integral da Igreja é a explicitação do conteúdo da missão conforme o exemplo e o ensino de Jesus Cristo mero paliativo alienante, obstáculo às reformas estruturais necessárias. A missão se reduz ao profetismo sempre atrelado a uma ideologia secular, como foi, por um tempo, o nazismo ou o marxismo. O evangelicalismo, que tem procurado resgatar a integralidade da missão em todas as dimensões, deságua no Movimento de
Lausanne e tem expressões regionais, como a Fraternidade Teológica Latinoamericana (FTL). O Pacto de Lausanne ou a Declaração de Jarabacoa, da FTL, sobre a responsabilidade política dos cristãos, são documentos sólidos relativos ao que os católicos romanos chamam de “doutrina social da Igreja” e os protestantes, de “pensamento social cristão”. Na prática, porém, evangelismo, comunhão e ensino formam a “missão quase integral” — tanto nacional quanto importada, com o serviço extremamente débil (“boas obras é negócio para católico querendo escapar do purgatório ou de espírita querendo uma melhor reencarnação”) —, não considerada como evidência necessária e desdobramento da salvação (“para que nelas andássemos”). O profetismo é algo ausente do que se crê, do que se ensina e do que se pratica. Se as utopias seculares “foram para o espaço”, “levando de roldão” a esquerda teológica — hoje relativista, cética ou mística, acendendo incenso ou abraçando árvores —, a direita teológica ainda a vê como “coisa de comunista” e afirma que não adianta
fazer nada, pois o mundo vai de mal a pior e, já que as pessoas vão mesmo ferver no inferno, é bom que comecem ensaiando neste mundo. A defesa da integridade da criação (ecoteologia) divide os cristãos quanto à consciência e à atitude, bem como a defesa da vida no tocante ao aborto, à eutanásia, à tortura e às desigualdades sociais. Isso porque, para além de meras opções individuais, ou algo histórico e cultural, elas decorrem de políticas públicas, decididas por governantes concretos, seus partidos, programas e ideologias, que representam interesses econômicos. Os cristãos não querem sair da zona de conforto, se engajar, se libertar da imprensa manipuladora, lançar mão das ferramentas das ciências sociais, se chocar com os donos do poder (aliados na troca clientelística de interesses), ou porque os “filhos do rei” querem integrar o “andar de cima” (sinal da bênção da prosperidade), e essa coisa de ética e “denunciar as estruturas iníquas da sociedade” pode resultar em perda de emprego, cadeia ou perda de vida (esse negócio de martírio...). “A tarefa da Igreja é uma só: mudar o mundo” (Charles Finney). Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica, A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada e Anglicanismo — identidade,
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Giuseppe Cicconi
R EDESCOBRINDO
A PALAVRA DE DEUS
Valdir Steuernagel
O indivíduo, a família e o evangelho
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uitos de nós crescemos com a percepção de que o evangelho é fácil e bonito. Escolhemos uma igreja e nela levamos nossas crianças, alimentamos rituais de passagem e fazemos celebrações familiares, envoltos em um “belo cenário”. O evangelho se torna um adendo, um cosmético para o nosso bem-estar. Porém, ele é algo bem diferente disto. Aliás, na edição anterior afirmamos que “é fácil, olhando para os Evangelhos, ver como Jesus é um causador de confusão”. Vimos a tensão vivida pela sua própria família quando ele perguntou de forma um pouco prepotente: “Quem é a minha mãe, e quem são meus irmãos?” (Mc 3.33) Quem nunca ficou chocado com o modo relativo como Jesus parece tratar os vínculos familiares? Confesso ter dificuldade de entender quando ele diz que os inimigos serão os da própria casa e, também, que por causa do evangelho se criará cizânia familiar
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(Mt 10. 34-36). Quando ele chama os discípulos a segui-lo, pede fidelidade absoluta e coloca em segundo plano a importância da família (Lc 14.26). Dizemos que a intenção dessa palavra de Jesus é testar nossas prioridades. Contudo, seria mesmo necessário relativizar tanto os vínculos familiares? Ou haveria algum outro sentido nessa declaração? Vejo três movimentos que precisamos discernir e abraçar no que se refere a essas palavras de Jesus. O primeiro nos desafia a olhar para dentro de nós, a reconhecer quem somos e a nos confrontar com os processos destrutivos que fermentam em nosso interior e poluem tudo a nossa volta: “Mas as coisas que saem da boca vêm do coração; são essas que tornam o homem impuro. Pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfêmias” (Mt 15.18-19). Ao seguirmos Jesus, reconhecemos quem somos e, na busca
por uma nova significação da vida, passamos por um processo de “lavagem interior”. Contudo, como não somos indivíduos isolados da nossa história e contexto, este não é um processo individual. Somos, em grande parte, nossa história e nosso contexto. Criamos e impomos costumes e tradições que fazem parte da teia social que promove e também aprisiona a vida. Algo que foi constituído para facilitar e sustentar pode ser usado para escravizar, entristecer e empobrecer. Isso pode ser visto tanto nos milenares grupos étnicos e tribais quanto nas associações e aglomerados urbanos modernos. Jesus detecta e denuncia esses mecanismos. Ao acusar alguns de seus interlocutores de usar a tradição para deixar pai e mãe desprotegidos (Mt 15.3-6), ele se vale da relação familiar para demonstrar como isso acontece. Ao seguirmos Jesus, aprendemos a relativizar, não apenas nossos vínculos de pertencimento, mas também nossos usos e costumes.
Por outro lado, ao segui-lo, experimentamos o sentido de resgate de nós mesmos, dos nossos vínculos e da nossa própria cultura. Por meio desse resgate, vemos aflorar o sentido tanto da família como do mandato cultural, com o qual fomos agraciados por Deus desde a criação. O segundo movimento aponta, assim, para o resgate do sentido e da importância da família. O mesmo Jesus que em dado momento relativiza sua própria família, ao falar das tradições humanas, afirma o mandamento que aponta para o cuidado com os pais. E na hora de sua morte preocupa-se com a mãe e a entrega aos cuidados do discípulo João (Jo 19.27).
O evangelho não nos tira a família. Antes, acrescenta a ela uma família maior, que é a família da fé O evangelho não nos tira a família. Antes, acrescenta a ela uma família maior, que é a família da fé. Em conversa com os discípulos, Jesus aponta para essa realidade e lhes diz que serão recompensados com “irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos” (Mc 10.28-30). Assim, o evangelho nos abraça com a formação de uma comunidade que se nega a desenvolver tradições e costumes que encolham a vida, explorem o
outro e se transformem em estruturas discriminatórias. O evangelho afirma opções de vida em que o interior é renovado e as prioridades são revistas, a família tem seu lugar restaurado e uma nova comunidade, com vocação de inclusão e de serviço em amor, emerge. O terceiro movimento abraça o excluído, o solitário e o abandonado e resgata a dignidade da vida de cada um deles, como Jesus sempre fez. Aliás, foi para isso que ele apontou quando reagiu aos seus irmãos e à sua mãe, quando pretendiam buscá-lo e aprisioná-lo dentro de uma estrutura que ele queria relativizar e expandir. É preciso enxergar além da própria estrutura familiar; caso contrário, esta se torna egocêntrica, cansativa e maçante. É preciso ver que há um mundo lá fora que nos enriquece e desafia. Por isso Jesus diz que quem faz a vontade de Deus passa a ser sua família (Mc 3.35). E diz isso tanto para seus irmãos e sua mãe quanto para os que estavam ao seu redor. O segredo é fazer a vontade de Deus, e esta inclui honrar pai e mãe, cuidar dos filhos com amor, construir famílias integradas e belas e viver uma vida de amor e serviço. A verdade e a realidade disto são medidas, principalmente, a partir da maneira como se integra e se abraça o pequeno e o excluído. E disso nunca podemos nos esquecer. Valdir Steuernagel é teólogo sênior da Visão Mundial Internacional. Pastor luterano, é um dos coordenadores da Aliança Cristã Evangélica Brasileira e um dos diretores da Aliança Evangélica Mundial e do Movimento de Lausanne.
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Alderi Souza de Matos
Angel Norris
H ISTÓRI A
O legado de Constantino
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á exatos 1.700 anos ocorreu um evento marcante na história do cristianismo — a conversão do imperador Constantino. No outono de 312, junto à ponte Mílvia, nas proximidades de Roma, o jovem general derrotou o exército mais numeroso de seu rival Maxêncio e se tornou o líder inconteste da parte ocidental do Império Romano. Segundo consta, na véspera do confronto ele teve um sonho no qual viu o lábaro (as duas primeiras letras sobrepostas do nome de Cristo em grego) e foi instruído a usá-lo como proteção em suas batalhas. A autenticidade da conversão de Constantino é uma questão debatida. Ele manteve o título de Pontifex Maximus, que era usado pelo sumo sacerdote pagão, e durante uma década suas moedas tiveram a efígie de deuses romanos, em especial do Sol invencível (Sol invictus), do qual tinha sido devoto. Além disso, só recebeu 50
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o batismo no final da vida, ainda que essa prática não fosse incomum. Todavia, ele se identificou claramente com a fé cristã e suas atitudes em relação à igreja causaram um impacto profundo na trajetória posterior do cristianismo. Pouco antes de Constantino, os cristãos vinham sendo cruelmente perseguidos por outros imperadores. O novo governante mudou radicalmente essa situação ao proclamar um decreto (Edito de Milão), no ano 313, concedendo ampla liberdade de consciência, dando à fé cristã igualdade com outros cultos e ordenando a devolução de todas as propriedades eclesiásticas que haviam sido confiscadas. Além disso, ele concedeu imunidades ao clero, fez muitas doações à igreja, decretou o domingo como um dia de repouso e atribuiu aos bispos certas funções judiciais. Especialmente significativa foi a interferência do imperador em uma questão teológica — a “controvérsia ariana”.
Ário, um presbítero de Alexandria, no Egito, estava ensinando que o Verbo pré-existente, o Filho de Deus, não tinha igualdade com o Pai, tendo sido criado antes da existência do mundo. O Filho teria sido a primeira criatura de Deus, não sendo, portanto, eterno e divino como o Pai. Esse ensino causou um grande conflito que ameaçou a unidade da igreja e, por extensão, do próprio império. Constantino convocou um sínodo de bispos para resolver a disputa, o que veio a ser o primeiro concílio geral da igreja, reunido na cidade de Niceia em 325. O credo aprovado por esse conclave declarou que Cristo era “consubstancial” com o Pai, ou seja, tinha a mesma essência e eternidade que o Pai. Foi algo absolutamente inédito o fato de um imperador, ou seja, um líder secular, ter convocado e presidido um concílio eclesiástico, tendo inclusive dado alguns palpites quanto ao vocabulário do Credo de Niceia. No princípio, os bispos
festejaram as ações desse novo governante cristão em benefício da fé. Com o passar do tempo, verificouse que se tratava de uma espada de dois gumes: da mesma maneira que concedeu benesses à igreja o imperador se sentiu no direito de interferir na vida da instituição, adotando políticas que podiam ir contra os interesses da mesma. No final da sua vida, Constantino vacilou
As igrejas devem lembrar-se de que seus valores, instrumentos e fins são acima de tudo espirituais — o reino de Deus em suas convicções e acabou apoiando o partido herético, tendo sido batizado em seu leito de morte pelo bispo ariano Eusébio de Nicomédia (337). Só mais tarde a causa trinitária iria triunfar de modo definitivo. As iniciativas de Constantino tiveram fortes repercussões para a igreja durante mais de 1.500 anos. Com ele, surgiu uma estreita aliança entre a igreja e o estado que se aprofundou nos séculos seguintes e deu origem ao fenômeno da “cristandade”, a sociedade homogênea e coesa nos âmbitos político e religioso que caracterizou a Idade Média e perdurou em alguns países até o século 19. O estado geralmente se beneficiou dessa associação, não se podendo dizer o mesmo da igreja, que muitas vezes sofreu com as intromissões do poder estatal. Porém, o legado de Constantino foi ainda mais profundo, por causa das transformações que produziu na própria identidade da igreja. O historiador Mark Noll observa que, nos três primeiros séculos, a
igreja havia existido como uma comunidade peregrina, “que não estava em casa em parte alguma do mundo”, que não tinha nenhuma segurança permanente nesta vida. Com a conversão do imperador, isso gradualmente se desfez. Em troca de alguns ganhos positivos, como o apoio que a igreja recebeu dos governantes em sua missão evangelizadora e civilizadora junto aos povos bárbaros, foi necessário pagar um alto preço. Noll lembra que a partir do quarto século os anseios de poder mundano e as preocupações temporais assumiram uma importância cada vez maior na vida da igreja. As igrejas “oficiais” com frequência usaram o poder estatal para reprimir os dissidentes religiosos. Os cristãos de hoje têm muito a aprender com o legado de Constantino. Primeiro, as igrejas nunca devem fazer alianças com o estado, ou com quaisquer grupos políticos e ideológicos, porque isso irá corrompê-las e desviá-las de sua missão. É importante preservar a valiosa conquista moderna da separação entre a igreja e o estado. Segundo, isso não significa que as comunidades de fé devem se isolar da esfera pública e das questões sociais, retraindo-se em guetos eclesiásticos. Terceiro, as igrejas devem preservar sua liberdade para aplaudir ou censurar as ações do poder público, conforme a necessidade. Quarto, elas devem lembrar-se continuamente de que seus valores, instrumentos e fins são acima de tudo espirituais — o reino de Deus. Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil. asdm@ mackenzie.com.br Março-Abril, 2012
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Paul Freston
Kamil Kantarcıoğlu
É TICA
A primavera árabe e os cristãos (parte 1)
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s editores já haviam me pedido um artigo sobre a primavera árabe quando, folheando a edição de janeiro/fevereiro de 2012, me deparei com a matéria Dois pesos e duas medidas (“Mais que notícias”). O texto começa afirmando que “as portas estão escandalosamente abertas para o islamismo no Brasil (e em todos os outros países democráticos)”. Entendi logo o intuito do artigo: estabelecer o contraste com o fato de que as portas estão “hermeticamente fechadas para o cristianismo em 52
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quase todos os países islâmicos”. A preocupação era, portanto, com a falta de liberdade religiosa em boa parte do mundo islâmico (ainda que a expressão “hermeticamente fechada” não descreva bem a situação). Preocupação legítima (e mesmo necessária), não somente pelo interesse cristão na divulgação do evangelho, mas também por uma questão de direitos humanos em geral e, sobretudo, pela chamada “mãe histórica de todos os direitos”, a liberdade religiosa. De todo modo, surpreendeu-me a frase “as portas estão escandalosamente
abertas para o islamismo”. Por que escandalosamente? Não deveríamos dizer corretamente ou honrosamente? Se acreditamos na liberdade religiosa (para todos!), não pode haver nada de escandaloso nisso; e a falta de liberdade do outro lado não altera nada. Nunca entendi a mentalidade dos cristãos que insistem em uma reciprocidade islâmica (como o direito de construir igrejas na Arábia Saudita) para que os muçulmanos gozem de plenos direitos no Ocidente. Em vez de educar pelo bom exemplo, querem usar de uma moeda de troca política. Além disso,
é bom termos um pouco de humildade histórica: durante a maior parte da história, os países cristãos não foram modelo de liberdade religiosa. Acima de tudo, é preciso ressaltar que, assim como os cristãos são discriminados em países islâmicos, os próprios muçulmanos são também discriminados quando não concordam com a versão do islã defendida pelo seu governo. Ou seja, o que devemos lamentar é a falta de liberdade religiosa em geral nesses países. Os dados sobre o crescimento do islã na América Latina e no Brasil, no referido artigo, são normais. Em muitos países do mundo o crescimento evangélico é igual ou maior que o islâmico, e não achamos nada demais nisso. Por que afirmar, em tom de espanto, que “a liberdade é tal que cerca de cinquenta xeques estrangeiros [...] vivem no Brasil”? Quantos missionários evangélicos estrangeiros vivem no Brasil há mais de 150 anos? E já vai longe a época em que a Igreja Católica se espantava com “tal liberdade” para os não católicos. E se “doze brasileiros estudam em universidades
da Arábia Saudita e da Síria”, o que é isso comparado com o número de evangélicos e católicos brasileiros estudando teologia no exterior? O artigo termina com uma citação apropriada do secretário do Vaticano para as Relações com Outros Estados, lembrando-nos que “a liberdade religiosa não pode se limitar à simples liberdade de culto”, mas inclui “o direito de pregar, educar, converter, contribuir para o discurso político e participar plenamente das atividades públicas”. Se isso vale para os cristãos nos países de maioria muçulmana, vale igualmente para os muçulmanos
O cristão não é chamado a pensar como um torcedor em um estádio, aplaudindo o que parece melhorar as chances do “nosso time” no Brasil. Aliás, é de se esperar que a proporção cada vez maior de muçulmanos que vive em países com liberdade religiosa acabe influenciando os países de maioria muçulmana. Mas, para isso, é bom que os cristãos deixem de achar “escandalosos” os resultados naturais de tal liberdade. Minha preocupação com o artigo de Ultimato pode parecer exagerada, mas é confirmada pelo que testemunhei no 6º Congresso Brasileiro de Missões, em outubro de 2011, em Caldas Novas, GO. Havia vozes mais sensatas ali, nem todas com acesso ao “pódio”. Contudo, os comentários sobre o islã por parte de alguns conferencistas foram muito preocupantes. “O autor do Alcorão é o diabo”, afirmou um deles, sem que
houvesse um murmúrio perceptível de protesto dos 1.500 presentes. (E é bom que os leitores saibam que a atribuição do Alcorão ao diabo não constitui de forma alguma artigo tradicional da fé evangélica. Além das partes do Alcorão que são patrimônio comum das religiões monoteístas, não é necessário atribuir tudo de que discordamos ao diabo.) O principal seminário sobre o islã usou de estatísticas exageradas sobre o crescimento islâmico, ignorou a imensa diversidade dentro do islã e contou anedotas que pintavam o pior retrato possível dos muçulmanos. Por que começar uma avaliação das mudanças no mundo árabe com essas preocupações? Porque a capacidade cristã de “ler” os acontecimentos no Oriente Médio é afetada por esse anti-islamismo (e também pelo sionismo cristão, que avalia tudo que acontece pelo prisma de “benefício” ou “prejuízo” para Israel). Porém, o cristão não é chamado a pensar como um torcedor em um estádio, aplaudindo o que parece melhorar as chances do “nosso time”. A história sempre dá um baile em quem pensa assim. Como o caso dos evangélicos americanos que fizeram pressão para que se invadisse o Iraque, pois isso “abriria a região inteira para a pregação do evangelho”! O antiislamismo e a vontade de forçar a mão da história não constituem uma boa base para avaliarmos o que acontece no mundo árabe. Melhor pensarmos a partir dos valores do reino de Deus e usar as informações que a história e as ciências sociais nos fornecem. É o que tentaremos fazer na próxima edição. Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é professor colaborador do programa de pós-graduação em sociologia na Universidade Federal de São Carlos e professor catedrático de religião e política em contexto global na Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, Ontário, Canadá. Março-Abril, 2012
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Vamos
l er !
Bonhoeffer — pastor, mártir, profeta, espião Eric Metaxas
640 páginas Mundo Cristão, 2011 www.mundocristao.com.br
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Eric Metaxas, aclamado pela biografia de William Wilberforce, nos brinda com um relato inspirador sobre a vida de Dietrich Bonhoeffer. Fugindo dos relatos hagiográficos tradicionais, quase que exclusivamente laudatórios, Metaxas investe em uma abordagem que lança luz suficiente para compreender o contexto da Alemanha nazista, o apoio dado ao Führer pela maior parte dos cristãos e a opção do pastor e teólogo luterano que ousou ir contra a corrente e participou ativamente de um movimento de resistência teológica e política. Suas opções foram moldadas, como aponta Metaxas, pela formação recebida no ambiente
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familiar, que o ajudou a desenvolver um pensamento teológico independente, mesmo estudando ou sendo amigo dos mais renomados teólogos de seu tempo, como Adolf von Harnack, Karl Barth, Reinhold Niebuhr e Paul Lehmann. Sua trajetória acadêmica brilhante foi interrompida pelos acontecimentos políticos que o levaram a denunciar profeticamente, por diferentes meios, a cooptação da igreja alemã, a participar da Igreja Confessante e a liderar o seminário clandestino dessa igreja. Porém, o engajamento ativo na luta política, que lhe custou a vida, decorria da percepção que tinha do significado de ser discípulo de Cristo. Como salienta Metaxas, embora altamente competente como teólogo e professor, Bonhoeffer não estava interessado em abstração intelectual, mas nos aspectos práticos de como viver como cristão no seu contexto, aplicando a Bíblia a cada dimensão da existência. As escolhas que fez o levaram a participar de um complô para assassinar Hitler, sendo preso e morto dias antes da rendição da Alemanha, em 1945.” por Flávio Conrado
Coleção Teologia na América Latina Vários autores
Novos Diálogos, 2011 www.novosdialogos.com
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Quando lemos no final dos quatro Evangelhos e no início de Atos os relatos das manifestações do Cristo ressurreto aos discípulos e apóstolos, aprendemos que a fé cristã já nasceu com vocação globalizante. O desafio do discipulado, do anúncio da necessidade que todos têm de submissão ao reino de Deus e ao projeto de vida de Jesus de Nazaré, é algo não apenas para a zona rural da Galileia, onde tudo começou, mas para todo o planeta. Logo, a teologia, a reflexão crítica sobre a fé e suas implicações, é também uma atividade globalizada. Porém, cada parte do globo tem suas próprias idiossincrasias, particularidades e especificidades. Os contextos mudam. Isto explica por que a teologia adquire contornos diferentes em contextos
diferentes. Uma boa teologia há de ser “dialógica” (para resgatar a linguagem de Paulo Freire): quem pensa a fé em um contexto há de ouvir e falar com os que a pensam em outro. Entretanto, isto não apaga os desafios particulares de cada contexto regional, histórico, político, econômico, social, cultural e religioso. É nesta perspectiva que se apresenta uma novidade no mercado editorial teológico brasileiro: a coleção “Teologia na América Latina”, publicada pela Novos Diálogos Editora. Um trabalho sério, conduzido por jovens entusiasmados e apaixonados pela mensagem do evangelho na realidade latino-americana concreta. Os textos são de teólogos consagrados, como José Miguez Bonino e René Padilla — latino-americanos natos — e Juan Stam e John Driver, latino-americanos “de coração”. O conteúdo da melhor qualidade permite uma reflexão séria em sintonia com a mensagem do texto bíblico e os desafios da complexidade da vida na América Latina. A série rompe com estereótipos do tipo “evangelical” e “ecumênico”, ao publicar lado a lado Miguez Bonino e Padilla. O reino de Deus está acima dos rótulos. Vale a pena ler.” por Carlos Caldas
50 Histórias Bíblicas Favoritas
Brian Sibley e Stephen Waterhouse
160 páginas Luz para o Caminho, 2011 www.lpc.org.br
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O inglês Brian David Sibley é radialista e escritor. Entre suas obras, destaca-se Through the Shadowlands (Terra das Sombras), que conta a história de C. S. Lewis e a esposa, Joy Davidman. Para este lançamento, Sibley escolhe suas histórias preferidas e opta por uma narrativa leve e contemporânea. A seleção começa com 25 histórias do Antigo Testamento, desde a criação do mundo até a reconstrução de Jerusalém sob a liderança de Neemias. As outras 25, do Novo Testamento, narram desde o nascimento de João Batista e de Jesus até o ministério dos apóstolos e o início da igreja cristã. As histórias são apresentadas de forma clara e concisa e primorosamente ilustradas pelo inglês Stephen Waterhouse, artista plástico e também escritor. 50 Histórias Bíblicas
Favoritas é um audiobook, pois acompanha três CDs narrados por Ellis Marina. Com uma trilha sonora suave e harmoniosa e bons efeitos sonoros, as crianças — e também os pais — poderão curtir as histórias de uma forma prazerosa. É também um excelente recurso para crianças com deficiência visual. A tradução é de Odayr Olivetti, professor do Seminário Presbiteriano de Campinas. A edição é de Hernandes Dias Lopes, que destaca a importância da obra com estas palavras: “Constrói uma ponte entre o texto bíblico antigo e o leitor contemporâneo”. por Márcia Barbutti Barreto
Crer é Também Pensar John Stott
60 páginas ABU Editora, 2012 www.ultimato.com.br
O primeiro Stott ninguém esquece. Meu primeiro Stott foi Crer é Também Pensar, publicado pela ABU Editora. Acabei descobrindo que era possível estar na universidade, ser cristão, pensar e servir a Deus ao
mesmo tempo. Foi a descoberta da pólvora. Foram muitos os grupos de leitura, quase sempre depois do bandejão, no gramado, ao lado do departamento de economia. Como secretário de literatura da ABU, não sei quantos exemplares daquele livreto dei, quando deveria tê-los vendido. Há exatos 30 anos. Outros leitores de Stott têm muito a dizer sobre Crer é Também Pensar: “Crer é Também Pensar é um pequeno livro, com uma profundidade de ideias impressionante. Objetivo, suscinto, mas absolutamente revolucionário, é uma referência para estes tempos em que a tolice tem inchado a igreja. Acredito que todos os que o leram, como eu, se sentiram incomodados com a declaração de que não há mais uma mente cristã, no máximo uma ética cristã. Algumas das bases da estrutura que me sustenta hoje estão contidas neste pequeno livro que me fez ver o cristianismo
com novos olhos. Entre os livros de Stott, Crer é Também Pensar foi o livro que eu li mais vezes, muitas vezes… Seu conteúdo influencia gente que ama a Deus com toda a alma e todo o entendimento. Em minha juventude, este livro me ensinou a não desperdiçar minha mente e a conciliar fé e inteligência (razão), coisa rara em nosso contexto, especialmente nos meios onde isso deveria ser promovido sem preconceitos religiosos”. Esta resenha é coletiva: além de Marcos Bontempo, autor do primeiro parágrafo, participam na ordem dela Ana Cláudia Braun, Manoel do Carmo Filho, Eneida Guido Eliézer Bradiones, Humberto Júnior, Bárbara Bianca Bach, Reginaldo Amparo Ramos, Marília Accorsi Peçanha, Romildo R. Ramlow, que usaram o site de Ultimato para homenagear John Sott por ocasião de seu 90º aniversário.
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C AMINHOS
DA MISSã O
Antônio Carlos de Azeredo
O sândalo eo machado e o pastor jubilado
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A. Feldmann
nos quarenta. Cabelos brancos e os solenes casaco preto e calça listrada, traje usual dos homens da geração anterior. De quando em quando ele aparecia lá em casa, nos meus dias de menino. Geralmente portava duas
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grandes valises, pesadas de tanto vidro que levavam; eram quadrinhos simples, feitos com gravuras recolhidas em toda porta e coladas sobre um fundo branco no qual se escrevia, com normógrafo e lápis crayon, frases bonitas, muitas das quais versículos bíblicos; o contorno era um largo passe-partout preto. Ele fora pastor de meus avós e morava então na região serrana do estado. Jubilado, viajava para visitar antigas ovelhas. Para ajudar na singela aposentadoria, vendia os quadrinhos. Lembro-me da imagem de um deles: uma caravela em um mar revolto; de outro, só recordo a legenda: “Seja como o sândalo, que perfuma o machado que o fere”. Essas imagens sempre se acendem em minha memória lembrando-me do cuidado que devemos dispensar àqueles que se dedicam à pregação do evangelho. É verdade que, de modo
geral, os novos tempos trouxeram melhor e mais confortável situação — mais compatível com a dignidade da alta missão que desempenham — para os pastores locais. Dói-me o coração, no entanto, ver que na maioria das vezes o mesmo não acontece com os missionários. Não sei por que a igreja, como
“Seja como o sândalo, que perfuma o machado que o fere” um todo, não costuma prover o sustento dos missionários em moldes semelhantes aos dos pastores locais. Antes, obrigam-lhes a cavar o próprio sustento nas muitas comunidades que visitam para divulgar o trabalho. A pulverização das fontes de
sustento traz o desconforto de o missionário normalmente ter de sacrificar as férias no Brasil para visitar, em outras cidades, as igrejas que o sustentam, a fim de lembrar-lhes que ele ainda está vivo e trabalhando. Ademais, acontece por vezes de o sustento ser suspenso por motivos diversos: durante o período de férias do missionário, sob a alegação de que a manutenção é apenas para o campo; porque a igreja local resolveu priorizar construções ou reformas; ou, ainda, porque houve mudança de pastor da igreja local e o novo não tem visão missionária. Será que, egoisticamente, estamos pensando que missionários são como madeira de sândalo, e nos comprazemos em ficar perfumados enquanto os ferimos? Antônio Carlos W. C. de Azeredo é presbítero da Igreja Presbiteriana Nacional, em Brasília, e membro do Conselho de Evangelismo e Missões da mesma igreja.
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C idade em foco
Jorge Henrique Barro
Templo urbano: lugar e não lugar
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comum ouvirmos que, se alguém deseja matar a missão, deve construir templos. De fato, temos exemplos no Brasil de igrejas que abriram mão dos templos tradicionais e se estabeleceram em outros lugares (tendas, hotéis, escolas), ganhando assim uma “cara” de peregrinas. É a igreja que define a missão ou a missão que define a igreja? Os templos hoje, em sua vasta maioria, estão a serviço da missão ou a missão está a serviço dos templos? A ênfase maior é de fora para dentro ou de dentro para fora? Espera-se que a igreja vá até as pessoas ou que as pessoas venham até a igreja? As respostas a essas perguntas passam pelo entendimento do papel e da função do templo. Segundo o etnólogo francês Marc Augé, criador do importante conceito sociológico de não lugar, o lugar possui três dimensões: identitária, histórica e relacional. Diferentemente dos não lugares, os lugares são caminhos e não estradas. Os lugares são ambientes de pertencimento, enquanto que os não lugares são espaços de acesso, movimento, trânsito, passagem, como aeroportos, bancos, shoppings e supermercados. Nestes, a pessoa é cliente, consumidor, passageiro, ouvinte. Trata-se de uma relação individual. Para Augé, o lugar antropológico simbólico é marcado pela identidade (sua pessoalidade), pela relação (seu grupo social) e pela história comum (seu destino). O não lugar, por sua vez, caracteriza-se pela ausência desses símbolos. Negar o lugar é negar esses símbolos. Ao pensarmos nos templos urbanos, como caracterizaríamos esse espaço? Ao
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longo dos séculos, a igreja de Cristo se distinguiu pela ênfase pessoal, comunitária e missionária, ou seja, a identidade dela estava voltada para a pessoa, a relação com o próximo e o compromisso com a missão no mundo. Em nossos dias, pastores e líderes não enfatizam mais a relação de membro, mas de cliente; não mais de serviço, mas de consumo; não mais de missão, mas de prosperidade; não mais de corpo de Cristo, mas de indivíduos sedentos por bênçãos. Essas inversões simbólicas podem acelerar o processo de transformação da igreja de lugar em não lugar. A igreja não lugar deixa de ser caminho para se transformar em autopista de indivíduos que querem sair de um ponto a outro. Ela corre o risco de se tornar um espaço de passagem impessoal, individual, “marketeiro”, vendedor de bens e consumos espirituais. Que diferença faz para uma pessoa entrar em uma igreja ou em um supermercado, se em ambos ela é um cliente? É notório que alguns templos estão se modernizando, se remodelando, criando novas fachadas, e que outros estão sendo construídos com “novas caras” e alta tecnologia. Quanto mais luxuosos e requintados eles se tornam, mais proibições e regras aparecem quanto ao modo de utilizá-los. Alguns pensam no templo mais como lugar de se fazer casamentos, celebrações, que como local para se receber os pobres, destituídos e miseráveis. Como é fácil deturparmos os propósitos de Deus para nossos templos: “A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos. Mas vocês fizeram dela um covil de ladrões”
(Mc 11.17). De casa de oração para casa de malandros — que tragédia! E como há ladrões e mercadores eclesiásticos hoje. Qual a finalidade de um templo no meio da cidade? A missão força o templo a abrir suas portas; a omissão, a fechá-las. O tempo todo, Jesus tentou mostrar aos discípulos as pessoas e suas necessidades. Certa vez, quando ele saía do templo, os discípulos se aproximaram dele para lhe mostrar as construções do templo (Mt 24.1). Do que os fazia ficar admirados, em breve não restaria pedra sobre pedra (Mt 24.2). Ele lhes disse: “Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei” (Jo 2.19). Um novo templo estava emergindo na cidade: o “santuário do seu corpo” (Jo 2.21). A missão sai de uma geografia estática para vidas dinâmicas. Será que, como os coríntios, nos esquecemos ou ainda não nos conscientizamos de que somos santuário [templo] de Deus e que o Espírito de Deus habita em nós? (1Co 3.16-17). Quando o Espírito Santo desce, ele enche de poder esse novo santuário sagrado, que somos nós. O templo se fez povo. Este é o templo que o mundo urbano precisa ver e admirar — as pedras vivas (1Pe 2.5). E é melhor nos acostumarmos, pois após o city tour que João fez na Nova Jerusalém, ele relatou: “Não vi templo algum na cidade, pois o Senhor Deus todo-poderoso e o Cordeiro são o seu templo” (Ap 21.22). Se somos santuário sagrado no meio da cidade e para a cidade, certamente seremos sempre lugar para que a graça e o amor de Deus possam ser manifestados. Jorge Henrique Barro é professor da Faculdade Teológica Sul Americana e presidente da Fraternidade Teológica Latino Americana (continental).
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Texto Mariana Furst | Mostra Klênia Fassoni, Mariana Furst e Whaner Endo
E s p ec i a l
Celebrando a vida com arte
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elebre a beleza! Este é o convite que fazemos neste “Especial”. É preciso olhar ao redor e reconhecer alguns trabalhos admiráveis produzidos por cristãos no campo das artes. Independentemente da escolha religiosa do artista, o belo nos aproxima de Deus, pois dele provém. Contudo, esta é uma mostra de cristãos. Ultimato quer lhes dar visibilidade e incentivar o leitor a encarar a arte como um chamado. De certo esta é uma mostra pequena e parcial. Por isso, convidamos você, leitor, a expandi-la. Há tempos Ultimato caminha nesta direção, apresentando e discutindo a relação entre arte e cristianismo. Em 1968, primeiro ano da revista, Marcos Barreto França marcou presença em todas as edições com suas poesias. De 2005 a 2009,
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Mark Carpenter escreveu regularmente a seção “Arte e cultura”, versando sobre música, cinema, literatura, entre outros temas. Carlinhos Veiga, conosco desde 2004, apresenta a cada “Novos acordes” músicos contemporâneos de alta qualidade. Em 2004, a editora Ultimato publicou os livros Cristo e a Criatividade, de Michael Card, e Cinema e Fé Cristã, de Brian Godawa. Em seguida vieram A Arte e a Bíblia (2010), de Francis Schaeffer, A Arte não Precisa de Justificativas (2010), de Hans Rookmaaker, entre outros. Ainda em 2012 chegará às livrarias A Arte Moderna e a Morte de Uma Cultura, também de Rookmaaker. O portal Ultimato também não fica para trás, abrindo espaço para a moçada fazer arte. O boletim eletrônico Ultimato Jovem estampou em suas
edições 22 fotos tiradas por jovens artistas. Em 2012, o informativo semanal Ultimas foi inaugurado com um novo espaço: a cada edição traz no topo arte produzida por cristãos. Participe! Acesse o portal Ultimato e indique obras, eventos, artigos, sites, vídeos e músicas. Este é apenas um sopro inicial. Quem sabe com a sua participação tenhamos fôlego para ir mais longe nessa nobre empreitada. (Se preferir, escreva para ultimatoonline@ultimato. com.br). Um chamado para as artes As artes tiveram destaque especial no Terceiro Congresso de Lausanne sobre Evangelização Mundial, realizado na Cidade do Cabo, em 2010. O livro O Compromisso da Cidade do Cabo, fruto do evento e das reflexões a respeito do tema, reafirma
que a arte é “parte integral do que fazemos como humanos e pode refletir algo da beleza de Deus”. E acrescenta: “Os artistas, no seu melhor, são narradores da verdade e, por isso, a arte constitui um meio importante através do qual podemos comunicar a verdade do evangelho”. (p. 81) Para além do discurso da arte como um recurso para a pregação do evangelho, vê-se no trecho acima a preocupação com a integralidade do homem e com a imagem do Criador refletida nas obras artísticas. Para Hans Rookmaaker, escritor holandês e professor de teoria e história da arte, música, filosofia e religião, a arte deve ser apreciada e cultivada “por proporcionar um enriquecimento da vida pela manifestação de uma experiência estética”. Desfrutar da beleza artística de uma obra por si Março-Abril, 2012
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só deve ser o suficiente. Em outras palavras, a arte não precisa de justificativas. Esta afirmação de Rookmaker, ao contrário do que se possa pensar, não faz uma apologia da “arte pela arte”, na qual o homem não tem mais lugar. Para ele, embora a arte possa ser cultivada e apreciada pela simples função de expressão estética, ela é carregada de substratos simbólicos, ou representações, que expressam a profunda qualidade de criaturidade do artista, sua relação com 62
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os sentidos últimos da existência, com a ideia de origem, com a diversidade de aspectos criacionais e com o real.1
Deste modo, imbuído de uma cosmovisão cristã — que inclui as realidades de Deus, do homem, da comunidade e do belo —, o ser humano manifesta estas verdades naturalmente, fazendo com que o reino de Deus seja implantado também no campo das artes. No livro Surpreendido pela Esperança, N. T. Wright argumenta que a arte que
melhor exprime a realidade do reino entre nós concilia as dores humanas com as promessas eternas. Quando a arte souber harmonizar as feridas do mundo e a promessa da ressurreição, e aprender a expressá-las simultaneamente, estaremos caminhando para uma nova visão e para uma nova missão. [...] A arte, em sua melhor expressão, não somente chama a atenção para a realidade atual, mas aponta também para o futuro, quando a terra se encherá do conhecimento de Deus, como as águas cobrem
o mar. (p. 238)
Falar de eternidade, neste sentido, não significa anunciar uma impossibilidade de fazer arte no mundo presente, como se a vida eterna só se realizasse no porvir (Jo 17.3) e devêssemos esperar por ela para produzirmos algo que valha a pena. Para muitos, o trecho de Apocalipse 21. 24-27 indica que a glória dos reis e das nações, que será apresentada diante do Rei dos reis, é
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Arte de repente Arte é a disposição quando se tem em alguém capaz suficiente de fazer num processo consciente com astúcia perícia e precisão é o talento, o jeito, a propensão ainda assim ela é surpreendente certa feita que veio num repente no agente o vislumbre dum clarão vis-à-vis com o olhar a sua tez é como defrontar com o numinoso que arrebata num instante majestoso no semblante a verdade ante a beleza
como pode haver calma se é surpresa se há pergunta se cala e não responde quem poderá dizer o quando e onde quase tanto quanto é certo é duvidoso expressão de vida do indivíduo é a subjetividade e o sujeito é no mundo que a todos diz respeito o efeito do mundo de alguém toda arte e tudo que convém todo bem a quem tanto bem tem feito diga Deus lá do céu eu me deleito dom perfeito que dele mesmo vem 6
constituída pelo acúmulo das realizações culturais ao longo das gerações. Arte, literatura, música, arquitetura, gastronomia e moda, a riqueza da língua e da cultura — e tantas outras coisas — são elas que formam as características nacionais — que, na melhor das hipóteses, enriquecem nossa humanidade [...]. A nova criação vai começar com uma enorme reserva de tudo o que a civilização humana conquistou na antiga criação mas purificado,
limpo, desinfetado, santificado e abençoado. E teremos a eternidade para nos regozijarmos e nos estabelecermos de maneiras que agora não podemos imaginar, já que poremos em prática as capacidades criativas de nossa humanidade redimida.2
Trata-se, então, de iniciarmos agora o que será pleno no futuro. O chamado é para que — a despeito da depravação total que abarca a arte, como fruto da queda,
de um persistente mau gosto cristão, ou, ainda, da acidez de alguns quando o assunto é arte e cristianismo — a arte esteja presente nos púlpitos, nas discussões e, sobretudo, na vida dos cristãos; tornando-nos, assim, mais humanos; quiçá, mais divinos. Notas 1. RAMOS, Leonardo, CAMARGO, Marcel, AMORIM, Rodolfo (org.). Fé cristã e cultura contemporânea. Viçosa: Ultimato, 2009. p. 123. 2. WRIGHT, Christopher J. H. O Deus que eu não entendo. Viçosa: Ultimato, 2001. p. 242. Março-Abril, 2012
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Oração da maçaneta Não há mais bela música que o ruído da maçaneta da porta quando meu filho volta para casa. Volta da rua, da vasta noite, da madrugada de estranhas vozes, e o ruído da maçaneta e o gemer do trinco, o bater da porta que novamente se fecha, o tilintar inconfundível do molho de chaves são um doce acalanto, uma suave cantiga de ninar. Só assim fecho os olhos, posso afinal dormir e descansar. Oh! a longa espera, a negra ausência, as histórias de acidentes e assaltos que só a noite como ninguém sabe contar!
Oh! os presságios e os pesadelos, o eco dos passos nas calçadas, a voz dos bêbados na rua e o longo apito do guarda medindo a madrugada, e os cães uivando na distância e o grito lancinante da ambulância! E o coração descompassado a pressentir e a martelar na arritmia do relógio do meu quarto esquadrinhando a noite e seus mistérios Nisso, na sala que se cala, estala a gargalhada jovem da maçaneta que canta a festiva cantiga do retorno. E sua voz engole a noite imensa com todos os ruídos secundários. — Oh! os címbalos do trinco
e os clarins da porta que se escancara e os guizos das muitas chaves que se abraçam e o festival dos passos que ganham a escada! Nem as vozes da orquestra e o tilintar de copos e a mansa canção da chuva no telhado podem sequer se comparar ao som da maçaneta que sorri quando meu filho volta. Que ele retorne sempre são e salvo, marinheiro depois da tempestade a sorrir e a cantar. E que na porta a maçaneta cante a festiva canção do seu retorno que soa para mim como suave cantiga de ninar. Só assim, só assim meu coração se aquieta, posso afinal dormir e descansar. 9
1. João Montanaro, 15 anos, é chargista da Folha de São Paulo. Critica política e sociedade em tirinhas. Começou a trabalhar em 2008 na revista Mad e em 2010 passou a fazer charge política no jornal Folha de São Paulo. joaomontanaro.blogspot.com 2. “Num Piscar de Olhos”, da artista Chrystiane Correa. Nascida em 1961 em Niterói, RJ, é membro da igreja The Living Word. Realiza várias exposições coletivas e individuais no Brasil e no exterior. A alegria é a sua marca. Seus quadros estão tanto em cenários de telenovelas quanto em casas de craques do 64
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futebol brasileiro, bem como em livros, revistas e galerias de arte. chrystianecorrea.com 3. Ilustração da maranhense Meg Banhos para o livro Mulher de Lei, do cordelista Tião Simpatia. Membro da Igreja Batista Central de Fortaleza, ela tem ilustrações publicadas para crianças em CD’s e livros e é autora do cordel digital mais assistido no youtube durante a semana de Natal, “Um cordel de Natal”. Trabalha com design e ilustrações publicitárias. Faz, ainda, animações, musicais, cenografia, livros, cartoons e charges. megbanhos.blogspot.com
4. Curta “Cross the Line”, de Alyson Montrezol. Nascido em Praia Grande, SP, ele é diretor de imagens, fotógrafo, empresário e professor universitário. Foi o único representante da América Latina entre os finalistas do Festival Internacional de Cinema na Califórnia, Estados Unidos. alysonmontrezol.com.br 5. Catavento Dança & Pesquisa é um coletivo de dança que tem como objetivo investigar questões e instigar reflexões sobre a dança por meio de trabalhos coreográficos e escritos. O grupo teve início em 2008, com a realização de coreografias, oficinas, palestras, produção de textos etc. Caracteriza-se pelo foco na dança
contemporânea e na criação coletiva. “Ventaneio” (2009) e “Recortes sobre um ponto de vista” (2010) são dois espetáculos significativos do grupo. É formado por Paula Davis, Carol Gualberto, Vitória Meireles e Fabrícia Melo. cataventodp.blogspot.com 6. Roberto Diamanso nasceu no Sítio Paus Viola, em Taquanara, AL. Cresceu nas casas de farinhas onde escutou histórias contadas e cantadas por gente simples, de onde tira a inspiração para seus poemas e músicas. É músico, poeta, pastor e cuidador de crianças. Estes versos foram feitos especialmente para esta matéria. diamanso.com.br
Acontece Som do Céu por Mocidade Para Cristo Data: 2 a 7 de abril de 2012 Contatos e informações: mpc.org.br Fé – Festival Evanarte por Evanarte Data: 2 de junho de 2012 Contatos e informações: evanarte.blogspot.com e brunogueiros@gmail.com Nossa Música Brasileira por Jovens da Verdade Data: 31 de agosto a 2 de setembro de 2012 Contatos e informações: jovensdaverdade.com.br e raquel@jovensdaverdade.com.br
Saiba + cristianismocriativo.com.br plataforma.art ultimato.com.br/sites/labrarte ultimato.com.br/sites/carlinhosveiga viladolouvor.org/a-vila ultimato.com.br
10 7. Grafite de Eric Rodrigues. Ele é tatuador e grafita por hobby. É também pastor anglicano, obreiro da escola Avalanche Missões Urbanas, articulador da Rede FALE e faz parte da coordenação estadual do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade, do Espírito Santo. 8. Roberto Minczuk é regente titular da Orquestra Sinfônica Brasileira. Sonhava em ser regente de orquestras assistindo ao pai, o sargento José, tirar melodias de um coro da Polícia Militar de São Paulo. A família respirava música clássica. O casal e os oito filhos exercitavam
o talento musical nos cultos da Igreja Evangélica Assembleia de Deus Russa do Brasil. Minczuk já regeu mais de oitenta orquestras em quatro continentes. Destacamse as filarmônicas de Nova York, Los Angeles, Israel, entre outras. Gravou vários CDs e recebeu numerosos prêmios. robertominczuk.com 9. Poesia “A oração da maçaneta”, de Gióia Junior (1931-1996). Nascido na cidade de Campinas, SP, foi diácono da Igreja Batista. Dedicou-se à literatura cristã, tendo escrito vinte livros de poesia. Foi deputado estadual, deputado federal e
professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Atuou como jornalista nas emissoras Record, Bandeirantes e SBT. 10. Móvel desenhado por Wagner Archela. Nascido em 1964, em São Paulo, Archela foi desde o início influenciado pela diversidade cultural do Brasil. O estilo de vida artístico (trabalhou por seis anos como músico profissional) em contraponto à razão lógica adquirida na escola de engenharia e o processo de combinar diferentes ideias, influências e técnicas são a síntese de sua arte. archela.com.br Março-Abril, 2012
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eu telefone deu defeito. Ao levá-lo para ser De repente, essa obsolescência das coisas quer consertado, descobri que sairia mais barato contaminar também nossas relações. E buscamos amigos comprar um novo. Minha máquina de lavar “novos em folha”. Já não temos resistência para longas não funciona mais, depois de 25 anos de uso. Troquei-a. amizades, do tipo “de infância’, casamento, família etc. De Porém, a mais nova, com cinco anos, já começa a pedir repente, precisamos mudar, trocar. Afinal, “a fila anda”. conserto. Ainda não sabemos bem como é este “dia” que chamaComprei um computador novo, pela internet. Último mos de “pós”. Se soubéssemos, não o chamaríamos assim. tipo. Entretanto, quando a encomenda chegou, ele já esta- Pós-modernidade é o tempo que sucede a modernidade. va ultrapassado. A oferta de novos computadores de mesa, Contudo, ainda não temos um nome para ele. Segundano Brasil, subiu de 476 em 2009 para 835 em 2011. -feira é o dia que sucede o domingo. Se estivéssemos A taxa de obsolescência aumenta à medida que a taxa de vivendo a primeira segunda-feira de nossas vidas, talvez a inovação acelera e o processo de produção fica mais barato. chamássemos de pós-domingo (em que houve uma feira). Fred Seixas, gerente da LG, afirma que a Porém, como discernir esse tempo tão durabilidade das máquinas está, de fato, louco e... gostoso? Na dúvida, precisamos menor. “A gente observa que o intervalo preservar o essencial até compreendermos Precisamos preservar de troca de refrigeradores e lavadoras de bem o que ele traz de bom ou de o essencial até roupa, que era de dez anos na década de perigoso. Seu computador ainda lhe compreendermos 1990, hoje está entre cinco ou seis anos”, atende? Fique com ele. Sua lavadora está bem o que a pósafirma Seixas. nova? Fique com ela. Seu marido... modernidade traz de Inevitavelmente, esses fenômenos pósEis um tema para a Escola Dominical. modernos têm efeito sobre nossas almas. Já tenho o verso áureo: “E não vos bom ou de perigoso Já sofremos transtornos provenientes conformeis com este século, mas da idade dos móveis, dos aparelhos, da transformai-vos pela renovação da vossa decoração da sala. Temos vergonha de mente, para que experimenteis qual seja dizer o ano do nosso carro e também quando compramos a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2). o celular. Encontramos amigos antigos e ficamos Que século? Que fôrma? Que “trans-fôrma-ção”? A constrangidos de dizer que ainda moramos no mesmo Bíblia nos ensina que fomos feitos seres relacionais, que endereço — “você ainda mora lá? Matusalém!”. se assentam à mesa com o Pai e com os irmãos, em um Temos dores de abstinência se não checamos nossos grande banquete servido de pão e de vinho. Comunhão da e-mails a cada dez minutos, ou nosso celular a cada nossa essência e identidade. Para isso o pão se partiu e o minuto. O celular ligado tornou-se vital. E, no culto, são vinho se verteu. poucos os que o colocam no modo silencioso. Afinal, Decifremos, então, este dia, tateando no claro; tendo o corremos o risco de não ouvir a chamada, distraídos que essencial como referência. E ofereçamos a Deus sacrifício estaremos com a oração. vivo. À mesa, com os amigos, tuitamos, pelo celular, com Rubem Amorese é presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília, e foi professor na Faculdade Teológica Batista de Brasília por vinte anos. Antes de se aposentar, foi outros amigos. Mais que um conviva chato, incomodalegislativo no Senado Federal e diretor de informática no Centro de Informática e -nos a ausência de mensagens. Então, se ela não chega, nós consultor Processamento de Dados do Senado Federal. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e ligamos, só para agitar. Só para fazer alguma coisa. Liturgia e Fábrica de Missionários — nem leigos, nem santos. ruben@amorese.com.br
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